Alterações morfológicas da Série Vermelha Algumas das alterações morfológicas dos eritrócitos nós já vimos nas aulas de Eritrograma e Índices Hematimétricos, no entanto podem existir outras variações ainda. Vamos abordar as principais alterações morfológicas encontradas nos eritrócitos, discutir suas causas e consequências, e sua apresentação. Eritrócitos microcíticos e hipocrômicos São células pequenas, claras, com grandes halos claros, são características da anemia ferropriva, e comum em outros tipos de anemia também. Nesse caso teremos alteração de VCM e CHCM, bem como podemos observar também diminuição de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. Pode estar presente também alteração de RDW, anisocitose. Eritrócitos macrocíticos Eritrócitos com VCM maior que 99fL são considerados macrócitos, células que se destacam na microscopia por seu tamanho aumentado. A anemia com macrocitose é uma das características da anemia perniciosa, causada pela deficiência de vitamina B12. A deficiência de folato também pode causar anemia com macrócitos. Os macrócitos são formados porque a célula inicia seu processo de duplicação e divisão mas faltam as vitaminas necessárias para completar esse processo e por isso a célula não se divide, mas fica com tamanho avantajado. Outra característica que indica anemia perniciosa é a hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos (leucócitos granulosos), em conjunto com a macrocitose formam um quadro bem característico. O alcoolismo crônico pode levar a anemia macrocítica apresentando este mesmo quadro. Na imagem abaixo, podemos visualizar macrócitos hipercromáticos e neutrófilos hipersegmentados, com mais de 5 lóbulos.
Policromatofilia/policromasia e eritroblastos A policromatofilia é a coloração mais intensa, de tom azulada, de eritrócitos que são muito jovens, e que ainda apresentam restos nucleares em seu citoplasma e por isso apresentam maior afinidade pelos corantes basofílicos. Eritroblastos são eritrócitos nucleados, imaturos, que saíram da medula para a circulação devido à intensa demanda do organismo, que pode estar relacionada à anemias e hemorragias. É realizada a contagem de eritrócitos em 100 células, quando esse número é igual ou maior do que 10, expresso em porcentagem 10%, deve-se corrigir a leucometria. Como os eritroblastos são células nucleadas, e do tamanho aproximado de um linfócito, a leucometria pode estar falsamente elevada devido à presença de eritroblastos. Correção da leucometria: Leucometria inicial: 20.000 leucócitos/mm 3 Eritroblastos: 25% 20.000 leucócitos 125% (100 células + eritroblastos) X leucócitos 100% Leucometria corrigida: 16.000 leucócitos
Pecilocitose/ poiquilocitose Trata-se da presença de diferentes formas anormais de eritrócitos no esfregaço sanguíneo, que não podem ser classificadas em outras sistematizações, ou que não se apresentam com predomínio de uma única forma. A pecilocitose ocorre em pacientes com anemia ferropênica severa, pacientes idosos, anemias megaloblásticas e, de forma fisiológica, no recém-nascido. Em geral, quando se observa pecilocitose, o RDW estará alterado. Pode-se observar uma falsa pecilocitose se a amostra sofrer aquecimento (por questões de transporte ou armazenamento), onde os eritrócitos se mostram distorcidos. Esferócitos São eritrócitos em forma de globo, pois tem a biconcavidade diminuída, no microscópio aparentam não ter o halo claro e ser mais densos do que os eritrócitos normais. São originários de defeitos do citoesqueleto da hemácia que altera sua disposição, a causa é predominantemente genética, existindo, inclusive, uma doença chamada de Esferocitose hereditária. O problema dos esferócitos é que eles possuem menor habilidade em circular no organismo, apesar de ainda conseguirem passar pelos capilares, ficam retidos em maior quantidade no baço, e são mais atacados por anticorpos, levando a hemólise. Eliptócitos e/ou ovalócitos Podem ser mais ovais ou semelhantes a charutos, mas ambos possuem um diâmetro diminuído e outro alongado, distorcendo a estrutura normal do eritrócito. São gerados devido a defeitos genéticos nas proteínas do citoesqueleto. Possuem uma função e sobrevida quase normal, por isso geram poucos efeitos, e raramente causam anemia.
Eliptócitos possuem as pontas mais achatadas, semelhantes à charutos, já os ovalócitos possuem as pontas mais afiladas. Essa diferenciação é imprecisa e não apresenta relevância clínica, sendo considerada apenas teórica. Estomatócitos: Os estomatócitos são eritrócitos com a membrana retraída em forma de cúpula, e possuem concavidade apenas em um dos seus lados. Na lâmina parecem ter uma fenda central, semelhante a um cofre, a uma boca, ou uma xícara sem asa, segundo alguns autores. A maioria das vezes os estomácitos são um artefato da distensão, e por isso não apresentam significância clínica, no entanto podem estar presentes também em algumas anemia. Drepanócitos: São mais conhecidos como eritrócitos falciformes, e são característicos da anemia falciforme. Essa doença ocorre por uma mutação na cadeia β da hemoglobina, onde uma única base é mutada, resultando na troca de um aminoácido. Na troca de um ácido glutâmico na posição 6 da cadeia por uma valina, a proteína muda sua estrutura tridimensional, formando a Hemoglobina S (HbS), que causa a anemia falciforme. Anemia e Hemoglobina S foram assim denominadas devido a aparência dos drepanócitos, que se assemelham a uma foice, s de Sickle, foice em inglês. A anemia falciforme é uma doença de elevada frequência no Brasil, e traz sérios problemas para o desenvolvimento dos pacientes, já que os drepanócitos tem grande dificuldade em passar pelos capilares e podem bloquear pequenos vasos. É comum, como na imagem, vermos juntos drepanócitos e células em alvo.
Equinócitos ou Hemácias crenadas: são artefatos da coleta ou armazenagem da amostra, nas quais as hemácias apresentam diversas espículas de tamanho aproximado e distribuídas simetricamente, assumindo uma forma semelhante a uma tampinha de garrafa. Em geral, aparecem devido à presença de substâncias alcalinas no vidro do tubo de coleta que se difundem para o sangue, mas podem ocorrer in vivo em casos de uremia, insuficiência renal ou hepática, hipotireoidismo, após transfusões sanguíneas ou tratamento com heparina sódica. Acantócitos: os acantócitos são semelhantes aos equinócitos, no entanto suas espículas são irregulares, de tamanhos diferenciados, algumas podem ter pontas retas, semelhantes à baquetas. Sua forma se deve a contração da membrana, tornando o eritrócito mais denso e irregular, é uma alteração que ocorre no paciente, e é vista em hepatopatias e após a retirada do baço. É importante distinguir os acantócitos dos equinócitos, já que os primeiros são indicativos de patologias, enquanto que os segundos podem ser artefatos da coleta e distensão. Células em alvo: As células em alvo são também conhecidas como leptócitos ou targett cells, eles possuem deformações na membrana, devido a alterações da sua composição que faz com que na circulação ondulem, tomando a forma de um sino, na distensão sanguínea se coram mais no centro (ponto central) e na periferia, formando uma figura semelhante a um alvo. A presença dessas células está relacionada com hemoglobinopatias ou anemia hemolítica obstrutiva, estão presentes em algumas das formas da talassemia e na hemoglobina C e também podem ser observadas na anemia falciforme, em conjunto com os drepanócitos.
Eritrócitos fragmentados ou esquizócitos: Os eritrócitos podem se fragmentar formando formas anormais variadas, as causas dessa fragmentação podem ser trauma mecânico, agressão física ou química. Entre as causas de trauma, temos a presença de próteses que causam turbulência e atrito entre as células, a presença de coágulo ou redes de fibrina que aprisionam os eritrócitos, bem como choque corporal. Aquecimento como em febres muito altas ou queimaduras e uso de fármacos oxidantes também gera fragmentação dos eritrócitos. Algumas formas características podem ser reconhecidas, como é o caso dos queratócitos, que são semelhantes a um capacete (helmet cell) ou a uma hemácia que foi mordida. Nesta imagem vemos eritrócitos fragmentados com diferentes formas que não se encaixam em uma ou outra definição, são esquizócitos, que podem se assemelhar a meia luas, triângulos, ou esférulas. Já nessa imagem, vemos marcado pela seta um queratócito, ou helmet cell, que parece que foi merdido perdendo uma parte do citoplasma. Vemos também a presença de alguns estomatócitos e de policromasia nessa mesma imagem. Corpos de Howell-Jolly: são um dos tipos de inclusões citoplasmáticas possíveis de se encontrar nos eritrócitos. São vistos como um pequeno ponto basofílico (arroxeado ou azulado) no citoplasma de alguns eritrócitos, esse ponto representa um cromossomo aberrante, remanescente de mitoses com erros, que geraram um cromossomo que se perdeu do núcleo e ficou no citoplasma. Essa anormalidade é vista em pessoas com hipofunção esplênica (baço) ou que perderam o órgão.
Na imagem acima, podemos ver diversos eritrócitos com corpúsculo de Howell-Jolly. Pontilhada basofílico: o pontilhado basofílico é um artefato da coloração das lâminas, e representa a precipitação de RNA remanescente nos eritrócitos jovens, sendo semelhante ao reticulócito, no entanto, na coloração normal. A presença de alguns eritrócitos com pontilhado basofílico indica grande demanda da medula que está liberando células jovens, no entanto a presença de pontilhado tênue, porém na grande maioria dos eritrócitos pode ser indicativo de anemia hemolítica por deficiência da enzima pirimidina-5-nucleotidase, uma rara deficiência genética. Podem ser vistos também na intoxicação por chumbo (saturnismo). Corpos de Heinz: não são visualizados na coloração normal, mas podem ser visto com azul de cresil brilhante de forma semelhante aos reticulócitos, são moléculas de proteínas desnaturadas que precipitaram presentes em pessoas com hemoglobinopatias e esplenectomizadas, já que o baço, normalmente, retira essas células de circulação. Siderossomos e siderócitos: São eritrócitos que possuem grânulos de ferro dispersos, principalmente na periferia, precisam de coloração especial para serem evidenciados, como a coloração de Perls, para ferro. A presença de alguns siderócitos (com até 4 grânulos de ferro)
na circulação é considerado normal. Agora a presença de siderossomos (> 4 grânulos) são indícios de síndromes mielodisplásicas. Como podemos ver nas imagens, os siderossomos, reticulócitos e pontilhado basofílico podem ser bastantes semelhantes, por isso devemos prestar muita atenção ao contexto clínico do paciente, bem como a preparação da lâmina. De acordo com a coloração e o preparo do esfregaço seremos capazes de evidenciar uma ou outra característica. Anéis de Cabot: são restos do fuso mitótico que são vistos em anemias graves, como um sinal de regeneração medular, são restos de membrana em forma de filamento que podem ser visualizados como um círculo violáceo, um oito ou o contorno do eritrócito. Cristais: na hemoglobinopatia causada pela presença de Hemoglobina C, uma mutação na cadeia β da hemoglobina, a molécula de hemoglobina é menos solúvel e tende a cristalizar dentro dos eritrócitos. É característica dessa doença vermos eritrócitos que se assemelham a uma bola de golfe, devido a presença de inúmeros cristais.
Inclusões parasitárias: alguns parasitas sanguíneos podem ser vistos nas distensões. Nessa imagem vemos que dentro das hemácias temos estruturas que parecem uns pequenos anéis. Essas estruturas são o parasita Plasmodium, agente etiológico da Malária, doença associada aos trópicos, e que causa febre intensa, hemólise e anemia. Nessa imagem vemos, entre as hemácias, os parasitas Trypanossoma cruzi, agente etiológico da Doença de Chagas, transmitida pelo inseto barbeiro, que causa aumento de órgãos, como coração, cólon e baço. No sangue, podem ser encontradas também microfilárias que atingem a circulação. A elefantíase é uma doença causada por microfilária, especificamente pela Wulchereria bancrofit.