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EDITORIAL Medicamentos biossimilares: políticas públicas, regulação e a agenda não conclusa no Brasil Biosimilar medicines in Brazil: policy, regulation and an unconcluded agenda Norberto Rech Farmacêutico, mestre em Ciências Farmacêuticas. Professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Laura Gomes Castanheira Farmacêutica, especialista em Regulação e Vigilância Sanitária, mestre em Imunologia. Assessora Especial da Presidência da Empresa Brasileira de Hemoderivados (Hemobrás). Brasília, DF, Brasil. Os significativos desenvolvimentos ocorridos nos campos da biologia molecular e da biotecnologia, especialmente nas últimas três décadas, resultaram tanto na elevação do número de moléculas com potencialidade de uso terapêutico como na ampliação das possibilidades de desenvolvimento de medicamentos para o atendimento das necessidades em saúde. Em contraste com os medicamentos oriundos de síntese química, os medicamentos de base biotecnológica apresentam crescente participação no conjunto total dos novos produtos registrados, com a estimativa de que sejam responsáveis por cerca de 20% do faturamento do mercado farmacêutico mundial em 2016, com destaque para aqueles medicamentos voltados às áreas de oncologia e reumatologia. Nesse cenário internacional, com o evidente predomínio dos medicamentos inovadores e com a elevação continua dos respectivos valores agregados e dos preços finais praticados, o adensamento das cadeias produtivas relacionadas ao complexo produtivo dos medicamentos biológicos ou de base biotecnológica ganha contornos essenciais para a superação ou redução das vulnerabilidades dos sistemas nacionais de saúde e para o enfrentamento do desafio tecnológico dos setores produtivos, em particular nos chamados países emergentes, entre os quais figuram o Brasil. Entre outras estratégias, públicas e privadas, e estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico com impacto tanto nas atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação como também naquelas iniciativas de internalização e desenvolvimento de plataformas tecnológicas consistentes e capazes de gerar novos produtos, a consideração quanto às oportunidades resultantes e a expiração da proteção patentária assumem desafio importante em países como o Brasil, seja sob o ponto de vista do desenvolvimento industrial mediante óbvios aspectos econômicos ou sob a garantia constitucional de acesso da população aos medicamentos, aqui referida no contexto do mais amplo direito à saúde. A queda crescente de patentes de produtos biológicos, estimada até 2020, em especial dos anticorpos monoclonais, bem como a crescente demanda para que os governos reduzam o custo de tratamento com esses produtos de alto valor agregado e, ao mesmo tempo, ampliem o acesso aos tratamentos, provoca um interesse crescente pelos chamados produtos biossimilares, os quais, via de regra, apresentam- -se como alternativas mais viáveis do ponto de vista econômico, mantendo o mesmo padrão de eficácia e segurança atribuído aos produtos inovadores. Entre os anos de 2015 e 2020, projeta-se uma taxa de crescimento de 49,1% para o mercado de biossimilares, considerando a taxa CAGR (Compound Growth Anual Factors). Em uma consulta à base de dados de registro de estudos clínicos clinicaltrials. gov, é possível verificar que, entre 2007 e 2015, o número de estudos clínicos envolvendo produtos biossimilares teve um aumento exponencial de aproximadamente dez vezes. 4 J Assist Farmac Farmacoecon, v. 1, n.2, p. 4-8, set. 2016. doi:10.22563/2525-7323.2016.v1.n2.p.4-8

Rech N, Castanheira LG. No Brasil, os crescentes interesse e investimento em biossimilares, em especial anticorpos monoclonais, não são diferentes. Os investimentos são feitos tanto por empresas locais públicas quanto privadas, uma vez que tais produtos possuem alto valor agregado e estão, em sua maioria, incorporados em programas de tratamento com financiamento público, o que torna o Brasil um mercado bastante atrativo, especialmente ao considerar-se o conjunto das compras públicas realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, como tais incorporações também podem acentuar as vulnerabilidades do próprio sistema de saúde, ao longo dos últimos anos o Brasil estabeleceu políticas públicas específicas para fomento da produção e desenvolvimento local, redução de preços e para o aumento do acesso aos produtos biológicos, em especial os biossimilares. Entretanto, atualmente quase a totalidade dos produtos biológicos obtidos por tecnologia de DNA recombinante é fabricada fora do país ou possui etapas críticas de fabricação realizadas fora do Brasil, sendo que grande parte dos produtos que estão incorporados nos diferentes componentes da assistência farmacêutica do SUS são fabricados fora do país por indústrias multinacionais. Considerando as características desse segmento produtivo e dos seus impactos no campo da saúde, para além dos impactos nas economias dos países, as questões de caráter regulatório sanitário estão no foco de atenção das autoridades regulatórias nacionais. Nos últimos dez anos as principais agências reguladoras vêm empenhando esforços para estabelecer regulamentações sólidas e harmonizadas para produtos biossimilares. Entre os países mais desenvolvidos, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) foi a primeira autoridade a publicar guias específicos para desenvolvimento e registro de biossimilares, em 2005. Essa iniciativa foi seguida pela Agência Australiana em 2007. O Japão publicou seu guia em 2009. Em 2010, foi a vez do Canadá publicar seu guia. A agência Food and Drug Adminstration, dos Estados Unidos da América do Norte, publicou suas normativas mais tardiamente, em 2015. Da mesma forma que a publicação dos guias, os mercados dos países em questão tiveram a entrada de biossimilares em momentos diferentes. Europa, Canadá e Austrália já possuem diversos biossimilares disponíveis há alguns anos no mercado, sendo que, nos Estados Unidos da América do Norte, o primeiro registro de produto biossimilar ocorreu em 2015 (Zarzio). Para os anticorpos monoclonais, uma vez que as patentes ainda não haviam expirado no momento da publicação dos primeiros guias pelos países, seu registro se deu de maneira global em intervalos de tempo mais próximos, particularmente a partir de 2015 nos países acima citados. Em 2009 uma iniciativa importante foi à publicação do Guia de Produtos Bioterapêuticos Similares da Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir desse marco, vários países considerados em desenvolvimento, e que já se encontravam em meio à discussão sobre o tema, definiram seus marcos regulatórios específicos com a publicação dos guias respectivos. Esse foi o caso do Brasil e da África do Sul, em 2010; da Argentina, Índia e México, em 2011; seguidos da China, em 2015. No Brasil, a abordagem regulatória de desenvolvimento e registro de biossimilares foi estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por intermédio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 55, de 2010. Essa regulamentação definiu caminhos regulatórios diferentes e específicos para produtos biológicos novos e para as cópias, comumente definidas como biossimilares no âmbito mundial. Para os produtos bioterapêuticos similares, foram estabelecidas duas vias de regulação para o respectivo registro: um caminho pela via da comparabilidade com o produto inovador e outro com base na chamada via do desenvolvimento individual do produto a ser objeto da análise regulatória para o registro. No caso do pedido de registro de um produto biológico não novo ( cópia, biossimilar ) pela via de desenvolvimento individual, pode ser apresentado um dossiê reduzido do produto. O requerente deve apresentar dados completos sobre os requisitos de qualidade, sendo que os estudos não clínicos e clínicos também podem ser reduzidos, dependendo da quantidade e da qualidade de conhecimentos e informações referentes às propriedades farmacológicas, à segurança e à eficácia do medicamento originador. Ao menos um estudo de Fase III comparativo (equivalência ou não-inferioridade) com o produto J Assist Farmac Farmacoecon, v. 1, n.2, p. 4-8, set. 2016. doi:10.22563/2525-7323.2016.v1.n2.p.4-8 5

Medicamentos biossimilares: políticas públicas, regulação e a agenda não conclusa no Brasil biológico novo é obrigatória, sendo que a extrapolação de indicações não será aceita quando se opta pelo pedido de registro sanitário pela via do desenvolvimento individual. O Brasil já conta com medicamentos biossimilares licenciados por meio da via da comparabilidade com o medicamento originador (p. ex: GCS-F - filgrastim, hormônio de crescimento, anticorpos e enzimas monoclonais). No caso da via do desenvolvimento individual, pode ser referido o exemplo de uma heparina de baixo peso molecular licenciada pela Anvisa, sendo que outros produtos biossimilares têm seus desenvolvimentos sob monitorização daquela autoridade regulatória. Entretanto, mesmo com os guias regulatórios já publicados e com as experiências em processo de acumulação nesse campo, ainda existem dificuldades quanto à sua implementação, com questões que passam tanto pela nomenclatura adotada para biossimilares, a qual difere em cada país, pela extensão e abordagem dos estudos clínicos exigidos, bem como pela avaliação quanto ao impacto e à relevância dos dados de comparabilidade molecular e de atividade biológica em cada caso. Outras questões como a extrapolação de indicação terapêutica, intercambiabilidade e substituição direta ainda permanecem sem guias específicos. Existem somente diretrizes gerais nas regulamentações estrangeiras e as situações são resolvidas caso a caso, o que causa, por vezes, situações anômalas como o mesmo produto biossimilar recebendo aprovações de indicações terapêuticas diferentes em países diferentes e situações de intercambiabilidade e substituição sendo decididas também de formas diferentes em diferentes regiões do mundo. Assim como em outros países com mesmo grau de desenvolvimento econômico, o Brasil também enfrenta um desafio adicional representado pela submissão à autoridade regulatória nacional de programas de desenvolvimento de produtos biológicos e pedidos de registro de produtos oriundos de países também considerados emergentes, mas cujo processo de desenvolvimento do medicamento e os respectivos estudos clínicos foram iniciados antes da publicação dos guias específicos com diretrizes para biossimilares e que, por essa razão, não seguiram exatamente os mesmos passos estabelecidos nas diretrizes agora publicadas. Sendo assim, o processo de registro e a entrada desses produtos nos mercados se tornam mais complexos, com a necessidade, eventualmente, de realização de estudos adicionais e do emprego das melhores práticas regulatórias para aproveitamento dos dados já gerados. Tal complexidade, além dos custos adicionais, posterga de maneira importante a entrada de produtos que poderiam exercer efeito regulador no mercado farmacêutico local e regional, com perspectivas de redução de preços, redução dos custos dos tratamentos e ampliação do acesso das populações a essas tecnologias. Da mesma forma, essa complexidade também gera impactos importantes no processo de desenvolvimento dos parques fabris existentes no país, especialmente no que tange à competitividade entre as empresas atuantes num mesmo segmento, particularmente no segmento produtivo privado. Todavia, os desafios no campo regulatório somam-se aos imensos desafios inerentes à formulação e à implantação de políticas públicas intersetoriais capazes de reduzir os atrasos tecnológicos já identificados e, em conjunto com as estruturas produtivas privadas e públicas, gerar as condições necessárias para a internalização de tecnologias de interesse do país e que possibilitem a redução das vulnerabilidades do sistema de saúde e o desenvolvimento industrial e econômico sustentável. Nesse sentido, entre as diversas políticas e estratégias de fomento ao desenvolvimento e à produção local de produtos biológicos, incluindo os biossimilares, é importante citar as parcerias para o desenvolvimento produtivo (PDP), cujo marco legal foi estabelecido pela Portaria MS nº 2.531, de 12 de novembro de 2014, a qual redefiniu as diretrizes e os critérios para a definição da lista de produtos estratégicos para o SUS e o estabelecimento de PDP, além de disciplinar o processo de submissão, instrução, decisão, transferência da tecnologia e aquisição de produtos estratégicos objetos de parcerias produtivas pelo Sistema Único de Saúde. Essas parcerias podem envolver acordos comercias e de transferência de tecnologia entre instituições públicas e entre instituições públicas e privadas nacionais e/ou internacionais. Constituem instrumentos para que as empresas nacionais, públicas e privadas, sejam capazes de ampliar sua capacidade 6 J Assist Farmac Farmacoecon, v. 1, n.2, p. 4-8, set. 2016. doi:10.22563/2525-7323.2016.v1.n2.p.4-8

Rech N, Castanheira LG. produtiva e de inovação, incorporando tecnologias já disponíveis e possibilitando a criação de plataformas para o desenvolvimento de novos produtos, tendo, como consequência, tanto a ampliação do acesso da população brasileira a produtos de alta relevância terapêutica e alto valor agregado como também o estímulo ao desenvolvimento industrial e econômico das empresas envolvidas. Como os produtos biossimilares constituem objetos de muitas PDP em andamento no Brasil, é relevante ressaltar que seu fornecimento ao SÚS já ocorre como uma das primeiras fases dos acordos de internalização da tecnologia, o que resulta em economias significativas nos gastos públicos com estes medicamentos Entretanto, para além dos aspectos econômicos e industriais, é importante resgatar a informação de que atualmente grande parte das PDP de produtos biológicos tem, como foco, anticorpos monoclonais biossimilares. Essa situação certamente contribuiu para acelerar a entrada dessa categoria de produtos no mercado brasileiro que, por sua vez, resultou na demanda de que o desenvolvimento interno desses produtos e a abordagem regulatória fossem discutidos no Brasil em momento simultâneo àquele no qual ocorriam as discussões e as decisões regulatórias em países mais desenvolvidos. Essa situação, particularmente no que se refere a produtos biossimilares, tem sido bastante distinta daquela que envolveu a entrada de outros produtos fabricados a partir de tecnologia de DNA recombinante (GCS-F, somatropina, interferon, eritropoietina), uma vez que, para estes, já existiam parâmetros de caráter regulatório sanitário para a discussão de seu desenvolvimento e registro, especialmente na medida em que as autoridades regulatórias de referência mundial já haviam publicado seus guias desde o ano de 2005. Portanto, essa característica coloca ao Brasil a responsabilidade do permanente e intenso acompanhamento regulatório dos processos de internalização dessas tecnologias. Essa aproximação virtuosa entre a autoridade regulatória nacional, os transferidores das tecnologias e os respectivos produtores responsáveis pela sua internalização é imprescindível, especialmente na medida em que a aprovação de produtos com base em guias mais específicos e com estudos mais direcionados aos parâmetros realmente relevantes para demonstração de biossimilaridade dos produtos surgem pelo aumento do conhecimento do estado da arte para desenvolvimento e registro desses produtos e das experiências práticas adquiridas ao longo dos anos, incluindo o registro e acompanhamento de mercado dos primeiros biossimilares dessas categorias colocados à disposição da população. Ainda sobre esse aspecto, vale salientar que atualmente só existem guias específicos para desenvolvimento de biossimilares publicados pelo EMA na Europa e os mesmos são utilizados como diretrizes gerais para a aprovação de anticorpos monoclonais no mundo. Tal situação não evitou resultados discrepantes como aquele verificado no caso da aprovação de um biossimilar do produto infliximabe, com indicação terapêutica para tratamento de doença de Crohn, no Brasil, Europa e Estados Unidos, mas não no Canadá. Portanto, no que se refere à ação regulatória, a realidade brasileira aponta para a necessidade de um acompanhamento mais dinâmico e da agregação contínua dos melhores conhecimentos científicos pela agência reguladora e demais órgãos envolvidos na inserção de anticorpos monoclonais no mercado nacional. Essa necessidade está relacionada à identificação do melhor equilíbrio entre a avaliação dos dados disponíveis e os requisitos essenciais para registro de tais produtos e posterior incorporação em programas de governo. Tal equilíbrio é essencial para que não se tenha risco de inserção de produtos sem a devida comprovação de biossimilaridade e, portanto, qualidade, eficácia e segurança garantidos, mas que também não haja solicitações desnecessárias e inócuas no sentido de comprovação de eficácia e segurança, gerando uma superregulação, a qual pode ter impacto direto e negativo no acesso da população brasileira a tais produtos. Do ponto de vista regulatório mais geral, particularmente para o fazer das autoridades regulatórias nacionais no campo dos medicamentos biossimilares, é essencial o permanente aperfeiçoamento, a incorporação de conhecimentos e a aplicação de parâmetros que permitam balizar a necessidade de dados de comparabilidade molecular versus estudos clínicos e a correta abordagem para permitir a extrapolação de indicações terapêuticas e substituições, J Assist Farmac Farmacoecon, v. 1, n.2, p. 4-8, set. 2016. doi:10.22563/2525-7323.2016.v1.n2.p.4-8 7

Medicamentos biossimilares: políticas públicas, regulação e a agenda não conclusa no Brasil além do aperfeiçoamento e fortalecimento dos mecanismos de controle e vigilância pós mercado, os quais são de extrema valia para a racionalização do registro e para a inserção desses produtos no mercado nacional. Iniciativas como acompanhamento estreito do desenvolvimento pela Anvisa e a elaboração de guias específicos já estão em curso. Entretanto, oportunidades de monitoramento e acompanhamento de tais produtos durante o uso também devem ser melhor exploradas, especialmente ao considerar-se que os mesmos fazem parte de programas de governo. Sob o ponto de vista empresarial, merece destaque o fato de que a adoção de uma estratégia regulatória correta é essencial para que a empresa possa introduzir biossimilares no mercado no menor tempo e ao menor custo possível, atendendo aos requisitos de qualidade, segurança e eficácia. Os requisitos regulatórios aplicáveis, tanto na fase do desenvolvimento clínico como para o registro sanitário do medicamento, devem ser considerados e integrados desde os estágios iniciais de desenvolvimento do produto, considerando-se os requisitos regulatórios do Brasil, os padrões de tratamento, as opções terapêuticas disponíveis e as etapas posteriores relacionadas ao estabelecimento de preço do produto e incorporação ao sistema nacional de saúde. Portanto, a correta abordagem e a ênfase nos aspectos moleculares e clínicos são essenciais para que o desenvolvimento de um biossimilar seja viável do ponto de vista econômico e aceitável do ponto de vista técnico. Por fim, para além dos aspectos econômicos, industriais, regulatórios e formais das políticas públicas, há que se considerar que nenhuma evolução no campo dos medicamentos biossimilares, como de resto no campo mais amplo dos produtos biológicos, ocorrerá sem que haja definição de um conjunto de estratégias e instrumentos que promovam a aproximação dos produtores, dos gestores públicos e dos tomadores de decisão com as estruturas acadêmicas de pesquisa e desenvolvimento, bem como com as instituições de ensino e formação de recursos humanos para essa área do conhecimento. A permanência dos afastamentos percebidos entre a academia, que tem vocação e foco no desenvolvimento do conhecimento, e as estruturas produtivas, os formuladores das políticas públicas intersetoriais, as instituições com responsabilidade de regulação e o sistema de saúde, certamente contribuirão para que o Brasil permaneça à margem no processo de desenvolvimento. A superação dos limitantes que contribuem para tais distanciamentos constitui parte importante de uma agenda não conclusa no caminho do fortalecimento de uma posição brasileira de destaque no cenário regional e mundial. Seja na formação de pessoas qualificadas para as atividades de desenvolvimento dos produtos, desenvolvimentos analíticos requeridos, no campo dos estudos não clínicos e clínicos, atividades de operação industrial produtiva e de garantia da qualidade, avaliação econômica referente à incorporação ou não dessas tecnologias no sistema nacional de saúde, definição e implantação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas e para o campo da ciência regulatória, os esforços nacionais certamente devem ser orientados no sentido de possibilitar a identificação das prioridades e o estabelecimento de agendas intersetoriais que, de fato, respondam às necessidades do país e que façam dos medicamentos biológicos, sejam eles inovadores ou biossimilares, um campo de oportunidades e de evolução e não mais um dos imensos entraves para a garantia do direito de cidadania de acesso qualificado às tecnologias em saúde. Recebido em 13/09/2016 Aceito para publicação em 19/09/2016 8 J Assist Farmac Farmacoecon, v. 1, n.2, p. 4-8, set. 2016. doi:10.22563/2525-7323.2016.v1.n2.p.4-8