Constatações da Realidade em Moçambique

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Transcrição:

Constatações da Realidade em Moçambique - Construindo uma melhor compreensão das dinâmicas da pobreza e bem-estar - Relatório Anual Ano Dois, 2012 Governação Em cooperação com:

As Constatações da Realidade em Moçambique são implementadas pela ORGUT Consulting (Suécia), em associação com a COWI Lda (Moçambique) e o Chr. Michelsen Institute (Noruega), em nome da Embaixada da Suécia em Maputo. As Constatações da Realidade são implementadas no período 2011-2016 e em cada ano é realizado trabalho de campo nos Distritos de Cuamba, Majune e Lago na Província do Niassa. Os Sub-Chefes da Equipa são Carmeliza Rosário, Minna Tuominen e Inge Tvedten. Este é o Relatório Anual do Ano Dois das Constatações da Realidade e sintetiza as principais conclusões dos três subrelatórios. O relatório é elaborado pelo Chefe de Equipa das Constatações da Realidade em Moçambique, Dr. Inge Tvedten com o apoio de Carmeliza Rosário, Minna Tuominen e Aslak Orre (Conselheiro Temático). Este documento foi financiado pela Embaixada da Suécia em Maputo. A Embaixada não partilha necessariamente os pontos de vista expressos neste documento. O seu conteúdo é da inteira responsabilidade do autor. Fotos da Capa: 1. Nova Ponte sobre o Rio Luchimoa, Majune. Foto: Minna Tuominen 2. Mulher com feijões, Lago. Foto: Beatriz Putile 3. Celebrando o novo fontanário, Lago. Foto: Inge Tvedten ORGUT Consulting AB, 2013-01-10

ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO... 3 1.1 As Constatações da Realidade... 3 1.2 Metodologias... 5 1.3 Indicadores Sócio-Económicos... 7 1.4 Niassa 2011-2012... 9 2. GOVERNAÇÃO EM CUAMBA, LAGO E MAJUNE...11 2.1 Introdução...11 2.2 Administração Distrital e Municipal...12 2.3 Governação Local...16 3. AS COMUNIDADES...20 3.1 Mudanças mais Importantes...20 3.2 Mudanças no Panorama Institucional...22 3.3 Problemas na Comunidade...25 4. RELAÇÕES SOCIAIS DE POBREZA E BEM-ESTAR...30 4.1 Mudanças nas Adaptações Económicas...30 4.2 Dinâmica da Família e do Agregado Familiar...31 4.3 Mobilidade Social e Género...38 5. RESUMO...42 5.1 Principais mudanças na pobreza e bem-estar entre 2011 e 2012...42 5.2 Desafios nas Relações Governo-Cidadãos...43 5.3 Possíveis Implicações de Política e Intervenções de Desenvolvimento...44 LISTA DE LITERATURA...46 1

Mapa 1. Constatações da Realidade em Moçambique / Niassa 2

1. INTRODUÇÃO A monitoria e avaliação da pobreza em Moçambique tem lugar principalmente no quadro da implementação da Estratégia de Redução da Pobreza em Moçambique PARP/A (GdM 2005; 2011), e assenta em dados quantitativos com origem em diferentes tipos de estudos nacionais e estudos similares feitos por organizações de ajuda bilaterais e multilaterais (ver e.g. INE 2010; MPD 2010; Banco Mundial 2007; UNICEF 2011). Todavia, estes estudos, pela sua natureza quantitativa, não captam todas as dimensões da pobreza que são relevantes para o desenho de políticas e programas. Enquanto os dados quantitativos produzem informação valiosa sobre o mapeamento e o perfil da pobreza no espaço e no tempo, os dados qualitativos são necessários para melhor compreender a dinâmica da pobreza e as estratégias de sobrevivência dos pobres (ORGUT 2011; Addison et al. 2009). 1.1 As Constatações da Realidade Com estes antecedentes, a Embaixada Sueca em Maputo e a Autoridade Sueca para o Desenvolvimento Internacional (Sida) decidiram ser necessário avaliar o impacto das políticas de desenvolvimento e redução da pobreza a partir de baixo, e consultar regularmente as populações locais com o objectivo de entender os processos e relações locais. Uma série de cinco Constatações da Realidade terá lugar no período 2011-2016 focando a dinâmica da pobreza e bem-estar com um enfoque particular na boa governação, agricultura/clima e energia que são sectores chave na cooperação Sueca para o desenvolvimento com Moçambique. Cada Constatação da Realidade será publicada na forma de um Relatório Anual e três Sub-Relatórios de cada um dos três locais de estudo seleccionados (ver ORGUT 2011 para mais detalhes). Mais concretamente, espera-se que as Constatações da Realidade em Moçambique : i) Informem a discussão pública entre os actores de desenvolvimento mais importantes sobre a redução da pobreza, especialmente na província do Niassa; ii) iii) Contribuam para uma melhor compreensão dos métodos de monitoria qualitativa da pobreza em Moçambique; e Proporcionem à Suécia dados qualitativos relevantes sobre os desenvolvimentos e resultados da sua acção em Moçambique e apoiem a ulterior implementação do seu programa no Niassa. Espera-se que as Constatações da Realidade atinjam estes objectivos aumentando o conhecimento sobre: i) A pobreza (dimensões não tangíveis da pobreza, tais como vulnerabilidade e impotência; percepções de pobreza das pessoas pobres; processos causais que sustentam a dinâmica da pobreza: estratégias de luta/sobrevivência adoptadas por mulheres e homens vivendo na pobreza); ii) iii) As relações com o poder local e com as instituições do estado (instituições formais [i.e. políticas, administrativas] que permitem ou constrangem as pessoas a executar as suas estratégias; instituições informais [i.e. culturais, sociais, familiares ou baseadas no parentesco, etc.] que permitem ou constrangem as pessoas a realizar as suas estratégias), e; As políticas e serviços (acesso, uso e procura de serviços públicos, de acordo com as pessoas que vivem na pobreza; qualidade dos serviços públicos, de acordo com as pessoas que vivem na pobreza). 3

Há também uma expectativa de que as Constatações da Realidade deverão, na medida em que seja relevante para a população local em estudo, prestar atenção especial às questões prioritárias identificadas nas revisões anuais de projectos e programas dentro dos sectores prioritários Suecos (ver os Termos de Referência). A série de estudos foi iniciada por um Relatório Inicial publicado em Agosto de 2011 (ORGUT 2011a). Devido a esse exercício foi decidido que as Constatações da Realidade se basearão em trabalho de campo em três Distritos/Municípios diferentes na Província do Niassa que apresentem variações em termos de localização geográfica, acesso a serviços públicos e níveis de pobreza e bem-estar. As três áreas seleccionadas foram i) o Distrito do Lago, ii) o Município de Cuamba e iii) o Distrito de Majune (ver o Mapa 2). Mapa 2. Constatações da Realidade em Moçambique / Locais do Projecto no Niassa O trabalho de campo da 1ª Constatação da Realidade realizou-se em Setembro de 2011. Os Sub-Relatórios do Distrito do Lago (Orgut 2011b), Distrito de Majune (ORGUT 2011c) e Município de Cuamba (Orgut 2011d), bem como o 1º Relatório Anual que sintetiza as principais conclusões dos Sub-Relatórios (ORGUT 2011e), já foram publicados e estão 4

disponíveis em www.orgut.se. A 1ª Constatação da Realidade servirá como linha de base para relatórios subsequentes e inclui alguma informação de carácter mais geral sobre os antecedente, bem como dados sobre o Niassa e os três locais do projecto, úteis quando da leitura dos relatórios para o período 2012-2015. A 1ª Constatação da Realidade foi apresentada e discutida em diversos locais, incluindo i) a Embaixada da Suécia em Maputo para os parceiros nacionais ; ii) num seminário em Lichinga para representantes do governo, sociedade civil e sector privado no Niassa; iii) numa entrevista transmitida no programa Notícias da TV nacional; iv) para o Governo Local em Cuamba e no Lago; iv) para a rádio comunitária no Lago e em Cuamba; e v) através de exposições de fotografias, exercícios participativos, etc. nos três locais do projecto (ver a Ilustração). Disseminação das actividades da 1ª Constatação da Realidade Este é o 2º Relatório Anual das Constatações da Realidade em Moçambique e sintetiza as principais conclusões dos sub-relatórios de Cuamba (ORGUT 2012a), do Lago (ORGUT 2012b) e de Majune (2012c). Além dos objectivos gerais listados acima e em consonância com os Termos de Referência, os relatórios da 2ª Constatação das Realidades terão um enfoque temático na governação. 1.2 Metodologias Metodologicamente, os estudos baseiam-se numa combinação de informação quantitativa proveniente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e das Autoridades Distritais; um Questionário de Levantamento nos três locais do projecto; entrevistas a informadores chave na capital provincial Lichinga e nos Distritos/Municípios seleccionados; observação participante nas comunidades locais seleccionadas para trabalho de campo; e um conjunto de metodologias qualitativas/participativas incluindo a imersão com agregados familiares em diferentes situações sócio-económicas. As metodologias são descritas detalhadamente num relatório separado intitulado Constatações da Realidade em Moçambique. Abordagem Analítica e Metodologias (ORGUT 2011f), mas damos a seguir um breve resumo: 5

Dados Quantitativos Para o mapeamento da pobreza e bem-estar no Niassa, a equipa referir-se-á activamente aos dados quantitativos existentes, os quais incluirão o Censo Nacional de 2007 (INE 2009b); o Inquérito Nacional à Despesa do Agregado Familiar de 2008/09 (INE 2010, ver também van den Boom 2010); e outros estudos sectoriais mais específicos (ver a Lista de Literatura). Além dos conjuntos de dados nacionais, usamos dados quantitativos de estudos baseados localmente prestando particular atenção aos dados produzidos pelos governos provincial, distrital e municipal que formam a base dos seus planos de desenvolvimento incluindo o Plano Provincial de Desenvolvimento Económico e Social (GdN 2007, 2011) e o Plano de Desenvolvimento Económico e Social Distrital (PESODS) 1. Asseguraremos dados quantitativos adequados para mapear as relações das pessoas com os serviços públicos e a pobreza e bem-estar nos três locais de estudo desenvolvendo um Estudo de Base com um total de 360 agregados familiares (120 em cada local). O estudo será feito visitando duas vezes as mesmas famílias, i.e. no início (2011) e no fim (2015) do período do projecto e representa um magnífico painel de dados. O Estudo de Base e o estudo de acompanhamento procurarão combinar i) dados sócio-económicos clássicos sobre a composição dos agregados familiares, rendimento e despesa, níveis de educação, saúde e acesso aos serviços públicos; ii) questões relacionadas com as percepções das pessoas sobre as condições no agregado familiar e na sua comunidade e iii) as relações sociais (com as instituições públicas, projectos de ajuda, família, amigos, etc.) em que estão envolvidos. Dados qualitativos Relativamente às dimensões políticas/institucionais das Constatações da Realidade, basearnos-emos principalmente em i) entrevistas semi-estruturadas com actores chave do desenvolvimento incluindo o governo provincial, governo distrital/municipal, Instituições para Participação e Consulta da Comunidade (IPCCs), autoridades tradicionais e representantes do sector privado, e ii) estudos de caso de programas e intervenções específicas particularmente nas áreas da governação, agricultura e energia. Complementaremos também a metodologia antropológica clássica de observação participante com um conjunto de metodologias participativas específicas concretas que serão aplicadas em grupos focais, e estudos de caso alargados ao nível do agregado familiar. Os grupos são compostos por homens ou mulheres, jovens ou velhos ou uma mistura desses grupos, dependendo dos tópicos em mão. As metodologias participativas usadas na 2ª Constatação das Realidades incluem a Mudança mais Importante (com o objectivo de identificar as principais mudanças políticas, económicas e sociais na comunidade durante o último ano) e a Matriz de Liderança Comunitária (onde o objectivo é identificar as instituições/pessoas mais importantes na comunidade e as relações entre elas). Além disso, revisitaremos exercícios de grupos focais realizados em 2011 para avaliar possíveis desenvolvimentos e/ou mudanças. Estes incluem a Matriz do Problema Comunitário (identificando e classificando os problemas mais importantes que afectam a comunidade ou grandes grupos de pessoas na comunidade); a Análise de Forças de Impacto (com o objectivo de captar percepções sobre que condições podem inibir ou acelerar o tipo de mudança e desenvolvimento favorecido pela comunidade); o diagrama de Venn (identificando os recursos mais importantes [pessoas e serviços] a que a comunidade tenha acesso); e a Classificação da Riqueza (com o objectivo de captar a própria percepção da comunidade sobre os diferentes níveis e categorias da pobreza e bem-estar). Agregados Familiares Focais. O exercício de classificação da prosperidade constitui a base da nossa identificação dos Agregados Familiares Focais com quem nos relacionaremos estreitamente através de várias formas de imersão no decurso das 1 É provável que o INE/Niassa disponibilize novos dados a partir de 2013, na forma de dados do INCAF (Inquérito Contínuo aos Agregados Familiares 2012 2013). 6

Constatações da Realidade. Conforme será discutido abaixo mais detalhadamente, as comunidades tendem a distinguir entre 2-4 níveis de pobreza ou pessoas pobres e entre 1-3 níveis de bem-estar ou pessoas em melhor situação cada um com a sua própria dinâmica e posição nas comunidades. No total foram seleccionados 20 Agregados Familiares Focais dentro destas categorias, os quais serão entrevistados em profundidade em cada ano, com enfoque nas mudanças nas suas relações sociais com a família alargada, vizinhos e amigos, organizações comunitárias e instituições do estado, bem como nas alterações da sua posição sócio-económica. 1.3 Indicadores Sócio-Económicos Terminaremos estas notas introdutórias com um breve esboço da pobreza e bem-estar no Niassa para colocar o estudo no seu contexto (para mais informação, ver ORGUT 2011f). A província destaca-se por ter mostrado nos últimos anos os melhoramentos mais claros e consistentes na pobreza baseada no consumo embora com um ponto de partida muito baixo. A pobreza na província reduziu de 70,6% em 1996/97 para 54,1% em 2002/03 e para 31,9% em 2008/09 embora disfarçando uma discrepância invulgarmente alta na pobreza entre agregados familiares chefiados por homens (28%) e agregados familiares chefiados por mulheres (45%) (INE 2010). Como se pode ver na Tabela 1 abaixo, o Niassa mostra uma imagem variada em relação a outros indicadores quantitativos de pobreza e bem-estar em Moçambique. Um aspecto importante das Constatações da Realidade em Moçambique é a avaliação do realismo, relevância e dinâmica por trás destes números, através da aplicação de metodologias qualitativas e participativas envolvendo a própria população. Tabela 1: Indicadores Chave Sócio-Económicos Moçambique e Niassa (em percentagem) Indicador Moçambique Niassa Contagem de Pobreza 54,7 31,9 Coeficiente de Gini (0-1)* 0,414 0,427 Proporção de Agregados Familiares 29,6 16,3 Chefiados por Mulheres Analfabetismo do chefe do agregado familiar 44,3 51,6 Taxa de Frequência da Escola Primária 81 78 Malnutrição crónica abaixo dos cinco anos 43,7 45,0 Prevalência do HIV-SIDA 11,5 3,7 Qualidade da habitação (telhado sólido) 24,8 8,1 Luz eléctrica na habitação 13,2 5,8 Posse de bicicleta 38,1 65,4 Fontes: MISAU 2005; INE 2010 e 2009a. * O Coeficiente de Gini mede a desigualdade económica, significando 0 desigualdade total e 1 igualdade total. Em termos quantitativos oficiais (INE 2010), os três Distritos possuem um conjunto de características sociais e económicas que revelam as suas similaridades e diferenças. Como se vê na Tabela 2, Cuamba é o distrito mais populoso seguido pelo Lago e Majune. Cuamba é geralmente visto como o distrito em melhor situação e Majune como o mais pobre e mais destituído dos três com excepção da posse de bicicletas em que o Lago se situa abaixo, principalmente por razões topográficas. Por outro lado partilham características de uma alta proporção de agregados familiares definidos como chefiados por mulheres. Os indicadores de pobreza e bem-estar são importantes e frequentemente usados nas contas estatísticas nacionais e dos doadores, e serão actualizados no fim do período do projecto das Constatações da Realidade quando novos dados comparativos estiverem disponíveis. Todavia, veremos que esses indicadores apenas reflectem parcialmente as percepções das próprias pessoas sobre o que significa ser pobre ou estar em melhor situação. 7

Tabela 2: Indicadores Sociais Distritos do Lago, Majune e Cuamba Indicadores Sociais Cuamba Lago Majune População 184.773* 83.099 29.702 Proporção de Agregados Familiares 24.0 35.1 35.2 Chefiados por Mulheres Frequência da Escola Primária 67.3 65.01 54.3 Habitação com Tecto Sólido 0.79 1.18 0.13 Electricidade em Casa 6.3 4.38 0.39 Posse de Rádio 55.0 67.5 45.0 Telemóvel 3.3 0.97 0.61 Posse de Bicicleta 68.0 29.8 63.1 Fonte: INE 2009 * Desta população, 79.779 vivem no Município de Cuamba. O contexto económico em que as pessoas dos três distritos desenvolvem as suas estratégias de sobrevivência e esforços de mobilidade social ascendente está reflectido na Tabela 3. Os dados são retirados dos Planos Económicos e Sociais Distritais e dos seus Balanços, que são o principal instrumento de elaboração de políticas das Administrações Distritais. Estes dados também revelam as diferenças entre os três distritos, tanto na sua capacidade de recolha deste tipo de dados como no tipo e nível de actividades económicas. Algumas diferenças são o resultado natural das diferenças de população (como a produção agrícola total) e outras resultam de distinções geográficas (como a produção de peixe e o número de turistas), mas algumas também indicam como cada Administração Distrital desempenha as suas responsabilidades no desenvolvimento do seu Distrito (número de extensionistas, investimentos na silvicultura, clientes de energia, número de beneficiários da segurança social, uso do Fundo de Desenvolvimento Distrital dos 7 milhões de MT, etc.). Em cada Constatação da Realidade serão fornecidos números actualizados a fim de apurar a representação pelos Distritos dos desenvolvimentos nas suas áreas de responsabilidade. 2 Tabela 3: Indicadores Económicos Distritos do Lago, Majune e Cuamba 2011 Indicadores Económicos Cuamba Lago Majune Área cultivada (Ha) 109.943 8.363 18.538 Produção agrícola (1.000 kg) 165.258 76.240 38.676 Extensionistas agrícolas (4º Trimestre) 3 0 4 Associações de agricultores 15 16* 46* Produção de animais domésticos (1.000 470 10.500 7.209.000 kg) Reflorestamento (Novo, número de 490.000 6.050* 20.000 (ha) árvores) Número de turistas 0 8 5 Produção de pesca (1.000 kg) n.a. 4780.8* n.a. Estabelecimentos comerciais 32 193* 177* Fontanários públicos 272 136 50 Energia (número de clientes) 691 1.517 350 Energia (clientes excluídos) n.a. 497 n.a. INAS (Número de beneficiários)* 3.187 1.388 801 Fundo de Des. Distrital (Nº de Projectos) 159 66 130 Fundo de Des. Distrital (Total, Mt) 8.000.000 7.848.000 7.556.400 Fundo de Des. Distrital (Reembolsado, 0 316.000 490.111 Mt) Fontes: GdN/DdLago, Majune Cuamba 2012 * Números de 2010. Os números comparativos para 2011 não estavam disponíveis. 2 Há alguns dados que não fazem muito sentido, como a relação entre área em cultivo e produção no Lago e Majune e o número de estabelecimentos comerciais em Cuamba, mas escolhemos manter os números apresentados nos documentos oficiais. 8

1.4 Niassa 2011-2012 O período 2011/2012 viu diversos desenvolvimentos importantes na província do Niassa. Com base em discussões com membros do governo provincial, representantes da sociedade civil, representantes do sector privado, bem como pessoas dos órgãos de informação, alguns dos desenvolvimentos mais importantes foram: Politicamente, um evento importante foi a eleição intercalar no município de Cuamba. Após uma longa e acalorada campanha eleitoral, o número de votantes revelou-se pequeno (14%) e a Frelimo venceu por larga margem. O novo governo municipal é visto como tendo trabalhado melhor do que o anterior e iniciou diversas intervenções de desenvolvimento importantes. Outros desenvolvimentos políticos incluem uma crescente controvérsia sobre a selecção de representantes do governo aos níveis de distrito, posto administrativo e localidade, com acusações de tendências étnicas (a favor de Yaos) e de nomeações contínuas na base de filiações políticas mais do que no mérito. A Frelimo também é vista como tendo cada vez mais poder sobre os políticos ao nível local e nas comunidades locais, embora tenha havido casos de conflitos locais em que pessoas do partido nas mais altas posições foram publicamente desacreditadas pela população, como sucedeu no distrito de Majune. Combinadas com um domínio mais forte da Frelimo sobre as coisas, as condições de trabalho da oposição (actualmente implicando principalmente o MDM, estando a Renamo aparentemente mais fraca) estão a tornar-se mais difíceis. Tem havido diversos casos de censura da exibição pública de símbolos de partidos da oposição, e relatórios sobre molestamento de membros de partidos da oposição. Em termos de economia, há grandes expectativas no que respeita a possíveis investimentos da VALE, particularmente nas minas de carvão e concomitante desenvolvimento de infraestruturas. As autoridades provinciais vêem as potencialidades da província de Tete, mas também estão conscientes das implicações potencialmente negativas como a subida de preços de bens e serviços e problemas ambientais. As implicações das actividades da VALE já são sentidas em Cuamba. Foram aparentemente suspendidos planos concretos de investimentos no Distrito do Lago, dado a quantidade e qualidade do carvão não ser considerada suficiente para exploração. A indústria da silvicultura continua a expandir-se, mas está ainda cheia de controvérsias relacionadas com a alocação de terra e as condições dos trabalhadores. A empresa Sueca Chikwete tem estado sob particular escrutínio e a nova gestão admitiu que a empresa devia ter sido mais cuidadosa e conhecer melhor a província na fase inicial do seu trabalho. As organizações da sociedade civil incluindo ONGs e associações de agricultores continuaram a seguir uma estratégia de confrontação na sua tentativa de melhorar as condições, com alguns parceiros argumentando que elas deviam procurar uma abordagem de cooperação mais cautelosa. Os Conselhos Consultivos aos níveis provincial, distrital, de localidade e de comunidade são ainda vistos pelas autoridades políticas como órgãos importantes de representação popular e prestação de contas, mas outros admitem que o seu amplo mandato foi de facto reduzido ao controlo do sistema dos 7 milhões de MT e que perderam muita da sua autoridade e credibilidade. Há também casos reportados de cooptação pelo governo e/ou por representantes do partido Frelimo, que tomaram o controlo de um órgão que devia representar diferentes vozes. O governo provincial reconhece a necessidade de desenvolver a capacidade e competência dos Conselhos Consultivos. Mercado em Lichinga Foto: Inge Tvedten 9

O sistema dos 7 milhões de MT continua a ser uma fonte importante de fundos de investimento ao nível Distrital (e também nos municípios, desde 2010) e envolve grandes somas de dinheiro, mas o governo não tem conseguido corrigir os problemas de favoritismo e corrupção, fraco desempenho dos projectos e reembolsos mínimos dos fundos emprestados. Embora haja exemplos de bons projectos que cumpriram as metas de geração de rendimento e criação de emprego, também há histórias de fundos que acabaram em áreas (como a capital provincial Lichinga) e com pessoas onde não deviam estar. Houve melhorias nas infra-estruturas, com expansão tanto da rede de estradas secundárias e terciárias como da electrificação rural ambas com o apoio da Suécia 3. De particular importância foram os melhoramentos das estradas para Cabo Delgado e a expansão da rede eléctrica para novas áreas como Marrupa. Além disso, a Movitel tornou-se na terceira empresa de telefones celulares a marcar a sua presença no Niassa. No entanto, o Niassa continua ainda a ter algumas das áreas mais isoladas do país e os distritos de Nipepe e Mavago estão cada vez mais a ficar para trás em termos de desenvolvimento. A Suécia esteve no centro das notícias em 2011/2012, com as visitas do ministro Sueco da cooperação para o desenvolvimento e um corte controverso no apoio ao orçamento provincial após acusações de corrupção a diversos níveis do governo. O processo acabou em diversos casos de prisão e reposição forçada dos fundos incorrectamente utilizados (pelo governo central mais do que pelo provincial). Embora o poder político instalado e outros parceiros chave no Niassa estejam conscientes da controvérsia e na generalidade pareçam apoiar a atitude assumida pela Suécia, as pessoas mais afastadas dos incidentes não parecem compreender os seus antecedentes e implicações. A instituição Malonda (que em Nyanja significa negócio ou comércio ) tem sido desde 2006 fundamental no desenvolvimento do sector privado no Niassa e mudou a abordagem no ano anterior, passando de estar directamente envolvida em investimentos e no estabelecimento de empresas para se tornar mais uma dinamizadora de empresas privadas. A instituição também se Moçambicanizou tendo na sua gestão uma componente mais forte do Niassa. Embora a Malonda não seja bem conhecida das pessoas em geral, as mudanças parecem ter sido bem recebidas pelas pessoas próximas dos desenvolvimentos no sector privado no Niassa. Em particular as intervenções da Malonda na política e no comportamento de algumas das maiores empresas de silvicultura, a fim de facilitar responsabilidades sociais mais fortes, são olhadas de modo favorável. 3 A Suécia e o governo de Moçambique assinaram recentemente um novo acordo para 6 anos, nestes dois sectores, por um valor total aproximado de 14 milhões de USD. 10

2. GOVERNAÇÃO EM CUAMBA, LAGO E MAJUNE 2.1 Introdução As Constatações da Realidade no Niassa tiveram lugar em três cenários que, em muitos aspectos, são muito diferentes (para obter detalhes, ver os Sub-Relatórios de Cuamba, do Lago e de Majune). No Distrito de Majune o enfoque é na capital de distrito Malanga e na aldeia próxima de Malila. Ao entrar no distrito um ano depois da primeira Constatação da Realidade registámos muito poucas mudanças observáveis, apesar da finalização de uma ponte que liga Majune a Cuamba através de Mandimba, em relação à qual a população tinha grandes expectativas. As poucas mudanças visíveis, como o novo gerador na Administração Distrital e as paredes brancas pintadas de fresco de todos os edifícios do governo, são mudanças directamente relacionadas com visitas do presidente Guebuza e da sua mulher, a Primeira Dama. No mercado de Malanga, continuam os mesmos vendedores e produtos do ano passado, o que indica que as circunstâncias não mudaram. Majune apresenta-se claramente como a mais pobre e mais deprimida das três áreas em que é realizada a Constatação da Realidade. No distrito do Lago o enfoque vai para o Posto Administrativo de Meluluka, localizado a cerca de uma hora de viagem da capital de Distrito Metangula. Ao entrar no Distrito as mudanças são imediatamente visíveis, com grandes novas áreas de reflorestamento, um mercado alargado em Metangula e um grande barco de passageiros novo no seu porto. Entrando em Meluluka, as mudanças são ainda mais evidentes. Vemos novos fontanários, novos edifícios escolares, uma nova ponte e actividades febris de construção com novas casas de tijolo e telhados de zinco. Também aumentou o número de bancas de mercado e a variedade de produtos disponíveis. Como veremos esta impressão imediata esconde as crescentes diferenças entre os habitantes, mas claramente reflecte também rápidos desenvolvimentos económicos. Em Cuamba o enfoque é nos bairros urbanos do Mulher numa Motocicleta, Cuamba Aeroporto e da Maganga e na aldeia peri-urbana de Mucuapa. A principal impressão ao entrar na cidade de Cuamba é que as coisas estão ainda mais atarefadas e mais febris do que em 2011. Há mais gente nas ruas, mais motocicletas (muitas conduzidas por mulheres) e aparentemente mais tráfego de carros e de comboios. Penetrando nas três comunidades locais em estudo as mudanças não são igualmente visíveis, dado que a maioria dos investimentos tendem a situar-se na parte central da cidade, mas há pouca dúvida que a Foto: Carmeliza Rosário localização de Cuamba, na intersecção entre três províncias e próxima da fronteira com o Malawi, faz dela um lugar dinâmico. Ao mesmo tempo o caos aparente reflecte a continuação de fronteiras indistintas entre o Distrito Cuamba e o Município de Cuamba. Nas secções seguintes daremos um olhar mais minucioso à organização formal dos distritos de Majune e do Lago e do distrito/município de Cuamba e ao que, na base de discussões com as autoridades relevantes, entendemos ser os desafios centrais da governação. Também aqui há diferenças importantes entre os três locais de estudo, não principalmente em termos de organização formal mas em termos de como o governo local se relaciona com os outros parceiros, incluindo partidos políticos, autoridades tradicionais, o sector privado e organizações não governamentais (para mais detalhes, ver os três Sub-Relatórios). Da forma como as vemos, estas diferenças reflectem a penetração ainda incompleta do Estado na vida dos cidadãos comuns das três áreas em estudo. 11

2.2 Administração Distrital e Municipal Começando pelo Distrito do Lago, o Secretário Permanente explica que o governo do distrito é o órgão executivo mais alto ao nível do Distrito, e consiste no Administrador Distrital, Secretário Permanente, Directores de todas as Direcções Distritais, bem como nos chefes dos quatro Postos Administrativos do Distrito. Estes reúnem-se em sessões ordinárias mensais, bem como em sessões extraordinárias quando surgem questões especiais, e de vez em quando com convidados como a Polícia, Serviços de Segurança, a Base Naval e Gabinete das Calamidades Naturais embora sem direito a voto. O Administrador Distrital é responsável por tudo quanto é de natureza política e pela comunicação com a população ; o Secretário Permanente é responsável pela administração e implementação de decisões; e no Distrito há um total de 770 funcionários (uma subida em relação aos 684 em 2010) com a tarefa de implementar as decisões do governo, tanto em termos administrativos como práticos. As Direcções estão formalmente ligadas a vários ministérios sectoriais aos níveis Provincial e Central do governo, embora se fundam nos distritos. Aí, as principais Direcções são as de Planeamento e Infra-Estruturas, Actividades Económicas, Saúde, Mulher e Acção Social e Educação, Juventude e Tecnologia. Está em curso um processo de reforma do sector público (SISTAFE) de descentralização, mas a dependência de facto entre os níveis de governo central, provincial e distrital variam consideravelmente entre as diferentes direcções e os seus departamentos. No Lago, algumas unidades do governo distrital, como a Saúde e a Educação, têm um grande grau de autonomia de planeamento e financeira, enquanto outras, como a Acção Social e a Água e outras infra-estruturas, dependem quase totalmente de decisões ao nível provincial. Ainda no Lago, há quatro Postos Administrativos e 12 Localidades abaixo do nível de Administração Distrital. O recentemente estabelecido quinto nível de governo povoação ou conjunto de povoados não foi ainda implementado como previsto na Lei do Governo Local. De facto, o Distrito está céptico em formalizar o nível de povoação principalmente devido aos recursos e condições limitados na forma de pessoal qualificado, habitação, equipamento de escritório, etc., os quais reivindica que lá estejam presentes para conferirem a necessária autoridade a essa posição. Mais ainda, a Administração enfatiza a necessidade de reforçar os Postos Administrativos como nível intermédio crucial entre a Administração Distrital e a população local. Em termos de participação popular e prestação de contas, o Administrador Distrital e os chefes dos Postos Administrativos e Localidades são ainda, no actual sistema político, nomeados pelo governo central. Na prática são sempre membros da Frelimo, com pouco ou nenhum espaço para pessoas que pertençam à oposição. Como medida para aumentar a representação popular e a transparência foram introduzidos em 2006/7 os Conselhos Consultivos, que consistem numa combinação de representantes do governo local, autoridades tradicionais, membros de organizações da sociedade civil e pessoas da comunidade de particular alta estima. 40% devem ser mulheres. Todavia, não obstante as declarações políticas de o seu mandato estar relacionado com a governação em sentido lato, o seu papel actual tornou-se limitado ao que respeite ao sistema dos 7 milhões de MT (ver abaixo). Além disso, a Administração Distrital reconhece que, embora o Conselho Consultivo Distrital em princípio deva ser igual a um Parlamento, a decisão final permanece ainda com a chefia na Administração. Apesar de uma política de descentralização explícita, o poder real do Distrito para tomada de decisões não só é limitado pela sua própria capacidade em recursos humanos, como também pelo orçamento. De acordo com o Secretário Permanente do Lago, o orçamento total ao seu dispor para 2012 é de 23 milhões de MT, dos quais 8 milhões são para investimentos, 8 milhões para o Fundo de Desenvolvimento Local e 5 milhões para bens e serviços. A receita e despesas em 2011 constam da Tabela 4 abaixo. A maior parte das despesas reais do Distrito principalmente com salários da educação e da saúde continua a não passar pelos cofres distritais e está, assim, fora do seu controlo. O que a 12

Administração Distrital gostaria era que fosse ela a controlar o orçamento total e que, quando necessário, pudesse procurar o apoio técnico do Governo Provincial ou Central. Tabela 4: Orçamento e Despesas Distrito do Lago Indicador Económico 2011 Receitas próprias (MT) 47.370 Receitas próprias/consignadas (MT) 550.316 Despesas com bens e serviços (MT) 5.781.380 Investimentos em infra-estruturas (MT) 6.112.000 Número de funcionários públicos na folha de salários 770 Número de autoridades tradicionais na folha de salários 231 Fundo de Des. Distrital (Nº de Projectos) 66 Fundo de Des. Distrital (Total, MT) 7.848.000 Fundo de Des. Distrital (Reembolsado, MT) 316.000 Fundo de Des. Distrital (Nº de beneficiários) 330 Fontes: GdN/DdL 2010, 2011a e b No Distrito de Majune a organização formal é no geral a mesma que a do Lago, mas a Administração Distrital parece ter uma relação muito mais complexa com entidades externas como as autoridades tradicionais e os partidos políticos. Embora tivéssemos visto em 2011 na primeira Constatação da Realidade em Majune que as autoridades tradicionais têm uma longa e orgulhosa história, o seu impacto real parece estar a diminuir, quer em relação à Administração Distrital, quer ao que chamamos os influentes, que são principalmente homens que têm estreitas ligações com o partido Frelimo e empresários locais. No entanto, a Administração Distrital ainda está interessada no poder que os líderes tradicionais têm sobre as comunidades, o qual lhes permite ter Rainha, Majune melhor controlo do território e da população do distrito. As autoridades tradicionais recebem um subsídio mensal, uniformes, bicicleta e outros incentivos, e encontram-se por isso numa posição difícil entre serem líderes tradicionais e fieis representantes do estado. A relação tornou-se também politizada na medida em que os líderes tradicionais que não são membros do partido no governo, a Frelimo, como o régulo Njaco, são excluídos de reuniões relevantes e perderam efectivamente a possibilidade de defender os Foto: Minna Tuominen interesses da comunidade que representam. A estreita ligação entre a Administração Distrital e a Frelimo é exemplificada pelo facto de a reabilitação da sede da Frelimo em Majune estar listada no Relatório sobre o Plano Económico e Social de 2011 (GdN/DdM 2012) como uma iniciativa do governo. De facto, o Secretário do Partido Frelimo em Majune parece ser um membro do governo local, não só por ser o representante do partido dirigente mas também por aparecer em reuniões do governo local. Há também exemplos de funcionários sénior da Administração Distrital a quem tem sido pedido para negligenciarem os seus deveres oficiais para comparecerem a reuniões do partido. A forte posição da Frelimo tem implicações negativas na implementação das políticas do governo no Distrito, e a população local exprimiu a sua insatisfação com a situação bem como com o que viam como um favoritismo indevido dos Macuas durante a visita presidencial em 2011. Ao mesmo tempo, o partido da oposição MDM (Movimento Democrático de Moçambique) é activamente discriminado não só pela marginalização de líderes comunitários que são simpatizantes mas também tornando a vida difícil às suas famílias, recusando por exemplo que as suas crianças passem de classe. 13

O papel e a importância do sector privado e das organizações não governamentais também varia entre os diferentes distritos. No Distrito de Majune os privados aumentaram ligeiramente o seu peso, tendo sido concedidas licenças de extracção de madeira a uma empresa Moçambicana e outra Chinesa desde a primeira Constatação da Realidade em 2011. Já presentes estavam a Mozambique Leave Tobacco (MLT) e as empresas algodoeiras João Ferreira dos Santos, Luambala Jatropha e Majune Safari. A criação de emprego local é limitada e a sua presença é acompanhada por disputas de terra, bem como sobre o nível de pagamento do tabaco e do algodão. De acordo com a população local, a Administração Distrital tende, nessas disputas, a tomar o partido das empresas. A Administração Distrital, pelo seu lado, argumenta que o acesso ao emprego é tão escasso que tem de fazer tudo para manter as empresas em Majune. Ponte sobre o Rio Luchimoa Foto: Minna Tuominen Há também algumas ONGs a operar em Majune, incluindo o Conselho Cristão de Moçambique (CCM), a ONG Espanhola Mundukine a trabalhar na agricultura e a ONG Dinamarquesa Ibis com uma vasta gama de actividades incluindo a criação de capacidades relacionadas com governação e participação. O Governo Distrital considera as ONGs como parceiros importantes do desenvolvimento, também no que respeita a responsabilidades públicas como o abastecimento de água, promoção de consciencialização sobre nutrição e criação de capacidades entre os membros do Conselho Consultivo. Procura-se fortalecer a relação através de reuniões trimestrais com a Administração Distrital, mas as ONGs queixam-se que não são suficientemente envolvidas nos sectores em que trabalham. O Distrito do Lago tem uma gama mais limitada de investimentos do sector privado, embora os que lá estão sejam potencialmente muito importantes. Incluem a indústria do turismo (representada pelo famoso Nkwichi Lodge), a empresa de silvicultura Chikweti e a empresa mineira Gold One activa na parte Nordeste do Distrito. Nova, desde a primeira Constatação da Realidade em 2011, é a presença da João Ferreira dos Santos, com iniciativas para ter mais agricultores a produzir algodão também em Meluluca. Há algumas ONGs nas áreas da construção de estradas, fundos de poupança rotativos e promoção de associações na agricultura e nas pescas, mas nenhuma está actualmente activa em Meluluca. Embora reconhecendo a importância do sector privado e das ONGs, a Administração Distrital queixa-se que as empresas privadas devem acompanhar melhor as suas responsabilidades sociais e que as ONGs devem estar melhor integradas nas iniciativas em curso do Governo Distrital. A Administração é também céptica em relação ao que vê como uma atitude de confronto de algumas ONGs para com as empresas de silvicultura defendendo que em vez disso deviam facilitar um espírito de cooperação. Por último, a Administração queixa-se de que encorajou as empresas do sector privado e as ONGs a apoiarem o desenvolvimento de capacidade relacionado com o sistema de investimento local dos 7 milhões de MT, mas nenhuma delas mostrou qualquer interesse no mesmo. Uma questão particularmente importante para a Administração Distrital, nas suas relações com as empresas privadas, é o regulamento legal que estipula que 20% das taxas que estas últimas têm de pagar ao Estado deviam reverter para o distrito e para as comunidades locais afectadas pelos investimentos em silvicultura, animais selvagens e turismo. O Distrito de Majune queixa-se que não tem informação acerca da magnitude destes fundos e sustenta que ficam todos na capital provincial Lichinga. Na medida em que estes fundos sejam canalizados para as comunidades locais, isto pode aumentar as desigualdades dentro do distrito e tornar difícil o desenvolvimento integrado. Por esta razão, em vez disso os fundos 14

devem ser canalizados directamente para a Administração Distrital para que esta os possa investir nas prioridades distritais. Entre os três locais das Constatações da Realidade, Cuamba representa um caso especial na medida em que é ao mesmo tempo um distrito e um município. Como reconhecido pelos representantes das duas partes, as responsabilidades dentro do território continuam a não estar claras. Formalmente o Distrito de Cuamba é constituído pelos mesmos órgãos que os Distritos do Lago e de Majune, e tem três Postos Administrativos e quatro Localidades. O município de Cuamba é composto por dois órgãos soberanos: o Conselho Municipal e a Assembleia Municipal. Os departamentos do Conselho Municipal reflectem grandemente a divisão institucional do Distrito e incluem departamentos de Administração e Finanças; Actividades Económicas; Urbanização, Construção e Infra-Estruturas; Mulher e Acção Social; Água e Saneamento; Educação, Cultura, Juventude e Desportos; e a Polícia Municipal. O Município está também dividido em Localidades e povoados. A Assembleia Municipal, pelo seu lado, é constituída por 31 membros, sendo 25 da Frelimo, 5 da Renamo e 1 do Monamo. O seu papel consiste em avaliar as intervenções de desenvolvimento propostas pelo Conselho Municipal e monitorar a sua implementação. O Distrito e o Município partilham também a instituição dos Conselhos Consultivos. Parece ser quase unanimemente reconhecido que o Município é mais fraco do que o Distrito, tanto em termos de poder e influência como nas suas implicações na vida diária das pessoas de Cuamba. Uma razão é a incerteza muito difundida acerca do verdadeiro papel do Município. De acordo com a organização colectiva da sociedade civil FORASC O processo eleitoral não permite que os cidadãos conheçam quem os vai representar na Assembleia Municipal. O ideal seria que os membros da Assembleia Municipal representassem o bairro de onde provêm. Sentimos que a representação é fraca. A Assembleia Municipal não chega até à base. Uma outra indicação do fraco papel do Município é que apenas 14,6% dos 45.898 eleitores elegíveis votaram efectivamente na última eleição municipal em 2011 não obstante uma verdadeira competição entre Vincent da Costa Lourenço, da Frelimo, (63,8% dos votos) e Maria José Morena Cuna, do MDM, que teve 36,2% dos votos. A única responsabilidade do Município acerca da qual há total acordo é a recolha do lixo. Sectores chave como saúde e educação são ainda geridos pelos representantes no Distrito do nível provincial dos respectivos ministérios sectoriais. Ao mesmo tempo os principais serviços, como a água (FIPAG), electricidade (EDM) e estradas (ANE), são geridos por empresas públicas/autoridades do estado com relativa parcimónia e vistos como ligados ao governo central. De acordo com os membros da oposição política, tudo isto reflecte o desejo da Frelimo de dirigir e controlar os investimentos municipais de Maputo. Todavia, de acordo com o Presidente do Município, é natural que o Município e o Distrito se sobreponham em grande parte, dado que Cuamba costumava ser um posto administrativo. Esta é a razão porque muitas infra-estruturas são partilhadas. O que complica ainda mais o panorama político em Cuamba é, por um lado, a relação entre o Distrito e o Município e, por outro lado, a relação entre as autoridades tradicionais e a sociedade civil. Enquanto a importância das autoridades tradicionais se esteja a atenuar comparada com a situação nos distritos enfatizando as autoridades que o seu papel é aconselhar as comunidades e ajudar a implementar as intervenções do governo, e argumentando que as autoridades tradicionais só existem em áreas urbanas como Cuamba desde que o governo as legitime as organizações da sociedade civil representadas pelo FORASC têm um papel directo no estabelecimento e apoio dos Conselhos Consultivos e diversas organizações (como a Concern) estão activas na criação de capacidade dos cidadãos para tomarem parte activa no governo local. A Administração Distrital, pelo seu lado, argumenta que É bom apoiar a sociedade civil, mas seria melhor se essa sociedade civil fizesse 5 ou 10 bombas de água, um ponto de vista que é partilhado pelo representante da Renamo que afirma Eu gostaria que essas organizações financiassem a construção, não apenas ideias. 15

Um denominador comum das três administrações é o domínio dos homens. Em Majune as mulheres detêm posições de liderança mais altas, como chefe da Administração Distrital, chefe da polícia e directora de saúde, mas todas elas são nomeadas pelo governo provincial. No Lago, nenhum líder aos níveis de Distrito, Posto Administrativo ou Localidade é mulher, havendo apenas uma mulher Directora na educação. Cuamba também tem um número limitado de mulheres em posições públicas de liderança (sendo a Directora de Saúde e a Procuradora Distrital duas excepções), mas o Município tem um programa para a promoção da mulher no governo. O Município estabeleceu por exemplo uma associação relacionada com governação, composta por todos os membros femininos da Assembleia Municipal e 14 trabalhadoras municipais. Tinha também nomeado três mulheres como chefes de Localidade, duas como chefes de Serviço e quatro como chefes de Secção. Conforme foi mostrado noutros estudos (ver e.g. Tvedten et al. 2011), as mulheres em posições públicas não conduzem necessariamente à mudança de políticas, mas uma maior heterogeneidade entre os funcionários públicos é boa em si mesma e há indicações de que é mais fácil para as cidadãs contactar funcionárias públicas. Em resumo, vemos que os dois distritos do Lago e de Majune e o distrito/município de Cuamba partilham muita da organização formal, mas actualmente funcionam de formas bastante diferentes (ver os sub-relatórios para mais detalhes). Abaixo avaliaremos o que vemos como os principais desafios da governação local nos três locais de estudo. 2.3 Governação Local Ao nível da política global, há um grande desafio relacionado com as relações estreitas entre as estruturas do Estado e o partido Frelimo. Isto não está só relacionado com o facto de que ser membro ou aliado do partido é um pré-requisito para ter uma posição mais elevada na administração Distrital e Municipal, mas também, como vimos no caso de Majune, que os representantes do Partido se envolvem activamente em questões do governo local. As fronteiras indistintas afectam a transparência e a eficiência e tornam difícil as pessoas compreenderem os processos da verdadeira tomada de decisões. Como veremos, o forte papel da Frelimo também ao nível da comunidade está a contribuir para uma redução da crença nas instituições democráticas e na utilidade de votar na oposição. Há também um desafio de autocracia ou autoritarismo e baixa motivação em partes das estruturas do governo, as quais são reconhecidas pelas pessoas nas administrações distritais. Na prática, isto implica que é muito difícil aos administradores e tecnocratas de nível mais baixo exprimir opiniões alternativas e pontos de vista críticos a pessoas em posições de liderança. A forte subserviência aparente perante as autoridades pode ser o Posto Administrativo, Lago resultado de uma combinação de profundas raízes culturais e um sistema burocrático que não é suficientemente aberto à troca de críticas. Para um observador externo, os sinais evidentes desta situação variam desde as formas de tratamento (usando palavras de louvor ao dirigir-se aos superiores) à disposição física nas reuniões formais (sentando-se o chefe à distância e mais alto que os seus vassalos). No que respeita a motivação, há inúmeras histórias não só de respostas lentas a pedidos e solicitações, mas também de instituições públicas inteiras (incluindo escolas, unidades sanitárias e Foto: Inge Tvedten repartições públicas) que simplesmente fecham em dias em que não há permissão ou outras razões para se ausentarem. A falta de motivação pode estar relacionada com o limitado poder real de tomada de decisões e com 16

as inadequadas ou fracas condições de trabalho. Durante a nossa estadia em Meluluca, o Posto Administrativo esteve efectivamente fechado mais de metade dos dias que lá permanecemos. Dito isto, há certamente também muitas repartições públicas onde os funcionários trabalham duramente e, contra todas as probabilidades, fazem o seu melhor. Um outro factor que inibe a boa governação é a transparência e eficiência inadequadas da comunicação entre os diferentes níveis de governo, bem como entre o governo e a população que serve. Isto é em parte uma questão de rotinas burocráticas medíocres e sigilo desnecessário, mas também uma noção básica de que os funcionários públicos são descorteses e desinteressados da população que devem servir em parte como uma estratégia consciente para levarem as pessoas a pagar um extra por um tratamento mais decente. Tudo isto não só torna difícil planear como também cria expectativas no sistema e entre a população em geral que são difíceis de cumprir e que criam antagonismos desnecessários. Há diversos exemplos disto. O Departamento de Obras Públicas na Direcção de Planeamento e Infra-estruturas do Lago realiza anualmente, em cooperação com a PRONAZAPO, um processo de identificação das comunidades com maior necessidade de fontes de água e poços, criando assim expectativas tanto aos níveis de governo do Distrito, Posto Administrativo e Localidade como na população em geral. No entanto, fazem-no sem informação acerca do financiamento que eventualmente obterão da Direcção Provincial e geralmente acabam por ter de reduzir consideravelmente o número de poços. Em Majune, parte do orçamento oficial destinado à reparação de 34 fontes de água foi desviada para despesas relacionadas com a visita Presidencial pelo que apenas 17 fontes de água estão a ser reparadas. Além disso, a questão de uma fonte de água avariada foi levada à Administração Distrital, aos representantes do partido Frelimo e à Autoridade Tradicional e finalmente aos próprios membros da comunidade mas um ano depois o problema ainda não foi resolvido, embora tenha sido angariado dinheiro, e aparentemente não tenham sido feitas tentativas de desvio dos fundos. Em termos mais tangíveis, o maior obstáculo para os Distritos de Majune e do Lago, bem como para o Município de Cuamba é a falta de recursos financeiros para a implementação de prioridades definidas pelo governo. O governo local é economicamente fraco e tem uma débil base de impostos locais, dependendo por isso de transferências financeiras do governo provincial e central. Isto conduz a uma forte dependência de agentes externos. Em Majune por exemplo a Administração Distrital tem de contar com a ajuda de ONGs para resolver o problema vital do acesso a água potável. No Lago a falta de financiamento tornou impossível ligar partes do Distrito à rede de estradas, deixando muitas famílias isoladas. Com o novo Presidente do Município, Cuamba viu um ligeiro aumento das suas receitas municipais mas continua com fundos totalmente inadequados para executar as suas responsabilidades (ver a Tabela 5). Tabela 5: Receitas do Município de Cuamba Fonte Valor Percentagem Fundos de Investimento do Governo 9.320.920,00 18 Programa dos 13 Municípios (P13) 7.428.915,00 15 Fundo de Estradas 6.194.946,00 12 Fundo do Ministério das Finanças - 0 Fundo Autárquico de Compensação 17.224.870,00 34 Impostos e taxas municipais 11.000.000,00 21 Total 51.169.651,00 100 Fonte: Município de Cuamba, 2012 O Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital, o Plano Económico e Social (PESOD) anual e o Relatório anual sobre o Plano Económico e Social (Balanço do PESOD) são documentos fundamentais para o desenvolvimento dos distritos no Niassa. Todavia, os documentos são sobretudo descritivos e contêm pouca análise e prioridades claras para 17