PRECEDENTES HISTÓRICOS DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE Letícia Sesquim 1 INTRODUÇÃO O controle de constitucionalidade desde a sua origem, e com uma crescente ênfase no decorrer da história, foi afirmado e tem sido concebido como um instituto jurídico de alcance bastante profundo, com ligação à afirmação da Constituição como norma jurídica básica e superior do Estado Democrático de Direito como afirma Dallari (2013). As ideias originárias do sistema americano e austríaco ainda hoje repercutem no controle de constitucionalidade e para uma correta compreensão dele, há de se atentar ao seu viés histórico, que permite conhecer sua origem, e a partir daí diferenciar os sistemas de controle, utilizados contemporaneamente no Brasil. O SISTEMA NORTE-AMERICANO JUDICIAL REVIEW O modelo ou sistema norte americano originou-se em 1803, no caso Marbury contra Madison, onde o Chief of Justice of the United States, John Marshall, lançou as premissas acerca do instituto do controle de constitucionalidade. A célebre decisão da Suprema Corte Estaduniense inovou, sendo então o primeiro precedente para o controle de constitucionalidade. A decisão se baseou na supremacia da Constituição, não podendo assim, qualquer ato legislativo ordinário a contrariá-la. A questão tratada nessa decisão gerava em torno da determinação de Thomas Jefferson, o então presidente dos Estados Unidos que ganhara as eleições de 1800, que ordenou a seu Secretário de Estado que os juízes nomeados por John Adams, o presidente anterior, não fossem investidos. Acontece que Jonh Adams, juntamente com o Congresso, composto em sua maioria pelos federalistas, com intuito de manter seu poder no Judiciário, fizeram aprovar uma lei que autorizou o presidente a nomear 42 juízes de paz. XIV Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC 1
William Marbury era um deles e com a decisão de Thomas Jefferson restou impedido de assumir a função de juiz de paz. Marbury então postulou judicialmente em 1801 a concretização de sua investidura, o que resultou na decisão que reconheceu a supremacia da constituição. Tal contexto sobre o caso Marbury contra Madison é apresentado por Luis Roberto Barroso em sua obra O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, que conclui observando que o cenário da época era politicamente hostil, em razão da tensão entre federalistas e republicanos, o que não impediu a Suprema Corte dos Estados Unidos de proferir decisão sobre o caso constitucional mais célebre da história. Destaca-se as seguintes palavras do autor quanto ao episódio Marbury versus Madison: Marbury v. Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da supremacia da Constituição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe contravenham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstâncias específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão, passando a ser celebrada universalmente como o precedente que assentou a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas.(barroso, p. 10, 2006) Os ensinamentos de Marinoni afirmam que o surgimento do controle difuso de constitucionalidade nos Estados Unidos merece uma especial atenção, pois lá, a separação dos poderes é um dos fundamentos da Constituição Americana, o que não impediu que o Judiciário controlasse a produção normativa do Poder Legislativo quanto à compatibilidade com a sua Constituição. O mesmo não ocorreu na França, onde o princípio da separação dos Poderes foi utilizado para impor o Judiciário a aplicar a letra da lei. O SISTEMA AUSTRÍACO No continente Europeu, o controle de constitucionalidade surge com a Constituição da Áustria em 1920. Com características próprias, tal sistema em muito se diferencia do judicial review, o sistema americano de controle de constitucionalidade. O sistema austríaco 1 SESQUIM, Letícia. Acadêmica do 10º período do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal UNESC. X Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC
apresente o controle concentrado de constitucionalidade, tendo suas raízes no desenvolvimento da jurisdição constitucional de Hans Kelsen. Corroborando com essas informações, as palavras de Luis Roberto Barroso são oportunas quando afirmam que Hans Kelsen introduziu o controle de Constitucionalidade na Europa por meio da Constituição da Áustria em 1920, aperfeiçoando-o com a reforma constitucional de 1929. A visão doutrinária de Kelsen era bastante diferente daquela que prevaleceu nos Estados Unidos, para ele o controle de constitucionalidade não seria propriamente uma atividade jurisdicional, mas uma função constitucional, se assemelhando a atividade legislativa, só que de forma negativa. Kelsen idealizou o controle concentrado de constitucionalidade em um tribunal constitucional e considerava que a lei inconstitucional era válida até que decisão da corte se pronunciasse quanto a sua inconstitucionalidade. Só a partir da pronuncia da corte é que os juízes e tribunais poderiam deixar de aplicar a norma, visto que ela seria retirada do mundo jurídico. A constituição austríaca foi a primeira a prever um tribunal constitucional dedicado ao exercício especifico da jurisdição constitucional. Em sua conhecida obra Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen afirma que o ordenamento jurídico deve ser observado como uma pirâmide, e que as normas constitucionais devem ser encontradas em seu topo, servindo assim de fundamento para todo o ordenamento jurídico. O que o mestre vienense afirma se traduz no principio da supremacia da Constituição, que da sustentabilidade ao controle de constitucionalidade. Oportunas são as palavras de Favoreu ao prelecionar que: A construção de Hans Kelsen, exposta em seu estudo de 1928 e na tese de seus discípulo, Charles Eisenmannm parece hoje espantosamente moderna. Kelsen e Eisenmann demonstraram que a instituição de um Tribunal Constitucional, encarregado principalmente de controlar a constitucionalidade de leis, estava perfeitamente de acordo com a teoria da separação dos poderes. Por isso foram suprimidos os últimos obstáculos (FAVOREU, p. 23, 2004). Vale ressaltar que nesse modelo, o controle concentrado de constitucionalidade na Constituição Austríaca se dava por via única, com legitimidade ativa para alguns órgãos políticos, de forma direta à Corte Constitucional, ou seja, não existia aferição de um caso concreto, mas sim de uma lei em tese, objeto único do controle de constitucionalidade. Os efeitos, para Kelsen, eram os mesmos de uma revogação, e por esse motivo que não XIV Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC 3
geravam efeitos ex tunc como o controle de constitucionalidade americano, e sim ex nunc. Quanto à abrangência, o controle austríaco tinha alcance geral, sendo, portanto, erga omnes. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL IMPÉRIO A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Influenciada pela doutrina francesa, a Constituição de 1824, também conhecida como a Constituição do Império não contemplou o sistema de controle de constitucionalidade tal qual o conhecemos hoje. Ao Legislativo era outorgada a competência, de acordo com seu artigo 15, para fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las. Essa concepção de Estado inspira-se marcadamente na doutrina francesa de separação rígida entre os poderes, não admitindo a possibilidade de um poder invalidar os atos de competência de um outro. Segundo essa ideologia, se tal prerrogativa fosse conferida a um dos Poderes da República, este sobrepujaria todos os demais, destruindo o equilíbrio e a harmonia que deveria existir entre eles a fim de se evitar os abusos resultantes da concentração de poderes.(paulo, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo, p. 22, 2008) Dessa forma o controle de constitucionalidade na Constituição do Império era realizado pelo próprio Poder Legislativo conforme outorgava a Constituição, eis que não existia nenhum mecanismo concreto de controle de constitucionalidade. Já a Constituição de 1891, influenciada pelo constitucionalismo dos Estados Unidos, implantou o controle difuso de constitucionalidade, atribuindo a todos os órgãos do Poder Judiciário a competência para, no caso concreto, verificar a compatibilidade de uma norma com a Constituição. O controle de constitucionalidade surge, diferentemente da experiência norte-americana, da própria Constituição. Prevê também a possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo, por meio do veto jurídico realizado pelo Presidente da República. Ressalta-se que em setembro de 1926 são promovidas alterações por meio de Emenda Constitucional estabelecendo as hipóteses de Intervenção Federal X Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC
.A Constituição de 1934 introduz alterações, mantendo o controle difuso e o preventivo por meio do veto jurídico. Uma das inovações é a previsão da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, conforme previa o artigo 12 da Constituição de 1934: Outra grande mudança é a imposição da cláusula de reserva de plenário (artigo 179), que estabelecia a maioria absoluta de votos dos membros do tribunal para a declaração de inconstitucionalidade. É nessa Constituição que surge a possibilidade de atribuição de efeitos gerais a decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, só que com a ressalva de ser feito pelo Poder Legislativo. A Constituição de 1937 representou um retrocesso por seu caráter autoritário e repressivo. Embora tenha mantido o controle difuso, a competência do Judiciário em muito foi usurpada, já que em seu artigo 96 previa a possibilidade de a decisão do Poder Judiciário não concretizar efeitos, no caso de derrubada da decisão pelo Poder Legislativo, com submissão pelo Presidente da República. A Constituição de 1946 flexibiliza a hipertrofia do Poder Executivo e devolve a competência exclusiva para o Poder Judiciário, não mantendo a possibilidade de tornar sem efeito a decisão que pronuncia a inconstitucionalidade de uma lei. Também é restaurado a competência do Senado para tornar com efeitos erga omnes as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. De fundamental importância destacar que em 1965, a Emenda Constitucional n 16 introduz no ordenamento jurídico brasileiro o controle abstrato de normas, com competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal, com legitimidade exclusiva ao Procurador Geral da República. Em relação a Constituição de 1967 e as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 01 de 1969 a única e significativa mudança foi a recuperação da competência do Senado Federal para ampliar os efeitos de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Ademais, manteve as mesmas preposições a respeito do controle abstrato e do controle difuso. A Constituição de 1988 manteve o controle difuso e também o controle concentrado de constitucionalidade. Porém trouxe inúmeras mudanças positivas a esse instituto jurídico constitucional. Houve grande ampliação do número de legitimados para a instauração do XIV Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC 5
controle abstrato de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Ampliou-se também as ações no âmbito do controle concentrado, surgindo a arguição de preceito fundamental, e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ambas com competência para o Supremo Tribunal Federal e com os mesmos legitimados das outras ações de controle concentrado. Tais modificações marcaram uma mudança no controle de constitucionalidade no Brasil, que antes tinha como base o controle difuso, realizado incidentalmente no curso de um processo. Agora, com a fortificação do controle concentrado há uma mudança de paradigma. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2006 BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 04 de junho de 2016 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Controle de Constitucionalidade. LEITE, George Salomão. SARLET, Ingo Wolfgang (organizadores). GIW, Porto Alegre, 2013. FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais. Tradução: Dunia Marinho Silva, Landy Editora, São Paulo, 2004 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 6 ed. Martins Fontes, São Paulo, 1998 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de Constitucionalidade, 7 ed. Editora Impetus, Rio de Janeiro, 2008 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013 X Jornada Científica das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC