PALAVRAS-CHAVES: Fotografia; Cartão-Postal; Comunicação Visual.



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Transcrição:

TÍTULO: IMAGENS EM CIRCULAÇÃO: OS CARTÕES-POSTAIS PRODUZIDOS NA CIDADE DE SANTOS PELO FOTÓGRAFO JOSÉ MARQUES PEREIRA (1901-1920) 1 AUTOR: Maurício Nunes Lôbo; INSTITUIÇÃO: Universidade Estadual de Campinas. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo apresentar um conjunto de cartões-postais e produzidos na cidade de Santos entre 1901 e 1920 pelo fotógrafo José Marques Pereira, e visa, por meio da reconstrução do percurso profissional deste fotógrafo compreender as características visuais comuns da época e, principalmente, as particulares, que marcaram sua produção. Desta forma analisaremos o conteúdo visível das imagens referentes à cidade de Santos, buscando entender o sentido inerente a estas produções, os seus objetivos, a sua circulação comercial e seus impactos como formadores de novos padrões de visualidade da cidade. PALAVRAS-CHAVES: Fotografia; Cartão-Postal; Comunicação Visual. A fotografia se tornou de domínio público em 1839, quando alguns deputados franceses propuseram a Câmara que o Estado comprasse a invenção de Louis Daguerre, chamada daguerreótipo. O processo do daguerreótipo consistia na impressão de uma imagem única fixada numa chapa metálica. 1 Ao mesmo tempo em que Daguerre desenvolvia seu processo, outros cientistas e pesquisadores também trabalhavam em processos diferentes que culminaram na fotografia, entre estes William Fox Talbot que desenvolvia o processo em busca do sistema negativopositivo em impressões no papel, mais próximo da fotografia atual. Apesar disso, o processo de Daguerre, por razões técnicas e políticas, reinou por quase duas décadas. 2 1 FREUND, G. Fotografia e Sociedade. Editora Veja, Lisboa, Portugal, 1989. p. 34. 2 KOSSOY, B. Origens e Expansão da Fotografia no Brasil no Século XIX. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1980. Sobre a invenção da fotografia ver também os trabalhos sobre a descoberta da fotografia no Brasil. 1

No primeiro período da História da Fotografia, de 1839 até a década de 1850, esta atividade estava associada, em número maior de profissionais, à técnica do retrato. Isto ocorreu porque, com a difusão do daguerreótipo, as outras artes de representação do retrato, como a pintura a óleo, a miniatura e a gravura, entraram em declínio, fazendo com que os profissionais destas artes se transformassem nos primeiros fotógrafos profissionais, em decorrência da grande procura por retratos fotográficos, principalmente da média burguesia da época. O segundo período compreende fins da década de 50 até meados da década de 80 do século passado, corresponde à descoberta do cartão de visita fotográfico, que coloca a fotografia ao alcance de muitas pessoas, desenvolvendo sua dimensão industrial seja pela diminuição do seu preço como pela popularização dos ícones fotográficos, ou seja, um maior número de pessoas passa a ter a possibilidade de visualizar o que antes era acessível apenas por meio do código escrito. O terceiro período inicia-se em 1888 quando George Eastman inaugura a primeira câmara Kodak 3 com o lema você aperta o botão, nós fazemos o resto. Essa etapa foi caracterizada pela massificação da fotografia que se tornou um fenômeno essencialmente comercial. Este momento de grande difusão da imagem fotográfica é auxiliado com o surgimento do cartão-postal ilustrado, que uma revista especializada da época atribuí a um livreiro de Oldenburg, que em 1875, teria editado duas séries de vinte e cinco cartões. No Brasil o cartão-postal ilustrado é introduzido em 1901 e também aqui passa a registrar uma grande diversidade de cenas, graças ao desenvolvimento técnico, que desde os fins do século XIX permite o registro através de chapas secas, assim monumentos, paisagens, celebridades, imagens eróticas, profissões, enfim um infinito de cenas foi fotografado e em seguida comercializado através do cartão-postal 4. Boris Kossoy, Hércules Florence 1833: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. São Paulo, Faculdade de Comunicação Social Anhembi, 1977; e MONTEIRO, R. H. Brasil, 1833: a descoberta da fotografia revisitada, Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, UNICAMP, Campinas, SP, 1997. 3 Era uma máquina fotográfica portátil que custava 25 dólares e possuía um filme para 100 fotografias. Após feitas todas as fotografias o aparelho e o filme deveriam ser encaminhados para a fábrica de Rochester, onde o filme seria revelado e as fotos ampliadas. O aparelho era recarregado com um novo filme e devolvido ao cliente por 10 dólares. FREUND, G. op. cit. p. 92. 4 No que se refere a periodização adotada acima ver: FABRIS, A. A Invenção da Fotografia: Repercussões Sociais. In: Fotografia Usos e Funções no Século XIX. São Paulo, Ed. USP, 1991. p.11-38. 2

No Brasil a fotografia através do suporte cartão-postal registrou, principalmente, aspectos de transformação e modernização das cidades do país. As cidades foram o espaço privilegiado para o turbilhão de transformações físicas e culturais que ocorreram no país, se convertendo de locais geralmente de passagem, pouco habitados, característicos do período Imperial, para conglomerados urbanos palco dos acontecimentos sociais do período. 5 As modernizações das cidades surgem desde as reformas realizadas em Paris, em meados do século XIX, pelo Barão Georges Eugene Haussmann, concretizadas no Brasil em várias cidades, como as reformas urbanas de Pereira Passos no Rio de Janeiro, na década de 1900 e em vários núcleos urbanos do país. 6 O movimento das cidades foi tema dos fotógrafos desde o início da história da fotografia. Contudo o surgimento do cartão-postal, em fins do século XIX, faz da cidade o seu tema principal. As novas edificações, prédios públicos e privados, jardins, praças, ruas e avenidas das cidades modernas foram temas privilegiados pelos fotógrafos em muitos países. Desde cedo os governos, assim como as grandes empresas comerciais, requereram a presença do fotógrafo para que este documentasse seus feitos, suas realizações. As paisagens das áreas urbanas e do campo, a natureza, os tipos humanos em seu hábitat natural, os conflitos sociais e as guerras foram registrados pela fotografia; melhor dizendo: nem todos os fatos, ou apenas os que interessavam para determinados grupos, num dado momento, o foram. 7 A cidade de Santos se destaca nesse contexto, pois há um grande número de cartõespostais da cidade neste período, entre estes a produção de José Marques Pereira que 5 Entendemos cidade a partir de BRESCIANI como questão social, como uma estrutura que intervém na vida nos costumes e valores dos seus habitantes. BRESCIANI, M.S.M. Permanência e Ruptura no Estudo das Cidades. Texto xerografado apresentado no Seminário de Historia Urbana promovido pela ANPUR em Salvador, Campinas, 1990. 6 BRESCIANI, M.S.M. Londres e Paris no século XIX o espetáculo da pobreza. Editora Brasiliense, 1982. 7 KOSSOY, Bori. Fotografia e História. São Paulo. Editora Ática, 1989. pp.76-7. 3

juntamente com outros fotógrafos do inicio do século XX, veicularam de forma intensa suas fotografias no gênero cartão-postal. 8 Nossa pesquisa analisa um conjunto de cartões-postais e fotografias produzidos pelo fotógrafo José Marques Pereira, entre 1901 e 1920, que teve a cidade de Santos como tema central de suas fotografias, principalmente, as imagens panorâmicas em média distância que evidenciaram aspectos das edificações da cidade, buscando compreender qual a colaboração destas imagens para a formação de um padrão de visualidade para a cidade. O acervo do fotógrafo José Marques Pereira, que atuou na cidade de Santos na última década do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, é importante e pouco estudado, encontrado na Fundação Arquivo e Memória de Santos. O trabalho de Marques Pereira, forma pela qual assinava muitas de suas fotografias, é sem dúvida impressionante se levarmos em conta que ele atuou na maioria deste tempo como fotógrafo amador, possuindo uma loja de armarinhos na rua XV de novembro, número oito em Santos, que se chamava A Brasileira, em cuja vitrine expunha suas fotografias. 9 E posteriormente mudou-se para a rua de Santo Antônio, número oitenta e dois, próximo ao Largo do Rosário, como mostra uma reprodução de um anúncio, que trás o nome de seu ateliê fotográfico, Photographia União, bem como a informação de que o fotógrafo foi redatorartístico do Indicador Santense. 10 Entre os vários trabalhos deste fotógrafo destacam-se as inúmeras vistas, de São Vicente, do Guarujá, mas principalmente das ruas centrais, praças e do porto de Santos. 11 Para a realização do trabalho desenvolvemos uma relação entre um conjunto de cartões-postais produzidos pelo fotógrafo José Marques Pereira no período de 1901 a 1920 8 KOSSOY, B. Origens e Expansão da Fotografia no Brasil no século XIX. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1980. p. 95. 9 BARBOSA, A. M. S. Memórias da Rua XV. Santos, s.e. 1999. 10 ROSSINI, J. C. Santos Cidade Marítima. Instituto Oceanum, 1999. 11 Grande parte do acervo de Marques Pereira se encontra na Fundação Arquivo e Memória de Santos, já os cartões- postais se encontram parte nesta Fundação parte no arquivo iconográfico do Museu Paulista em São Paulo. Em levantamento bibliográfico realizado na Biblioteca da FFLCH da USP, Biblioteca Central da UNICAMP, Biblioteca Municipal de Santos e Biblioteca Mario de Andrade em São Paulo não foi encontrado nenhum estudo sobre Marques Pereira. 4

na cidade de Santos e a formação de novos padrões de visualidade para a sociedade da época. Nesse sentido buscamos desenvolver uma relação a cerca do caráter ontológico da fotografia,a partir de nossas pretensões e utilizamos as discussões realizadas por: Pierre Bourdieu, Vilén Flusser e Arlindo Machado 12, visando captar a sua possível utilização como formuladora de padrões de visualidade. Estes autores compreendem o signo fotográfico como simbólico, ou seja, como representação. As fotografias seriam fragmentos, construídos a partir de um conhecimento estético do seu produtor e carregadas de sentido. Por conseqüência, denunciariam ideologias inerentes as imagens. Bourdieu, um precursor desta interpretação em que a fotografia é vista como representação, visou responder as colocações de autores que viam o signo fotográfico como reflexo da realidade, afirmando que se a fotografia é considerada como registro perfeitamente realista e objetivo do mundo visível, é porque se lhe destinou (desde a origem) usos sociais tidos por realistas e objetivos. 13 Flusser foi ainda mais longe, clamando por uma filosofia da fotografia, pois somente ela dará condições de libertar os homens da previsibilidade simbólica do aparelho. A filosofia da fotografia é necessária porque é reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programados por aparelhos. Reflexão sobre o significado que o homem pode dar a vida, onde tudo é acaso estúpido, rumo a morte absurda. Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade. 14 E Arlindo Machado ao rebater as correntes realistas a cerca da fotografia apontava para sua tendência ideológica. 12 A partir de levantamento inicial destacamos as seguintes referências bibliográficas: BOURDIEU, Pierre et ilii. Un Art moyen: Essai sur les usages sociaux de la photographie. Pars, Les Editions de Minuit, 1965; FLUSSER, Vilèn.Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para ima Futura Filosofia da Fotografia.. São Paulo, Hucitec, 1985; MACHADO, Arlindo. A Ilusão Especular: Uma Introdução à fotografia. São Paulo, Brasiliense/ Funart, 1984. 13 BOURDIEU, P. op. cit. p. 109. 14 FLUSSER, V. op. cit. p. 84. 5

O que esse efeito de realidade almeja, no mesmo momento que sofistica o seu aparato técnico de representação, é esconder o trabalho de inversão e de mutação operado pelo código, o que quer dizer: censurar aos olhos do receptor os mecanismos ideológicos dos quais esse efeito é fruto e máscara ao mesmo tempo. 15 As discussões referentes ao estatuto ontológico da fotografia, nos auxiliam a dar visibilidade às suas características documentais, na medida que as produções que são nosso objeto de pesquisa, são registros de diversos aspectos da cidade de Santos nas primeiras décadas do século XX. O documento deve ser entendido como produção humana, portanto concebido desde as suas próprias condições de criação como um instrumento de poder. O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. 16 No jogo de poderes entre o fotógrafo e seus interlocutores, os possíveis financiadores, compradores e demais agentes interessados na produção de cartões-postais, entendemos o sentido inserido nas imagens, não como uma construção falsa, mas sim uma representação, um ponto de vista sobre a cidade. Para analisar o sentido das produções do fotógrafo José Marques Pereira apoiamos nossa pesquisa nos trabalhos mais recentes, que viram na fotografia uma importante fonte de pesquisa. Dentre os variados estudos que se detiveram sobre a fotografia, utilizamos os trabalhos que estabelecem a relação entre ideologias e formas de representação. Entre estes destaco: Candido Domingues Grangeiro; Vânia Carneiro de Carvalho & Solange Ferraz de Lima; Antonio Ribeiro de Oliveira Jr; Jeziel De Paula e Sônia Aparecida Fardin. 17 15 MACHADO, A. op. cit. p. 28. 16 LE GOFF, J. História e Memória. Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 1994. p. 545. 17 As artes de um negócio: A febre photographica São Paulo 1862-1886. São Paulo, Mercado de Letras, 2000; Fotografia e Cidade: Da razão urbana à lógica do consumo, álbuns de São Paulo (1887-1954). Campinas: Mercado de Letras, 1997; Do reflexo à mediação: um estudo da expressão fotográfica e da obra de Augusto Malta. Campinas: UNICAMP, 1994; 1932 Imagens Construindo a História. Campinas/Piracicaba: Editora da UNICAMP/Editora UNIMEP, 1998; Revelações do Imaginário urbano: Iconografia Campineira no final do Século XIX. Campinas, Dissertação de Mestrado, Departamento de História, IFCH, UNICAMP, 2001, respectivamente. 6

O trabalho de Oliveira Júnior que buscou a expressão fotográfica na produção de Augusto Malta na cidade do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, guarda semelhanças com o nossas propostas, entre elas, a sua preocupação com o estatuto ontológico da fotografia e a procura dos interlocutores de Augusto Malta. Contudo suas análises do conteúdo fotográfico se detêm sobre a semiologia da imagem, mais preocupado com aspectos estéticos, que na relação entre sentidos e formas de representação destas composições. Um aspecto curioso é a semelhança entre a trajetória deste fotógrafo e de José Marques Pereira, visto que Malta também possuiu uma loja de armarinhos e fazendas antes de profissionalizar como fotógrafo. As pesquisas de De Paula, Grangeiro e Fardin, nos mostram alguns caminhos para trabalhar a fotografia como documento, como fonte de pesquisa. De Paula buscou revisar as interpretações historiográficas a respeito do Movimento de 1932, por meio de um conjunto de fotografias produzidas como relatos dos acontecimentos do período. Essa característica documental da imagem contribuindo para uma ampliação do olhar historiográfico sobre o tema facilitou a construção de novas leituras do mesmo universo, revelando implicações diferentes das traçadas por outros estudos. 18 Grangeiro entende o objeto/fotografia semelhante a qualquer documento, portanto passível de varias interpretações, assim as origens, as condições e os objetivos de produção aliados às informações de outros documentos são importantes para analisar a fotografia, visando constituir sua história social. Assim afirma que: (...) a iconografia tem que ser estudada a partir do lugar em que fala na sociedade e é este lugar na sociedade que vai dar as condições de existência do objeto fotográfico. 19 18 DE PAULA, J. op. cit. p. 31-2. 19 GRANGEIRO, C. D. op. cit. p. 20. 7

Do trabalho de Fardin ressalta o destaque dado para o interesse de produtores e receptores quanto à cena fotografada, assim o documento de hoje deve ser visto nas suas condições de produção, e no nosso caso, nas relações comerciais em que estavam inseridos. Em última instância toda fotografia é fruto de uma saber e um desejo que é, ao mesmo tempo, individual e coletivo. Ë individual pelas escolhas feitas por cada um de seus artífices: os fotógrafos e os fotografados. É coletivo porque é influenciado pela necessidade de se fazer entender e de atender as expectativas daqueles que serão os receptores da mensagem visual construída. 20 Mas é o trabalho de Carvalho & Lima que melhor desenvolve um processo de análise das imagens, buscando o sentido inserido no conteúdo das fotografias. Desta forma propõem uma metodologia de análise baseada em trabalhos de historiadores da arte, visando interpretar um conjunto de álbuns fotográficos produzidos sobre a cidade de São Paulo, dividindo-os em duas séries, de 1887 a 1919 e de 1951 a 1954. A escolha dos álbuns fotográficos sobre a cidade de São Paulo como núcleo básico de investigação permite ao historiador perceber, nas noções da cidade, a vida subliminar de representações e valores associados ao poder público, à estética, à racionalidade, à organização do espaço, ao trabalho, ao consumo, aos lugares sociais, à riqueza, ao desenvolvimento, às formas de acesso e de participação na rede de relações sociais. 21 As várias contribuições desta proposta desde o levantamento bibliográfico sobre os trabalhos referentes à fotografia, os objetivos de analisar o sentido das imagens até a metodologia exposta, nos servem como guia de pesquisa. Contudo cabe ressaltarmos que os descritores, a base desta metodologia, são construídos a partir do objeto específico, assim é importante para nossa pesquisa delinear os caminhos que condigam com nosso objeto: os 20 FARDIN, S. A. op. cit. p. 18-9. 21 CARVALHO, V. C. de & LIMA, S. F. de op. cit. p. 13-4. 8

cartões-postais produzidos pelo fotógrafo José Marques Pereira na cidade de Santos nas duas primeiras décadas do século XX. Diante destes objetivos, realizamos também o levantamento, a classificação e a seleção das fontes iconográficas (cartões-postais) e das fontes escritas (periódicos da época, relatórios da Associação Comercial de Santos, relatórios da Administração Municipal de Santos e das Secretárias do Estado de São Paulo). A análise conjunta dessas fontes é imprescindível para a contextualização dos aspectos visuais inseridos no conteúdo das imagens. É necessária a comparação com outras imagens iconográficas similares e de informações escritas de diferentes origens como: bibliografia histórica no contexto mais amplo, arquivos oficiais e particulares, periódicos da época, literatura, crônicas, registros comerciais e nas ciências vizinhas para a reconstrução do espaço-tempo inseridos no conteúdo destas imagens. Somente a partir da associação das fontes iconográficas entre si, a cargo de comparação das cenas reveladas, e entre a bibliografia referente à história de Santos é que está sendo possível analisar e interpretar mais profundamente a imagem fotográfica, isto é, apreender o que não está visível, além da verdade iconográfica. A cena final captada pela câmara carrega consigo uma série de opções políticas e/ou estéticas feitas pelo fotógrafo e inseridas na imagem através de escolhas, como por exemplo de ângulo e/ou de enquadramento. Visto isso, estamos buscando reconstruir a trajetória profissional do fotógrafo José Marques Pereira por meio de informações da imprensa do período, coletadas no Arquivo do Estado de São Paulo, bem como no Arquivo da Associação Comercial de Santos, sobre o ateliê fotográfico de Marques Pereira e de uma editora de postais da época chamada Bazar de Paris, que editou muitos postais da cidade de Santos sem créditos aos fotógrafos, podendo muitos dos postais, pertencerem ao fotógrafo em estudo. Desta forma visamos explicitar os objetivos que levaram a realização das fotografias e dos cartões-postais e sua associação com a transformação urbana na cidade de Santos. Visando reconstituir a cidade que o circundava e seu olhar sobre ela. 9

BIBLIOGRAFIA: BARBOSA, Ana Maria de Souza. Memórias da Rua XV. Santos, s.e. 1999. BORDIEU, Pierre et ilii. Un Art moyen: Essai sur les usages sociaux de la photographie. Pars, Les Editions de Minuit, 1965. BRESCIANI, M.S.M. Londres e Paris no século XIX o espetáculo da pobreza. Editora Brasiliense, 1982. BRESCIANI, M.S.M. Permanência e Ruptura no Estudo das Cidades. Texto xerografado apresentado no Seminário de Historia Urbana promovido pela ANPUR em Salvador, Campinas, 1990. CARVALHO, V. C. de & LIMA, S. F. de Fotografia e Cidade: Da razão urbana à lógica do consumo, álbuns de São Paulo (1887-1954). Campinas: Mercado de Letras, 1997. DE PAULA, J. 1932 Imagens Construindo a História. Campinas/Piracicaba: Editora da UNICAMP/Editora UNIMEP, 1998. FABRIS, Annateresa A Invenção da Fotografia: Repercussões Sociais. In: Fotografia Usos e Funções no Século XIX. São Paulo, EDUSP,1991. FARDIN, S. A. Revelações do Imaginário urbano: Iconografia Campineira no final do Século XIX. Campinas, Dissertação de Mestrado, Departamento de História, IFCH, UNICAMP, 2001. FLUSSER, Vilèn. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para ima Futura Filosofia da Fotografia.. São Paulo, Hucitec, 1985. FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade. Editora Veja, Lisboa, Portugal, 1989. GRANGEIRO, C. D. A febre photographica São Paulo 1862-1886. São Paulo, Mercado de Letras, 2000. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo. Editora Ätica, 1989. KOSSOY, Boris. Hércules Florence 1833: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. São Paulo, Faculdade de Comunicação Social Anhembi, 1977. KOSSOY, Boris. Origens e Expansão da Fotografia no Brasil no Século XIX.. Rio de Janeiro, FUNART, 1980. 10

LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma cidade na transição Santos: 1870-1913. HUCITEC, São Paulo, 1996. LE GOFF, J. História e Memória. Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 1994. MACHADO, Arlindo. A Ilusão Especular: Uma Introdução à fotografia. São Paulo, Brasiliense/ Funart, 1984. MONTEIRO, R. H. Brasil, 1833: a descoberta da fotografia revisitada, Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, UNICAMP, Campinas, SP, 1997. OLIVEIRA JR, A. R. de Do reflexo à mediação: um estudo da expressão fotográfica e da obra de Augusto Malta. Campinas, Dissertação de Mestrado, IA, UNICAMP, 1994. ROSSINI, J. C. Santos Cidade Marítima. Instituto Oceanum, 1999 11