Setor elétrico brasileiro: estado atual e sugestões. Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga PSR



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Transcrição:

Setor elétrico brasileiro: estado atual e sugestões Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga PSR Apresentamos a seguir uma análise muito sucinta da situação atual do setor e sugestões para correções e aperfeiçoamento de temas que consideramos essenciais para a sustentabilidade e funcionamento do setor elétrico. Referimos o leitor interessado em análises quantitativas e detalhadas sobre estes temas às diversas edições de nossa publicação mensal, o Energy Report (ER) 1. Situação atual do setor elétrico O setor elétrico brasileiro vive atualmente seu momento mais delicado desde a implementação do novo modelo setorial em 2004, com perdas financeiras e problemas graves em todos os segmentos. O diagrama de influências entre ações, correções e consequências abaixo ilustra a complexidade do ambiente e de suas inter-relações. Como indicado no diagrama, os principais fatores que levaram o setor a esta situação Pareto péssima são: (i) a descontratação das distribuidoras; (ii) os problemas estruturais de desempenho do sistema de geração e transmissão; e (iii) o processo de implementação da MP 579. A causa da descontratação das distribuidoras foi a não realização do leilão de renovação de contratos de energia que expiraram no final de 2012. Como consequência, as distribuidoras tiveram que comprar uma quantidade recorde de energia, resultante da diferença entre o consumo e os montantes contratados em 2013 e 2014 no mercado de curto prazo, cujos 1 www.psr-inc.com/energyreport

preços foram também um recordes no período. Esta hemorragia financeira demandou aportes bilionários do Tesouro e de bancos públicos e privados, cujo pagamento resultará em aumentos tarifários além dos que ocorreriam normalmente muito elevados neste e nos próximos anos. Por sua vez, os problemas estruturais de desempenho do sistema geração-transmissão se devem a uma combinação de restrições operativas e fatores de eficiência reduzidos de alguns geradores. Estes problemas existem na vida real, porém não são capturados pelos estudos de planejamento, o que leva a uma discrepância significativa entre as projeções do governo e a realidade da operação diária do ONS. Desde 2010, este problema estrutural de desempenho tem provocado esvaziamentos acentuados dos reservatórios e, a partir do final de 2012, acionamento contínuo de todo o parque termoelétrico mesmo em situações hidrológicas favoráveis. Em 2013, por exemplo, a hidrologia foi muito próxima da média histórica (96% da MLT) e, mesmo com as térmicas sendo acionadas o ano inteiro, a um custo de 25 bilhões de reais, os reservatórios esvaziaram significativamente. A seca de 2014 (que, apesar de severa, está longe de ser a pior já vista - em termos da afluência de janeiro a junho, é a nona pior do histórico de 84 anos) apenas agravou uma situação cuja causa, como visto, é estrutural. A combinação de esvaziamento acelerado dos reservatórios e acionamento contínuo das térmicas resultou nos preços recorde do mercado de curto prazo, pressionou financeiramente os geradores térmicos (devido à necessidade de comprar energia a preços elevados no mercado spot durante manutenções muitas vezes postergada) e os geradores hidroelétricos (que, devido à produção reduzida das usinas, têm despesas bilionárias no mercado de curto prazo para honrar seus compromissos contratuais). A MP nº 579, que implementou um conjunto de ações visando reduzir em 20% as tarifas de energia elétrica, não tem nenhuma relação direta com a hemorragia financeira atual. No entanto, esta MP teve impactos significativos na parte institucional e na situação de judicialização do setor. Por exemplo, a pressão de tempo no período que antecedeu a edição da MP nº 579 contribuiu para a falha de gestão que resultou na não realização do leilão A-1 em 2012. Adicionalmente, ela contribuiu para que não se avaliasse plenamente o efeito da alocação integral das cotas de garantia física ao ACR, na forma de contratos por disponibilidade, que tornaram os consumidores cativos responsáveis pelo seu risco hidrológico, o qual por sua vez foi mitigado através da definição de um hedge fixo de 5% na contratação da energia. Tampouco foi devidamente avaliado o fato de que as cotas não possuem a flexibilidade de redução de volume contratual que tinham os contratos de energia existente substituídos por elas, o que tornou necessária a elevação do limite de sobrecontratação das distribuidoras de 103% para 105%, o que por sua vez contribuiu para reduzir a liquidez contratual para o ACL. Outros fatores relacionados com a implantação da MP e que contribuem para a complexidade do momento do setor incluem: (i) questões sobre custos de reposição de equipamentos de geração e outros custos, no caso das tarifas reguladas; (ii) da metodologia de cálculo do valor a indenizar dos equipamentos de geração e transmissão; (iii) medidas da Resolução CNPE nº 03/2013 (transferência de encargos para geradores e comercializadores, e mudança intempestiva na formação de preços).

Em resumo, a combinação de problemas: (i) de gestão, que resultaram na insuficiência de contratação das distribuidoras; (ii) de planejamento, que não permitiram a correção dos problemas de desempenho do sistema geração-transmissão; e (iii) de implantação de medidas que afetaram profundamente o setor, como a MP nº 579 e Resolução CNPE nº 03/2013 em prazo muito curto, sem oportunidade para discussões entre governo e agentes, levaram a uma espiral de dificuldades e a um ambiente de incertezas, desconfiança e perda de credibilidade. Apresentamos a seguir algumas sugestões que consideramos importantes e urgentes para as áreas de operação e planejamento, aspectos comerciais, regulação e resgate da credibilidade. Como mencionado, os relatórios mensais da PSR apresentam detalhes e quantificações para estas e outras propostas. Operação e planejamento 1. Analisar em profundidade a questão do desempenho estrutural do sistema de geração e transmissão, e implementar com urgência medidas corretivas, incluindo reforço de geração. No caso da transmissão, por exemplo, as análises realizadas pela PSR mostram que, ao contrário do que talvez se imagine, os blecautes recentes foram causados por falhas em subestações, e não por atrasos na construção de reforços de transmissão. (Isto não significa que a eliminação desses atrasos não é importante; pelo contrário, ela é extremamente importante, pois os mesmos podem afetar significativamente o desempenho futuro do sistema.) Caso as medidas corretivas não sejam tomadas, o esvaziamento dos reservatórios mesmo em hidrologias moderadas voltará a ocorrer nos próximos anos, associado, como sempre, a custos térmicos muito elevados e possivelmente problemas de suprimento. 2. Analise um esquema de gerência de recursos hídricos por bacia, no qual geração hidrelétrica, irrigação, abastecimento de água, qualidade de água, piscicultura e hidrovias sejam gerenciadas de maneira integrada. A região Nordeste poderia ser o primeiro exemplo desta abordagem integrada, com a CHESF deixando de ser uma concessionária do grupo Eletrobrás e se transformando em um agente de desenvolvimento regional. Uma segunda oportunidade se refere à região do Tapajós, onde pode valer a pena adiar por um ano a licitação de usinas hidrelétricas para que o desenvolvimento da bacia seja feito de maneira integrada. 3. Um tema crucial, relacionado com a gerência integrada dos recursos hídricos é a questão dos reservatórios. A capacidade de regularizar as vazões dos rios, e com isto aumentar a segurança operativa e reduzir os gastos com geração termelétrica, tem sido historicamente um componente essencial de nosso parque gerador. Os benefícios dos reservatórios vão muito além do setor elétrico, pois eles permitem também a construção de sistemas de irrigação capazes de funcionar mesmo durante secas prolongadas, asseguram a navegação fluvial em vários trechos de rios ao longo de todo o ano, contribuem para o controle de cheias evitando inundações desastrosas e viabilizam atividades econômicas específicas como piscicultura e turismo. Apesar de todos estes benefícios, o que se constata atualmente é uma proibição a priori à construção de novos reservatórios de regularização. Embora equívocos do passado, como os da usina de Balbina, tenham suscitado preocupações legítimas com impactos socioambientais em

áreas inundadas, é preciso buscar um aproveitamento racional dos recursos naturais do país, onde os aspectos ambientais não resultem em restrições absolutas, e em vez disso incorporados como objetivos. Os autores acreditam que é possível aperfeiçoar o planejamento nesta direção, incorporando a componente ambiental desde a etapa de inventário. Adicionalmente, é necessário melhorar a comunicação. A falta de informação básica tem levado a opinião pública a conclusões no mínimo precipitadas. É fato que, hoje, se todas as hidroelétricas construídas e a construir na Amazônia fossem dotadas de reservatórios de grande capacidade, elas juntas alagariam área total de 10.500 km 2. Parece muito, porém corresponde a apenas 0,16% do território amazônico. Mais do que isso, ela é menor do que a média de desmatamento anual da Amazônia, que, a partir do ano 2000, atinge 14.225 km 2 na Amazônia. Ou seja: em um ano médio o desmatamento foi maior do que toda área que seria alagada por todas as usinas que podem ser construídas na Amazônia. 4. Por fim, os autores sugerem a realização imediata de estudos visando identificar impactos da forte inserção de renováveis com produção intermitente e dos fenômenos macroclimáticos no planejamento da expansão e operação. É importante que o balanço de garantia física seja positivo, mas é igualmente importante levar em conta a qualidade desta garantia física. Aspectos comerciais Os autores sugerem analisar os seguintes temas: 5. Alocação isonômica dos benefícios das cotas de geradores com concessão vincenda: uma das medidas governamentais, relacionada com os benefícios da antecipação da renovação das concessões de geração, tratou de maneira assimétrica os segmentos de consumo regulado (ACR) e livre (ACL), pois transferiu os benefícios somente para o ACR. Este tratamento diferenciado não se justifica, pois os consumidores industriais que estão no ACL contribuíram, ao longo de muitas décadas, para a construção e remuneração das usinas hidrelétricas exatamente da mesma maneira que os demais. Por esta razão, propõese que os benefícios da geração cuja concessão expira a partir de julho de 2015 sejam repartidos de maneira equitativa entre ambos os segmentos. 6. Aperfeiçoamento dos leilões para o ACR: o processo de contratação deve ser aperfeiçoado levando em conta de forma transparente os diversos atributos de cada projeto, não somente seu custo unitário. Esses atributos podem ser representados de duas maneiras: (i) fatores de ponderação na composição do índice benefício custo final; ou (ii) leilões segmentados. Em um trabalho de P&D sobre leilões sendo realizado pela PSR e LACTEC, organizado pela Apine e patrocinado por vários de seus associados, está sendo desenvolvido um modelo matemático geral que permite representar estas diferentes maneiras, e mostram a relação analítica entre as mesmas. Somos conscientes que existe a preocupação de que a representação dos atributos nos leilões poderia afetar a transparência dos mesmos, pois o planejador poderia ser acusado de mexer nos pesos. No entanto, na visão dos próprios autores, a situação atual, onde o planejador faz alguns ajustes no mecanismo de leilão, é possivelmente ainda menos transparente. A PSR

acredita que a representação explícita dos atributos dos concorrentes nos leilões permitirá que os mesmos sejam mais transparentes e eficientes. 7. Aperfeiçoamentos para garantir a expansão da oferta para o ACL: o mercado livre precisará se expandir para ser sustentável. A expansão do ACL será possivelmente suportada por fontes renováveis, com intermitência em sua produção. Acreditamos que é importante estudar um mecanismo geral de realocação de energia entre fontes onde cada fonte tenha reconhecida a sua real contribuição para este mecanismo, em termos de produção média, correlação e variabilidade. No entanto, mesmo que o problema da gestão de risco associada à variabilidade da produção seja equacionado, existe ainda a exigência por parte do financiador de contratos de venda de energia de longo prazo. Em nossa opinião, a estrutura de financiabilidade para o ACL precisa ser alterada e adaptada às características deste mercado, incluindo um componente de confiança no seu desenvolvimento baseado em expectativas racionais. O fato de, no momento da solicitação do financiamento, o projeto não possuir contratos de longo prazo não significa que o gerador ficará de braços cruzados durante todo o período de amortização sem firmar contratos. O gerador terá como estratégia racional buscar o melhor mercado para comercializar sua energia. O ACL possui um líquido mercado de contrato de curto e médio prazo e um ilíquido mercado de contrato de longo prazo e, em nossa opinião, é necessária a entrada de novos agentes financiadores, acesso ao mercado de capitais e estruturas de financiabilidade compatíveis com as melhores práticas internacionais, onde bancos trabalham com projeções de receitas mediante desenho de esquemas de garantias e outras exigências comerciais (ICSD, garantia financeira não vinculante etc.). No entanto, a premissa essencial desta proposta é a estabilidade de regras do setor, que precisa ser crível para que expectativas racionais possam ser montadas. Instabilidade e interferências regulatórias reduzem credibilidade e fazem com que o contrato de longuíssimo prazo, com transferência de todos os riscos ao consumidor, seja o único instrumento de segurança comercial aceito por financiadores (pois ele blinda o projeto de interferências regulatórias em preços), o que compromete a eficiência global do setor elétrico. 8. Consolidação e amadurecimento do ambiente de mercado livre, visando criar as bases para a sua expansão. Apoiamos a criação de clearing houses ; separação entre mercado atacadista e varejista; consolidação do esquema de garantias (permitindo a participação de bancos internacionais) e organização do monitoramento de mercado. 9. Atualmente o contrato de fornecimento de energia comercializa dois produtos: o certificado de garantia física do gerador e o contrato financeiro, que é uma proteção contra preços altos. Acreditamos que deve ser estudada a separação na comercialização destes produtos, de forma a criar um vaso comunicante de lastro entre o ACR e o ACL. Regulação Os autores sugerem analisar os seguintes temas: 10. Geração distribuída em nossa opinião, o crescimento da geração distribuída será exponencial logo que a paridade com a rede (i.e. competitividade da geração distribuída com o custo total de geração + transmissão + distribuição + tributos + encargos) for

alcançada. É necessário pensar na alocação correta dos custos fixos da rede de distribuição com antecedência, pois depois que estourar a boiada vários investimentos realizados pelos agentes setoriais tradicionais se tornarão ociosos antes do término de sua vida útil, e vai ser muito difícil resolver a questão de sua remuneração. Em particular, nos preocupa a questão do net metering, que em nossa visão pode levar a problemas no futuro caso permaneçam as atuais distorções nos sinais tarifários para consumidores em baixa tensão (tarifa monômia, em R$/MWh). 11. Suprimento de gás em nossa opinião, é urgente ter uma visão realista da disponibilidade e preço do gás no médio e longo prazo. Adicionalmente, é necessário compatibilizar os marcos regulatórios do gás e da eletricidade, para desenvolver, por exemplo a cogeração a gás, dentre outros temas. 12. Por fim, na visão da PSR, uma medida importante é a valorização e utilização sistemática da Análise de Impacto Regulatório (AIR). Como sugere o nome, o objetivo da AIR é identificar possíveis impactos de uma regulamentação e de possíveis alternativas antes que a mesma seja implementada, visando produzir regras setoriais que sejam claras, transparentes, razoáveis e estáveis. É muito mais eficiente corrigir uma regulamentação antes de a mesma entrar em vigor do que consertá-la posteriormente. A razão é que sempre haverá perdedores e ganhadores com mudanças, o que leva a problemas de insegurança regulatória. Dado que as medidas do MME, CNPE e CMSE podem ter um impacto igual ou até maior do que as da ANEEL para o setor elétrico, a PSR acredita que seria muito positivo para a transparência e eficiência do setor que todas as medidas governamentais incorporassem uma análise quantitativa de seus impactos nos diversos segmentos do setor. O modelo setorial é uma peça de relojoaria, está tudo encaixado e coerente. Se mexermos em uma engrenagem sem pensar muito nas consequências, há uma grande probabilidade de que uma mola pule do outro lado. Resgate da credibilidade na travessia para a restauração do equilíbrio setorial Quando o novo modelo setorial foi implantado, em 2004, seus principais objetivos eram (e ainda são): (i) assegurar a construção de nova capacidade de geração que atenda com segurança o crescimento da demanda através de um mercado organizado de compra de energia para o ambiente regulado e de um ambiente de mercado para o ambiente livre; (ii) universalizar o suprimento de energia elétrica; e (iii) garantir a modicidade tarifária, isto é, que os investimentos e a operação sejam os mais eficientes possíveis. Nos seus primeiros nove anos, houve muito que comemorar. No que se refere ao primeiro objetivo, a contratação de nova capacidade através de leilões resultou na construção de quase 500 usinas, totalizando praticamente 70 mil MW de capacidade de todo tipo de tecnologia e mais de 800 bilhões de reais em contratos. O segundo objetivo do modelo, universalização do suprimento, também foi um sucesso. Através do Programa Luz para Todos, 98% da população já tem acesso à energia elétrica, e a expectativa é que, em 2014, a cobertura plena seja atingida. Finalmente, o terceiro objetivo, modicidade tarifária, logrou êxitos igualmente significativos. As três parcelas estruturais do custo de energia (geração, transmissão e distribuição) tiveram reduções significativas, em termos reais, nesta década. Como já documentado pela PSR em diversas ocasiões, o aumento das tarifas finais para os

consumidores nos últimos anos se deve, basicamente, a três fatores: (i) o aumento dos encargos setoriais, que compõem a parcela das tarifas que mais cresceu neste período; (ii) a exuberância dos tributos e encargos; e (iii) fatores conjunturais, tais como os gastos adicionais com o acionamento das termelétricas por razões de segurança energética. É importante registrar que estes êxitos não foram alcançados sem dificuldades, problemas e sustos. A título de exemplo, a decisão de segregar as energias existente e nova nos leilões foi muito criticada na ocasião. Também fomos atingidos, de 2005 a 2007, pelas restrições na disponibilidade de gás natural da Argentina, da Bolívia e do Brasil, o que levou a uma redução de 16% em nossa capacidade firme de geração e contribuiu para o susto com a segurança de suprimento do início de 2008. Outro problema notório é a obtenção de licenças ambientais para as hidrelétricas, um misto de tarefa hercúlea e filme de terror, como ilustrado pela necessidade de usar a Força Nacional para fazer um simples levantamento ambiental na região do Tapajós e pelos sequestros de técnicos por grupos indígenas. Finalmente, houve um conjunto de apagões a partir de 2009, que evidenciaram algumas vulnerabilidades no sistema de transmissão. Em todas essas situações complexas houve uma intensa troca de opiniões e de experiências entre as equipes do governo e os agentes setoriais. Este uso da inteligência coletiva do setor permitiu um melhor entendimento dos problemas e levou a um aprimoramento na tomada de decisões. Tão importante quanto isto, o próprio tempo que o governo dedicou ao diálogo, debate e reflexões permitiu que as decisões, quando tomadas, fossem melhor entendidas e absorvidas pelos agentes. Em nossa opinião, as bases do modelo setorial são solidas e permitem atingir os objetivos que queremos, que são os da segurança de suprimento e modicidade tarifária. No entanto, o modelo é uma peca de relojoaria, com muitas engrenagens que precisam operar encaixadas. O que está ocorrendo hoje é que suas engrenagens estão desencaixadas. Precisamos assegurar a existência e sustentabilidade do ACL, buscar a isonomia concorrencial entre o ACL e ACR, qualidade na informação contida nos preços de curto e longo prazo e trabalhar arduamente para a estabilidade regulatória. Estes são os ingredientes que permitem eficiência econômica e o funcionamento eficiente do setor. Como visto nas seções anteriores, há um grande conjunto de temas que merecem a atenção do setor. No entanto, se tivéssemos que escolher apenas um tema, ele seria a recuperação da transparência do governo junto aos agentes e população, pois ela facilitará a recuperação da credibilidade do setor e a construção dos acordos necessários na travessia para a restauração do seu equilíbrio e sustentabilidade e recuperação de sua estabilidade. A inteligência coletiva dos agentes deve ser melhor aproveitada, pois os problemas são complexos e interrelacionados e há inovações metodológicas relevantes desenvolvidas pelo setor que devem ser consideradas.

Na opinião dos autores, um distanciamento crescente e falta de diálogo entre governo e agentes, não resultará em riscos de suprimento ou fuga de investidores. O que possivelmente ocorrerá é não termos o alto nível de eficiência, qualidade e transparência que o setor poderia atingir, e que a sociedade brasileira merece.