O CURSO DE PEDAGOGIA BILÍNGUE DO IFSC PALHOÇA BILÍNGUE: PERCURSOS E DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO EIXO: 2.2: Formação de professor/instrutor de surdos e/ou de libras Elianaa BÄR/ IFSC/Unicamp Simone LIMA/ IFSC/UFSC Bruna Crescêncio NEVES, UFSC Resumo: O presente trabalho propõe apresentar o desenvolvimento de pesquisa aplicada que culminou com a proposta curricular e epistemológica do curso de Pedagogia Bilíngue (Libras/Português) do Instituto Federal de Santa Catarina Campus Palhoça Bilíngue. A metodologia utilizada paraa a elaboração da proposta foi a pesquisa foi a Pesquisa-ação. No decorrer deste trabalho faz-spapel que a formação de professores para a educação infantil e séries inicias desempenham no uma descrição e análise da proposta do curso, com destaque ao desenvolvimento da educação bilíngue. Palavras-chave: Pedagogiaa Bilíngue (Libras/Português). Interdisciplinaridade. Currículo. 1. Introdução O presente trabalho tem por intuito apresentar e problematizar sobre o projeto de curso de Pedagogia Bilíngue (Libras/Português) a distância, a ser implementado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, câmpus Palhoça Bilíngue. O curso em questão tem previsão de oferta a partir do primeiro semestree letivo de 2017 e visa atender diferentes regiões do estado de Santa Catarina e Brasil. A proposta do curso surge como tentativa de resposta para as lacunas existentes na formação de profissionaiss para a escolarização das crianças surdas em uma perspectiva
bilíngue. Há vasta literatura na área que aponta as fragilidades na formação de profissionais da educação para um atendimento adequado às necessidades educativas destas crianças. Aliado a isso, os (des)caminhos da perspectiva da integração/inclusão, signatária da visão médico terapêutica que marca a trajetória da educação de surdos ao longo dos séculos, coloca a criança surda no lugar comum da deficiência.sabe-se também que, embora tendo a Libras como língua natural, a maior parte das crianças são filhas de pais ouvintes e, portanto, não têm, em casa, a oportunidade de desenvolvimento adequado da linguagem. Tal defasagem afeta não apenas o desenvolvimento da primeira língua, como da segunda (o Português, na modalidade escrita) e, em consequência, marcará o processo de desenvolvimento cognitivo dessas pessoas, uma vez que com acesso restrito às informações desde seus primeiros anos de vida, os alunos surdos não têm a mesma base de conhecimento que alunos ouvintes. Isso, somado ao fato de possuírem uma língua visual que demanda de estratégias diferentes de ensino, obriga-nos a repensar o ato pedagógico para esses alunos. A educação de surdos nos leva a refletir sobre questões como apropriação linguística e cultural, levando em conta, ainda, o respeito ao conhecimentoo que esses alunos trazem consigo, suas experiências de vida e de mundo. O processo ensino-aprendizagesujeito, conforme já apontava declaração da Unesco em 1954: [...] a língua materna necessita ser realizado na língua natural de qualquer língua natural constitui a forma ideal para ensinar uma criança. Obrigar um grupo a utilizar uma língua diferente da sua, mais do que assegurar a unidade nacional, contribui para que esse grupo, vítima de uma proibição, se segregue cada vez mais da vida nacional 1. Quando a aprendizagem ocorre com fluidez quando a mensagem é compreendida de maneira eficaz, ou seja, quando as pessoas envolvidas nesse processo conseguem se entender por meio de uma comunicação que faz uso de uma língua comum. É certo que dentro de uma sala de aula cada pessoa tem seu conhecimento construído de maneira particular, o que leva em conta aspectos sociais, familiares, econômicos, étnicos, religiosos, de gênero, entree outros. Quando se fala em sujeitos surdos, outros aspectos estão envolvidos e devem ser, sem dúvida, levados em conta no ato educacional, tais como: cultura e identidade surda, experiência visual, bem como acesso às informações de maneira limitada pelo fato da sua língua não ser a língua majoritária utilizada pela sociedade. Acredita-se que 1 UNESCO, (1954). Las lenguas vernáculas en la enseñanza. Paris: Ediciones de la Unesco.
isso possa ser melhor administrado em sala de aula quando o professor ministrante está imbuído do conceito de bilinguismo e sua prática de ensino está diretamente vinculada ao conhecimento da cultura surda e uso da língua de sinais. Assim, na segunda parte deste trabalho apresentamos, de forma breve, a estrutura pedagógica e curricular do curso; em seguida, na parte três, propomos problematizações acerca dos desafios inerentes à sua implantação. A última parte apresenta as conclusões preliminares do trabalho. 2. Projeto de Pedagogia Bilíngue: estrutura curricular e perfil de formação O Curso de Pedagogia Bilíngue (Libras/Português), do Instituto Federal de Santa Catarina câmpus Palhoçaa Bilíngue, pretende formar profissionais bilíngues para atuação na Educação Infantil e Series Iniciais do Ensino Fundamental, aptos ao que determina o Art.5º da Resolução CNE/CP Nº1 de 15 de maio de 2006, a qual institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia. Inclui-se nesta formação a aptidão para o trabalho vinculado a uma política linguística que reconhece as especificidades pedagógicas e linguísticas dos surdos, seguindo as recomendações do Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei de Libras. O projeto inclui, além disso, o uso da tecnologia e educação como perspectiva interdisciplinar, de modo a possibilitar a formação de profissionais aptos a uma mediação pedagógica através do uso de diferentes tecnologias de informação e comunicação. A concepção de bilinguismo que norteia a construção do curso está ancorada à perspectiva política e pedagógica de um grupo linguisticamente e culturalmente minoritário que tem a Língua de Sinais Brasileira como primeira língua e a Língua Portuguesa em sua modalidade escrita como segunda língua. Compreende-se, pois, que as línguas envolvidas nessa concepção geram implicações pedagógicas, cognitivas, psico e sociolinguísticas devido, principalmente, à característica visual que marca as relações dialógicas das pessoas surdas. O relatório designado pelo Ministério da Educação para elaboraçãoo de subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue (Libras/Português) indica que por educação bilíngue deve ser compreendida: a escolarização que respeita a condição da pessoa surda, sua experiência visual como constituidora de uma cultura singular, sem, contudo, desconsiderar a necessária aprendizagem do português. Demanda o desenho de uma política linguística que
defina a participação das duas línguas na escola em todo o processo de escolarização de forma a conferir legitimidade e prestígio da Libras como língua curricular e constituidora da pessoa surda 2. O Decreto Federal 5.626 de 2005 define pessoa surda aquela que por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. Dados do censo do IBGE de 2010 indicam que o Brasil possui 5,7 milhões de pessoas com algum grau de surdez, das quais 4,6 milhões possuem surdez severa e moderada e 1,1 milhão surdez profunda. O estado de Santa Catarina, por sua vez, possui 10.403 pessoas com surdez profunda, 62.121 com surdez severa e 233.309 com moderada. Tais números representam 4.9% do total da populaçãoo do estado (6.727.148 habitantes). O município de Palhoça possui população total estimada em 137.334 habitantes; destes, cerca de 6.552 são surdos. Embora as últimas décadas tenham possibilitado a aprovação de uma legislação que incentive a educação bilíngue, os dados acimaa indicam a necessidade de um trabalho mais efetivo para a implementação de tais políticas. A formação de professores para atuação na educação infantil e séries iniciais carece de profissionais com fluência em libras e conhecimentos pedagógicos adequados para o trabalho com as crianças surdas. A dinâmica pedagógico-curricular do curso proposto estrutura-se por meio de Interdisciplinas, enfatizando o trânsito constante entre teoria e prática. Nesta perspectiva pretende-se não apenas a articulação dos componentes curriculares entre si, no semestre e ao longo do curso, mas também sua ligação com as experiências docentes, ou seja, com as práticas pedagógicas realizadas nas escolas e classes, os estudantes desenvolvem a docência. Para tanto, algumas ações de planejamento e ensino, são propostas: Compartilhamento de interdisciplinas por professores oriundos de diferentes áreas de conhecimento. Trânsito constante entre teoria e prática, através da seleção de conteúdos atividades de pesquisa e Atividades de Prática Pedagógica em escolas desde o início do curso. Eixo articulador por semestre, que deve orientar e constituir os conteúdos das Interdisciplinas de cada período do Curso, com respectivo professor articulador. 2 MEC/SECADI. Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, 2014.
Encontros (presenciais e online) para planejamento conjunto das atividades dos eixos. A equipe de docência será constituída entre professores e tutores a partir da especificidade de cada função. Compreende-se que a educação a distância pressupõe um trabalho coordenado de docência o que, por sua vez, implica um envolvimento pedagógico permanente e estruturado de forma a atender os diferentes contextos e especificidades da prática pedagógica. O currículo do curso está organizado em torno de eixos temáticos que agregam e articulam em cada semestree os conhecimentos específicos, teóricos e práticos. Estes eixos são compostos por Interdisciplinas e em seminários integradores e atividades complementares, assim definidos: Eixos articuladores: temas que sinalizam a organizaçãoo de cada semestre, representando a direção do foco de abordagem em cada Interdisciplina. Interdisciplinas: contidas nos eixos articuladores e compreendem a abordagem de um tema amplo, que contem inúmeras possibilidades de enfoques temáticos e teórico- letivos de modo a práticos e desenvolvidas por professores de diferentes áreas. Seminários Integradores: desenvolvidos em todos os semestres apoiar cada um dos eixos, acompanhar o perfil do estudante, e organizar as avaliações processuais e desenvolvimento de habilidades dos estudantes. Além da língua de instrução prioritária ser a língua de sinaiss (aulas, videoaulas e videoconferências), e o incentivo à interação aluno-aluno, aluno-professor em Libras, cada eixo terá uma interdisciplina de Libras, cujo objetivo será desenvolver no cursista a competência de mediação didático pedagógica em Língua de sinais, visando à sua atuação profissional. Isso significa dizer que esta interdisciplina não tratará do ensino instrumental da língua, senão do desenvolvimento da libras para contextos pedagógicos. Os estudantes sem fluência em Língua de Sinais deverão matricular-se nas disciplinas eletivas de Libras, a serem ofertadas em todos os semestres do curso. Da mesma forma, serão ofertadas ao longo do curso, disciplinas de português como L2. 3. Os tempos, os processos e o currículo: desafios para a implantação do curso Não são poucos os desafios para a implementação deste tipo de proposta de formação inicial no cenário educativo brasileiro. Para a problematização neste espaço nos ocuparemos de algumas categorias: as perspectivas estruturais e pedagógicas do Ensino a Distância; os
percursos educativos das pessoas surdas marcadas pela marginalização escolar; a amplitude de atuação e questões de identidade da Pedagogia no Brasil; as dificuldades (pessoais, técnicas e financeiras) paraa o desenvolvimento de materiais adequados para o ensino bilíngue; a falta de profissionais com experiência prática na educação bilíngue para o ensino no curso; as possibilidades para um desenho curricular que articule as muitas e diferentes necessidades de formação para as crianças (educação infantil e séries iniciais) na temporalidade do currículo formal. O curso de Pedagogia Bilíngue não terá como desafio apenas qualificar docentes para lecionar em língua de sinais. Terá, além disso, o desafio de pensar e procurar caminhos para outra pedagogia, uma pedagogia que tenha como fundamento básico os aspectos da visualidade necessários à ação de ensinar e aprender numa perspectiva bilíngue - que envolve duas línguas de modalidades diferentes, a visual-espacial e a oral-auditiva -, sem deixar de levar em conta as questõess culturais que as envolvem. E ainda, que possibilite rompimentos com as estruturas curriculares tradicionais que historicamente vem marcando as relações entre professor e aluno, estruturas tais que colocam o estudante como personagem passivo e receptor e o professor como transmissor de conteúdos e compreensões de mundo. Trata-se aqui, portanto, de propor uma pedagogia do diálogo, uma pedagogia para a leitura do mundo (FREIRE, 1997 3 ), de modo a produzir-se enquanto síntese de uma atividade que, ao possibilitar a aprendizagem afetiva dos conhecimentos escolares, atue como prática da liberdade. Considerações Espera-se que escola seja espaço para acolhimento pedagógico e línguístico para as crianças surdas e possibilite, utilizando-se de todos os recursos possíveis, um desenvolvimento cognitivo, intelectual e psicológico adequado. Isso, a nosso ver, não é possível sem que os profissionais envolvidos na educação de surdos tenham uma formação que assuma a educação bilíngue como condição para a educação das crianças surdas. Assumir tal posição exige, por sua vez, perceber o surdo na perspectiva da diferença cultural e, além 3 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 34. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
disso, estar apto a um trabalho metodológico que inclua aspectos da visualidade, da cultura surda. Entendemos que tal compreensão é importante como base paraa a implementação de projetos curriculares na perspectiva da educação bilíngue, no entanto, outros aspectos interferem e devem ser considerados no sentido de garantir tal intento. Aqui apresentados alguns desafios para a implementação do projeto de curso em questão: a educação bilíngue como campo novo e em desvantagem ideológica frente a inclusão/integração; as condições estruturais e pedagógica da EaD no Brasil, as dificuldades para construção de um currículo adequado frente à experiência limitada na área da educação bilíngue e as perspectivas do currículo formal além dos limites óbvios de um projeto de curso. Do ponto de vista estrito da educação bilíngue, os dados discutidos aqui indicam a necessidade de incrementação das suas bases teóricas e práticas; compreendemos ser premente que pesquisadores, profissionais da educação e instituições se coloquem para o desenvolvimento de fundamentos, metodologias, materiais e tecnologias voltadas ao bilinguismo na prática escolar. Além disso, o reforço de posições teóricas e científicas sobre o desenvolvimento cognitivo, os diferentes modos de aprendizagem da criança surda são fundamentais para a área e também para mudanças das posições políticas dos profissionais da educação em relação aos surdos.