PARQUE DE USO MÚLTIPLO (PUM) EM PRESIDENTE PRUDENTE, SÃO PAULO PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO NO ESPAÇO URBANO. Fernando de Oliveira Amorim 1



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Transcrição:

PARQUE DE USO MÚLTIPLO (PUM) EM PRESIDENTE PRUDENTE, SÃO PAULO PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO NO ESPAÇO URBANO Fernando de Oliveira Amorim 1 RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar propostas de intervenção arquitetônica e urbanística no espaço urbano da cidade de Presidente Prudente (SP), mais precisamente, Parque de Uso Múltiplo (PUM). A área do parque localiza-se sobre o córrego do Veado sendo, por isso, suscetível de freqüentes enchentes devido sua localização espacial e morfológica. Intencionando minimizar esta dinâmica, a administração municipal direcionou investimentos federais do Programa CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada) na década de 1970 ao canalizar o córrego e dispor sobre o mesmo algumas quadras de esporte. No entanto, a canalização do córrego possibilitou conseqüente loteamento da área, e o que se pôde observar foi a concretização de um processo de produção do espaço urbano voltado ao benefício de alguns poucos proprietários de lotes em detrimento do usufruto coletivo deste espaço encravado no seio da malha urbana. Acreditamos que analisar as intervenções do poder público na dinâmica de (re)estruturação do espaço urbano é fundamental para se compreender e discutir os processos de produção e apropriação da cidade. Neste contexto, considerando a existência do parque e sua subutilização devido à carência de investimentos em infra-estrutura para a permanência e convívio, propomos uma intervenção arquitetônica e urbanística com a implantação de um Mercado Municipal, Centro Municipal para Educação Alimentar, Praça de Alimentação e readequação das quadras esportivas em Ginásio Poliesportivo. Palavras-chave: Políticas Públicas; Programa CURA I; Intervenção Arquitetônica e Urbanística. 1 Graduação em Filosofia, Universidade São Francisco, São Paulo/SP; graduação em Arquitetura e Urbanismo (bolsista FAPESP); pós-graduação em Planejamento e Gestão Municipal e mestrando em Produção do Espaço Urbano, Programa de Pós-Graduação em Geografia (bolsista CAPES) UNESP, Presidente Prudente/SP; philol@ibest.com.br.

1. INTRODUÇÃO Ao observar o processo de produção, estruturação ou reestruturação do espaço urbano, acreditamos na essencialidade da relação entre vida urbana e formas de ambiente público transparente para seus citadinos, pois, como afirma Negt (2002) 2, as cidades são frutos das modificações profundas dos seres humanos envoltas na maneira de viver, no relacionamento entre os cidadãos e para com o ambiente ao redor. Se desaparecer essas formas, desaparece a vida urbana. Ao apreender este processo de configuração urbana das cidades brasileiras, destacamos as contribuições de Reis Filho 3 (1970 e 2000), ao expressar que a lógica da produção do espaço urbano brasileiro, dentre outros fatores, foi potencializada a partir de uma herança colonial de exploração indiscriminada de terras até a Lei de Terras da década de 1850, no Segundo Império. Concomitantemente, conforme Abreu (1972) 4, a formação do sítio urbano da cidade de Presidente Prudente (SP) também se originou de uma lógica de produção do espaço urbano voltado à especulação de terras não otimizando o planejamento urbano em espaços adequados para a diversidade de usos. Neste contexto, conforme Calixto (2001) 5, os processos de produção, de apropriação e de consumo do espaço urbano são dinâmicos e articulados, e não ocorrem desvinculados do modo pelo qual se processam as relações sociais, as quais são permeadas por interesses, necessidades e aspirações. Consequentemente, as intervenções urbanas implantadas pelo poder público envolvem objetivos de ordem econômica, política, social e ideológica. Dito posto, ao discutir o processo de implantação do Parque de Uso Múltiplo em Presidente Prudente (SP) por meio de investimentos do Programa CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada), compreende-se que o poder público ao relacionar-se com a sociedade assume tanto o papel de confronto, quanto o de mediador ou interlocutor configurando o acesso à terra de maneira socialmente diferenciado ou desigual. Isso ocorre não somente no que concerne à qualidade ou padrão do imóvel, mas também quanto à localização no interior da cidade e sua relação com a infra-estrutura existente (o que acaba por definir os que vão ocupar determinado lugar), descaracterizando-o da qualidade de espaço público em função de concessões a atores privados (CALIXTO, 2001). 2. PROGRAMA CURA Na década de 1970, o Programa CURA, do BNH (Banco Nacional de Habitação) foi uma política urbana que propunha promover o desenvolvimento urbano enquanto sinônimo de progresso, dentre os quais, o crescimento da cidade e incremento de setores de atividades (indústria e 2 NEGT, sociólogo alemão, apresentou o artigo Espaço Público e Experiência no Seminário Teuto-brasileiro realizado em junho de 2000, pelo Instituto Goethe São Paulo e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em São Paulo (SP). 3 REIS FILHO é professor titular da Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. 4 ABREU foi professor de História Política, Econômica e Social Geral e do Brasil, do Departamento de Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Prudente (atual Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente [SP]). 5 CALIXTO é docente de Geografia Urbana na Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados (MS). 2

comércio), elaborando uma série de políticas e propostas que tornariam a organização do espaço urbano mais eqüitativo (HORA, 1997) 6. As principais obras financiadas com recursos federais do Programa CURA foram sistema viário, drenagem, educação e cultura, serviço social, recreação e lazer, iluminação pública, transportes urbanos, saúde, abastecimento de água, coleta de esgotos, comércio e abastecimento, desapropriações, estudos, projetos e gerenciamento. Segundo Serra (1991) 7, nos programas realizados, a drenagem [14,7%] e o sistema viário [57%] foram os que canalizaram maiores investimentos, com o último representando mais da metade desses, devido à facilidade do retorno do capital investido com a cobrança da contribuição de melhoria, garantindo à prefeitura retorno dos recursos investidos, necessário ao pagamento do empréstimo. A categoria recreação e lazer refere-se a 12% dos investimentos, sendo que os demais itens estão abaixo dos 4% (SERRA, 1991, p. 123). O Programa CURA integrava um ideário sobre desenvolvimento e planejamento urbano ao propor maior racionalidade nos gastos do dinheiro público e empenhar maior volume de recursos em vias de circulação e saneamento urbano. No entanto, estas políticas e propostas tiveram efeitos contraditórios, pois a concepção desenvolvimentista do Programa CURA não problematizou questões como degradação sócio-ambiental e melhor qualidade de vida para os citadinos, que era uma de suas prerrogativas. Concernente à implantação do Programa CURA, Presidente Prudente (17º município a utilizar os recursos do Programa CURA), obteve recursos em três ocasiões: Projeto CURA I (implantado na porção oeste da cidade) e CURA II (mais a noroeste) com início em 1976 e término na gestão municipal seguinte [1977-1982] ambos sob a legenda partidária da antiga ARENA e o Programa CURA III (zona leste) - gestão do PMDB entre os anos de 1985 e 1987. O PUM, objeto das propostas de intervenção foi implantado no CURA I (vide figura 01). No Projeto CURA I, os financiamentos visaram canalizações dos Córregos do Veado, do Bacarin e do Bôscoli; serviços de galerias e águas pluviais em vários bairros (Bosque, Vila Maristela, proximidades do Tênis Clube); desapropriações nas áreas do Córrego do Bôscoli e do Parque do Povo (totalizando 423 desapropriados); implementação da Rua de Pedestres (Calçadão), Parque de Uso Múltiplo, Praça da Bandeira, Centro Olímpico do Parque do Povo (Centro Olímpico Paulo Salim Maluf); construção das creches do Jardim Monte Alto (Creche Silvia Lutfala Maluf) e da Vila Formosa (Creche Lilá Bayton Martins) e modernização do sistema de iluminação em toda a área abrangida pelo Projeto CURA (HORA, 1997, pp. 112-4). Dentre as obras implantadas no desenvolvimento do Projeto CURA I, destaca-se a canalização do Córrego do Veado (atual Parque do Povo), do Córrego do Bacarin (Jardins Aviação e Paulista) e Córrego do Bôscoli (PUM). Este processo de reurbanização destes fundos de vale repercutiu expressivamente no espaço urbano de Presidente Prudente. As implantações do Projeto CURA I efetivaram uma reestruturação monopolista do espaço urbano, principalmente por determinados grupos proprietários da área. Evidentemente, este processo também trouxe melhorias para os moradores das áreas contempladas. Mas o que se pode extrair do processo de implantação do Projeto CURA I foram princípios norteadores que privilegiaram interesses de determinados grupos, destacando a urbanização da área circunvizinha ao Tênis Clube, clube até então freqüentado pela elite da cidade tendo sua frente voltada para a Avenida Washington Luis (uma das 6 HORA é docente de Geografia Humana e Economia Geral no Instituto Superior de Educação CERES em São José do Rio Preto (SP). 7 SERRA é professor titular da Universidade de São Paulo e pesquisador do NUTAU - Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da USP. 3

vias de circulação mais importante da cidade), com uso do solo especializado principalmente em serviços médicos (consultórios, clínicas, laboratórios) e comércio sofisticado. Legenda CURA I: 1. Parque do Povo: canalização, drenagem, desapropriações, Centro Olímpico 2. Córrego do Tênis Clube: canalização, serviços de galerias e águas pluviais 3. Construção do Parque de Uso Múltiplo, canalização do Córrego do Bôscoli 4. Rua de pedestres (Calçadão) 5. Praça da Bandeira 6. Creche da Vila Formosa 7. Creche do Jardim Monte Alto CURA II: 8. Parque do Povo: pavimentação e tratamento paisagístico 9. Pavimentação da Avenida Ana Jacinta 10. Canalização de Córrego (Buracão Duque de Caxias) 11. Praça das Cerejeiras 12. Centro de Saúde (COHAB) 13. Balneário Público Termas de Águas Quentes CURA III: 14. Avenida Tancredo Neves: pavimentação, serv. de galerias e águas pluviais Figura 01: Presidente Prudente. Localização dos Projetos CURA I, II e III Fonte: HORA, 1997. Org. da legenda: AMORIM, 2009. Pode-se notar que o conjunto das canalizações destes córregos foram obras de saneamento que tiveram ampla repercussão na área oeste da cidade, e que todas as modificações verificadas naquelas imediações após a construção do Prudenshopping (1990), sem dúvida, tiveram início com essas obras de desenvolvimento urbano, executadas aproximadamente dez anos antes da inauguração (HORA, 1997, p. 119). O que se observa das propostas de intervenção no Parque de 4

Uso e Múltiplo é que são decorrências de um processo de intervenção de políticas públicas federais ao implementar meios de consumo coletivos com diferentes produções e apropriações pela sociedade, configurando por sua vez diferentes formas de utilização de valores, ora de uso, ora de troca. 3. PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO URBANA 3.1 Passeio Público com diversidade de usos Ao refletir sobre as intervenções do poder público na implementação dos meios de consumo coletivos, produção, apropriação e as diferentes formas de utilização desses valores de uso, Vasconcellos (2001) 8 expõe que o tipo específico do ambiente de circulação influencia diretamente a qualidade e a eficiência dos movimentos de pessoas e mercadorias, sendo elementos essenciais para entender os processos de produção e reprodução. A organização do ambiente de circulação tem relação direta com o desempenho dos papéis no trânsito que, por sua vez, têm relação direta com as características sociais, políticas e econômicas de grupos e classes sociais (VASCONCELLOS, 2001, p. 34). Considerando que o espaço da circulação passou a ser o espaço do automóvel e a configuração da malha urbana atuou (e atua) quase que exclusivamente em benefício do automóvel, afirmamos que o transeunte perdeu (e perde) gradativamente o sentimento de pertença à rua. Consequentemente, as relações entre o transeunte e o automóvel, presentes no espaço concreto da rua e do passeio público, cederam (e cedem) espaço ao distanciamento do uso e funções, e não representa espaço de encontro e de relações entre indivíduos. A perda do sentido de alteridade da rua e do passeio público proporciona cada vez menos relações de contatos e aprendizagem - marcas essenciais da cultura e preservação de uma sociedade. Neste contexto, propomos transformar a área sobre a canalização do Córrego do Bôscoli em espaço de lazer com diversidade de usos (fig. 02). Figura 02: Presidente Prudente. Proposta de Intervenção no Projeto CURA I Fonte: AMORIM, 2009 9. S/Escala. A via existente na continuidade do Parque de Uso Múltiplo (sentido leste-oeste) foi dotada com infra-estrutura de lazer (quadras de futebol e vôlei, playground, quiosques para alimentação e/ou recreação, por exemplo), sanitários, posto policial e áreas de estacionamento. O projeto de 8 Vasconcellos, engenheiro de transporte e sociólogo com pós-doutorado na Universidade de Cornell (Estados Unidos). 9 Apoio técnico nas representações gráficas: Fernando Cesar Amaro Bróglia [et. al]. 5

reurbanização desta via (atualmente subutilizada) e de seu entorno fora concebido em vista à continuidade, à acessibilidade e ao lazer de circunvizinhos e visitantes. 3.2 Espaço da Cidadania Seguindo o mesmo princípio de acessibilidade, a concepção do Espaço da Cidadania pautouse em um projeto que privilegiasse a forma estrutural de maneira a não impedir o livre trânsito pela área circundante criando ambiente contínuo. Figura 03: Espaço da Cidadania: Planta Baixa A edificação é composta por duas estruturas ligadas por uma marquise, que além da questão plástica de continuidade do edifício, oferece área de transição coberta e espaço de permanência. O espaço da cidadania ocupa o comprimento da área de todo um quarteirão (aproximadamente 90m). Figura 04: Espaço da Cidadania: Fachada Sul e Fachada Leste As duas estruturas simétricas contêm área de recepção, área de serviço composta por uma copa e sanitários, uma sala de assistência social, uma sala de consulta a arquivos, sanitários para uso público, duas salas de uso dos conselheiros onde é possível instalar uma estrutura de informática interligada a uma sala de reuniões aberta para a área da marquise. O espaço dispõe de um auditório com capacidade para 240 pessoas localizado na extremidade leste da implantação contíguo à via local existente. Figura 05: Espaço da Cidadania Auditório: Planta Baixa, Cortes e Fachadas 6

3.3 CRESAN - Centro de Referência e Segurança Alimentar O Centro de Segurança e Referência Alimentar ocupa a área onde hoje se localiza o Parque de Uso Múltiplo e tem contato direto com o Mercado Municipal que também ocupa a área circunvizinha. As duas edificações relacionam-se também mediante as atividades complementares - o Mercado Municipal pode abastecer o Centro de Segurança Alimentar com determinados alimentos que, ao serem beneficiados, serão fornecidos à sociedade civil organizada - instituições de assistencialismo social, por exemplo. Figura 06: CRESAN Centro de Referência e Segurança Alimentar: Planta Baixa O CRESAN está localizado numa esquina apresentando duas entradas. A entrada principal ou social (oeste) permite o acesso às duas cozinhas-piloto com salas de aula para cursos oferecidos pelo Centro. Estas cozinhas apresentam infra-estrutura adequada conforme as recomendações do Ministério do Desenvolvimento Social. O outro acesso é pela lateral com acesso à Rua Álvares Machado (fachada sul) e é utilizado tanto para o recebimento quanto para a retirada de alimentos (carga e descarga). Figura 07: CRESAN Centro de Referência e Segurança Alimentar: Fachadas A área de processamento de alimentos é composta por uma área de recebimento, um laboratório de análise, copa, sanitário e vestiários para funcionários, área de manipulação, galpões frigoríficos (um para armazenamento de alimentos saudáveis e outro para armazenamento de sobras inutilizadas lixo). Conta ainda com depósito e área de retirada dos alimentos. A área de manipulação dos alimentos é composta por 3 (três) bancadas onde cada uma delas terá seu uso 7

direcionado à um determinado tipo de alimento: 1. frutas, vegetais e legumes; 2. carnes e 3. alimentos secos não perecíveis. Ressaltando a circulação, a cozinha piloto conta com área para estacionamento e o acesso à área de recebimento e retirada de alimentos (automóveis, utilitários e caminhões) ocorre a partir da Rua Álvares Machado sentido interior do Parque de Uso Múltiplo. Esta entrada serve tanto o Centro de Referência e Segurança Alimentar quanto o Mercado Municipal. 3.4. Mercado Municipal O Mercado Municipal ocupa atualmente a área onde foi proposto o Espaço da Cidadania. No projeto de intervenção, propomos sua transferência para a área limítrofe das quadras cobertas do Parque de Uso Múltiplo. Figura 08: Mercado Municipal: Planta Baixa O acesso ao Mercado Municipal ocorre tanto pela Avenida Coronel José Soares Marcondes (leste), quanto pela Rua Álvares Machado (sul). É composto por 22 boxes simétricos e com depósitos próprios. A logística de abastecimento de carga-descarga de mercadorias e equipamentos é feita através de um corredor que acompanha os boxes e termina na área de recebimento dos mesmos. Vale ressaltar que é a mesma área do Centro de Referência e Segurança Alimentar. Figura 09: Mercado Municipal: Cortes e Fachadas 8

Como se observa na representação acima, o Mercado Municipal é composto por três edificações que dialogam entre si por meio de marquises e rampas de acesso. Localiza-se em um nível mais elevado que o restante do passeio interno do projeto conferindo-lhe destaque. Figura 10: Mercado Municipal Platôs Praça de Alimentação: Planta Baixa A infra-estrutura associada à concepção de diversidade de usos do Mercado Municipal fora pensada tanto para a venda de mercadorias (secos e molhados) quanto para a existência de praça de alimentação e happy hour. A locação destes espaços para a alimentação está na área dos platôs. Por fim, o Mercado Municipal conta com uma grande área de estacionamento localizada contígua à Rua Álvares Machado. Figura 11: Mercado Municipal Platôs Praça de Alimentação: Cortes e Fachadas 3.5. Ginásio de Esportes e Salas para Recreação O Ginásio de Esporte e as Salas para Recreação estão localizados no mesmo edifício onde atualmente estão implantadas quadras de esporte. Gostaríamos de destacar a readequação dos espaços e a necessária elevação do edifício em mais um piso. O Ginásio de Esporte, no projeto, é composto por dois andares. No andar térreo se localizam as salas de recreação e atividades esportivas e o estacionamento. No andar superior temos duas quadras dotadas de infra-estrutura com arquibancadas, vestiários e sanitários, por exemplo. A ligação entre os dois andares ocorre mediante elevador e escadas. O primeiro andar (pé direito de 15,00 metros) possui acesso tanto pelo elevador e escadas quanto por rampa contígua (adaptada ao portador de necessidades especiais) perpendicular à Avenida Coronel Marcondes. 9

Figura 12: Ginásio: Planta Baixa. Salas Recreação (Piso Inferior), Quadras (Piso Superior) O andar térreo (pé direito de 4,90 metros) é composto por 10 salas para atividades de lutas, dança e outras atividades corporais. Neste andar, há uma grande área para diversas atividades lúdicas, esportivas e de lazer como ping-pong ou tênis de mesa, xadrez, dama, pebolim, etc. Ainda no andar térreo encontra-se uma cantina-café (ambientando em espelhos d água), sanitários e uma recepção que funciona também como depósito para os materiais utilizados nas atividades. O acesso à área de atividades pode ser feito tanto pelo estacionamento como também por uma rampa de pedestres através da Rua Bela (ao lado de uma antiga e majestosa Figueira). Por fim, quanto à infraestrutura, optou-se por um sistema de cobertura em treliça espacial metálica acreditando ser o mais leve. Figura 13: Ginásio: Cortes 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se pode observar ao estudar a área em questão é a concretização de um processo de produção do espaço urbano voltado ao benefício de alguns poucos proprietários de lotes em detrimento do usufruto social e coletivo de um espaço encravado no seio da malha urbana Vale ressaltar a essencialidade em se formular políticas públicas urbanas ao incorporar conhecimentos 10

sobre as desigualdades e os processos de exclusão social, permitindo assim, incorporar a dimensão do poder. Poder este, que para Melazzo (2006, p. 21), pode ser entendido numa dimensão daqueles que produzem as políticas a partir de universos sociais já conhecidos, deixando de lado realidades pouco estudadas ou ignoradas e também o poder (ou sua ausência) daqueles para quem as políticas públicas devem ser direcionadas. O que ocorre é uma conversão de decisões privadas transformando-as em decisões e ações públicas por intermédio de ações de grupos de interesses que visam manter a lógica de produção do espaço urbano pautada nos modos de produção de um capitalismo selvagem. Portanto, pode-se afirmar que o processo do planejamento urbano e, consequentemente, a urbanização em cidades brasileiras, e neste caso Presidente Prudente, é diretamente influenciado pela lógica do modo de produção capitalista mediante a ação de agentes e grupos de interesses atuantes na produção do espaço e nas estruturas estatais. Infelizmente, o que se tem observado é uma conseqüente urbanização desigual com exclusão sócio-espacial. 5. REFERÊNCIAS ABREU, Dióres Santos. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Prudente, 1972. CALIXTO, Maria J. M. S. O papel exercido pelo poder público local no processo de produção seletiva de um novo padrão ocupacional. In: SPOSITO, Maria E. Beltrão. (org). Textos e contextos para a leitura geográfica de uma cidade média. Presidente Prudente [s.n.], 2001. HORA, Mara Lúcia Falconi da. O Projeto Cura III em Presidente Prudente: uma porta para a cidade? 273f. Dissertação (Mestrado em Geografia Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente/SP, 1997. MELAZZO, Everaldo Santos. Padrões de desigualdades em cidades paulistas de porte médio. A agenda das políticas públicas em disputa. 222f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2006. NEGT, Oskar. Espaço Público e Experiência. In: PALLAMIN, Vera M. (org.). Cidade e Cultura: esfera pública e transformação urbana. Marina Ludemann (coord.). São Paulo: Estação Liberdade, 2002. REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970.. Contribuição ao estudo da evolução urbana do Brasil (1500/1720). 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Pini, 2000. SERRA, Geraldo. Urbanização e centralismo autoritário. São Paulo: Edusp/Nobel, 1991. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e eqüidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume, 2001. 11