Outras Anemias: Vamos lá? NAC Núcleo de Aprimoramento científico Hemograma: Interpretação clínica e laboratorial do exame. Jéssica Louise Benelli

Documentos relacionados
Aulas e discussão dos casos.

INTERPRETAÇÃO CLÍNICA DO HEMOGRAMA

Leucemias Agudas: 2. Anemia: na leucemia há sempre anemia, então esperamos encontrar valores diminuídos de hemoglobina, hematócrito e eritrócitos.

Classificação das Anemias

EXAME HEMATOLÓGICO Hemograma

Avaliação Nutricional - Profa. Raquel Simões

Avaliação Hematológica, Interpretação e Importância em Nutrição

ENFERMAGEM. DOENÇAS HEMATOLÓGICAS Parte 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

Peculiaridades do Hemograma. Melissa Kayser

Hemograma. Exame laboratorial que expressa a quantidade e a qualidade dos elementos figurados do sangue periférico em 1 microlitro

ANEMIA EM CÃES E GATOS

O Hemograma. Hemograma: Interpretação clínica e laboratorial do exame. NAC Núcleo de Aprimoramento Científico Jéssica Louise Benelli

INTERPRETAÇÃO DO HEMOGRAMA

A N E M I A S H E M O L Í T I C A S

Anemias Microcíticas e Hipocrômicas ADC e Talassemias. Profa. Alessandra Barone Prof. Archangelo Fernandes

Hematologia Geral. Anemias Classificação Morfológica das Anemias NORMOCÍTICAS MICROCÍTICAS E E MACROCÍTICAS NORMOCRÔMICAS HIPOCRÔMICAS SIDEROBLÁSTICA

Principais Doenças do Sistema Hematológico

Diagnóstico Laboratorial em Hematologia. Marcos K. Fleury Laboratório de Hemoglobinas Faculdade de Farmácia - UFRJ

FACULDADE PITÁGORAS TÓPICOS ESPECIAIS EM NUTRIÇÃO I SOLICITAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS

ANEMIA E ANTIANÊMICOS CMF-4. PDF created with pdffactory Pro trial version

PLANO DE APRENDIZAGEM. CH Teórica: 40h CH Prática: 20h CH Total: 60h Créditos: 03 Pré-requisito(s): Período: IV Ano:

Doença dos Eritrócitos

PATOLOGIA DO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO

Questionário - Proficiência Clínica


Sessão televoter anemias. Joana Martins, Manuel Ferreira Gomes António Pedro Machado

Anemias hemolíticas. Lâmina de reticulócitos com reticulocitose.

SÉRIE VERMELHA ANEMIAS CARENCIAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS CONGÊNITAS ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA, ANEMIA FALCIFORME, TALASSEMIA MINOR DESORDES DA MEDULA

Aula: Histologia II. Sangue e linfa. Funções de hemácias, plaquetas e leucócitos.

Edital N 0129 / Cacoal, 02 de agosto de EDITAL DE TURMA ESPECIAL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIOMEDICINA DISCIPLINA: HEMATOLOGIA CLÍNICA ANEMIAS PROF. DOUGLAS G. PEREIRA

Sangue: funções gerais

AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA NO IDOSO

INSTITUTO FORMAÇÃO Cursos Técnicos Profissionalizantes. Professora: Flávia Soares Disciplina: Imunologia Aluno (a): INTERPRETAÇÃO DO HEMOGRAMA

DISCIPLINA DE HEMATOLOGIA HEMATÓCRITO

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM GATOS

MECANISMOS GERAIS DAS ANEMIAS

CURSO DE FARMÁCIA Autorizado pela Portaria nº 991 de 01/12/08 DOU Nº 235 de 03/12/08 Seção 1. Pág. 35 PLANO DE CURSO

31/10/2013 HEMOGRAMA. Prof. Dr. Carlos Cezar I. S. Ovalle. Introdução. Simplicidade. Baixo custo. Automático ou manual.

3/15/2013 HIPERSENSIBILIDADE É UMA RESPOSTA IMUNOLÓGICA EXAGERADA A DETERMINADO ANTÍGENO. O OBJETIVO IMUNOLÓGICO É DESTRUIR O ANTÍGENO.

LEUCOGRAMA O que realmente precisamos saber?

PROGRAMA DA DISCIPLINA

ACADEMIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

03/08/2016. Patologia Clínica e Análises Laboratoriais Prof. Me. Diogo Gaubeur de Camargo

Leucograma: Avaliação normal e alterações quantitativas

Hematologia Clínica : bases fisiopatológicas

Docente: Disciplina: Curso: Ano: Regime: Categoria: Horário Semanal: Enquadramento e Objectivos da Disciplina: Sistema de avaliação:

ESPECIALIZAÇÃO EM HEMATOLOGIA E BANCO DE SANGUE. Aulas Teóricas: On Line Práticas: Presenciais

A PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS

SANGUE plasma elementos figurados

Alterações morfológicas da Série Vermelha

I Curso de Choque Faculdade de Medicina da UFMG INSUFICIÊNCIA DE MÚLTIPLOS ÓRGÃOS MODS

ANEMIA NO PACIENTE IDOSO L A R I S S A T O R R E S

HEMOGRAMA. Rebecca Braz Melo Lucas Nascimento

Doença de Addison DOENÇA DE ADDISON

18/08/2016. Anemia e Policitemia Prof. Me. Diogo Gaubeur de Camargo

ENFERMAGEM EXAMES LABORATORIAIS. Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

EFEITO DA CONDIÇÃO CORPORAL SOBRE A DINÂMICA DE HEMOGRAMA NO PERIPARTO DE VACAS DA RAÇA HOLANDÊS

UTILIZAÇÃO DOS ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS NO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE ANEMIAS MICROCÍTICAS

Método: RESISTIVIDADE - IMPEDÂNCIA - MICROSCOPIA

AVALIAÇÃO DE UM HEMOGRAMA COMPLETO - SÉRIE VERMELHA

SISTEMA SANGUINEO. Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito: Alegrai-vos Fl. 4,4

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ANEMIAS MICROCÍTICAS RESUMO

LABORATÓRIO BOM JESUS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU EM HEMATOLOGIA E BANCO DE SANGUE ( )

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ THIELI CESCON

ANEMIA DA DOENÇA CRÔNICA

Faculdade de Medicina. Bioquímica I

ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS. Prof. Dr. David Cavalcanti Ferreira

Tecido Conjuntivo de Transporte

Aplasia de Medula Óssea. Doença esquecida

UNISALESIANO. Profª Tatiani

Resolução de Questões do ENEM (Noite)

Parte I ABORDAGEM LABORATORIAL DAS ANEMIAS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS CIARLINI, PC LCV - FMVA. Prof. Adjunto Paulo César C

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Sangue O primeiro aspecto a ser verificado, em uma análise quantitativa e qualitativa do meio onde esse fluxo é gerado, caracteriza-se na verificação

Anemia da Doença Crônica

ENFERMAGEM EXAMES LABORATORIAIS. Aula 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

ERITROGRAMA HEMOGRAMA 24/09/2010 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS EM NEONATOLOGIA E PEDIATRIA HEMOGRAMA HEMATOPOIESE HEMATOPOIESE

HEMATÓCRITO e HEMOSSEDIMENTAÇÃO. Prof. Carolina Vicentini

BAIRRO NOVA VIDA LUANDA. Observaram-se raros eritrócitos em alvo.

Doença dos Eritrócitos

Anemia Falciforme. Anemia Falciforme. Wilson Marques da Rosa Filho

LABORATÓRIO ANÁLISE. PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO. ANALITICO

Procedimentos Técnicos Código: PROHEM NOME FUNÇÃO ASSINATURA DATA ELABORADO POR

Caso 1 Citometria de Fluxo Detecção de Múltiplos Clones

O sistema imune é composto por células e substâncias solúveis.

EFEITO DO VÍRUS HIV NOS LINFÓCITOS T AUXILIARES OU CD4+ REPRESENTADO PELA FUNÇÃO QUADRÁTICA 1

HEMOGRAMA COMPLETO Método : Análise realizada por Citometria de fluxo fluorescente e impedância "XE2100-Sysmex" Material: SANGUE TOTAL COM EDTA

Plaquetopenia. Felippe Schirmer

REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE. Prof. Dr. Helio José Montassier

Sistema Urinário. Patrícia Dupim

Hidroclorotiazida. Diurético - tiazídico.

INTRODUÇÃO À PATOLOGIA GERAL

Escola: Nome: Turma: N.º: Data: / / FICHA DE TRABALHO 1A. leucócitos figurados dissolvidas. água eritrócitos nutrientes. plasma plaquetas metabolismo

LABORATÓRIO BOM JESUS

Ciências Naturais, 6º Ano. Ciências Naturais, 6º Ano FICHA DE TRABALHO 1A. Escola: Nome: Turma: N.º: Escola: Nome: Turma: N.º: Conteúdo: Sangue

Hemograma automatizado

TECIDO HEMATOPOIETICO E SANGUÍNEO

Transcrição:

Outras Anemias: A anemia por si só não é uma doença, e sim uma consequência de algum desequilíbrio entre os processos de produção e perda de eritrócitos, que leva a diminuição de hemoglobina. A inúmera quantidade de fatores que podem causar anemia contribui para que essa seja uma das síndromes mais frequentes na população mundial, principalmente, nos países em desenvolvimento. O esquema acima sintetiza o grande leque de possíveis causas da anemia, algumas incluem deficiências nutritivas, como a anemia ferropriva, outras envolvem defeitos genéticos como as hemoglobinopatias e talassemias, fatores os quais já abordamos em outras aulas. Não é nosso objetivo nessa aula falar sobre todas as possíveis causas, mas queremos abordar outras causas relevantes de anemia que podem ser detectadas pelo hemograma e que podemos nos deparar com elas na nossa prática clínica. Vamos lá?

Anemias causadas por hemorragias: Hemorragia é a perda de sangue, com diminuição da volemia e perda dos elementos figurados e líquidos do sangue. Perdas de até 10% da volemia normal são bem toleradas pelos indivíduos, porém perdas superiores à 20% causam anemia aguda e sintomas de hipotensão. O hemograma não é um exame útil para indicar hipotensão, pois não é capaz de perceber a diminuição da volemia, já que a diminuição do total de sangue não implica na alteração imediata de sua composição. Por isso pedir um hemograma, logo após uma hemorragia será irrelevante, considera-se que após 4 horas do evento, o hemograma possa representar a real situação do paciente. A partir desse momento seremos capazes de observar a seriedade da anemia instalada devido à hemorragia. A anemia após a hemorragia é normocítica e se observará queda simultânea da contagem de eritrócitos (E), hemoglobina (HGB) e do hematócrito (HCT), proporcionais à diluição do sangue. A anemia pós hemorrágica apresenta sinais de hiper-regeneração medular, podendo ser evidenciada policromatofilia e acompanhada de reticulocitose. Anemia auto-imune: A anemia auto-imune é causada por anticorpos próprios, do tipo IgG, que atacam os próprios eritrócitos, logo a anemia auto-imune é um tipo de anemia hemolítica, conhecida também pela sigla AHAI (anemia hemolítica auto-imune). Ao lado temos uma imagem do livro de Renato Faillace, no qual ele apresenta o hemograma, especificamente, o eritrograma de uma AHAI. Podemos observar queda na contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. O VCM pode ser normal ou levemente aumentado, a anemia tende a ser normocrômica e normocítica, já que temos a perda de eritrócitos normais. A anisocitose faz

parte das características de hiper-regeneração medular, pois reflete as hemácias jovens lançadas na circulação, que tendem a ser maiores (macrócitos), outros sinais que podemos ver são a policromatofilia acentuada e reticulocitose com alto índice IRF. O teste de Coombs é um teste que utiliza imunoglobulina humana para detectar a presença de anticorpos ligados aos eritrócitos, quando positivo junto ao quadro apresentado no eritrogama é fortemente indicativo de AHAI. ADC Anemia da doença crônica É uma manifestação extremamente comum em pacientes hospitalizados, especialmente aqueles com doenças inflamatórias, já que a grande desregulação e fluxo de citocinas contribui para a instalação da anemia. A anemia da doença crônica é secundária a patologia principal do paciente e por isso pode apresentar características variáveis. É importante diferenciar a ADC da anemia ferropriva, isso é difícil pelo hemograma, por isso devemos lançar mão de outros exames laboratoriais, que sejam capaz de avaliar as reservas de ferro do organismo.

Anemia por deficiência de Vitamina B12 A necessidade diária de Vitamina B12 é bem pequena, e pode ser obtida de alimentos de origem animal, como carne, ovos e leite, temos no fígado uma grande reserva, por isso é preciso um grande período de carência ou má absorção para que haja deficiência, essa deficiência é mais comum em pessoas lactovegetarianas restritas, que não fazem suplementação. A vitamina B12 é absorvida no estômago e depende do fator intrínseco para essa absorção, a deficiência desse fator pode causar uma anemia megaloblástica, conhecida como anemia perniciosa. Na figura ao lado, do livro de Renato Failace, Hemograma: manual de interpretação, vemos as informação do eritrograma de pacientes com anemia megaloblástica. Podemos observar diminuição de RBC, HGB, HCT, e o incremento do VCM e do RDW, temos, pois, uma anemia macrocítica, com muitos macrócitos. Isso ocorre devido à participação da vitamina B12 no ciclo de divisão celular, onde a célula tem seu conteúdo duplicado aumentando de tamanho. Essas características ocorrem de forma idêntica na deficiência de folato, já que o folato participa das mesmas rotas e funções bioquímicas da vitamina B12. É comum encontrarmos na microscopia, também, neutrófilos hipersegmentados, com mais de 5 segmentações no núcleo. Anemia Aplástica Ocorre devido a uma lesão na medula, que lesiona as células progenitoras hematopoéticas, impedindo seu desenvolvimento e formação dos elementos figurados do sangue. Essas lesões decorrem de agressões químicas, por fármacos ou intoxicações, ou por mecanismos imunológicos, sendo o mais frequente a disfunção de células T (linfócitos) que atacam o próprio organismo (auto-imune). Como a lesão é de origem medular, todas as séries são afetadas, isso quer dizer que além de anemia, temos também leucopenia e trombocitopenia. Dessa forma somam-se aos riscos da anemia, os riscos de infecções oportunistas e sangramentos.

Anemia por Insuficiência Renal Crônica (IRC): Essa anemia é decorrente da diminuição da produção de eritropoietina, e consequente diminuição da produção dos elementos figurados do sangue. A anemia da insuficiência renal crônica tem início leve e vai se agravando junto com o quadro renal do paciente, de modo que a gravidade da anemia pode ser correlacionada com os exames bioquímicos de uréia e creatinina (marcadores da função renal). A anemia é normocítica e normocrônica, e o índice de reticulócitos é alto, isso porque como a velocidade de produção das células é baixa, o organismo exige uma demanda da medula que ela não consegue suprir, por isso são liberadas as células jovens. No paciente renal grave, a anemia se mostra severa e não apresenta sinais de resposta medular, podendo os reticulócitos estarem normais ou diminuídos, pois não há estímulo para a produção de novas células. Podemos ver na imagem que diversos mecanismos contribuem para a anemia na doença renal, inclusive o aumento de citocinas pró-inflamatórias, semelhante a anemia da doença crônica.