A IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES LÚDICAS PARA A COMPREENSÃO DA DIVISÃO Anastácia Maldaner 1 Resumo: O objetivo deste relato é mostrar uma experiência lúdica de construção da divisão pela via do contínuo. Considerando-se que a divisão contém duas ideias - a de medir e repartir e no ensejo de fazer um trabalho contextualizado, iniciamos com atividades realizadas com grandezas e medidas. As atividades foram desencadeadas a partir de uma conversa informal com alunos de 4º ano do Ensino Fundamental sobre a distância que moravam da escola. Nela, as crianças foram incentivadas a descobrir possibilidades não convencionais de medir para chegar ao sistema oficial de medidas. A metodologia problematizadora, empregada ao longo das atividades, permitiu que o tema se estendesse além do estudo em questão, como o tratamento da informação com quadros estatísticos e a noção de proporcionalidade. Aproveitando o material confeccionado pelos grupos (trenas), usado em suas medições, a introdução da divisão, pela idéia de medir, desenvolveuse de forma natural como complemento do ato de medir. A problematização sobre os raciocínios dos alunos teve como resultados mais expressivos a análise, a formulação de hipótese, a comprovação das mesmas, a comparação com o cálculo do outro e o cálculo mental, manifestando autonomia e flexibilidade de pensamento, características importantes para o exercício da cidadania. Palavras-chave: Divisão; Experiência; Lúdico. Introdução Podemos observar crianças, desde muito cedo, envolvidas com atividades onde dividem objetos de diversas naturezas (bolinhas, bombons, balas, etc.) e realizam tal ação tão naturalmente que nem chegamos a perceber essa atividade como resultado de um raciocínio matemático. Todavia, nos livros e programas que propõem o estudo das operações fundamentais, encontramos a divisão colocada em último lugar. Isso de certa forma é compreensível considerando que ela tem sido apontada pela maioria dos professores como a operação mais difícil a ser ensinada. E isto procede quando se tem em vista o ensino da divisão pelo algoritmo tradicional, uma vez que a resolução desse cálculo por essa via requer o domínio das demais operações. No seu desdobramento, inclusive, quebra uma regra aplicada nas demais operações: em 1 Professora do Sistema Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação pela UFSM. E-mail: anastacia56@bol.com.br 1
todas as outras (na adição, multiplicação e subtração), começa-se operando as unidades passando-se para as dezenas, centenas, etc; na divisão inicia-se pela esquerda, ou seja, com as centenas, dezenas, ficando as unidades para serem divididas no final. Assim, a divisão tem sido considerada pela maioria dos professores como a operação mais difícil. Devemos lembrar, todavia, que os algoritmos usados hoje são o resultado de um processo histórico muito longo e que, embora seu uso facilite a resolução de cálculos, sua introdução imediata junto aos alunos dificulta a compreensão dos significados implícitos nessa forma sintética de calcular. Vários pensadores (Piaget, Machado, D Ambrósio entre outros), concordam que os baixos resultados em matemática se devem principalmente ao ensino predominantemente formal dos conteúdos dessa disciplina. Assim, o aluno recusaria essa matemática por não perceber nela nenhuma beleza e nenhum sentido. Se fizermos um comparativo com outras formas culturais - por exemplo a música - com certeza não começaríamos a ensinar a uma criança a beleza da música com partituras, notas e pautas, mas possivelmente ouviríamos gostosas melodias e falaríamos sobre poderosos instrumentos capazes de produzir estes belos sons e que toda essa harmonia pode ser representada por símbolos. A criança, então, encantada com a beleza da música, possivelmente pediria que lhes ensinasse sobre o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre as cinco linhas que são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. Mas a experiência tem de vir antes. E quanto mais abstrato for um conteúdo a ser ensinado, mais é preciso seduzir os sentimentos a seu favor. Se, então, nos parecer que a divisão seja a operação mais desafiadora para a criança, mais necessárias se tornam as vivências lúdicas, pois são ingredientes necessários para que as crianças construam por meio da alegria e do prazer de querer fazer e construir. Desenvolvimento É importante que a criança seja levada a perceber que há duas ideias implicadas na divisão, ou seja, que há dois tipos de problemas que podem ser resolvidos com a mesma operação - dividir. Sempre que ela se obriga a fazer 2
perguntas do tipo é de menos ou de dividido mostra que ela não compreendeu os conceitos das operações ou as diferentes ideias implícitas em cada tipo de cálculo. Daí a importância de se deter a cada uma delas separadamente para, mais tarde, confrontar-se com ambas simultaneamente de forma clara e espontânea. Considerando que a divisão compreende duas ideias - medir e repartir optamos por introduzi-la pela ideia de medir, para aproveitar o trabalho sobre medidas e grandezas desenvolvidas anteriormente e por ser mais fácil de ser entendida e controlada pela criança. Divisão com a ideia de medir - Quantas vezes a barra do 4 cabe na barra do 8? - Quantas vezes 50 metros estão em 100 metros? - Quantas vezes 5 metros estão em 100 metros? Ou então com objetos discretos, isto é, distintos um do outro: - Quantas vezes o conjunto de quatro maçãs está contido em um conjunto de 8 maçãs? O processo pode ser repetido para outras quantidades, inclusive em situações que incluem resto. Ex.: 3
Com a problematização e a liberdade na forma de representar seus cálculos estes foram evoluindo para o cálculo mental incluindo a proporcionalidade, como mostra o quadro abaixo, onde os alunos explicaram seus raciocínios: Adilson Se o 25 está 2 vezes no 50 então em cada 100 ele está 4 vezes, o que ao todo dá 32 vezes no 800. Paulo Afonso Eu desmanchei o 800 em 4 de 200. Se o 25 está 4 vezes no 100, então no 200 ele está 8 vezes. Aí 4 vezes o 8 dá 32. Passando para a conta armada o mesmo cálculo, deu-se o uso de estimativas e proporcionalidade de forma progressiva para manter o controle sobre o cálculo. Vejamos os dois alunos abaixo ao verbalizar seu raciocínio: Graciele Primeiro peguei 4 vezes para o 100. Aí, claro, se é 4 vezes no 100, é 8 vezes no 200. Allan Como o 25 está 4 vezes no 100, eu fui contando: 8 vezes no 200, 12 vezes no 300, 16 vezes no 400. Quando tirei o 400, vi que sobrou mais 400, por isso deu mais uma vez o 16. 4
As crianças evoluem para a síntese e o raciocínio cada vez mais elaborado. Anencir explica o modo dele de raciocinar ao resolver o cálculo abaixo: Se aqui (mostrando o dividendo) fosse 900, o 9 caberia 100 vezes; então na metade (450) ele cabe a metade das vezes (50 vezes). E no 22 que sobrou, ele cabe 2 vezes e ainda sobram 4. Considerações finais Introduzindo a divisão a partir de várias experiências tais como: confeccionar a trena, medir a altura dos colegas, o comprimento do corredor e mesmo da quadra da escola para então pensar na divisão, parece, inicialmente um caminho longo demais para se chegar efetivamente ao algoritmo oficialmente estabelecido. No entanto, acreditamos que os alunos não devem ser treinados a fazer as contas, mas que lhes sejam oportunizadas vivências que permitam a compreensão dos conceitos e os significados dos algoritmos que mais tarde passarão a usar. Uma vez que um dos principais objetivos do trabalho escolar reside no desenvolvimento da autonomia dos educandos, consideramos que o surgimento do cálculo mental construído no diálogo com os colegas e professor foi de grande importância, representando o resultado e o gerador de qualidades e procedimentos característicos de um sujeito autônomo: capacidade de iniciativa nas ações e flexibilidade nas relações com os outros. 5
Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (PCN). v. 3 Brasília: MEC/SEF, 1997 D AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prática. 2. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997. MACHADO, Nílson José. Matemática e língua materna: Análise de uma impregnação mútua. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1993. PIAGET, Jean. Para onde vai a educação. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1978. 6