ESTUDO DESCRITIVO DE TRANSGRESSÕES ORTOGRÁFICAS REALIZADAS POR ALUNOS DE 4ª SÉRIE EM PRODUÇÕES TEXTUAIS

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Transcrição:

ESTUDO DESCRITIVO DE TRANSGRESSÕES ORTOGRÁFICAS REALIZADAS POR ALUNOS DE 4ª SÉRIE EM PRODUÇÕES TEXTUAIS Jáima Pinheiro de Oliveira Eveline Bonki Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO) RESUMO A presença de erros ortográficos na escrita de crianças com baixo desempenho escolar continua sendo tema de discussão, seja em função da maneira de se analisar tais erros, ou de como minimizá-los. O foco do presente trabalho volta-se para a classificação dessas manifestações de escrita, ou seja, para a análise de erros comuns na escrita de crianças com queixa escolar. Tivemos como base para essa análise os estudos de Zorzi (1998). O objetivo principal desse estudo foi identificar a frequência e caracterizar os erros mais comuns em produções textuais de crianças de 4ª série (antiga) do ensino fundamental, de duas cidades de médio porte do interior de São Paulo. Os erros mais comuns encontrados foram: representações múltiplas (22,0%), omissões de grafemas (21,0%), grafemas semelhantes (13,0%) e erros relativos à hipo e/ou hiperssegmentação (12,0%), dentre outros. A caracterização dos erros de escrita possibilita o planejamento de intervenções específicas, assim como o uso de estratégias que possam prevenir a ocorrência desses erros em níveis de escolaridade mais avançados, como no caso dessa amostra estudada. Palavras-chave: Aprendizagem; escrita; erros ortográficos. INTRODUÇÃO Os estudos atuais sobre produção de textos indicam diversos modelos de intervenção que auxiliam os alunos, tanto na estrutura quanto no conteúdo desses textos. Há estudos que indicam que essa produção torna-se mais eficiente com apoio. A análise dessa habilidade tem sido amplamente explorada pela literatura nacional (SILVA; SPINILLO, 2000; REGO; 1986; LINS E SILVA; SPINILLO, 1998) e internacional (MASON; GRAHAM, 2008; BUI; SCHUMAKER; DESHLER, 2006; WALKER et al.,

2005), com o intuito de compreender esse processo e posteriormente auxiliar as crianças que possuem dificuldades na habilidade de produção textual e no desempenho escolar, de modo geral. Na literatura nacional a produção escrita parece ser menos explorada do que habilidades como a leitura. Em função disso, ainda existem lacunas no que se refere às pesquisas de intervenção em relação à produção de texto. É consenso também na literatura que a maior parte das pesquisas existentes que se referem à produção de textos focam mais a questão do processo de desenvolvimento da narrativa (REGO, 1986; LINS E SILVA; SPINILLO, 1998). Rego (1986) analisou histórias escritas por crianças de primeira série de escola particular, com o objetivo de investigar os diferentes níveis de conhecimento que estes alunos apresentavam em relação à estrutura de histórias. Os resultados demonstraram que aproximadamente 47% dos textos produzidos não possuíam as características convencionais desse gênero. Os resultados indicaram ainda que pouco mais da metade dos textos (53%) apresentavam marcadores lingüísticos convencionais e alguns princípios de coesão textual. E por fim, apenas 3% das produções eram histórias, ou seja, produções que seguiam os padrões convencionais e a estrutura desse gênero narrativo. Alerta-se para o fato de que as crianças tinham a mesma idade e estudavam na mesma série. Isso é um indício de que existiam diferentes níveis de domínio de um esquema narrativo entre as crianças e esse domínio não depende apenas de fatores como idade e série. No estudo de Lins e Silva e Spinillo (1998) as autoras compararam a escrita de histórias de crianças de classes sociais, média e baixa. Todas essas crianças estavam alfabetizadas, tinham o mesmo nível de escolaridade e de exposição à linguagem escrita em contexto escolar. Foi solicitada uma produção escrita (história) com tema livre e as produções foram classificadas em função do nível de esquema narrativo que apresentavam. Em ambos os grupos a história com elaboração satisfatória foi pouco freqüente e essa elaboração melhorava à medida que iam aumentando os anos de escolaridade. Houve diferença entre os grupos no que se refere ao progresso na escrita de história entre crianças de classe média. Outro consenso na literatura apresentada refere-se à semelhança entre o processo de desenvolvimento da narrativa oral e da narrativa escrita. Além disso, esse desenvolvimento é aperfeiçoado à medida que aumenta a idade e o nível de

escolaridade. Por outro lado, é consenso também que esse progresso depende de outros fatores como contato com materiais escritos em ambiente familiar. Na literatura internacional, a produção de texto é largamente investigada em estudos com crianças com dificuldades de aprendizagem e os desdobramentos principais dessas investigações implicam na melhora da produção desses estudantes. Conforme aponta o estudo de Mason e Graham (2008), nos Estados Unidos o desempenho em escrita de um grande número de adolescentes com e sem dificuldades de aprendizagem está abaixo do nível exigido para o sucesso na faculdade e no mundo do trabalho. E, assim como no Brasil, o foco para o estudo de outras habilidades, como a leitura é maior do que para a escrita. Por outro lado, não só nos Estados Unidos, mas também em países da Europa, os estudos apontam que o desenvolvimento de programas para auxiliar os estudantes em habilidades de escrita é produzido em larga escala e o acesso a esses programas parece ser facilitado por programas governamentais (BUI; SCHUMAKER; DESHLER, 2006; WALKER et al., 2005). Dentro desse contexto, há uma preocupação que também é destaque nas pesquisas: trata-se do aprendizado da ortografia. Há vários fatores que influenciam a pronúncia das palavras (localização regional, nível sociocultural, idade, dentre outros) e a ortografia é um dos elementos que confere unidade à escrita, facilitando, desse modo, o entendimento do texto escrito. Embora haja ainda diversas formas de se ensinar a ortografia, de modo geral, hoje propõe-se uma visão gerativa (MORAIS, 2003; LEMLE, 2003), ou seja, durante todo o processo de ensino-aprendizagem e principalmente no início, as crianças geram a grafia de palavras de acordo com sua concepção e conhecimento de escrita e não somente através de simples reprodução convencional. De modo geral, o ensino da ortografia ocorre simultaneamente ao ensino da leitura e da produção de textos. Porém, há crianças que possuem mais dificuldades em relação aos aspectos ortográficos. Isso não pode tirar o mérito do conteúdo de seu texto, isto é, a dificuldade com a ortografia não deve ser considerada como um impedimento para o progresso dos alunos em relação às habilidades metatextuais. Souza e Correa (2007) realizaram um estudo cujo objetivo foi investigar se a reprodução escrita de um texto conhecido facilitaria o desempenho ortográfico de crianças da 1ª e 2ª séries (antigas) do ensino fundamental. Foram analisadas as histórias escritas em dois contextos de produção textual: um de reprodução escrita de histórias e outro de escrita livre. Os dados foram analisados em função da freqüência e do tipo de

transgressões ortográficas realizadas pelas crianças. Os resultados mostraram que o contexto de reprodução escrita de histórias não influenciou o desempenho ortográfico das crianças em termos de frequência de transgressões realizadas. Por outro lado, Pontecorvo e Ferreiro (1996) observaram que o contexto de reprodução escrita de história não favoreceu o desempenho ortográfico de crianças com nível de escolaridade equivalente às séries iniciais do ensino fundamental, quando comparado ao contexto de escrita livre, sugerindo que esse tipo de contexto (livre) seria mais viável para minimizar os erros ortográficos das crianças. Esses estudos indicam que há controvérsia na literatura sobre o assunto e as pesquisas atuais tentam contribuir no sentido de fornecer um estudo da evolução ortográfica das crianças de ensino fundamental. Zorzi (1998) realizou uma pesquisa com 514 alunos de primeira a quarta séries (antigas) do ensino fundamental, de modo a fornecer uma classificação dos erros ortográficos cometidos por essas crianças. Nesse estudo o autor também analisou os erros mais comuns na escrita das crianças, a fim de verificar a ocorrência de cada tipo de erro relacionado com as séries. Nesse estudo, Zorzi (1998) fornece 11 tipos de erros com descrição detalhada de cada um deles, assim como a explicação provável para suas ocorrências. O objetivo desse estudo foi verificar a frequência e os tipos de erros mais comuns realizados por alunos de 4ª série (antiga) do ensino fundamental durante a produção de uma narrativa com tema previamente trabalhado. Aspectos metodológicos O presente estudo caracterizou-se por ser do tipo descritivo, no qual participaram 19 crianças, sendo 11 (58%) do sexo feminino e 8 (42%) do sexo masculino. A faixa etária variou de 10 a 11 anos de idade. Todas as crianças freqüentavam a 4ª série (antiga) do ensino fundamental, em escolas municipais de duas cidades do interior de São Paulo. Dentre os critérios de seleção das crianças estavam: participação voluntária no estudo e idade entre 10 e 12 anos. A seguir, é apresentada uma tabela, a fim de sistematizar a caracterização dos participantes.

Tabela 1 Distribuição da amostra por idade e sexo Sexo Grupos Masculino Feminino G1 (10 anos) 2 3 G2 (11 anos) 5 5 G3 (12 anos) 4 0 Total 11 8 Fonte: dados da pesquisa Local A coleta de dados foi realizada nas escolas, nas quais foram recrutadas as crianças, após devidas autorizações. Materiais e instrumentos Os materiais utilizados foram: papel A4, lápis, borracha, caneta, dentre outros. Além disso, foram utilizados também Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os familiares e educadores e autorização da escola. Procedimentos de coleta e análise de dados Num primeiro momento foram feitas visitas às escolas, a fim de estabelecer contatos com educadores e direção da escola, para colher informações sobre o funcionamento da escola, turnos, séries, recursos, perfil dos alunos das séries iniciais e finais do ensino fundamental, dentre outras. Nesse momento foram solicitadas autorizações para a escola, professores e pais ou responsáveis para participação destes e das crianças no estudo. Em seguida, foi desenvolvido um programa educativo com as crianças sobre a prevenção do uso de drogas. Esse programa constou de 6 encontros, nos quais eram tratadas questões relativas aos efeitos das drogas no organismo, tipos de drogas, dentre outros. O programa aplicado é padronizado para as escolas de Ensino Fundamental e utiliza como forma de avaliação, uma redação produzida pelos alunos no último encontro. Essa redação, embora seja livre, deve conter aspectos aprendidos ao longo dos encontros. Esse texto foi considerado para fins de análise ortográfica em nosso presente

estudo. A análise ortográfica dos textos foi feita com base em Zorzi (1998) e tem como objetivo central o estudo da evolução do desenvolvimento ortográfico nos textos de crianças do Ensino Fundamental. Resultados e Discussão pelas crianças. A seguir, são indicados a freqüências e os tipos de erros ortográficos cometidos Tabela 2 Caracterização e frequência de erros ortográficos observados Tipos de erros Frequência Frequência ortográficos absoluta (n) relativa (%) Representações múltiplas 30 22,0 Omissões de letras 28 21,0 Letras parecidas 17 13,0 Junção ou separação 16 12,0 convencional das palavras Alterações ortográficas 13 10,0 Substituições envolvendo 10 7,5 fonemas surdos/sonoros Generalizações de letras 9 7,0 Confusão em terminações 2 1,5 am e ao Inversões de letras 2 1,5 Acréscimos de letras 2 1,5 Outros erros 4 3,0 Total de erros 133 100% Observa-se na Tabela 2 que o erro mais freqüente na produção escrita das crianças foi o de representações múltiplas, o qual aparece com uma frequência de 22,0%. Esse erro, segundo Zorzi (1998) ocorre em função das relações não estáveis presentes entre fonemas e grafemas na língua portuguesa. De maneira geral, os sistemas de escrita alfabética apresentam como característica essencial correspondências entre sons e letras, porém, nem sempre essa relação é estável. Zorzi (1998) exemplifica essa situação com a relação estável do grafema f (sempre utilizado com o som de /f/) e a relação não estável do grafema c (às vezes representado pelos sons de /k/ e /s/). Desse

modo, supõe-se que os erros de representações múltiplas podem ser originados em função dessas relações. Em seguida, aparecem as omissões de letras em 21,0% das produções das crianças. No estudo de Souza e Correa (2007), as autoras encontraram freqüências semelhantes desse erro em crianças de 1ª e 2ª séries (antigas) do ensino fundamental. Porém, no estudo dessas autoras, foi utilizada para análise a reprodução de uma narrativa conhecida (Chapeuzinho Vermelho) e um texto livre. Para alguns autores, como Pontecorvo e Ferreiro (1996) é possível que o contexto de produção textual das crianças interfira na frequência de erros ortográficos cometidos. Por outro lado, Souza e Correa (2007) não encontraram diferenças significativas em relação aos erros cometidos pelas crianças, nos dois contextos analisados (reprodução escrita de histórias e escrita livre). As autoras tinham como hipótese que a familiaridade com o texto e a estrutura dos contos de fadas pudesse influenciar o desempenho ortográfico das crianças de anos ou séries iniciais do ensino fundamental, o que não ocorreu. Foi observado que o desempenho ortográfico das crianças nos anos iniciais do ensino fundamental é mais fortemente influenciado pela escolaridade e pelas habilidades e conhecimentos que essas crianças constroem relacionados ao domínio do sistema de escrita. Ou seja, o desempenho em relação às habilidades cognitivas envolvidas na linguagem escrita, parece não interferir no desempenho ortográfico. Essa mesma observação também é feita em relação à estrutura do texto produzido pelas crianças com esse nível de escolaridade, ou seja, essa estrutura é fortemente influenciada pelo contato prévio que as crianças tiveram com a linguagem escrita antes de sua entrada na escola (FERREIRA, CORREIA, 2008). É importante se atentar para o detalhe de que o recurso da análise de erros também fornece um perfil de desenvolvimento da escrita das crianças, pois há alguns erros que são mais comuns em crianças em fase de aquisição e desenvolvimento dessa modalidade de linguagem. É o caso, por exemplo, da junção ou separação convencional das palavras. Note-se que, embora apareça com uma frequência relativamente baixa (12,0%), sua presença é marcante nos textos analisados, o que pode indicar que as crianças que cometeram esse erro encontram-se em fase inicial de aquisição escrita. A mesma observação pode ser feita em relação às substituições envolvendo fonemas surdos/sonoros. Normalmente as crianças que cometem esse erro ainda estão utilizando fortemente o apoio na oralidade durante a escrita. Isso ocorre também em fase inicial de aquisição e desenvolvimento dessa habilidade. Esse erro, segundo Zorzi

(1998) pode estar relacionado a uma dificuldade de discriminação auditiva, dando a impressão de que essas habilidades não se mostram suficientes para garantir a grafia correta das palavras envolvendo letras que representam os pares de fonemas surdos e sonoros. Isso pode ocorrer em crianças que apresentam ou não a mesma dificuldade na linguagem oral. Essa dificuldade pode também estar ligada ao conhecimento metalinguístico, ou seja, além de usar a linguagem, o indivíduo precisa pensar sobre ela para fazer julgamentos. Sem dúvida, esse conhecimento é essencial para o domínio da linguagem, seja ela oral ou escrita. Em alguns estudos, aparecem os termos consciência fonêmica e consciência fonológica, como sendo conhecimentos essenciais para o aprendizado da leitura e da escrita. Muitos estudos (CAPOVILLA; CAPOVILLA, SUITER, 2004; CAPOVILLA; GUTSCHOW; CAPOVILLA, 2004; MALUF; BARRERA, 1997) indicam que as habilidades de consciência fonológica são as que mais interferem no processo de alfabetização, seja como fator causal ou como elemento favorecedor. Dessa forma, as atividades envolvendo essas habilidades podem ser introduzidas no período que antecede esse processo, durante o mesmo ou ainda, após a alfabetização, nas dificuldades já instaladas (PAULA; MOTA; KESKE-SOARES, 2005; MORAIS, 1996; HATCHER; HULME; ELLIS, 1994). Essas atividades, por sua vez, auxiliariam também no desenvolvimento ortográfico. Os resultados obtidos sugerem que os erros ortográficos cometidos pelas crianças estão relacionados à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem escrita. Características como hipo ou hiperssegmentação podem ser consideradas como hipóteses utilizadas pelas crianças em fases iniciais de aquisição da escrita. CONSIDERAÇÕES FINAIS O nosso estudo permitiu concluir que os erros mais comuns observados na amostra estudada foram os de representações múltiplas, omissões de grafemas, letras parecidas e erros relativos à hipo e/ou hiperssegmentação. Esse perfil de erros ortográficos cometidos pela amostra estudada indicou que grande parte destes erros está ligada ao desenvolvimento da escrita. Isso merece alerta em relação aos encaminhamentos equivocados dessas crianças para atendimento clínico.

Disso decorre a importância do estudo da evolução do desenvolvimento ortográfico nos textos de crianças do Ensino Fundamental. Em muitos casos, os erros ortográficos representam apenas uma das manifestações de escrita de crianças encaminhadas. É preciso nos atentar para o fato de que se essas manifestações estiverem ligadas à aquisição e desenvolvimento da criança, é possível saná-las apenas com intervenções educacionais, ainda que seja necessária a ajuda de outro profissional. Não podemos perder de vista que as intervenções individuais contribuem com o desempenho escolar das crianças, mas é preciso ter em mente que essa contribuição está ligada aos casos de dificuldades de aprendizagem, com manifestações em várias esferas do desenvolvimento e não apenas na escrita. Nesse sentido, deve-se tentar minimizar os casos de dificuldades de aprendizagem, ainda que a longo prazo, por ações cotidianas que integrem fundamentalmente, os alunos, os educadores e familiares e/ou cuidadores. REFERÊNCIAS BUI, Y. N.; SCHUMAKER, J. B.; DESHLER, D. D. The Effects of a Strategic Writing Program for Students with and without Learning Disabilities in Inclusive Fifth-Grade Classes, Learning Disabilities Research & Practice, 21(4), 244 260, 2006. CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. SUITER, I. Processamento cognitivo em crianças com e sem dificuldades de leitura. Psicologia em Estudo, v. 9, n. 3, Maringá, set/dez, p. 449-458, 2004. CAPOVILLA, A. G. S.; GUTSCHOW, C. R. D.; CAPOVILLA, F. C. Habilidades cognitivas que predizem competência em leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática, v. 6, n. 2, São Paulo, p. 13-26, 2004. FERREIRA, S. P. CORREIA, J. A influência de diferentes contextos de intervenção na escrita de histórias por crianças, Estudos de Psicologia, Campinas, 25(4), 547-555, out/dez, 2008. HATCHER, P.; HULME, C.; ELLIS, A. Amelio rating early reading failure by integrating the teaching of reading and phonological skills: the phonological linkage hypothesis. Child Development, p. 41-57, 1994. LEMLE, M. Guia teórico do alfabetizador (15ª ed). São Paulo: Ática, 2003. LINS E SILVA, M. E.; SPINILLO, A. G. Uma análise comparativa da escrita de histórias pelos alunos de escolas públicas e particulares. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 79(193), 5-16, 1998.

MALUF, M. R.; BARRERA, S. D. Consciência fonológica e linguagem escrita em préescolares, Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 10, n. 1, Porto Alegre, p. 125-145, 1997. MASON, L. H.; GRAHAM, S. Writing Instruction for Adolescents with Learning Disabilities: Programs of Intervention Research, Learning Disabilities Research & Practice, 23(2), 103 112, 2008. MORAIS, J. A arte de ler. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender (3ª ed). São Paulo: Ática, 2003. PAULA, G. R.; MOTTA, H. B.; KESKE-SOARES, M. A terapia em consicência fonológica no processo de alfabetização, Revista Pró-fono de Atualização Científica, v. 17, n. 2, Brueri, mai/ago, 2005. PONTECORVO, C.; FERREIRO, E. Língua escrita e investigação comparativa. In FERREIRO, E.; PONTECORVO, C.; MOREIRA, R. N.; HIDALGO, I. G. (orgs). Chapeuzinho Vermelho aprende a escrever estudos psicolingüísticos comparativos em três línguas, São Paulo: Ática, p. 11-37, 1996. REGO, L. L. B. A escrita de estórias por crianças: As implicações pedagógicas do uso de um registro lingüístico. Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, 2, 165-180, 1986. SILVA, M. E. L.; SPINILLO, A.G. A Influência de Diferentes Situações de Produção na Escrita de Histórias, Psicologia: Reflexão e Crítica, 2000, 13(3), pp.337-350. WALKER, B.; SHIPPEN, M. E.; ALBERTO, P.; HOUCHINS, D. E.; CIHAK, D. F. Using the Expressive Writing Program to Improve the Writing Skills of High School Students with Learning Disabilities, Learning Disabilities Research & Practice, 20(3), 175 183, 2005. ZORZI, J.L. Aprender a escrever a apropriação do sistema ortográfico. Artes Médicas, 1998.