ESTUDO COMPARATIVO DA AÇÃO ANTIINFLAMATÓRIA DA PREDNISONA E DO DIMETIL-SULFÓXIDO (DMSO) NO TRATAMENTO DE CÃES COM ENCEFALITE POR CINOMOSE. COMPARATIVE STUDY OF PREDNISONE AND DIMETHYL- SULPHOXIDE ANTIINFLAMATORY ACTION ON CANINE DISTEMPER ENCEPHALITIS TREATMENT. Barbara Guizzo Melo, Marília Masello Junqueira Franco, Eliana Silva Paladino, Simone Henriques Mangia, Camila Martos Thomazini, Antonio Carlos Paes Campus de Botucatu Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Medicina Veterinária - bgmvet@yahoo.com.br PIBIC/CNPq. Palavras chaves: Cinomose; Dimetil-Sulfóxido; Prednisona. Keywords: Canine Distemper, Dimetil-Sulphoxide; Prednisone 1. INTRODUÇÃO A cinomose é uma doença que apresenta elevada morbidade e letalidade na população canina, sendo que a forma neurológica é a mais grave e letal. Esta forma da doença impossibilita os cães a levarem uma vida normal devido as graves seqüelas e as lesões de áreas vitais do SNC. Portanto, levando-se em conta a morte por encefalite e o sacrifício de animais com seqüelas graves, a forma neurológica da cinomose é a mais importante e crucial na evolução da doença. Não havendo na literatura um protocolo de tratamento para cães nessa fase da cinomose, foi nosso propósito pesquisar uma forma de ação terapêutica na tentativa da diminuição da gravidade das lesões neurológicas e suas conseqüentes seqüelas nos cães afetados. Com relação a literatura existente referente aos exames complementares, utilizamos a análise do líquor para auxiliar no diagnóstico e na identificação da fase da enfermidade. E a partir desta análise foi possível verificar a redução do processo inflamatório causado pelo vírus no SNC após a utilização das drogas experimentais. Os mecanismos de ação dos glicocorticóides são diversos: inibem a proliferação de linfócitos T, suprimem a produção e a ativação de citocinas, restauram a barreira hemato-encefálica e alteram a transmissão axonal. O DMSO possui grande efeito analgésico no sistema nervoso central, porém os receptores de opiódes não estão envolvidos. Em situações agudas, a captura de radicais livres de oxigênio pode prevenir a destruição de tecidos e a irritação local de nervos. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA E OBJETIVOS 2.1 Fundamentação Teórica Devido a escassez de experimentos científicos que relatam o uso de corticóides em animais com sinais clínicos neurológicos e seu uso rotineiro na clínica veterinária em animais com cinomose, lançamos mão de metodologia científica para avaliar seus efeitos no estado clínico e as alterações no líquor dos animais. Da mesma forma, analisamos os efeitos antiinflamatórios do DMSO frente a encefalite, com intuito de identificar uma melhor ação terapêutica, sem apresentar riscos de imunossupressão, quando comparado com a ação dos corticóides (BRAYTON, 1986; SOUZA & OLIVEIRA, 1999). 2.2 Objetivos O presente projeto de pesquisa teve por objetivos: 1. Testar a ação imunomoduladora e antinflamatória da prednisona em cães com sinais clínicos neurológicos da cinomose. 2. Testar a ação antinflamatória do DMSO em cães infectados pelo vírus na fase neurológica. 3. Comparar o desempenho das drogas experimentais frente a evolução clínica da doença e pelas alterações liquóricas. 4. Monitorar pelos exames complementares e pelos sinais clínicos os possíveis efeitos tóxicos e/ou indesejáveis das drogas nos cães. 643
3. MATERIAIS E METODOLOGIA Foram utilizados 21 cães com sinais clínicos neurológicos da cinomose, diagnosticados a partir do histórico de vacinação, desenvolvimento clínico da doença e exame físico. Para a inclusão dos animais no estudo, alguns sinais neurológicos característicos deveriam estar presentes, como paresia, ataxia, mioclonias e cegueira. Os animais foram divididos em dois grupos, atendidos na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP Botucatu, pelo serviço de Enfermidades Infecciosas dos Animais. O grupo 1 foi formado pelos animais que receberam o dimetil-sulfóxido (DMSO) por via intravenosa, na dose de 50 mg/kg, a cada 24 horas no período de 15 dias consecutivos. No mesmo período, os animais do grupo 2 receberam a prednisona por via oral, na dose de 4 mg/kg, a cada 24 horas, durante 7 dias. Após a dose foi reduzida para 2 mg/kg até completar 15 dias. Todos os animais receberam tratamento de suporte e sintomático, foram mantidos internados e avaliados clinicamente todos os dias. As amostras de sangue foram colhidas, com seringas e agulhas estéreis e descartáveis, por punção da veia jugular, no volume de 4 ml, sendo então acondicionados em tubos com EDTA e após a punção, as amostras foram levadas diretamente ao Laboratório de Patologia Clínica Veterinária da FMVZ - UNESP Botucatu para o devido processamento. Todos os animais foram avaliados laboratorialmente pelo hemograma com objetivo de identificar os efeitos indesejáveis das drogas experimentais e acompanhar a evolução da doença. No período de 15 dias foram realizados hemogramas no 1º, 7º e 15º dias nos dois grupos. Para obtenção do líquor foi utilizado o procedimento descrito por Pellegrino et al. (2003), o qual relatam que para maior segurança deve-se retirar de uma só vez, um ml de líquor para cada cinco quilos de peso corporal. O material foi colhido em tubo de vidro esterilizado, sem adição de anticoagulantes. Para o procedimento de colheita de líquor foi necessário anestesiar todos os animais, com protocolo estipulado pelo Setor de Anestesiologia do Hospital Veterinário da FMVZ - UNESP Botucatu. A colheita de líquor foi realizada no momento em que o animal chegou ao Hospital Veterinário e após 15 dias de tratamento. As amostras foram enviadas imediatamente para o Laboratório de Patologia Clínica da FMVZ UNESP Botucatu para análise. Para as variáveis que apresentaram distribuição normal foi utilizada a análise de perfil, sendo que o nível de significância utilizado foi de 5%. Para os valores liquóricos foi utilizado o teste de Mann-Whitney, uma vez que os dados não apresentavam distribuição normal. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Foram incluídos no estudo 21 animais que apresentavam sintomatologia neurológica compatível com cinomose, apresentando entre um e seis anos. Estes animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos com diferentes protocolos de tratamento, conforme descrito na tabela 01. 644
TABELA 01- Relação de animais que compuseram os dois grupos experimentais, com idade, sexo, raça e resposta ao tratamento. Grupo ** Animal Idade Sexo Raça* Evolução 1 1 1ano macho SRD Melhora 1 2 4anos macho Poodle Óbito 1 3 4anos macho SRD Melhora 1 4 5anos macho Pinsher Melhora 1 5 6 anos fêmea Cocker Óbito 1 6 4anos fêmea SRD Óbito 1 7 5anos fêmea SRD Melhora 1 8 5anos fêmea SRD Óbito 1 9 5meses macho SRD Melhora 1 10 6meses femea Boder Collie Óbito 2 11 2 anos macho SRD Óbito 2 12 2anos fêmea SRD Óbito 2 13 6anos macho SRD Óbito 2 14 3anos macho SRD Melhora 2 15 9 meses femea SRD Óbito 2 16 1 ano macho SRD Óbito 2 17 7meses femea SRD Melhora 2 18 3 anos macho SRD Melhora 2 19 5 anos macho SRD Óbito 2 20 2 anos macho SRD Óbito 2 21 7 meses femea SRD Óbito *SRD: sem raça definida **G1: animais tratados com DMSO **G2: animais tratados com prednisona Em relação à análise estatística da contagem de total de leucócitos, no G1 a média da contagem de leucócitos no 1 dia de tratamento apresentavam-se abaixo dos valores de referência para cães e após o 7 dia, os valores normalizaram, sendo clinicamente relevante embora não apresentando valores com diferenças estatisticamente significativas. Já no G2, os animais não apresentaram valores de médias de contagem de leucócitos inferiores aos da referência para cães, porém é importante ressaltar que no 7 dia houve um aumento clinicamente significativo e que este valor apresentou queda no 15 dia, após o tratamento com prednisona, que foi demonstrado no gráfico 01 e tabela 02 Não houve leucocitose em nenhum dos grupos qualquer que fosse o período do tratamento. TABELA 02 - Média, desvio padrão da contagem de total de leucócitos nos grupos experimentais G1 G2 Dias Média* Desvio padrão Média* Desvio padrão 1 5.056 1.692 6.020 1.956 7 7.612 2.732 9.788 5.917 15 7.961 6.612 7.800 5.252 *Média da contagem de células/μl 645
GRAFICO 01 - Média da contagem de total de leucócitos nos grupos experimentais, nos diferentes momentos do tratamento. Mesmo a linfopenia sendo um achado hematológico comum nesta enfermidade, a média da contagem de linfócitos em todos os animais do grupos 1 foi dentro da normalidade dos valores de referência para cães. Entretanto, no grupo 2, a média da contagem de linfócitos no 7 e no 15 dia de tratamento com a prednisona, mostrou-se clinicamente significativo por apresentar valores abaixo dos parâmentros de normalidade. É importante ressaltar que as médias da contagem de linfócitos aumentou progressivamente ao longo do tratamento no G1 e diminui ao longo do tratamento no G2, demostrando que a prednisona causou imunossupressão nos animais deste grupo, que foi demonstrado no gráfico 02 e na tabela 03 TABELA 03 Média, desvio padrão com relação à contagem de linfócitos nos grupos experimentais. G1 G2 Dias Média* Desvio padrão Média* Desvio padrão 1 1056 682 1249 1618 7 1677 1741 937 719 15 2014 606 597 350 *Média da contagem de células/μl 646
GRÁFICO 02 Média da contagem de linfócitos nos grupos experimentais, nos diferentes momentos. TABELA 10- Mediana, 1 0 e 3 0 quartil, entre colchetes, referentes às variáveis, segundo grupo Grupo G1 G2 Valor de p Cel 1* 12 12 0,65 [6;18] [9;15] Cel 15* 11 11 0,76 [4;22] [2;15] Prot 1** 30,0 18,4 0,46 [18,6;35,6] [15,0;28,6] Prot 15** 26,6 14,9 0,61 [14,7;36,4] [13,8;19,2] * Média da contagem de célula/µl **Média da dosagem em mg/dl Embora os dados não tenham correlação estatística significativa, o grupo 1 apresentou valores da dosagem de proteínas no líquor acima dos padrões de referência nos dois momentos avaliados e o G2 manteve valores normais no mesmo período. É muito importante a diminuição dos valores de proteína encontrados nos animais dos dois grupos após o tratamento quando comparados ao 1º dia, embora estes valores não sejam significativos estatisticamente. A contagem de células nucleadas é de extremo valor para o nosso estudo. Os nossos resultados não apresentam diferenças significativas entre os dois grupos, porém observamos um aumento dessa contagem em todos os animais durante todo o período de tratamento, o que indica encefalite nos animais avaliados 5. CONCLUSÕES Não houve diferença entre o DMSO e a prednisona quanto ação antiinflamatória frente a encefalite viral nos animais que sobreviveram ao tratamento através do exame do líquor. Os resultados do presente estudo permitem concluir que o grupo tratado com prednisona apresentou maior mortalidade e pior evolução clínica quando comparado ao grupo tratado com DMSO. Foi 647
observada imunossupressão nos animais tratados com prednisona, tanto pelos sinais clínicos quanto pela evolução da enfermidade. Não foram verificados por sinais clínicos e exames complementares possíveis efeitos tóxicos e/ou indesejáveis nos animais tratados com DMSO Referências Bibliográficas BRAYTON, C. F. Dimethyl sulfoxide (DMSO): a review. Cornell Veterinarian, v. 76, p. 61-90, 1986. PELLEGRINO, F. C.; SURANITI, A.; GARIBALDI, L. Síndromes neurológicas em cães e gatos. São Caetano do Sul: Interbooks, 2003. p. 376. SILVA, I. N. G.; GUEDES, M. I. F.; ROCHA, M. F. G.; MEDEIROS, C. M. O.; OLIVEIRA, L. C.; MOREIRA, O. C.; TEIXEIRA, M. F. S. Perfil hematológico e avaliação eletroforética das proteínas séricas de cães com cinomose. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinaria e Zootecnia, v. 57, n. 1, p. 136-139, 2005. VANDEVELDE, M.; ZURBRIGGEN, A. The neurobiology of canine distemper virus infection. Veterinary Microbiology, v. 44, p. 271-280, 1995. FEITOSA, M. M.; FEITOSA, F. L. F.; KOHAYAGAWA, A.; CURI, P. R.; MOGAMI, S. R. K. Avaliação física, citológica, conteúdo de proteínas e determinação qualitativa de globulinas do líquor de cães normais e de cães com encefalite por cinomose. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 34, n. 3, p. 147-151, 1997. 648