Movimentos sociais: A luta contra a invisibilidade Articulação e deliberação pública Universidade Estadual de Ponta Grosaa Aline de Oliveira Rios Índice 1 Introdução 1 2 Apropriação de elementos do movimento zapatista 2 3 O desafio de sustentar a argumentação 3 4 Considerações finais 5 5 Referências Bibliográficas 6 Resumo Em um mundo marcado cada vez mais pelo impacto das novas tecnologias de informação e comunicação, a luta e articulação dos movimentos sociais na busca pela publicidade de suas ações deve estar atrelada à comunicação. É através da mídia e de outros instrumentos de expressão que os grupos sociais organizados conseguem existir, projetar seus anseios para a população e pressionar o Estado e suas instâncias por responsividade no que tange às suas demandas. Neste contexto, urge-se que tanto profis- Jornalista graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR E-mail: alynerios@gmail.com sionais quanto militantes unam 1 forças para explorar esta possibilidade que tem seu potencial ampliado, especialmente com a popularização da internet. Palavras-chave: Movimentos Sociais. Internet. Deliberação Pública. Articulação. Competência Política. Movimento Zapatista. 1 Introdução Com o manifesto ąhoy decimos basta!,cerca de três mil pessoas que integravam o Ejercito Zapatista de Liberacion Nacional assumiram o controle das principais cidades na região da Floresta de Lancadon, no estado mexicano de Chiapas, em janeiro de 1994. Esta ação apesar de histórica foi apenas uma entre as iniciativas daquele que ficou conhecido como um movimento de Guerrilha Informacional (CASTELLS, 2000, p. 97). Naquele contexto, a iniciativa zapatista conseguiu vencer barreiras e usando a mídia e os meios de comunicação mediados por tecnologia, 1 CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Ed. Paz e Terra. 2000. (p. 97)
2 Aline de Oliveira Rios conseguiu angariar apoio para sua causa junto à sociedade. Atualmente, mais de uma década após a investida zapatista, existem algumas organizações que ainda engatinham neste processo. Entretanto, a falta de visibilidade e de espaço nos meios de comunicação não é apenas consequência de uma dificuldade de acesso, como também resulta das deficiências na própria articulação de alguns movimentos. Antes de avançarmos na discussão, é preciso abrir um espaço para delinear algumas nuances dos movimentos sociais. Manuel Castells, em Poder da Identidade, ressalta que os movimentos sociais devem ser entendidos em seus próprios termos (CASTELLS, 2000, p. 94). Eles são o que dizem ser. Suas práticas (e sobretudo as práticas discursivas) são sua autodefinição. Assim, supõe-se que todo grupo organizado precisa ter suas demandas traduzidas através de um discurso coerente. Amparando-se em um modelo de deliberação de democracia, ancorado no trabalho do alemão Jürgen Habermas, Rousiley Maia defende o uso público da razão por parte de atores críticos. (MAIA; CASTRO, 2006, p. 153). Ao compreender esta deliberação como um processo de discussão e reflexão, a autora expressa que esta prática exige dos atores sociais uma troca constante e pública de razões. Somente com esta iniciativa, os movimentos sociais contribuiriam para um debate público e também para serem investido de credibilidade junto à sociedade. Considerando o atual contexto, em que vários aspectos cotidianos são permeados pelas tecnologias de informação e comunicação, Patrícia Bernal, em artigo publicado no livro Comunicación y movimientos populares: Cuáles redes?, detalha três aspectos que precisam ser valorizados pelos atores sociais em relação à utilização e consequente aproveitamento das novas tecnologias (PE- RUZZO; COGO; KAPLUN, 2002, p. 300). Para Bernal (2002, p. 300), os atores sociais se utilizam das novas tecnologias de comunicação e informação para conquistar novos espaços de atuação, que se associariam aos já tradicionais e conhecidos, além de ampliar o seu raio de ação. Ainda conforme a autora, a internet auxilia na redefinição do espaço público na medida em que assegura novos campos de ação política, de produção de identidade e também de cenário para a participação democrática. O terceiro argumento apresentado por Bernal se refere à ruptura das condições espaço-tempo através da internet, que se configuraria como uma espécie de espaço simbólico justaposto ao espaço público físico. Neste ambiente, além das pressões exercidas sobre o Estado, seria possível o contato com outros atores na busca de identificações na luta por objetivos comuns. Diante das manifestações de Castells, Maia e Bernal, pode-se vislumbrar um horizonte norteador das ações de movimentos sociais, inseridos em uma sociedade que congrega novas tecnologias de comunicação e informação. Entretanto, se os movimentos sociais são o que dizem ser e se antes de lutarem por espaço no mundo virtual, ainda carecem de mínima organização no campo discursivo e das ações, como pensar o âmbito destes novos atores sociais?
Movimentos sociais: a luta contra a invisibilidade, articulação e deliberação pública 3 2 Apropriação de elementos do movimento zapatista Ao tratar do movimento zapatista em O Poder da Identidade, Manuel Castells considera que os zapatistas eram rebeldes legitimados, muito graças à sua própria habilidade tática ao articular estratégia de comunicação calçada na internet e na mídia. O autor chega a citar que o grupo seria o primeiro movimento de guerrilha informacional. (CASTELLS, 2000, p. 102). Longe de se esgotar aqui as noções apreendidas da organização do movimento, em parte já executada de forma competente por Castells, pretende-se proceder uma apropriação de determinados elementos apontados durante a análise realizada pelo autor da trajetória zapatista. De acordo com Castells, os zapatistas criaram eventos de mídia, usando telecomunicações, vídeo e a transmissão de mensagens via computador, para transmitir sua mensagem: A capacidade de os zapatistas comunicarem-se com o mundo e a sociedade mexicana e de captarem a imaginação do povo e dos intelectuais acabou lançando um grupo local de rebeldes de pouca expressão para a vanguarda da política mundial (CASTELLS, 2000, p. 104) A exploração das possibilidades ensejadas pela La Neta 2, os zapatistas conseguiram disseminar sua causa em escala mundial, angariando o apoio de grupos internacionais, o que proporcionou pressão por parte da opinião pública dentro e fora do 2 Rede alternativa de comunicação computadorizada no México e em Chiapas, utilizada amplamente por grupos femininos (CASTELLS, 2000, p. 105). México, protegendo o grupo de ter seus argumentos esvaziados por possíveis ações expressivas do Estado mexicano (CASTELLS, 2000, p. 105). Em contrapartida, além de enfatizar todo o aproveitamento ensejado pelos atores zapatistas no que se refere ao movimento, Castells chama a atenção para outros aspectos relacionados ao ativismo. Para analisar o levante zapatista em O Poder da Identidade, o autor faz uso da tipologia clássica de Alain Touraine, que utilizaria três princípios para definir os movimentos sociais: a identidade, o adversário e o que chama de meta societal: Identidade refere-se à autodefinição do movimento, sobre o que ele é e em nome de quem se pronuncia. Adversário refere-se ao principal inimigo do movimento, conforme expressamente declarado pelo próprio movimento. Meta societal refere-se à visão do movimento sobre o tipo de ordem ou organização social que almeja no horizonte histórico da ação coletiva que se promove. (CASTELLS, 2000, p. 96) Dessa forma, torna-se claro que o sucesso do movimento zapatista não é consequência apenas de sua audácia em utilizar a internet em sua estratégia de comunicação, mas também pela organização e clareza de sua articulação política, expressados e sustentados no discurso dos ativistas. 3 O desafio de sustentar a argumentação Os princípios de Alain Touraine, citados por Castells, guardam certa relação com as proposições de Rousiley Maia ao discutir a
4 Aline de Oliveira Rios deliberação e o uso da razão pública dentro do movimento antimanicomial. (MAIA; CASTRO, 2006, p. 163). Para Maia, a mídia liga, de forma horizontal, representantes dos governos, servidores públicos e membros de partidos políticos. Ainda segundo Maia, a conexão destes atores com os cidadãos se daria de forma vertical, portanto, contribuindo para a deliberação pública (MAIA; CASTRO, 2006, p. 154). Amparando-se em dois intelectuais 3 citados em sua obra, Maia salienta que a deliberação pública constitui: Uma forma de governo na qual cidadãos livres e iguais (e seus representantes) justificam suas decisões, isto é, oferecem razões uns aos outros que sejam mutuamente aceitáveis e acessíveis a todos, com o propósito de se chegar a uma conclusão que produza vínculos entre todos no presente, mas aberta ao desafio no futuro. A justificação pública é o cerne da deliberação e deveria, também, estar presente, em certo grau, na comunicação que se desenrola nos meios de comunicação. Mesmo reconhecendo a necessidade de vencer a barreira da invisibilidade, Rousiley Maia reconhece que a luta travada pelo acesso aos canais midiáticos ainda amparase em recursos muito desiguais. Ainda assim, a autora valoriza e legitima todo o esforço dispensado por atores sociais na conquista destes espaços. (MAIA; CASTRO, 2006, p. 160). Neste contexto, em contrapartida, Maia salienta que os atores devem ser politicamente competentes para se utilizarem da de- 3 Gutmann e Thompson (MAIA; CASTRO, 2006, p. 154). liberação pública e exposição de suas razões. Para Maia: Contudo, a mera oportunidade de expressão não concede qualquer poder de convencimento ao que é dito. Para ser minimamente eficiente no processo de deliberação, um interlocutor precisa ter a capacidade de iniciar um diálogo público sobre um dado assunto, de tal maneira que ele receba séria consideração dos outros. Se tal escopo de comunicação não pode ser alcançado, então a questão não se torna um problema para o debate público. (MAIA; CASTRO, 2006, p. 161). Neste sentido, as considerações de Maia conversam com o posicionamento defendido por Manuel Castells ao destacar que os movimentos sociais são o que dizem e que precisam definir qual é sua identidade, adversário e meta societal, este último traduzido como a visão de sociedade que se tem após a conquista ensejada em suas lutas. Ao tratar desta competência políticoargumentativa, Maia se refere ao discurso dos atores sociais. Por exemplo, o sujeito que defende determinada causa dentro de um movimento sociais precisa ter seus ideais e metas claros, não apenas sob forma decorada e sim internalizada, para ser capaz de defender suas razões em público e promover o debate de agentes plurais necessário à deliberação pública. O estabelecimento deste discurso competente perpassa as colocações de Castells. Com identidade e adversário claros, os atores sociais podem deliberar inicialmente dentro do seu próprio grupo para estabelecer sua meta societal. Em outros termos, apontar
Movimentos sociais: a luta contra a invisibilidade, articulação e deliberação pública 5 em quais pontos se pretende promover mudanças e com que objetivo isto será realizado. A projeção deste discurso para a sociedade, visando à promoção da deliberação pública, passaria antes por uma sustentação pública. E hoje, em uma sociedade altamente midiatizada, a exposição destes aspectos está profundamente relacionada ao acesso aos meios de comunicação e informação, em especial, à internet. Mas, como vencer mais este desafio? Tanto Maia quanto Bernal indicam que as tecnologias além de favorecerem o estabelecimento de redes de contato entre atores sociais com lutas afins, também favorecem canais de comunicação com a sociedade e com os meios tradicionais de comunicação. Assim, o intercâmbio de informações e o processo de deliberação transcorreriam por canais como e-mails, bate-papos, listas de discussão, blogs, entre outros que além de levar a mensagem do movimento social, também permitiriam a produção de meios próprios de emissão de informação, a exemplo do movimento zapatista, com o objetivo de vencer a barreira da invisibilidade. Retomando os argumentos de Patrícia Bernal, pensando a internet como um novo campo de atuação política, seria possível fazer uso das novas tecnologias também em benefício do próprio movimento. O ativismo digital passa tanto por ações simples como promover um boom de envio de mensagem para o e-mail de adversário(s) em potencial, quanto por outras formas de organização e interação política pela rede. Entretanto, vale destacar que a internet se configura como um espaço simbólico justaposto ao espaço público físico, Bernal deixa claro que o ativismo virtual não substitui a articulação no âmbito real. É também pensando nesta interação vis-à-vis que os atores sociais precisam avançar em termos de organização política para que sejam competentes e capazes de sustentar suas razões durante o processo de deliberação pública. A conquista de direitos, a vitória na responsividade quanto às demandas dos movimentos sociais não ocorrem de forma dada: hoje se protesta e amanhã, se tem acesso às benesses. É preciso avançar no discurso e ter em mente que o avanço estratégico se dá na medida em que os atores sejam capazes de discutir suas demandas nos moldes de um contrato, cedendo em alguns pontos e exigindo mais em outros ao interagir com o adversário. Atualmente, no entanto, é preciso se articular no mundo real e deflagrar ações no campo virtual para, nas palavras de Patrícia Bernal, ampliar o raio de ação. A vitória sobre a invisibilidade, de certa forma, também pode ser traduzida como uma luta contínua contra a inércia. 4 Considerações finais Se foi possível aos mexicanos de Chiapas, em um movimento constituídos basicamente de camponeses e indígenas, em um México cuja consolidação da internet ainda engatinhava, ultrapassar barreiras e lograr visibilidade, projetando sua causa de forma estratégica, o que dizer dos atores sociais que travam suas lutas hoje? Quando as novas tecnologias estão, de certa forma, mais acessíveis. Por outro lado, a apropriação destes canais de comunicação e informação não se dá apenas com base em uma tomada de decisão. É necessário desenvolver competência
6 Aline de Oliveira Rios política para sustentar argumentos e razões no processo de deliberação pública. E tão importante quanto todos os aspectos citados é saber o que se pretende com as mudanças pleiteadas. E depois de tudo isso, que mundo se deseja encontrar? A resposta depende da articulação de cada ator inserido em movimentos sociais. 5 Referências Bibliográficas CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Ed. Paz e Terra. 2000. MAIA, Rousiley. in EISENBERG, José; CEPIR, Marco. Internet e política. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2002. ; CASTRO, Maria Ceres. Mídia, esfera pública e identidades sociais. Belo Horizonte. Ed. UFMG. 2006. BERNAL, Patrícia in PERUZZO, Cicilia; COGO, Denise; KAPLUN, Gabriel. Comunicacion y movimientos populares: Cuáles redes? São Leopoldo. Ed. UNISINOS. 2002. RIBEIRO, Gustavo Lins. in ALVAREZ; S. DAGNINO, E; ESCOBAR, A. Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Ed. UFMG. 2000.