ARQUITETURA INDUSTRIAL E INSERÇÃO URBANA: O CASO DA FÁBRICA SANTA ROSÁLIA EM SOROCABA 1



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Transcrição:

1 ARQUITETURA INDUSTRIAL E INSERÇÃO URBANA: O CASO DA FÁBRICA SANTA ROSÁLIA EM SOROCABA 1 Marco Antonio Leite Massari Θ Ricardo Hernán Medrano Θ FIGURA 1 1. INTRODUÇÃO Um empreendimento singular e muito significativo para a indústria no Brasil. Assim podemos definir a Fábrica Santa Rosália e sua vila operária, situada em Sorocaba (estado de São Paulo). Trata-se de uma indústria têxtil iniciada em 1890 que foi colocada em funcionamento em 1895 juntamente com sua vila operária, estando em atividade até o início dos anos 1990, quando foi fechada. A vila era constituída não apenas por casas, mas também incluía escolas (desde creche até ensino técnico), igreja, hospital, clube e cineteatro. Após anos de abandono, uma grande rede de supermercados instalou ali uma filial. O objetivo deste trabalho é estudar a relação arquitetônica e urbanística, no tempo, da Fábrica Santa Rosália com a cidade de Sorocaba, da qual foram mantidas somente as paredes externas, e que hoje é um hipermercado. Foi também de fundamental importância, como incentivo a esta pesquisa, a ênfase que tem sido dada nos últimos tempos à recuperação e preservação do patrimônio cultural, assim como as polêmicas suscitadas por intervenções realizadas em edifícios industriais. Θ Arquiteto formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Este trabalho foi realizado como uma pesquisa de Iniciação Científica CNPq/PIBIC Θ Físico (Unicamp, 1986), Arquiteto e Urbanista (Fauusp, 1992) e Doutor (Fauusp, 2003). Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pesquisador Externo do Instituto de Arte Americana (Buenos Aires). Membro do Conselho Editorial da Revista Nossa América

2 2. REFERENCIAL TEÓRICO A análise realizada neste trabalho tem como referências teóricas de discussão três linhas principais: A primeira refere-se à história da cidade de Sorocaba, em particular sobre sua arquitetura e urbanismo. Citamos como exemplo os trabalhos de Almeida, Bonadio, Cunha, Frioli, Prestes e Santos. 2 A segunda linha teórica refere-se às vilas operárias de fábricas. Sobre este tema citamos Blay, cujo trabalho possui um viés mais voltado para a sociologia, Bonduki, como parte de um estudo sobre habitação popular, e Phillip Gunn, que realizou com Telma de Barros Correia um extenso levantamento sobre as vilas operárias no Brasil. 3 Por último, trabalhamos com a problemática do Patrimônio Industrial, onde utilizamos como referência conceitual principal o trabalho de Kühl, além de autores como Rufinoni e Saia. 4 3. METODOLOGIA Esta pesquisa está apoiada em fontes primárias e secundárias. No primeiro caso são utilizados documentos cartográficos e iconográficos, em especial estes últimos, resultado de um levantamento que permitiu reunir um universo significativo de elementos para análise. Também foram muito importantes as entrevistas com ex-operários e outras pessoas envolvidas com a fábrica. Contamos ainda com o apoio de uma bibliografia ampla, que foi fundamental para os resultados obtidos. Estas fontes são as bases empíricas para a construção de um quadro abrangente sobre a história da fábrica e da vila operária, relacionando especialmente arquitetura e urbanismo. Para as etapas de análise fizemos uso de categorias do espaço construído, como traçado, quadra, lote, implantação, partido, fachada, estrutura e infra-estrutura, entre outras. Por último, trabalhamos os edifícios remanescentes sob a ótica da Preservação do Patrimônio Industrial, procurando conceituar a relação entre passado e presente. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. BREVE HISTÓRIA DE SOROCABA a. DA FUNDAÇÃO AO TROPEIRISMO

3 A cidade de Sorocaba situa-se a 96 km da capital do Estado de São Paulo, na região sudoeste. Tem como limites as seguintes cidades: ao Norte, Porto Feliz; ao Sul, Votorantim; ao Leste, Mairinque; a Nordeste, Itu; a Oeste, Araçoiaba da Serra; a Sudoeste Salto de Pirapora e a Noroeste, Iperó. Possui 552.194 habitantes 5 e uma área total de 456,0 Km². 6 Foi fundada em 1654 por Balthazar Fernandes, e elevada à categoria de vila em três de março de 1661, sob o nome de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. No princípio era um pequeno povoado. Sua economia era baseada na subsistência e no bandeirantismo. O tropeirismo (comércio de animais de transporte, realizado nas chamadas feiras de muares, que serviriam para o trabalho na região das Minas Gerais) foi o fator responsável pelo seu grande crescimento e desenvolvimento nos séculos XVII e XVIII. Este comércio, juntamente com o mercado interno formado pelas atividades artesanais e produção caseira de artigos ligados ao tropeirismo (redes, arreios, armazéns, hospedarias, fábrica de facas, facões, ourivesaria e etc.) iriam ser os elementos únicos de sua economia até meados do século XIX. b. O CULTIVO DO ALGODÃO E A ESTRADA DE FERRO SOROCABANA: A riqueza advinda do comércio das tropas torna administrativa e politicamente, a Vila de Sorocaba no final do século XVIII a mais importante do interior do planalto Piratiningano. Isso irá culminar com o levante de 17 de maio de 1842, que proclamou a cidade, capital da província de São Paulo. A figura central deste movimento liberal foi o então coronel Raphael Tobias de Aguiar. 7 A revolução, no entanto, foi contida pelas tropas comandadas pelo então Barão de Caxias. No início da década de 1860, difunde-se pela Província e em particular na região de Sorocaba, o plantio do algodão herbáceo, impulsionado pelas empresas importadoras de algodão da Inglaterra. Seria uma fonte alternativa de suprimento das tecelagens inglesas, temporariamente impossibilitadas de serem abastecidas pela cultura de algodão no sul dos Estados Unidos (devido a Guerra da Secessão 1861/65 a Marinha, fiel ao governo central, bloqueou os portos sulistas impedindo a continuidade do comércio exterior). Somava-se agora ao comércio de animais, uma atividade agrícola que favoreceu o surgimento de unidades industriais destinadas ao beneficiamento do algodão: remoção dos caroços, limpeza, compactação dos caroços e enfardamento. Isso também se deveu ao fato do mercado inglês se desinteressar pela compra do algodão, dado o fato da cultura americana do mesmo ressurgir após o término Guerra civil americana. Outro fato relevante é a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) em 1875, favorecendo a ligação de Sorocaba com a capital (São Paulo), o transporte de mercadorias, o surgimento do parque industrial têxtil e futuramente causando o declínio das feiras de muares. A iniciativa de um movimento em favor da criação de uma estrada de ferro que

4 ligasse São Paulo a Sorocaba foi do húngaro Luís Matheus Maylasky, engenheiro e ex-oficial do exército de seu país. c. OS PRIMÓRDIOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO E O SURGIMENTO DO PARQUE INDUSTRIAL TÊXTIL O surgimento do parque industrial têxtil de Sorocaba teve início com a implantação da Fábrica de Fiação e Tecidos Nossa Senhora da Ponte (conhecida também como Fábrica Fonseca), em 1881 por Manoel José da Fonseca, apesar de tentativas anteriores frustradas de Francisco de Paula Oliveira (tentou produzir seda) e Manoel Lopes de Oliveira (tentou implantar uma tecelagem, mas esbarrou em problemas de mão-de-obra e matéria-prima). No ano de 1890 fundam-se na cidade duas novas fábricas de tecidos, ambas distantes do centro urbano: A Votorantim e a Santa Rosália (objeto central deste estudo e detalhada no próximo item). Outras grandes indústrias têxteis implantadas em Sorocaba foram: a Fábrica Santa Maria, fundada em 1882; a Alvejaria, Tinturaria e Estamparia São Paulo, que começa a operar em 1909, dando origem à Companhia Nacional de Estamparia (CNE) e a Fábrica Santo Antônio, sendo concluída sua construção em 1913 em um terreno vizinho ao da Fábrica Nossa Senhora da Ponte. Apesar de distintas, todas as indústrias têxteis de Sorocaba possuíam algo em comum: eram grandes estruturas fabris com fachadas em alvenaria de tijolos aparentes e aspecto de arquitetura inglesa. Possuíam vilas operárias (sendo a Votorantim e a Santa Rosália verdadeiras cidades em ponto reduzido ) 8 e benefícios aos operários.

5 4.2. A FÁBRICA SANTA ROSÁLIA E SEU BAIRRO OPERÁRIO FIGURA 2 A Fábrica Santa Rosália, como citado no item anterior, foi uma das primeiras fábricas a ser instalada em Sorocaba. A sua construção (1890), a instalação da fábrica e da vila operária (1895) deveu-se graças à sociedade formada por George Oetterer e seu genro Frank Speers. Foi constituída originalmente com capitais do conselheiro Francisco de Paula Mayrinky e de um grupo carioca. 9 O nome da fábrica (da qual se originou o do bairro), segundo familiares dos fundadores, foi uma homenagem à mãe de George Oetterer Rosália, descendente dos barões Von Poescsh. Há quem diga que a homenageada foi Maria Rosália Oetterer Speers, filha de George e mulher de Frank Speers. A administração de Oetterer e Speers foi notável. Só começa a passar por momentos difíceis quando falece o único filho homem de George Carlos Malheiros Oetterer que seria o futuro administrador. Ambos em idades avançadas passam a direção da fábrica a Jorge Mário Speers, sobrinho de George, que se revelou não eficiente. Assim, a família perde o controle da indústria para a CNE Companhia Nacional de Estamparia. 10 Em 1914, ainda sob posse de Oetterer & Speers, contudo já com o nome de Fábrica de Tecidos Santa Rosália S. A., ela contava com: um ramal da E.F. Sorocabana, 30.168 fusos, 625 teares e 60 cardas, um capital de 3.200.000$000, 840 operários de ambos os sexos e uma produção mensal de 100.000 metros de algodãozinho, o que consumia 80.000 kg de

6 algodão (quase todo cultivado no próprio município). Sua vila anexa possuía 270 casas, praça ajardinada, escola, creche, refeitório, consultório médico, armazém, corpo musical (banda da companhia), iluminação elétrica e serviço de água encanada. Sob comando dos Kenworthy a empresa prosperava e seguia sua grande produção. Segundo Bonadio: A empresa dos Kenworthy esbarrou numa dificuldade inesperada. O empresário inglês tivera quatro filhos homens, aos quais preparou para sucedê-lo. De modo surpreendente, todos morreram antes de alcançar quarenta anos de idade. Assim, na velhice, ele se viu na contingência de retomar a atividade à frente das fábricas e cuidar das noras e dos netos. Seus descendentes negociaram a CNE com Severino Pereira da Silva. 11 Em 1940 a Fábrica de Tecidos Santa Rosália S. A. e a Companhia Nacional de Estamparia passaram para o controle do Sr. Severino Pereira da Silva, industrial pernambucano que já se notabilizava no Rio de Janeiro e em Minas Gerais por arrojadas iniciativas. 12 Por dez anos, o panorama da CNE era o seguinte: mais de 5.000 operários, 3.000 teares, uma produção de 80.000 fusos, um conjunto de indústrias auxiliares - serrarias, fundição, tipografia, fábrica de gelo, oficinas mecânicas, grandes usinas hidroelétricas no município de Pilar do Sul e fazendas agropecuárias. No Almanaque de Sorocaba de 1950 (p. 117-122) 13 são descritos todos os serviços oferecidos aos operários da fábrica, tais como: creche, escola maternal, assistência religiosa, posto de abastecimento, recreação, grupo escolar, escola SENAI, vila operária, assistência domiciliar, ambulatório médico, assistência médico-hospitalar e o Hospital São Severino. Na década de 1950, Pereira da Silva utiliza do capital acumulado de suas indústrias e desenvolve um ambicioso projeto imobiliário para os arredores da Fábrica Santa Rosália e de sua vila operária o Jardim Santa Rosália, um bairro com mais de 300 casas de três dormitórios, em ruas asfaltadas, destinadas a famílias de classe média. Com isso o bairro começa a ganhar a feição que possuí nos dias de hoje. Essa presença marcante em atividades alheias aos seus negócios específicos a produção e venda de tecidos - será um dos obstáculos que a empresa enfrentará depois de 64, quando o governo federal, pelos homens que definiam sua política econômica, passa a ver como um contra-senso que um grupo dotado de tão grande patrimônio possua tão pouca liquidez. Começa então a venda das casas e dos terrenos. Mais à frente, no entanto, a crise ocasionada pela abertura do mercado brasileiro às importações, no governo Collor, truncou o projeto da empresa. Após adquirir várias antigas tecelagens no interior paulista, pretendia moderniza-ias, para quem sabe tomar a dianteira do mercado têxtil brasileiro. Hoje, apenas a Fábrica São Paulo continua operando, atendendo serviços de terceiros. 14

7 4.3. A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DO BAIRRO FIGURA 3 Para uma descrição concisa da evolução territorial do Bairro Santa Rosália, dividimos em 5 fases de transformações, sendo todos os edifícios construídos pela própria fábrica. A primeira fase marca a implantação da Fábrica (1890-1895) e os primeiros anos de funcionamento nas mãos de Oetterer & Speers, juntamente com a construção da vila operária, da praça Pio XII e da Igreja da Congregação Mariana. A segunda fase é marcada pela compra da Fábrica pelo grupo CNE (Companhia Nacional de Estamparia), trazendo muitas melhorias como o Grupo Escolar, Creche vizinha à fábrica (para possibilitar as mães amamentar os filhos a cada quatro horas), Grupo Musical (banda da Companhia), refeitório, consultório médico, armazéns (loja de armarinhos e açougue), iluminação elétrica e serviço de água encanada. Sua terceira fase tem início em 1940, quando o Sr. Severino Pereira da Silva adquire a Fábrica Santa Rosália, que envolvia a vila e um respeitável pedaço de terra de 44 alqueires (1.056.000 m 2 ), juntamente com toda a CNE. Nesta época foi feita a maior parte das transformações, sendo elas: implantação da rede de esgoto, a construção de 399 novas casas (1942), Escola Maternal (1942), Ginásio (1942), Fortaleza Clube e estádio (1942), Hospital São Severino (1943), Escola Senai (1943) e remodelação da Praça Pio XII. A etapa quatro foi a de maior expansão do bairro (1950-1970). É marcada pela formação de novas vias públicas (a Avenida Pereira da Silva, a Alameda Kenworthy, suas ruas transversais

8 e paralelas), a construção de 300 casas na área próxima a da Rua Aparecida (para a venda), o loteamento Jardim Santa Rosália com 1000 lotes, vendidos para os interessados na construção de casas (demolição da antiga vila), a construção do Cine-teatro, da nova igreja (demolição da antiga) e finalizando-a, em 1970, a venda de todos os terrenos e casas que pertenciam à empresa. A quinta e última fase do bairro é caracterizada pela desativação da fábrica, o abandono de alguns edifícios e a demolição de quase todos. A vinda e instalação do Hipermercado Extra na antiga fábrica (com projeto arquitetônico e de restauração das fachadas supervisionado pelo CMDP Conselho Municipal de Defesa do patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Turístico, e Paisagístico de Sorocaba), juntamente com a mudança do atual Plano Diretor que prevê a transformação da Avenida Pereira da Silva e da Avenida São Francisco em corredores comerciais tendem a iniciar uma nova fase no bairro. FIGURA 4 4.4. CONDIÇÕES ATUAIS DA FÁBRICA E DO BAIRRO Uma das questões que mais motivaram a realização da pesquisa é a condição atual da Fábrica Santa Rosália e seu bairro. Ao contrário de outros exemplos conhecidos de bairros operários como a Vila Maria Zélia (São Paulo - SP), Vila Cerealina Indústrias Reunidas Matarazzo (São Paulo - SP) e a vila operária da Fábrica Votorantim (Votorantim - SP), a Vila Santa Rosália é um caso de antigo bairro operário e/ou vila operária que tornou - se um bairro de classe média - alta. Observemos como ficaram as estruturas adjacentes à fábrica e todos os elementos que constituíam o bairro operário. Os edifícios anexos à fábrica (juntamente com a creche, que ficava na entrada do terreno da fábrica), foram considerados pelo CMDP como interferências modernas sem valor arquitetônico ou histórico e sua localização obstruía a visualização do prédio principal. 15

9 Conclusão: foram demolidos. Já a vegetação que circunda a fábrica foi mantida e faz parte da atual área destinada a estacionamento do Hipermercado Extra. Quem sofreu maiores danos com a descaracterização, descaso e abandono foram os edifícios mais antigos. As primeiras residências operárias, ou seja, a primeira vila operária, que ficava na Avenida São Francisco, foi demolida pelo próprio Sr. Severino Pereira da Silva algum tempo depois de adquiri-la. De acordo com relato de um antigo funcionário seu, elas estavam muito velhas e não valeria a pena reformá-las, uma vez que ele já havia construído 399 novas casas para os operários e pretendia utilizar a área das antigas casas para o futuro loteamento Jardim Santa Rosália. Muitas destas novas casas se encontram hoje demolidas ou completamente descaracterizadas (a maior parte delas encontra-se na Avenida Pereira da Silva, nos arredores da Praça Pio XII e na Rua Morvan Dias Figueiredo). Poucas ainda conservam algum vestígio original, a não ser as casas que pertenciam a diretores: estas eram diferenciadas das demais e estão em bom estado de conservação. FIGURA 5 A Praça Pio XII, onde fica o busto do Senhor Pereira da Silva, e o Coreto estão em ótimo estado de conservação, apesar do traçado original da praça ter sido alterado em 1940 (a remodelação foi efetuada a pedido do Senhor Pereira da Silva, que contratou um botânico iugoslavo chamado Sigismund Soboslay). A Igreja de Santa Rosália, localizada ao lado da praça, também está em ótimo estado de conservação, mas não é a igreja original do fim do século XIX. A antiga Igreja, que pertencia a Congregação Mariana, era pequena e tinha a capacidade para apenas 200 pessoas. Dona Francisca Pereira da Silva (esposa de Severino) estimulou a construção da igreja atual (em 1960), com capacidade para 800 pessoas. Optou-se pela demolição da antiga igreja, junto com o prédio da Congregação Mariana. Outras construções antigas que circundavam a praça como o Grupo Escolar (década de 1920), o Ginásio, Escola Maternal (década de 1940) e o Cine-Teatro (1950) todos localizados no quarteirão lateral lamentavelmente foram demolidas no início deste ano de 2007, quando a pesquisa já estava em andamento (ver figura 4). As construções, que seriam restauradas e adaptadas para sediar um empreendimento comercial financiado pelo médico e empreendedor Sérgio Rocco, foram destruídas. Segundo relatos de atuais moradores havia incompatibilidade entre preservação e o novo uso das construções.

10 FIGURA 6 O Clube Fortaleza, juntamente com seu estádio, que fora construído em 1942 na esquina das Avenidas Pereira da Silva e São Francisco também já não existe mais. Atualmente é um grande terreno usado para estacionamento. Outro antigo estabelecimento demolido é a loja de armarinhos (loja da fábrica). Já o açougue permanece em atividade, sem alterações e em bom estado de conservação. Dois grandes exemplares de edifícios que permanecem em uso são os antigos prédios da Escola Senai (Avenida Pereira da Silva) e do Hospital São Severino (Avenida Roberto Simonsen), ambos construídos em 1943. A antiga Escola Senai hoje sedia o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (SAAE), um órgão municipal. Ainda funciona no bairro uma unidade do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), cujo terreno foi doado pela família Pereira da Silva, mas este não mais voltado à indústria têxtil, e sim voltado à metalurgia. O edifício está em bom estado de conservação, embora algumas alterações que foram feitas acabaram descaracterizando-o, como por exemplo, a nova pintura e o fechamento das entradas laterais. O mesmo não se pode dizer a respeito do antigo Hospital São Severino, que anteriormente possuía 80 leitos e equipe médica especializada para atender os operários. Foi desativado juntamente com a fábrica e ficou fechado por um bom período. Atualmente o prédio abriga a Policlínica Municipal Dr. Edward Maluf inaugurada em 1998. O edifício está em ótimas condições, sem alterações, restaurado e em pleno uso. 4.5. CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA INDUSTRIAL (ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL) QUESTÕES TEÓRICAS O tema patrimônio industrial e o interesse pela sua preservação são questões relativamente recentes (Inglaterra, 1950). Ganhou reconhecimento e atenção pública a partir dos anos 1960, quando importantes testemunhos da arquitetura industrial foram demolidos. Uma definição concisa, mas abrangente, de acordo com Beatriz M. Kühl, foi dada por Keneth Hudson: Arqueologia Industrial é a descoberta, registro e estudo dos resíduos físicos de indústrias e meios de comunicação com o passado. 16

11 A arqueologia industrial interessa a vários campos do conhecimento, com especial relevância à história em várias facetas, tais como a social, a do trabalho, a econômica, a da técnica, a da engenharia, a da arte, a da arquitetura e a das cidades. Pode ser entendida como esforço multidisciplinar de inventários, levantamentos, pesquisas histórico-documentais, análises dos edifícios e conjuntos e de sua transformação no decorrer do tempo, de suas atuais patologias, de sua inserção na cidade ou território, e projeto para estudar as manifestações físicas, sociais e culturais de formas de industrialização do passado, com o intuito de registrá-las revelá-las, preservá-las e valorizá-las. Apesar das quatro décadas de discussões sobre o tema, com numerosas experiências práticas acumuladas, em países com maior tradição no campo, a preservação do patrimônio industrial é ainda difícil. 17 Mesmo sendo um campo do conhecimento novo, já observamos um grande número de projetos nesta área da preservação cultural. O que, a princípio pode ser algo satisfatório, na realidade é de difícil avaliação (sua pertinência ou não em relação às características históricas e formais da construção). O fato de o resultado final parecer satisfatório, por si só não assegura que a intervenção tenha sido respeitosa em relação ao bem que se queria salvaguardar, podendo, antes, acobertar desatenções a aspectos históricos e formais que deveriam ter sido considerados. Para uma avaliação adequada de quais representantes do patrimônio industrial deverão ser efetivamente preservados e como proceder nesta seleção, Manoela R. Ruffinoni indica seis critérios ou diretrizes para auxiliar no esclarecimento da questão o que preservar no campo do patrimônio industrial, segundo Buchanan. 18 Inicialmente, ressalta o grau de unicidade ou singularidade do artefato (degree of uniqueness). Neste grupo estariam elementos que representem o único exemplo de um tipo particular de artefato, o primeiro ou o último remanescente. O último exemplar de determinado equipamento mecânico ou edifícios industriais de tipologia arquitetônica única poderiam enquadrar-se neste grupo. O segundo critério (representational distinction) seria a qualidade do artefato enquanto referencial representativo. O artefato denota uma referência específica, como um edifício representante de um tipo regional de arquitetura ou construído com técnicas não usuais. Outro aspecto também englobado por este critério de distinção, seria os complexos de edifícios que apresentam qualidades quando preservados em conjunto. Em terceiro lugar, as dimensões e o uso também devem ser considerados. Diversos edifícios industriais desativados relacionam-se com extensas áreas circundantes - muitas vezes originalmente vinculadas ao processo produtivo - que possuem grande potencial para adaptação a novos usos. O quarto critério ressalta as potencialidades turísticas de determinadas áreas industriais desativadas, após a implementação de projeto e infra-estrutura adequada para a nova atividade. Outro critério destacado é a existência e a relevância do suporte local com relação a incentivos financeiros - a possibilidade de atrair parceiros interessados em implementar projetos de preservação e reabilitação, quer sejam grupos públicos ou privados, poderá condicionar as escolhas a serem tomadas. Finalmente, o último critério destaca aqueles artefatos associados a pessoas ou fatos importantes, um engenheiro famoso ou uma inovação técnica relevante, por exemplo.

12 Fica claro, portanto, que não se trata de conservar tudo, nem, tampouco, de demolir ou transformar indistintamente tudo. Isso pode levar a extremos indesejáveis tais como tombamentos indistintos, ou demolições impiedosas para evitar que o bem seja protegido causando certa falta de clareza no que se refere à caracterização dos monumentos históricos e de seu papel memorial. Enfim, trata-se de avaliar quais os elementos caracterizadores que devem ser preservados e de que forma intervir e modificar para que, com efeito, esses valores sejam transmitidos ao futuro. 19 Como se pôde observar coexiste distintas formas de perceber os monumentos históricos. Todavia, atualmente, o que se observa é uma inversão de valores. Em vez de o patrimônio ser preservado em razão das diretrizes acima relatadas, tal fato ocorre por vinculações a interesses econômicos e políticos. Embora os bens culturais não possam e não devam ser tratados como se fossem alienados da realidade socioeconômica e política, tais motivos não deveriam ser os únicos, visto o que ocorre nos dias de hoje, uma vez que a preservação deveria ser motivada por razões culturais, estéticas, históricas ou simbólicas. Estas razões teriam de prevalecer nas atuações, transmitindo assim aos monumentos históricos, instrumentos da memória coletiva, sem a ocorrência de deformações. O problema no desvio motivacional da preservação não é apenas uma questão filosófica. A pressão econômica que incide sobre alguns complexos industriais faz com que apareçam projetos de requalificação dessas áreas e obras que, na verdade, desqualificam os espaços fabris. Não apenas os critérios econômicos levam a estas negligências. Vontades individuais e usos indevidos também contribuem para isso. Agravante ainda é o fato desse tipo de iniciativa transformar-se em acontecimento midiático, as restaurações-espetáculo. A encampação das questões ligadas à preservação pelos meios de comunicação de massa não é, por si só, fato negativo. No entanto, verifica-se em variadas intervenções que importa é sobretudo aparecer, e os critérios de intervenção, as discussões sobre técnicas adequadas e compatíveis, posturas projetuais, são todos temas relegados a último plano, isso quando estão presentes. É crescente a mundanidade e a frivolidade que circundam vários eventos, quando, ao contrário, trata-se de um assunto seríssimo: as formas de intervenção em documentos do passado para que possam continuar a transmitir seus valores essenciais para as gerações futuras. 20 Outro fator negativo é a preocupação com a aparência desta atual cultura visiva, que tem levado à busca de juventude a qualquer preço e também repercute no trato dos monumentos históricos, que passam a ter a obrigação de parecerem novos, sem que haja preocupação em buscar-se técnicas adequadas para se consolidar e tratar o já existente. O objetivo de uma restauração não é oferecer uma imagem do passado facilmente consumível, grosseiramente simplificada para se tornar mais palatável ao gosto massificado. É, ao contrário, explorar e valorizar toda a riqueza das diversas estratificações da história, também com o objetivo de educar. 21

13 O uso que será dado ao bem preservado é de suma importância para que a intervenção seja bem sucedida. A reutilização é a forma mais eficaz para garantir a preservação de um bem, pois um monumento sem uso deteriora-se de modo rápido, enquanto aquele mantido em funcionamento pode durar séculos. A utilização é essencial para a preservação, mas, a princípio, deveriam ser analisadas as características a serem conservadas e respeitadas, para, depois, definir uma função compatível com elas, e não o contrário, adaptar um dado edifício a um novo uso pré-estabelecido ou submetê-lo a transformações massificadas nem sempre de acordo com suas particularidades, cuja implementação será feita em prejuízo do próprio monumento histórico. 22 Finalmente, é indispensável que o projeto de restauro, como um todo, deva ser fundamentado no juízo histórico-crítico, conseqüência de esforços multidisciplinares que envolvem acurada pesquisa histórico-documental, iconográfica e bibliográfica, pormenorizando levantamento métrico-arquitetônico e fotográfico do(s) edifício(s), exame de suas técnicas construtivas e dos materiais, de sua estrutura, de suas patologias, e análise tipológica e formal. Fatores esses que levam ao entendimento das várias fases por que passou a obra (ou conjunto) no decorrer do tempo e de sua configuração e problemas atuais. A restauração deve calcar-se em muitas ciências, e depende sobremaneira da história, podendo, por sua vez, através do estudo consciencioso dos bens, fornecer importantes dados para esclarecimentos historiográficos. Mas a intervenção se resolve também através do desenho, do projeto de restauração, que é projeto de arquitetura, nada simples, estando sempre presente a dialética entre conservação e inovação. Projeto que se deve ligar de modo indissolúvel ao processo de aquisição de dados e análise, que não é acessório, é fundamental. Esse processo leva tempo, e tem que levar o tempo condizente com o amadurecimento necessário das pesquisas, não admitindo soluções expressas - nem na fase de estudos, nem na fase de projeto e menos ainda durante a execução -, muitas vezes ditadas por prazos políticos, que de modo algum se associam aos objetivos da restauração e podem levar a danos irremediáveis. 5. CONCLUSÃO Procuramos realizar nesta pesquisa um estudo abrangente sobre a fábrica Santa Rosália e sua vila operária, apoiado em uma rica e extensa documentação, da qual apenas parte pôde ser aqui mostrada. Destacamos o enfoque teórico que visa o estudo conjunto de ambas as partes, com o objetivo de entender tanto suas transformações históricas como sua relação com a urbanização da cidade de Sorocaba. Os resultados obtidos evidenciam a importância deste empreendimento para a História da Industrialização no Brasil, mas também a urgente necessidade de ampliar as ações de proteção deste patrimônio.

14 REFERÊNCIAS 1 Trabalho apresentado no V Colóquio Latinoamericano e Internacional sobre Rescate y Presevación del Patrimônio Industrial, realizado em Buenos Aires entre 18 e 20 de setembro do 2007 2 ALMEIDA, Aluísio de. História de Sorocaba. Sorocaba: Guarani, 1951; BONADIO, Geraldo. Sorocaba: a cidade Industrial (espaço urbano e vida social sob o impacto da atividade fabril). Sorocaba, SP: Edição do Autor, 2004; CUNHA, Claudia dos Reis e. O patrimônio cultural da cidade de Sorocaba: análise de uma trajetória. 2005. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005; FRIOLI, Adolfo. Sorocaba: Registros Históricos e Iconográficos. São Paulo. Editora Laserprint, 2003; PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba: o tempo e o espaço, séculos XVIII-XX. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001; SANTOS, Elina. A Industrialização de Sorocaba: Bases Geográficas. São Paulo. Editora Humanitas FFLCH/USP. Série Teses, 1999. 3 BLAY, Eva Alterman. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo, Nobel, 1985; BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 1998; CORREIA, Telma de Barros; GHOUBAR, Khaled; MAUTNER, Yvonne. Brasil, suas fábricas e vilas operárias. In: PÓS Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação v.1 (1990) São Paulo: FAU, 1990 n. 20, dez. 2006. 4 KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação da Arquitetura Industrial. Desígnio. São Paulo, v-1, nº. 1, pp.101-117; mar. 2004. RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação do Patrimônio Industrial na cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004; SAIA, Helena. Arquitetura e Indústria Fábricas de Tecido de Algodão em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. 5 Estimativa IBGE - Julho 2004 6

15 PREFEITURA MUNICIPAL DE SOROCABA. Disponível em: <http://www.sorocaba.sp.org.br>. Acesso em: 25.3.2007 7 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba: o tempo e o espaço, séculos XVIII-XX. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 120. 8 FRIOLI, Adolfo, BONADIO, Geraldo (org.). Op. Cit. 9 Assinaram a ata da fundação a 24 de Outubro de 1890, entre outros o Dr. ManoeI Rodrigues Monteiro de Azevedo, Cel. João Alfredo de Athayde, Francisco José Speers (Frank Speers), George Oetterer, Joaquim Catramby, José Ricardo Augusto Leal, José Duarte Rodrigues, Dr. Antonio José Ferreira Braga. A sua primeira diretoria era composta pelo Comendador George Oetterer, presidente; Dr. Antonio José Ferreira Braga, secretário; Dr. Manoel Rodrigues Monteiro de Azevedo, Dr. Ludgero Antonio Coelho, Comendador José Ricardo Augusto Leal e Dr. Eugênio Ferreira de Andrade, conselheiros Fiscais; Conselheiro Francisco de Paula Mayrink, Comendador João Leopoldo Modesto Leal, Coronel João Alfredo de Athayde e Dr. Joaquim Catramby, suplentes. 10 Antes da fábrica se tornar propriedade da CNE, a Santa Rosália converte-se à Fábrica de Tecidos Santa Rosália S. A. como um recurso dos antigos donos para não a perderem. Porém, a CNE adquire a maior parte das ações e designa Bráulio Guedes e Hélio Manzoni para dirigirem a fábrica que, por sua vez, suspendem o pagamento de dividendos e obrigam os proprietários originais a, pouco a pouco, venderem o resto das ações. 11 BONADIO, Geraldo. Sorocaba: a cidade Industrial (espaço urbano e vida social sob o impacto da atividade fabril). Sorocaba, SP: do Autor, 2004. Pg. 224. 12 WERNECK, Bráulio (Org.) Almanach Illustrado de Sorocaba. Repositório histórico, literário e recreativo com ilustrações. Sorocaba / SP: Typographia Werneck, 1950, pp.117. 13 WERNECK, Bráulio (Org.). Op. Cit.

16 14 BONADIO. Op. cit. pp. 225-226 15 CMDP. Prefeitura Municipal de Sorocaba. Processos administrativos 014255/97 e 13936/99, e Resoluções 112 de 15 de setembro de 1999 e 117 de 5 de janeiro de 2000. 16 KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação da Arquitetura Industrial. Desígnio. São Paulo, v-1, nº. 1, p.102 17 KÜHL, Op. Cit. 18 RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação do Patrimônio Industrial na cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. p. 122. 19 KÜHL, Op. Cit. p. 109 20 KÜHL, Op. Cit. p. 116 21 KÜHL, Op. Cit. p. 112 22 KÜHL, Op. Cit. p. 110 ALMEIDA, Aluísio de. História de Sorocaba. Sorocaba: Guarani, 1951.

17 ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. 4ª Edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998. AZEVEDO, Israel Belo de. O Prazer da Produção Científica: diretrizes para elaboração de trabalhos acadêmicos. 7ª Edição. Prefácio de Hugo Assmann. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999. BENEVOLO, Leonardo. A História da Cidade. 4ª Edição. São Paulo. Editora Perspectiva, 2005. BLAY, Eva Alterman. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo, Nobel, 1985. BONADIO, Geraldo. Sorocaba: a cidade Industrial (espaço urbano e vida social sob o impacto da atividade fabril). Sorocaba, SP: do Autor, 2004. BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 1998. CÉSAR, Francisco Camargo. Sorocaba Industrial. In: WERNECK, Bráulio (Org.) Almanach Illustrado de Sorocaba. Repositório histórico, literário e recreativo com ilustrações. Sorocaba/SP: Typographia Werneck, 1914, pp.38-92. CORREIA, Telma de Barros; GHOUBAR, Khaled; MAUTNER, Yvonne. Brasil, suas fábricas e vilas operárias. In: PÓS Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação v.1 (1990) São Paulo: FAU, 1990 n. 20, dez. 2006. CUNHA, Claudia dos Reis e. O patrimônio cultural da cidade de Sorocaba: análise de uma trajetória. 2005. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. CUNTO, João de. A Indústria em Sorocaba, In: WERNECK, Bráulio (Org.) Almanach Illustrado de Sorocaba. Repositório histórico, literário e recreativo com ilustrações. Sorocaba/SP: Typographia Werneck, 1914, pp.236-238. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo. Editora Martins Fontes, 1997. FRIOLI, Adolfo. Sorocaba: Registros Históricos e Iconográficos. São Paulo. Editora Laserprint, 2003. FRIOLI, Adolfo, BONADIO, Geraldo (org.). Sorocaba 350 Anos: Uma História Ilustrada, Sorocaba: Fundação Ubaldino do Amaral, Abr. 2004.

18 INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E GENEALÓGICO DE SOROCABA. Disponível em: <http://www.ihggs.org.br>. Acesso em: 26.3.2007 FUNDAÇÃO UBALDINO DO AMARAL. Sorocaba 350 Anos. Suplemento do Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 15.8.2004, p.40. LEITE, WALTER RINALDI. Santa Rosália é o Primeiro Bairro Planejado de Sorocaba. Revista A Cidade: Sorocaba de Todos Nós 351 Anos. Suplemento do Jornal Cruzeiro do Sul. Fundação Ubaldino do Amaral, Ano 1. Sorocaba, 2005, pp. 36-37. LEITE, WALTER RINALDI. Extra Inaugura Hipermercado Hoje, às 9hs. Jornal Cruzeiro do Sul. Fundação Ubaldino do Amaral. Sorocaba, 18.7.2000, p. A-5 LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo. Editora Martins Fontes, 1999. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação da Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas. Relatório Científico. Grupo de Disciplinas de História da Arquitetura/ Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação da Arquitetura Industrial. Desígnio. São Paulo, v-1, nº. 1, pp.101-117. MENDES, José M. Amado. Uma Nova Perspectiva Sobre o Patrimônio Cultural: Preservação e Requalificação de Instalações Industriais, In: Seminário Internacional História e Energia, 2., 1999, São Paulo. Potencial Estratégico de Cultura e Negócios. São Paulo: Fundação Histórico da Energia de São Paulo, 2000, pp. 155-169. PREFEITURA MUNICIPAL DE SOROCABA. Disponível em: <http://www.sorocaba.sp.org.br>. Acesso em: 25.3.2007 PRESTES, Lucinda Ferreira. A Vila Tropeira de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba: aspectos socioeconômicos e arquitetura das classes dominantes (1750-1888) / Lucinda Ferreira Prestes. São Paulo: ProEditores, 1999. PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba: o tempo e o espaço, séculos XVIII-XX. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. REIS FILHO, Nestor Goulart, 1931-. São Paulo e Outras Cidades. São Paulo. Editora Hucitec, 1994. ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995.

19 RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação do Patrimônio Industrial na cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. SAIA, Helena. Arquitetura e Indústria Fábricas de Tecido de Algodão em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. SANTOS, Elina. A Industrialização de Sorocaba: Bases Geográficas. São Paulo. Editora Humanitas FFLCH/USP. Série Teses, 1999. UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. Apresentação de Trabalhos Acadêmicos: guia para alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie/ Universidade Presbiteriana Mackenzie. 3ª Edição. São Paulo. Editora Mackenzie, 2005. WERNECK, Bráulio (Org.) Almanach Illustrado de Sorocaba. Repositório histórico, literário e recreativo com ilustrações. Sorocaba/SP: Typographia Werneck, 1950.