FUNCIONALISMO E ESTRUTURALISMO OBJETIVO: Esta aula tem por objetivo expor aos estudantes de Administração e Direito os fundamentos de duas teorias que conferiram um grau maturidade para pensamento antropológico e, por extensão, deram contribuições para as Ciências Humanas. Partindo da análise dos significados que a palavra cultura assume no âmbito da antropologia, é oportuno falar de dois "ismos": o funcionalismo e o estruturalismo. 1. Na sombra do Evolucionismo A Antropologia praticada pelo evolucionismo do século XIX ficou conhecida como antropologia de gabinete, pois não havia trabalho de campo e, desse modo, o pesquisador não mantinha contato direto com as sociedades que estudava. O contato com a sociedade do outro geralmente se dava por meio de relatos de viajantes e missionários, os quais estavam repletos de preconceitos. A ausência da pesquisa de campo implicava em algumas deficiências da análise evolucionista, tais como: os elementos de uma dada sociedade não eram compreendidos e analisados no contexto em que ocorriam, pois, como se sabe os evolucionistas acreditavam que a partir do estudo das chamadas sociedades tribais era possível descobrir como a sociedade ocidental teria chegado àquele grau de evolução ; e, como consequência disso, havia uma falta de distanciamento do pesquisador dos valores e ideias da sua própria sociedade 1. Foi o funcionalismo anglo-saxão que criticou mais dura-mente as ideias evolucionistas, com destaque para Bronislaw Malinowski (1884-1942) e Radcliffe- Brown (1881-1955). No funcionalismo, cada sociedade deve ser estudada em sua totalidade, como um sistema coerente e integrado de relações sociais, regida por uma lógica interna ao grupo. A contribuição de Bronislaw Malinoswki à antropologia é fundamental, pois ele alargou o papel e a importância da pesquisa de campo em antropologia, sistematizando um conjunto de técnicas e métodos para sua realização. O método fundado por Malinowski chama-se observação participante, segundo o qual o pesquisador deve viver por um determinado período na sociedade estudada conforme as regras e costumes dela. Por que é importante passar um tempo na sociedade estudada? Porque somente desse modo o pesquisador é capaz de se despir dos valores e juízos de sua própria sociedade, para poder compreender a realidade nativa. 2. A funcionalidade da vida social O funcionalismo, como indica o próprio nome, é uma tendência investigativa, metodológica e teórica que, ao analisar fenômenos da vida social, como a cultura, privilegia a noção de função. Ou seja, o funcionalismo coloca em evidência os sistemas, cuja existência e operação são mais bem compreendidos se observadas as partes que os compõem e a função que cada uma das partes cumpre na realização do todo. Ao investigar a cultura, o funcionalismo destaca a função ou o papel que cada elemento desempenha na existência total da mesma. O iniciador das teorias funcionalistas na Antropologia foi o professor da Universidade de Londres, Bronislaw Malinowski. Influenciado pelo pensamento do 1 Sendo assim, a teoria evolucionista é etnocêntrica por dois motivos: 1) por julgar que a sociedade ocidental é superior às demais; 2) por afirmar que todas as sociedades humanas deveriam seguir a mesma trajetória de desenvolvimento do ocidente.
sociólogo francês Émile Durkheim, Malinowski estabelece uma analogia entre as necessidades biológicas e as formas de ação-respostas culturais postas em operação pelos homens para que essas necessidades sejam supridas. A cultura é o conjunto de instituições por intermédio das quais a sociedade responde às necessidades fundamentais e naturais do homem, ou, numa formulação direta, as formas culturais dão funcionalidade à vida social: O indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas necessidades (Laplantine, 1993: 81). Não é difícil perceber o caráter inovador e polêmico dessa tematização da questão da cultura, segundo a qual a ação humana é compreendida a partir de seus desdobramentos e determinações biológicas. E mais, a consideração da temática da cultura, sob a perspectiva funcionalista, não se preocupa com as origens e a evolução dos elementos culturais, bem como é posta à parte, em sua ação investigativa, a problemática da relação histórica dos fenômenos culturais com os outros campos da vida humana. 3. Estrutura e análise da realidade social Lévi-Strauss, herdeiro do iluminismo e da escola sociológica francesa, busca por leis que sejam universais na espécie humana. A ideia é mais ou menos essa: as sociedades possuem diferenças, mas o que há de universal no ser humano? Segundo o estruturalismo levistraussiano, embora a experiência social possa ser organizada de diferentes maneiras, essa é orientada por alguns princípios lógicos universais, denominados pares binários de oposição (dia X noite; claro X escuro; esquerdo X direito etc.). No trecho a seguir, podemos ver como o próprio Lévi-Strauss define o estruturalismo: (...) é atingir, para além da imagem consciente e sempre diferente que os homens formam do seu dever, um inventário de possibilidades inconscientes, que não existem em número ilimitado, e cujo repertório e as relações de compatibilidade ou de incompatibilidade que qualquer delas mantém com todas as outras fornece uma arquitetura lógica a desenvolvimentos históricos que podem ser imprevisíveis e arbitrários O estruturalismo (ver capítulo 5) desenvolveu-se paralelamente ao funcionalismo e constitui um método, um sistema investigativo, uma teoria que teve origem na linguística, estendeu-se até a filosofia, passando pela antropologia, sociologia, economia, literatura, etc. Exerceu uma influência muito forte nas discussões teóricas do século XX, o que lhe valeu uma bateria de críticas, algumas ácidas e impiedosas. Embora o estruturalismo e o funcionalismo sejam duas orientações diferentes e individualizadas, possuidoras de características e pressupostos básicos próprios, apresentam alguns pontos em comum, no entender de Marconi e Pressotto (1992: 273): a) Visão sincrônica da cultura. b) Visão sistêmica e globalizante do fenômeno cultural.
c) Adoção do termo estrutura. Claude Lévi-Strauss é o principal representante do estruturalismo. Sem desprezar a noção de sistema, ele privilegia o termo estrutura empregado na análise dos fenômenos sociais. Para ele, a estrutura consiste em "um sistema que reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento, as alterações regulares a que está sujeita, o rumo das transformações provocadas por fatores externos à cultura, e as previsões de reação quando alguma de suas partes for afetada" (Ibidem: 274-5.). Para os estruturalistas, as instituições sociais onde os homens fazem circular palavras, mercadorias e poderes não exprimem as relações materiais dos homens entre si e com a natureza. Também não há garantia de que exista uma sequência lógicoevolutiva no tempo, de modo a afirmar uma evolução racional das formas culturais operando um movimento de aperfeiçoamento. A estrutura social não se confunde com a realidade empírica; ela é um modelo de análise construído a partir da observação da realidade social. Sob a óptica estruturalista, há uma cisão entre natureza e cultura: os homens constroem e operam instrumentos e instituições, mas a significação desses instrumentos e instituições não está na correspondência entre eles e uma ordem natural existente, e sim nas estruturas que fazem funcionar a própria cultura. 4. Correntes Antropológicas Para finalizar, destacaremos a principais correntes antropológicas, suas teorias e seus principais seguidores no quadro abaixo: Evolucionismo social Período Século XIX. Sistematização do conhecimento acumulado de povos primitivos. Utilização de diários de viagens de exploradores e missionários. Trabalho de gabinete. Evolução das sociedades: do primitivo ao civilizado. Escala evolutiva. Busca das origens. Estudos de parentesco/religião/organização social. Harry Maine: Ancient Law 1861. Herbert Spencer: Princípios de biologia 1864. L. Morgan: A sociedade antiga 1877.
James Frazer: O ramo de ouro 1890. Difusionismo Período Final do século XIX Início do século XX. Delimitar e explicar as diferenças e semelhanças entre as sociedades. Estudo dos ciclos culturais. Estudo e teorias do contato, empréstimo, troca cultural. F. Graebner (Alemanha): Methode del Ethnologie 1891. P Schmid (Alemanha) Fundador da revista Anthropos. F. Ratzel: Anthropogeografie 1882. Funcionalismo Período Século XX anos 20 Ênfase no trabalho de campo (Observação participante). Estudo de uma cultura específica Cultura como totalidade coesa e integrada. Interesse pelas Instituições e suas funções para a manutenção da totalidade social Bronislaw Malinowski: Argonautas do Pacífico Ocidental 1922 Radcliffe Brown: Estrutura e função na sociedade primitiva 1952; Sistemas políticos africanos de parentesco e casamento, Org. c/ Daryll Forde 1950 Evans-Pritchard: Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande 1937; Os Nuer 1940 Raymond Firth: Nós, os Tikopia 1936 Victor Turner: O processo ritual 1969 Leach: Sistemas políticos da Alta Birmânia 1954
Culturalismo norte-americano Período Final do século XIX e século XX anos 30 Relativiza o conceito de cultura Estudar separadamente cada cultura Articula a antropologia e a psicologia (relação entre cultura e personalidade) Cada cultura se caracteriza por ser única Ênfase na construção e identificação de padrões culturais ou estilos de cultura Franz Boas: Os objetivos da etnologia 1888 e Raça, língua e cultura 1940 Margaret Mead: Sexo e temperamento em três sociedades primitivas 1935 Ruth Benedict: Padrões de cultura 1934; O crisântemo e a espada 1946 Ralph Linton: O Homem 1950. Estruturalismo Período Século XX anos 1940 Busca pelo que há de universal nas sociedades Busca das regras estruturantes presentes na mente humana observando como cada cultura ordena simbólicamente e materialmente o seu meio. Distinção natureza X cultura Princípios de organização da mente humana: pares binários de oposição. Reciprocidade Teoria parentesco/lógica do mito/classificação primitiva Claude Lévi-Strauss: As estruturas elementares do parentesco 1949;Tristes trópicos 1955; Pensamento selvagem 1962; Antropologia estrutural 1958; Antropologia estrutural dois 1973; O cru e o cozido 1964; O homem nu 1971