Outras Anemias: A anemia por si só não é uma doença, e sim uma consequência de algum desequilíbrio entre os processos de produção e perda de eritrócitos, que leva a diminuição de hemoglobina. A inúmera quantidade de fatores que podem causar anemia contribui para que essa seja uma das síndromes mais frequentes na população mundial, principalmente, nos países em desenvolvimento. O esquema acima sintetiza o grande leque de possíveis causas da anemia, algumas incluem deficiências nutritivas, como a anemia ferropriva, outras envolvem defeitos genéticos como as hemoglobinopatias e talassemias, fatores os quais já abordamos em outras aulas. Não é nosso objetivo nessa aula falar sobre todas as possíveis causas, mas queremos abordar outras causas relevantes de anemia que podem ser detectadas pelo hemograma e que podemos nos deparar com elas na nossa prática clínica. Vamos lá?
Anemias causadas por hemorragias: Hemorragia é a perda de sangue, com diminuição da volemia e perda dos elementos figurados e líquidos do sangue. Perdas de até 10% da volemia normal são bem toleradas pelos indivíduos, porém perdas superiores à 20% causam anemia aguda e sintomas de hipotensão. O hemograma não é um exame útil para indicar hipotensão, pois não é capaz de perceber a diminuição da volemia, já que a diminuição do total de sangue não implica na alteração imediata de sua composição. Por isso pedir um hemograma, logo após uma hemorragia será irrelevante, considera-se que após 4 horas do evento, o hemograma possa representar a real situação do paciente. A partir desse momento seremos capazes de observar a seriedade da anemia instalada devido à hemorragia. A anemia após a hemorragia é normocítica e se observará queda simultânea da contagem de eritrócitos (E), hemoglobina (HGB) e do hematócrito (HCT), proporcionais à diluição do sangue. A anemia pós hemorrágica apresenta sinais de hiper-regeneração medular, podendo ser evidenciada policromatofilia e acompanhada de reticulocitose. Anemia auto-imune: A anemia auto-imune é causada por anticorpos próprios, do tipo IgG, que atacam os próprios eritrócitos, logo a anemia auto-imune é um tipo de anemia hemolítica, conhecida também pela sigla AHAI (anemia hemolítica auto-imune). Ao lado temos uma imagem do livro de Renato Faillace, no qual ele apresenta o hemograma, especificamente, o eritrograma de uma AHAI. Podemos observar queda na contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. O VCM pode ser normal ou levemente aumentado, a anemia tende a ser normocrômica e normocítica, já que temos a perda de eritrócitos normais. A anisocitose faz
parte das características de hiper-regeneração medular, pois reflete as hemácias jovens lançadas na circulação, que tendem a ser maiores (macrócitos), outros sinais que podemos ver são a policromatofilia acentuada e reticulocitose com alto índice IRF. O teste de Coombs é um teste que utiliza imunoglobulina humana para detectar a presença de anticorpos ligados aos eritrócitos, quando positivo junto ao quadro apresentado no eritrogama é fortemente indicativo de AHAI. ADC Anemia da doença crônica É uma manifestação extremamente comum em pacientes hospitalizados, especialmente aqueles com doenças inflamatórias, já que a grande desregulação e fluxo de citocinas contribui para a instalação da anemia. A anemia da doença crônica é secundária a patologia principal do paciente e por isso pode apresentar características variáveis. É importante diferenciar a ADC da anemia ferropriva, isso é difícil pelo hemograma, por isso devemos lançar mão de outros exames laboratoriais, que sejam capaz de avaliar as reservas de ferro do organismo.
Anemia por deficiência de Vitamina B12 A necessidade diária de Vitamina B12 é bem pequena, e pode ser obtida de alimentos de origem animal, como carne, ovos e leite, temos no fígado uma grande reserva, por isso é preciso um grande período de carência ou má absorção para que haja deficiência, essa deficiência é mais comum em pessoas lactovegetarianas restritas, que não fazem suplementação. A vitamina B12 é absorvida no estômago e depende do fator intrínseco para essa absorção, a deficiência desse fator pode causar uma anemia megaloblástica, conhecida como anemia perniciosa. Na figura ao lado, do livro de Renato Failace, Hemograma: manual de interpretação, vemos as informação do eritrograma de pacientes com anemia megaloblástica. Podemos observar diminuição de RBC, HGB, HCT, e o incremento do VCM e do RDW, temos, pois, uma anemia macrocítica, com muitos macrócitos. Isso ocorre devido à participação da vitamina B12 no ciclo de divisão celular, onde a célula tem seu conteúdo duplicado aumentando de tamanho. Essas características ocorrem de forma idêntica na deficiência de folato, já que o folato participa das mesmas rotas e funções bioquímicas da vitamina B12. É comum encontrarmos na microscopia, também, neutrófilos hipersegmentados, com mais de 5 segmentações no núcleo. Anemia Aplástica Ocorre devido a uma lesão na medula, que lesiona as células progenitoras hematopoéticas, impedindo seu desenvolvimento e formação dos elementos figurados do sangue. Essas lesões decorrem de agressões químicas, por fármacos ou intoxicações, ou por mecanismos imunológicos, sendo o mais frequente a disfunção de células T (linfócitos) que atacam o próprio organismo (auto-imune). Como a lesão é de origem medular, todas as séries são afetadas, isso quer dizer que além de anemia, temos também leucopenia e trombocitopenia. Dessa forma somam-se aos riscos da anemia, os riscos de infecções oportunistas e sangramentos.
Anemia por Insuficiência Renal Crônica (IRC): Essa anemia é decorrente da diminuição da produção de eritropoietina, e consequente diminuição da produção dos elementos figurados do sangue. A anemia da insuficiência renal crônica tem início leve e vai se agravando junto com o quadro renal do paciente, de modo que a gravidade da anemia pode ser correlacionada com os exames bioquímicos de uréia e creatinina (marcadores da função renal). A anemia é normocítica e normocrônica, e o índice de reticulócitos é alto, isso porque como a velocidade de produção das células é baixa, o organismo exige uma demanda da medula que ela não consegue suprir, por isso são liberadas as células jovens. No paciente renal grave, a anemia se mostra severa e não apresenta sinais de resposta medular, podendo os reticulócitos estarem normais ou diminuídos, pois não há estímulo para a produção de novas células. Podemos ver na imagem que diversos mecanismos contribuem para a anemia na doença renal, inclusive o aumento de citocinas pró-inflamatórias, semelhante a anemia da doença crônica.