Ensaio sobre a disciplina de Filosofia no Ensino Médio: desafios da avaliação da aprendizagem



Documentos relacionados
A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DE BIBLIOTECAS ESCOLARES NA CIDADE DE GOIÂNIA

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

PRÓ-MATATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Resolução de Exercícios Orientações aos alunos

O estudante de Pedagogia deve gostar muito de ler e possuir boa capacidade de concentração porque receberá muitos textos teóricos para estudar.

O PERFIL DOS PROFESSORES DE SOCIOLOGIA NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE FORTALEZA-CE

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

Unidade II FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL. Prof. José Junior

FUNDAÇÃO CARMELITANA MÁRIO PALMÉRIO FACIHUS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Educação de qualidade ao seu alcance SUBPROJETO: PEDAGOGIA

Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesquisa

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

O ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

DIVISÃO DE REGISTROS ACADÊMICOS Registros Acadêmicos da Graduação. Ementas por Curso 09/05/ :06

Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)

PRÁTICA PROFISSIONAL INTEGRADA: Uma estratégia de integração curricular

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

UM RETRATO DAS MUITAS DIFICULDADES DO COTIDIANO DOS EDUCADORES

O que são Direitos Humanos?

A PRÁTICA DE ENSINO EM QUÍMICA: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE COMO TEMA TRANSVERSAL

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

VIII JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL

EMENTÁRIO LETRAS EaD INGLÊS

José Fernandes de Lima Membro da Câmara de Educação Básica do CNE

ALGUNS ASPECTOS QUE INTERFEREM NA PRÁXIS DOS PROFESSORES DO ENSINO DA ARTE

Pedagogia Estácio FAMAP

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

Colégio Pedro II Departamento de Filosofia Programas Curriculares Ano Letivo: 2010 (Ensino Médio Regular, Ensino Médio Integrado, PROEJA)

Projeto de banda de fanfarra o SALVADOR

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

Aprendizagem da Análise Combinatória nas séries iniciais do Ensino Fundamental

TRABALHO PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA DE UMA ESCOLA INCLUSIVA. Profa. Maria Antonia Ramos de Azevedo UNESP/Rio Claro.

OLIMPÍADA BRASILEIRA DE MATEMÁTICA DAS ESCOLAS PÚBLICAS (OBMEP): EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS A PARTIR DO PIBID UEPB MONTEIRO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

Curso: Pedagogia ( 1 ª Licenciatura) I Bloco. Fundamentos Epistemológicos de Pedagogia 60 horas

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

AS NOVAS DIRETRIZES PARA O ENSINO MÉDIO E SUA RELAÇÃO COM O CURRÍCULO E COM O ENEM

INSTITUTO VIANNA JÚNIOR LTDA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS VIANNA JÚNIOR INTERNET COMO INSTRUMENTO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO CURSO DE FORMAÇÃO DE DOCENTES NO PARANÁ A PARTIR DOS DOCUMENTOS ORIENTADORES DE 2006 E 2014

CURSINHO POPULAR OPORTUNIDADES E DESAFIOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOCENTE

Desafios da EJA: flexibilidade, diversidade e profissionalização PNLD 2014

METODOLOGIA DO ENSINO DA ARTE. Número de aulas semanais 4ª 2. Apresentação da Disciplina

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS INGLÊS E LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA (Currículo iniciado em 2010)

A Contextualização e Abrangência dos Conteúdos de Álgebra nos Vestibulares da UEL, UEM e UEPG

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

COMISSÃO PRÓPRIA DE AVALIAÇÃO DA FACULDADE ARAGUAIA

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO EM UM CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA A DISTÂNCIA

DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UTFPR

ACESSO AO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: DIFICULDADES, ANSEIOS E SUGESTÕES DOS ALUNOS.

PROJETO LABORATÓRIO DE PROFISSÕES - QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURRÍCULO NOVO ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

Se você acredita que as escolas são o único e provável destino dos profissionais formados em Pedagogia, então, está na hora de abrir os olhos

FORMAÇÃO MATEMÁTICA EM CURSOS DE PEDAGOGIA EM DOIS TEMPOS: UM ESTUDO

Núcleo de Informática Aplicada à Educação Universidade Estadual de Campinas

FACULDADE ADVENTISTA DA BAHIA REGULAMENTO DE MONITORIA DO CURSO DE PEDAGOGIA

RESOLUÇÃO Nº 05/12 CAEPE

A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA EDUCAÇÃO BIOLÓGICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

GRITO PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Ementas aprovadas nos Departamentos (as disciplinas obrigatórias semestrais estão indicadas; as demais são anuais)

Educação para a Cidadania linhas orientadoras

INDICAÇÃO CEE Nº : 53/ CES - Aprovada em PROCESSO CEE Nº : 398/2000 Reautuado em 28/01/05

universidade de Santa Cruz do Sul Faculdade de Serviço Social Pesquisa em Serviço Social I

Um espaço colaborativo de formação continuada de professores de Matemática: Reflexões acerca de atividades com o GeoGebra

CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO RADIAL DE SÃO PAULO SÍNTESE DO PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO 1 OBJETIVOS DO CURSO OBJETIVO GERAL

AGENDA ESCOLAR: UMA PROPOSTA DE ENSINO/ APRENDIZAGEM DE INGLÊS POR MEIO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS

M a n u a l E n e m P á g i n a 1

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

ROCHA, Ronai Pires da. Ensino de Filosofia e Currículo. Petrópolis: Vozes, 2008.

PROJETO DE INCENTIVO À INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

Curso de especialização EM GESTÃO EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO INFANTIL

Projeto Político-Pedagógico Estudo técnico de seus pressupostos, paradigma e propostas

medida. nova íntegra 1. O com remuneradas terem Isso é bom

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

Relato de experiência sobre uma formação continuada para nutricionistas da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco

PLANTANDO NOVAS SEMENTES NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

SEGURANÇA ALIMENTAR, SUSTENTABILIDADE, EDUCAÇÃO AMBIENTAL: REFLEXÕES A CERCA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR.

Organização Curricular e o ensino do currículo: um processo consensuado

IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA QUIMICA AMBIENTAL NO CURSINHO PRÉ-UNIVERSITÁRIO DO LITORAL NORTE: UMA AVALIAÇÃO DA COMPREENSÃO DOS ALUNOS

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

REFORÇO AO ENSINO DE FÍSICA PARA CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS DO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA

EMENTAS DAS DISCIPLINAS OFERECIDAS NO CURSO DE PEDAGOGIA Catálogo 2012

QUALIFICAÇÃO DA ÁREA DE ENSINO E EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA PROFISSIONAIS DE SERVIÇOS DE SAÚDE

Disciplina Corpo Humano e Saúde: Uma Visão Integrada - Módulo 3

MATRIZ CURRICULAR CURRÍCULO PLENO

LEITURA EM LÍNGUA ESPANHOLA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COMPREENSÃO E EXPRESSÃO CRIATIVA

EXPLORANDO ALGUMAS IDEIAS CENTRAIS DO PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS ENSINO FUNDAMENTAL. Giovani Cammarota

tido, articula a Cartografia, entendida como linguagem, com outra linguagem, a literatura infantil, que, sem dúvida, auxiliará as crianças a lerem e

Transcrição:

Revista Espaço Acadêmico, nº 88, setembro de 2008 http://www.espacoacademico.com.br/088/88provetti.pdf Ensaio sobre a disciplina de Filosofia no Ensino Médio: desafios da avaliação da aprendizagem José Provetti Junior * Introdução A questão que me proponho analisar é sobre avaliação da aprendizagem aplicada à Filosofia, destacando-se como oportuna reflexão, dado o acontecimento inusitado, em 2006, decorrente de esforços de professores e alunos de Filosofia que, ao longo de mais de trinta anos de reivindicações políticas em torno da reinclusão, no Currículo escolar de Ensino Médio público e privado, como disciplina, lograram êxito eliminando a possibilidade injuriosa de tê-la como tema transversal a ser oferecido conforme a existência de recursos humanos mais ou menos qualificados a respeito. Colocada no hall de matérias facultativas durante o regime militar e ao longo do tempo esvaziada como foco de interesse não pragmático, por conseguinte, pouco procurada por vestibulandos e candidatos a professores ao longo de todo o período da ditadura, a Filosofia, disciplina elitista por excelência, tornou-se o privilégio de raríssimos estudantes de graduação e de atormentados alunos de Ensino Médio de escolas confessionais, com raríssimas exceções das Redes Estaduais de Ensino (ao menos no estado do Rio de Janeiro, ao qual essa análise se restringirá, dado a carência de dados de âmbito nacional por parte do autor). Essa pequena introdução visa situar o leitor a respeito de dados sociais circunstanciais que acentuam a problemática em torno da questão ensino-aprendizagem, em especial, sobre a avaliação, em termos de Filosofia em nossa realidade escolar. A questão clássica a ser analisada é sobre a possibilidade do ensino de Filosofia à adolescentes, em que medida e sob que circunstâncias (no sentido de com que objetivos ). Sendo possível, que lecionar exatamente? E, finalmente, em decorrência da anterior, como avaliar a aprendizagem, em especial, no que respeita a possível (provável) reintrodução da disciplina Filosofia como elemento de avaliação e ingresso ao nível superior através do exame vestibular e suas variantes permitidas pelo Ministério da Educação. Desenvolvimento É tradicional, em Filosofia, desde os tempos iniciais, que o seu ensino só era feito a homens adultos (cidadãos) e acima de certa idade, em especial, àqueles que já houvessem ultrapassado os ritos de passagem da adolescência à idade adulta, que variavam conforme a polis, mas que em linha geral, se dava através da ação de um pedagogo a introduzir o infante às tradições, costumes e leis da cidade, culminando com a prova biológica do aparecimento da barba, como elemento distintivo de um homem, no caso helênico. A partir de então, o rapaz era introduzido nos exercícios ginástico-militares, a exceção de *Mestre em Cognição e Linguagem pela UENF, graduado e licenciado em Filosofia pela UERJ, pesquisador e professor-voluntário do Núcleo de Estudos da Antigüidade NEA UERJ, professor PSS e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Filosofia da Secretaria de Educação do Paraná SEED PR - Umuarama.

Esparta, onde o cidadão iniciava seu treinamento militar aos sete anos, (mas eles não eram muito dados a Filosofia ou as Musas, poéticos, retóricos e filosóficos), conforme sua classe social e recursos familiares, uma vez que não haviam escolas subsidiadas pelo estado, cabendo a quem quisesse se instruir, o ônus integral de sua formação e ai incluía-se a alfabetização e a arte da escrita, o que tornava a educação considerada nada acessível a maioria da população. Assim se formaram as primeiras escolas filosóficas, fundadas no ensino oral, em franco e dialógico relacionamento mestre-aluno, tendo a escrita de livros (papiros) como recurso de divulgação ou o exercício mnemônico para posteriores reflexões, que era a prática mais popular entre aqueles que eram considerados o povo no mundo grego. Vale ressaltar que a filosofia não era encarada como uma habilidade para poucos cidadãos desocupados que ficavam reclusos em seus gabinetes pensando e elaborando sistemas de explicação do mundo e dos fenômenos pertinentes ao homem e à natureza, afastados das problemáticas do dia-a-dia, logo caracterizando-se como um poderoso e eficaz instrumento de relacionamento político entre iguais e causticante era uma arma de guerra em disputas jurídico-político-filosóficas em plena praça pública, lugar este reservado exclusivamente aos cidadãos. No período alexandrino, num contexto social mais amplo, as escolas filosóficas mantiveram as mesmas orientações clássicas quanto ao acesso, mas a cultura grega como um todo, em especial este importante instrumento prático de ação, a saber, a Filosofia, era de acesso restrito àqueles que almejavam nas escolas reais do império macedônio, principalmente no Museu, condição essencial para que os nativos de terras conquistadas tivessem acesso ao título de cidadão, importante quesito de acessibilidade político-financeiro da Antigüidade helenística e posteriormente apropriado pelo mundo romano em Alexandria. Na Idade Média, tanto na considerada pelos historiadores como Alta, Média e Baixa, o acesso ao ensino filosófico ficou restrito aos colégios orientados pela Igreja Católica Romana, em especial, nos dois últimos períodos e, posteriormente, o Currículo, no Trivium e no Quatrivium, o ensino de Filosofia foi estendido ao programa dos colégios paroquiais e das primeiras universidades. Durante esse longo período, a Filosofia ocidental cristã foi paulatinamente retirada dos cenários político-pragmáticos e transferida para os claustros, até o movimento do Renascimento e sua estandartização como disciplina escolar nas Idades Moderna e Contemporânea tal como a conhecemos, isto é, uma disciplina teórica, com pouca ou nenhuma vinculação com a realidade pragmática das sociedades capitalistas. Desta tradição afastada das praças e encruzilhadas dos burgos, advém a visão popular contemporânea de que a Filosofia é um conjunto de sistemas desconectados da realidade, com uma linguagem difícil e de acesso privilegiado a poucos deslocados da sociedade globalizada em suas necessidades pragmáticas. Nessa medida, tal visão caracteriza e determina a relação ensino-aprendizagem socialmente realizada e emocionalmente vivida tanto entre alunos como mestres nas instituições de ensino médio e superior. A pergunta que se estabelece como decorrente deste processo é: seria possível ou não, o ensino de Filosofia a adolescentes na atualidade e no Brasil? Tal qual o ensino de língua nacional (e daí decorre a aprendizagem das línguas estrangeiras), da matemática (e conseqüentemente, da Física), o ensino-aprendizagem de Filosofia, caracteriza-se como uma linguagem específica no âmbito da linguagem escolar, sendo esta, diferenciadora e determinante da acessibilidade e mobilidade nas classes sociais de nosso país durante o curso. A mencionada diferenciação lingüística no âmbito da chamada linguagem escolar, coloca 2

em foco a questão que motiva esta reflexão. Os antigos acreditavam que a Filosofia não era possível ser ensinada a crianças e adolescente. Os medievais ignoraram a questão, mas em certa medida, ratificaram a posição dos antigos, com a estratificação curricular das escolas. Na contemporaneidade, Kant e Hegel apud Obiols (2002) fazem referências à questão e se posicionam desfavoravelmente ao ensino de Filosofia a crianças e adolescentes, alegando que não há maturidade psicológica para adentrar aos profundos aspectos de sua reflexão e exercício. No entanto, vale ressaltar que esses autores ainda problematizaram a questão do que ensinar e como ensinar Filosofia, tanto no âmbito universitário quanto nos Liceus, coisa que sequer era cogitado entre os antigos. Dado que em sua especificidade, o magistério filosófico apresenta o complicador de que o professor necessita optar por apresentar aos alunos História da Filosofia, escolhendo algum sistema ou autor para ensinar durante o programa, isso levanta outro problema conexo à questão anterior e que se vincula à questão da aprendizagem, a saber: deve-se ensinar o aluno um conjunto genérico de pensamentos e sistemas filosóficos ou ensiná-lo a filosofar? O que está realmente em questão quando se problematiza a possibilidade e viabilidade do ensino de Filosofia a adolescentes, dado as condições de nosso sistema educacional prever o ensino no nível médio apenas? Na análise da questão que atualmente empreendemos, enquanto professor da disciplina com experiência nas Redes Privada (Rio de Janeiro RJ) e Pública (Umuarama PR), o que primariamente está envolvido é um problema de ordem cognitivo e um outro, secundário, de ordem psicológica e curricular que necessariamente englobam a relação ensino-aprendizagem e, conseqüentemente a avaliação e os critérios a serem adotados no magistério filosófico. A questão desloca o centro de gravidade da pessoa do aluno, em certa medida, para a do profissional de ensino e, colateralmente, ao estabelecimento-sistema de ensino, uma vez que o que condicionará a relação ensino-aprendizagem passa pela opção profissional e sistêmica do modelo cognitivo aceito pelo professor e que, necessariamente, acarreta um dado modelo parametrizador de aferição quanto a avaliação. Logo, o problema da possibilidade do ensino de Filosofia no Ensino Médio centra-se na questão da avaliação, da possibilidade e acessibilidade do discente às linguagens escolares, em primeiro nível, à linguagem filosófica, em segundo nível e, da parte do docente, do estabelecimento de parâmetros quanto ao que se deseja através do ensino tendo como base, o estabelecimento dos critérios de avaliação, bem como dos instrumentos a serem utilizados. Diante do desafio da reimplantação da disciplina de Filosofia no Ensino Médio e inclusão nos sistemas de avaliação de ingresso ao nível superior, se delineiam instigantes incógnitas sobre os desdobramentos do processo, uma vez que desde a prática docente à avaliativa, nos depararemos com alunos adestrados a questionários e processos de avaliação centrados em resultados por meio de notas/conceitos, com pouquíssima leitura, preguiça reflexivo-mental e resistências sócio-econômicas ao que classificam como: - coisa inútil, dada a formar loucos que nada dizem em relação à realidade da minha vida. Como é possível aferir numa breve pesquisa de opinião, nas salas de aula privada e pública de qualquer estabelecimento e nível de ensino. O que se espera em se tratando de Filosofia para o Ensino Médio e como se pretende avaliar os resultados? O conteúdo historiográfico da filosofia ocidental ou o exercício do bem se expressar e raciocinar cientificamente, com vistas à integração e formação de cidadãos às exigências da moderna sociedade brasileira que pretende estabelecer-se como tecnolóide? E nesta medida, qual o papel do professor de filosofia (filósofo, supõe-se), neste processo? Existem duas modalidades de ensino filosófico aceitas habitualmente como válidas e de comum utilizadas como parâmetros de avaliação pelos professores, a saber, a história da 3

filosofia e o exercício filosófico. Uma e outra são verdadeiramente essenciais para que se possa aceitar o ensino filosófico como válido e produtivo, na perspectiva de formação da cidadania plena, uma vez que dado haver mais de 2400 anos de reflexão sobre as mais variadas vertentes e possibilidades argumentativas de nossa cultura, pouco se cria de novo no campo, embora a novidade se apresente em variáveis interpretativas e métodos de observação das reflexões anteriormente instituídas como padrões e que hoje são questionadas, revisitadas e, mormente, apresentadas como novidades àqueles que ignoram a extensa seqüência de pensadores já enunciadas no Ocidente. Já o filosofar, necessariamente, não passa pelos textos filosoficamente apresentados como clássicos, embora estes sejam exemplos vivos e pulsantes de reflexão. Dessa maneira, para se evitar a cristalização em modos reflexivos dos sistemas clássicos, na medida em que é uma ferramenta educacional visitá-los, deve-se evitar tê-los como um limitador do potencial reflexivo livre, instituindo-os como padrões invariáveis. Outrossim, o exercício filosófico infere alguns pré-requisitos inevitáveis ao aluno, que devem ser cultivados antes de qualquer abordagem filosófica, tais como a concentração, o espírito perquiritivo, a inclinação para as ciências auxiliares como a Psicologia, Sociologia, História, Economia, Política, Filologia e, necessariamente, a amizade às línguas clássicas e modernas, na medida em que as possibilidades expressivas do pensamento abrangem modos específicos de modelar pensamentos e, se o aluno desconhecer completamente as alternativas do dizer em alguns idiomas, determinadas reflexões tornam-se extremamente limitadas quanto às opções de desenvoltura. O que infere que o aluno seja praticante assíduo da leitura em seu idioma e se exercite com a boa e velha Gramática, antes de mais nada, ou seja, o discente precisa estar familiarizado com a chamada nomenclatura escolar para melhor compreender os ensinos filosóficos. Quesitos estes que acentuam as dificuldades da grande maioria dos alunos do Ensino Médio e Superior, dado o descaso geral pelo exercício de leitura e interpretação de textos em geral, que dirá sobre textos filosóficos! Em termos de Ciências auxiliares da Filosofia é extremamente necessária para a aprendizagem segura, os rudimentos da Lógica (clássica, em especial e matemática, se possível) e propriamente, em lembrança a Platão (1980), o aluno deve ter certa familiaridade para com a Matemática, em especial, a Geometria. Isso nos apresenta um terceiro modo possível de apresentar a filosofia ao Ensino Médio e caso o aluno não tenha acessado esses conhecimentos, (o que é provável em termos de educação no Brasil), cabe ao professor apresentar-lhes, no mínimo, noções preliminares dos requisitos acima descritos. Tal medida se faz necessária para que haja boa compreensão da história e da vivência reflexiva filosófica, uma vez que sem os mencionados auxílios ao exercícios filosófico, que são imprescindíveis à aplicação pragmática e não reforce a persistente visão mítica existente no inconsciente coletivo de nossa sociedade, no que se refere a Filosofia de gabinete, como sói ser classificada a disciplina por alunos e, inacreditavelmente, por colegas do magistério, em especial, os que trabalham no campo da Pedagogia, pois comumente se arvoram em se candidatar ao exercício do magistério filosófico como senhores do campo, como se este fosse apenas uma questão de dinâmicas de grupo, debates e achismos por parte daqueles que precisavam receber substanciais orientações filosóficas a respeito de sua inserção na idade adulta e na cidadania. É sob essas considerações que cabe ao professor de filosofia a preocupação e a habilidade no que respeita à relação ensino-aprendizagem-avaliação já que apresenta sugestiva proposta quanto à prática docente e a parametrização dos critérios de avaliação, sendo uma necessidade por parte dos profissionais de educação, tornando o ensino de filosofia algo humanizado, isto é, não academicista, fazendo-o descer do pedestal de superioridade da chamada 4

rainha das ciências, para o de instrumento lingüístico necessário, pragmático e de multiplicação do exercício consciente da cidadania plena, tão urgente em nossa nação! Ora, uma vez que o ensino de Filosofia é permeado de elementos constitutivos de outras ciências (ou seria o contrário?), constitui-lhe a definição, a apresentação pragmática e objetivo no Ensino Médio, auxiliar a aprendizagem do aluno das partes-elementos das demais disciplinas, pois que a Filosofia possibilita o desenvolvimento do raciocínio e da reflexão de maneira generalizada e radical, constituindo-se assim, a metodologia própria à apresentação dessas ciências auxiliares. No entanto, a proximidade e apoio fornecido pela Filosofia às demais disciplinas não possibilita, em termos de critérios avaliativos, uma analogia a ponto de similaridade. Os critérios de avaliação diferenciam-se, pois os objetivos almejados pelas demais disciplinas não se coadunam com os objetivos filosóficos, pois o que se pretende em termos de disciplina é municiar o aluno com os elementos necessários ao exercício e vivência reflexivo-científica enquanto cidadão e não como um conhecimento instrumental, como objetivo provisório com vistas a uma aprovação em curso, concurso ou similares, é uma verdadeira vivência e o instaurar de uma habilidade para toda a vida, num primeiro momento, e a autonomia existencial no segundo momento. Num terceiro momento, a introdução à historiografia filosófica e aos problemas aos quais se referem os sistemas e pensadores, de maneira contextualizada e historicamente elencada, se apresenta como essencial item para o referido preparo do aluno para o mergulho reflexivo que em si se mostra profundamente existencial e pragmático. Conclusão Por essa linha de raciocínio, a avaliação da aprendizagem em Filosofia, necessariamente, atravessa três momentos específicos a saber: 1 ciências auxiliares e suas práticas metodológicas; 2 história da filosofia, contextualização antropológico-sociológica com apresentação de pensadores, sistemas e principais problemas e 3 o exercício reflexivo, tendo os textos do passado como referências e as questões do presente como desafios ao exercício da práxis reflexiva. Logo, o que se deve avaliar em todo e qualquer curso filosófico, nos Ensinos Fundamental, Médio ou Superior, indistintamente é, nesta medida, não a idade do aluno, pois esta pouco importa a meu ver, respeitados os estágios de desenvolvimento cognitivo assinalados por Piaget (1976), Vygotski (1996) e outros, mas sua maturidade e interface para com os conteúdos escolares como um todo, a habilitação, a instrumentação e principalmente o instigar do aluno ao desafio do pensamento, suas potencialidades empírico-pragmáticas concretas em todos os âmbitos da ação humana e, em sua capacidade ética de manipular os elementos possíveis à reflexão, no exercício da cidadania autônoma. 5

Referências JAPIASSU, H. & MARCONDES, D. (1998). Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar. LUCKESI, C. C. (2005). Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez. MACEDO, E. F. de & LIMA, E. C. de. (2001). Currículo, Cultura e Conhecimento In Cadernos Pedagógicos I. Rio de Janeiro: EDUERJ, v. I (1): 91-136. MACEDO, E. F. de, BORGES, A. de P, KESTRING, B. Et alii. (2006). Filosofia: Ensino Médio. Curitiba: SEED PR. MENDES, A. A. P, KESTRING, B. & MARÇAL, J. (2007) Diretrizes Curriculares de Filosofia para a Educação Básica. Curitiba: SEED PR. OBIOLS, G. (2002). Uma Introdução ao Ensino de Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí. PIAGET, J. (1976). A Equilibração das Estruturas Cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar. PLATÃO (1980). A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. VYGOTSKY, L. S. (1996). A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes. 6