Dependência Química - Classificação e Diagnóstico -



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Transcrição:

Dependência Química - Classificação e Diagnóstico - Alessandro Alves Toda vez que se pretende classificar algo, deve-se ter em mente que o que se vai fazer é procurar reduzir um fenômeno complexo que em categorias predefinidas que sigam a um ou mais propósitos. Desde os primórdios da Medicina, existe uma necessidade de contabilizar dados estatísticos e uniformizar a linguagem a respeito das doenças. Em Dependência Química isso é particularmente útil e profundamente necessário quando nós, profissionais envolvidos com o cuidado da Saúde Mental, das mais diversas áreas, ainda lutamos contra estigmas e preconceitos da sociedade frente às doenças e aos portadores dessas doenças em nossa área de atuação. Contudo, essa condição em Psiquiatria é particularmente desafiadora, visto que doenças mentais são compreendidas à luz dos sintomas, ou seja, das queixas dos pacientes. Além disso, vários mecanismos que causam doenças mentais são desconhecidos ou multifatoriais. Todos os profissionais que tratam dependência química, independente de sua formação, devem conhecer os critérios diagnósticos oficiais em vigência. Conceitos importantes Para que seja feita uma avaliação diagnóstica clara e se perceba a evolução da doença, alguns conceitos devem ser aprendidos, a saber:

Estreitamento do repertório: É a tendência a ingerir a mesma quantidade de drogas independente da situação (sozinho ou acompanhado, dias úteis os fins de semana). Quanto maior o estreitamento do repertório, mais raros vão ficando os dias sem uso de drogas ou os dias de baixo consumo. As causas ou influências psicológicas, sociais ou culturais que levariam a consumir drogas não são mais levadas em consideração. Tolerância: Perda ou diminuição da sensibilidade aos efeitos iniciais das drogas consumidas. O indivíduo passa então a aumentar a quantidade de droga ingerida para compensar a tolerância aos efeitos agradáveis da substância. Pode ser também definida como a necessidade de usar drogas em quantidades cada vez maiores para obter os mesmos resultados. Síndrome de Abstinência: Caracterizada por sinais e sintomas físicos e psíquicos que surgem em função da diminuição ou interrupção do uso. Sua gravidade se modifica de acordo com a droga em questão e sua intensidade de acordo com a gravidade da síndrome de dependência. Saliência do comportamento de uso: Caracteriza-se como sendo a perda de controle sobre seu próprio consumo (usando maiores quantidades ou gastando mais tempo que desejaria de fato gastar com o uso de drogas) e por desejo persistente com tentativas frustradas de controlar, interromper ou diminuir o consumo. A maior parte do tempo desperto é gasta procurando meios e maneiras de ingerir mais drogas e recuperar-se

dos seus efeitos. As atividades que não contemplam o uso de drogas são abandonadas e, apesar dos problemas visíveis, a vida passa a girar em torno da busca, consumo e restauração bio-psicosocial após os efeitos. Do ponto de vista prático, a saliência é percebida claramente quando o consumo acontece em situações inaceitáveis socialmente (no trabalho, quando se está doente, quando está sem dinheiro, guiando automóveis), quando há abandono progressivo de prazeres ou interesses em função das drogas e quando há persistência no consumo apesar das conseqüências nocivas. Alívio ou evitação de sintomas pelo uso: Frente à presença de sintomas desagradáveis da abstinência, os pacientes passam a ingerir a mesma substância ou substância semelhante na tentativa de resolver o problema, apesar das conseqüências físicas e psíquicas. Sensação subjetiva da necessidade de usar drogas: Desejo intenso de fazer uso da substância de preferência. A isso se dá o nome de craving ou fissura. Reinstalação da Síndrome de Dependência após período de abstinência: O paciente retoma rapidamente o mesmo padrão mal-adaptativo de consumo de drogas após período de abstinência. É conhecido como recaída.

Critérios Diagnósticos Há dois códigos internacionais vigentes que precisam ser citados. O primeiro é uma publicação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e chama-se Classificação Internacional de Doenças (CID). Quanto estava na sua sexta edição (CID-6), por volta da década de 50, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a primeira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM). Desde então ambos sofreram uma série de modificações e hoje vigoram a CID-10 (décima edição) e o DSM-V (quinta edição). Procuraremos nos manter atentos aos critérios da CID-10, largamente utilizada em nosso país (é nossa classificação padrão aceita pelo Ministério da Saúde) e na maior parte do mundo. Uso nocivo Entendo o conceito do uso de drogas, existem duas dimensões distintas: de um lado, a psicopatologia do consumo (a dependência propriamente dita) e o outro é o enfoque sobre todos os problemas que decorrem do uso ou da dependência. Observe a figura abaixo: Quadrante Um: Indivíduos que, conforme aumentam a gravidade da dependência, aumentam as chances de desenvolverem problemas. Quadrante Dois: Condição em que o indivíduo, embora não seja dependente, pode apresentar problemas decorrentes do uso (beber álcool e dirigir, sofrendo acidentes; assistir aula na escola sob efeito de maconha e ser punido, etc.) Quadrante Três: Indivíduos que fazem uso de drogas sem apresentar problemas ou dependência. Seu uso é considerado de baixo risco.

Quadrante Quatro: Nesse quadrante estão caracterizados casos de pessoas que portam dependência e não oferecem problema. ISSO SIMPLESMENTE NÃO EXISTE! Dois Um 0 Três Quatro Critérios da CID-10 para Uso Nocivo de Substâncias O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado à saúde física e mental do usuário Padrões nocivos de uso são freqüentemente criticados por outras pessoas e estão associados a conseqüências sociais adversas de vários tipos. Uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um distúrbio psicótico ou outra forma específica de distúrbio relacionado com o álcool ou drogas estiver presente.

Critérios da CID-10 para Dependência de Substâncias O diagnóstico de dependência deve ser feito se três ou mais dos seguintes critérios são experienciados ou manifestados durante o ano anterior 1. Um desejo forte ou senso de compulsão para consumir a substância. 2. Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de início, término ou níveis de consumo. 3. Estado de abstinência fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância, ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. 4. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas 5. Abandono progressivo de prazeres alternativos em favor do uso da substância psicoativa: aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou recuperar-se de seus efeitos 6. Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo

Apenas lembrando que são necessários pelo menos 03 desses critérios estarem presentes no último. A maioria dos pacientes que vai pedir ajuda ao Terapeuta, contudo, preencherá facilmente todos os critérios citados. A organização da CID-10 A CID-10 está organizada da seguinte forma, no caso específico dos transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas substâncias: Caracter Um: A letra F, que designa nesse caso o grupo de doenças que será descrito (transtornos mentais) Caracter Dois: O número 1 indica o subgrupo de transtornos decorrentes do uso da substância. Caracter Três: Número de 0 a 9 que se refere a à Classe da substância (por exemplo, F10 é para álcool e F14 é para cocaína) Caracter quatro: Demonstra o transtorno decorrente do uso daquela substância. (por exemplo: F10.2 Transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool, síndrome de dependência. Ou ainda: F12.5 Transtorno mental e comportamental devido ao uso de maconha, estado psicótica.

- F10:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool -F11: Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opiáceos - F12: Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinóides - F13:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso desedativos e hipnóticos - F14:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína - F15:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outros estimulantes, inclusive a cafeína - F16:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de alucinógenos - F17:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo - F18 -Transtornos mentais e comportamentais devidos de solventes voláteis - F19:Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de múltiplas substâncias psicoativas.

A (F 1 x.0) Intoxicação aguda B (F 1 x.1) Uso nocivo para a saúde C (F 1 x.2) Síndrome de dependência D (F 1 x.3) Síndrome de abstinência E (F 1 x.4) Síndrome de abstinência com delirium F (F 1 x.5) Transtorno psicótico G (F 1 x.6) Síndrome amnésica H (F 1 x.7) Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia I (F 1 x.8) Outros transtornos mentais ou comportamentais Obras consultadas: Dependência Química - Alessandra Dihel e cols. Addiction Medicine Noeline Latt e cols.