PROCESSO N.º 1998.00.2.001518-0 MANDADO DE SEGURANÇA CONSELHO ESPECIAL PARECER N.º 625/98-PGJ



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Transcrição:

PROCESSO N.º 1998.00.2.001518-0 MANDADO DE SEGURANÇA CONSELHO ESPECIAL Relator: Exmo. Sr. Des. Otávio Augusto Impetrante: J.R. Informantes: Exmo. Sr. Des. Corregedor de Justiça e Ilmo. Sr. Oficial Substituto do 3 Ofício do Registro de Imóveis do Distrito Federal PARECER N.º 625/98-PGJ EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. INTERESSE DE AGIR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO PARTICULAR. INSCRIÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. POSSIBILIDADE. Condição da ação - interesse em agir - A providência jurisdicional se apresenta útil e necessária quando adequada à consecução do objetivo colimado pelo Impetrante, demonstrando o interesse de agir. Mérito - É permitida a inscrição de contrato de promessa de compra e venda, aperfeiçoado por instrumento particular, independentemente do valor do imóvel autônomo, não loteado ou desmembrado, no registro de imóveis, a fim de que seja atribuído ao compromisso eficácia de direito real e assegurada a adjudicação compulsória, a teor do disposto no artigo 22 do Decreto-lei n 58/37, com a redação conferida pelas Leis n s 649/49 e 6.014/73, bem como no artigo 135 do Código Civil. Direito líquido e certo comprovado. Parecer pelo conhecimento do writ e, no mérito, concessão da segurança. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 179

RELATÓRIO Cuida-se de mandado de segurança, impetrado por J.R., com fulcro nos artigos 5º, incisos LXIX e XXXVI da Constituição Federal, contra ato do Exmo. Sr. Des. CORREGEDOR DE JUSTIÇA e Ilmo. Sr. OFICIAL SUBSTITUTO DO 3 OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DO DISTRITO FEDERAL, consubstanciado na recusa em efetivar a inscrição de instrumento particular de promessa de compra e venda no respectivo registro de imóvel, com fundamento no disposto no artigo 306, parágrafo único, do Provimento Geral da Corregedoria de Justiça do Distrito Federal e no artigo 134, inciso II, do Código Civil (fls. 02/10). A esse respeito aduziu que o direito real de aquisição, oriundo do contrato de promessa de compra e venda, foi reconhecido pelo ordenamento jurídico pátrio em data posterior à da vigência do Código Civil, de maneira que a legislação concernente aos Registros Públicos excepcionou a regra do artigo 134, inciso II, do mencionado diploma legal, consoante disposto nos artigos 167, inciso I, item 9, 20 e 221, inciso II, todos da Lei n 6.015, de 31/12/73, que faculta a sua inscrição no Registro Imobiliário mesmo quando celebrado sob a forma de instrumento particular. Acrescentou que o artigo 22 do Decreto-lei n 58, de 10/12/37, modificado pelas Leis n s. 6.014/73 e 6.766/79 permite a inscrição dos instrumentos particulares de compromisso de compra e venda referentes a imóveis loteados como aos não loteados. Requereu, portanto, a concessão de medida liminar para obstar os atos impeditivos ao registro do contrato de promessa de compra e venda e, quanto ao mérito, a confirmação da segurança para ensejar o registro definitivo do título em questão. A inicial foi instruída com os documentos de fls. 11/23. Autuado, o writ foi distribuído ao Exmo. Sr. Desembargador OTÁVIO AUGUSTO (fl. 24), o qual houve por bem indeferir a liminar pleiteada, tendo determinado, ainda, fossem colhidas as informações das dd. autoridades 180 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000.

impetradas, assim como o parecer do Ministério Público, conforme decisão proferida à fl. 25. O Exmo. Sr. Des. CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL, por sua parte, prestou as informações de fls. 28/29, defendendo, quanto ao mérito, a legalidade do ato praticado. Aduziu, em breve síntese, que a Lei n 6.015/73 não veda o registro de contrato de compromisso de compra e venda, mas, em atendimento ao Código Civil, exige que este contrato seja realizado mediante instrumento público. Acrescentou que a Lei n 6.766/79 se refere tão-somente ao registro de contrato de compra e venda por instrumento particular de imóvel em loteamento ou em desmembramento, o que não é a hipótese. O Ilmo. Sr. OFICIAL SUBSTITUTO DO 3 OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DO DISTRITO FEDERAL apresentou as informações e documentos de fls. 32/37, sustentando a legalidade do ato praticado. Afirmou, em síntese, que o valor do imóvel em questão ultrapassa o limite estabelecido o artigo 134, inciso II, do Código Civil, bem como que o artigo 306 do Provimento Geral da Corregedoria de Justiça do Distrito Federal não permite o registro de instrumentos particulares constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis, quando celebrado entre particulares. Pugnou, portanto, pela denegação da segurança pleiteada. Vieram os autos ao Ministério Público (fls. 38). É o breve relatório. PARECER MINISTERIAL Fundamentos de Direito Eméritos Julgadores, antes de adentrar ao mérito da ação, incumbenos salientar que, em sede de mandado de segurança, o dever funcional do Ministério Público é o de manifestar-se sobre a impetração, podendo opinar pelo seu cabimento ou descabimento, pela sua carência e, no mérito, pela concessão ou denegação da segurança, bem como sobre a regularidade ou não do processo, consoante lição proferida pelo ilustre Professor HELY Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 181

LOPES MEIRELLES, em sua obra Mandado de Segurança, Malheiros, 17ª edição, página 48. Destarte, faz-se necessário perquirir a presença das condições da ação. I DO INTERESSE DE AGIR No que tange ao interesse processual ou interesse de agir, faz-se mister salientar que este é compreendido como a utilidade e necessidade do processo como instrumento apto à salvaguarda e aplicação do direito questionado no caso concreto. O Mestre JOSÉ FREDERICO MARQUES, em sua obra Manual de Direito Processual Civil, Bookseller, 1997, Volume I, página 236/237, afirma sobre o tema que: Existe, portanto, o interesse de agir quando, configurado o litígio, a providência jurisdicional invocada é cabível à situação concreta da lide, de modo que o pedido apresentado ao juiz traduza formulação adequada à satisfação do interesse contrariado, não atendido ou tornado incerto. Nesse aspecto deve ser salientado que o Impetrante afirmou na exordial (fl. 3) que o promitente-vendedor revogou o instrumento de mandato subjacente ao negócio jurídico celebrado, previsto na cláusula quarta do contrato de promessa de compra e venda (fl. 13). Todavia, é necessário observar que a revogação do mandato outorgado não tem o condão de alcançar a promessa de compra e venda, que é negócio jurídico independente. A validade e eficácia do contrato de promessa de compra e venda é resguardado pela convenção expressa de irrevogabilidade prevista na cláusula sétima do seu instrumento (fls. 13), inexistindo direito a arrependimento, no fato do preço ter sido pago em uma única parcela no 182 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000.

ato da celebração (cláusula segunda), bem como por ter o promitentevendedor se obrigado a prestar toda e qualquer assistência tendente à transferência do imóvel (cláusula quinta). A propósito, a Súmula n.º 166 do E. STF estabelece: É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-lei n.º 58, de 10/12/1937. Resta configurada, pois, a utilidade e necessidade da prestação jurisdicional solicitada, uma vez que a eficácia jurídica do contrato que o Impetrante pretende registrar independe do mandato previsto em sua cláusula quarta. Presentes as condições da ação e pressupostos processuais, ingressase na análise do mérito da ação. II DO MÉRITO Prefacialmente, é mister ressaltar que objeto do mencionado contrato é o imóvel situado na QNL 04, Conjunto D, Casa 12, Taguatinga - DF (fls. 12/19 e 36/37), ou seja, casa residencial e edificada, que possui matrícula individual desde 22/3/76. Não se trata de loteamento ou desmembramento, mas de imóvel autônomo. O instituto do compromisso de compra e venda, como é cediço, pertence à categoria dos contratos preliminares ou, em outra palavra, précontrato, que constitui essencialmente uma obrigação de fazer, qual seja, a de contrair o contrato definitivo, possuindo eficácia obrigacional entre as partes e eficácia real oponível a terceiros, desde que inscrito o contrato no registro de imóvel. A questão da forma do contrato de promessa de compra e venda de imóvel não loteado na doutrina e jurisprudência pátrias é tormentosa. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 183

Entretanto, a partir da vigência da Lei n 649, de 11/3/49, o E. Supremo Tribunal Federal tem acolhido a forma das promessas de compra e venda de imóvel não loteado por instrumento particular, mesmo para efeitos reais, em razão de ter o diploma legal acima referido mandado aplicar os princípios estabelecidos no Decreto-lei n 58, de 10/12/37. Outrossim, a doutrina de escol confere elementos valiosos para a melhor apreciação do tema. O insigne Professor DARCY BESSONE, ao abordar a matéria, em sua obra Da Compra e Venda, Ed. Saraiva, 1997, página 160/161, leciona que: O art. 129 do Código Civil consagra, como regra geral, o princípio da liberdade de forma. A validade das declarações de vontade, diz o texto, só dependerá de forma especial quando a lei expressamente a exigir. O Código, no art. 134, exige a escritura pública para os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a cinqüenta cruzados, valor sujeito a correção monetária, e, no art. 135, contenta-se com o instrumento particular quanto à prova das obrigações convencionais de qualquer valor. Já nos pronunciamos a respeito dos efeitos da promessa que, segundo entendemos, são de duas ordens, a saber: de natureza real, quanto à oponibilidade às alienações ou onerações posteriores, e de natureza pessoal, no tocante à obrigação de contratar, que vincula apenas as partes (n. 52 a 72). Em conseqüência da distinção estabelecida, concluímos, nas edições anteriores, que, para ser inscrita e se tornar oponível às alienações e onerações posteriores, a promessa de valor superior à taxa legal devia fazer-se por escritura pública; 184 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000.

para produzir direitos pessoais, cuja satisfação se operasse voluntária ou compulsoriamente, em forma direta (compra e venda ou adjudicação) ou indireta (equivalente em dinheiro ou indenização), a promessa poderia ser concluída por instrumento particular. Agora, na vigência das Leis n. 649 e 6.014, o Supremo Tribunal Federal tem decidido reiteradamente que, tanto em relação aos imóveis loteados quanto no atinente aos não-loteados, é admissível o instrumento particular, para todos os efeitos. Revendo a opinião que acabamos de aludir, consideramos que a lei tanto pode eleger certa forma específica para o ato jurídico quanto pode abster-se de fazêlo: A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 82) (CC, art. 129). Dado que as Leis n. 649 e 6.014 preferiram falar em contratos, não mais em escrituras, parece que pretenderam aplicar aos terrenos nãoloteados a mesma liberdade de forma adotada para os loteados (Decreto-lei n. 58, art. 11, e Lei n. 6.766, art. 26). É certo que a palavra contratos não se refere à forma do ato, mas sim ao acordo de vontades para constituir, modificar ou extinguir relações patrimoniais de qualquer natureza. Não obstante, o que mais importa é a intenção do legislador, isto é, a finalidade prática que ele buscou. (g. n.). De igual conteúdo é o ensinamento do Professor ORLANDO GOMES em seu parecer nominado Pressupostos da Inscrição de Promessa de Venda - Execução Para Cumprimento de Obrigação de Fazer - Substituição de Declaração Negocial, publicado na Revista dos Tribunais n 469, página 41, vejamos: A controvérsia a respeito da forma do precontrato de venda vem de longe, antes mesmo da promulgação do Decreto n. 58, patenteando-se num dissídio jurisprudencial que Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 185

terminou, então, pelo triunfo nítido da corrente chefiada, no STF, pelo Min. Carvalho Mourão, como se lê no acórdão que modificou a orientação até então vitoriosa que preconizara o Min. Edmundo Lins (v. Frutuoso Santos, Contrato de Promessa de Compra e Venda de Imóveis não Loteados, Livr. Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, s/d, pág. 72, onde transcreve a opinião de Pereira Braga e Philadelpho Azevedo; Ulysses Braga, Do Contrato Preliminar, Maceió, 1958, pág. 74). Com o advento dos diplomas especiais sobre promessa de venda, a jurisprudência voltou a vacilar sob influência da doutrina, mas atualmente se tornou pacífico, nos tribunais, o entendimento de que o contrato preliminar não precisa ter a forma do contrato definitivo (TJMG, RT 432/185; TASP, RT 427/204; STF, RT 417/421), conforme preconizara a doutrina (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo, vol. XIV/52; Lopes da Costa, Direito Processual Civil, vol. IV/216). nem se justificaria a exigência da escritura pública nas promessas de venda de imóveis, loteados ou não. Em nosso Direito é predominante a opinião de que o contrato preliminar ou precontrato origina essencialmente uma obrigação de fazer - a de contrair o contrato definitivo. Quem promete vender não pratica um contrato translativo de domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente num faciendi, não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a regra geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do CC. Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de domínio, não há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura pública. Esta forma solene não é exigível nem mesmo quando o contrato é oponível erga tertius, como sucede com as que se regem por lei especial (Decreto n. 58 e Lei n. 649), eis que um desses diplomas legais (o Decreto n. 58) admite, no seu art. 11, o instrumento particular manuscrito, datilografado ou impresso, e o outro (Lei n. 649) é simplesmente uma alteração do primeiro sem 186 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000.

qualquer repercussão no problema da forma do contrato. [...] Prevalecendo, pois, o entendimento de que o escrito particular, mesmo manuscrito é válido como forma do contrato de promessa de venda, sem cláusula de arrependimento, de imóvel não loteado, razão alguma existe que impeça ou desaconselhe sua inscrição no registro imobiliário.(g. n.). WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, reconhecido estudioso sobre o tema, ao apreciar o conteúdo do artigo 221, inciso II, da Lei n 6.015, de 31/12/73, que arrola os títulos admitidos a registro, em seu livro Comentários à Lei de Registros Públicos, Ed. Forense, 1997, vol. II, página 709, afirma que: Os instrumentos particulares são admissíveis sempre que se não imponha a escritura pública (Cód. Civ. art. 134), como, por exemplo, nas promessas de compra e venda de bens imóveis, cessões de promessas e promessas de cessão de direitos relativos a imóveis. Destarte, a doutrina pátria afirma a possibilidade da inscrição de promessa de compra e venda, aperfeiçoado por instrumento particular, mesmo que de valor superior ao estabelecido no artigo 134, inciso II, do Código Civil, em razão do Decreto-lei n 58/37, em seu artigo 22, determinar a aplicação dos princípios nele previstos aos contratos promessas de compra e venda de imóveis não loteados, dentre os quais a regra do artigo 11 que permite a celebração da avença por instrumento público ou particular. A Lei n 6.766, de 19/12/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano, também estabelece que os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular (art. 26). O Código Civil, por seu turno, dispõe que não havendo regra expressa determinando a forma a ser observada pelo ato jurídico, a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial (arts. 82 e 129). Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 187

Neste passo, não há óbice à inscrição do instrumento particular quanto ao disposto no artigo 221, inciso II, da Lei n 6.015/73. Por outro lado, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao se pronunciar sobre o tema, decidiu: Compromisso irrevogável de venda de imóvel anterior à vigência da Lei n. 3.912. O imóvel locado destinava-se a fins comerciais. Mesmo por instrumento particular o compromisso era eficaz entre as partes e, para esse efeito, o registro podia fazer-se a qualquer tempo. Recurso não provido. (RE n 56.495-MG, Rel. Min. HERMES LIMA, DJ 25/11/64). PROMESSA DE VENDA DE IMÓVEL - INSTRUMENTO PARTICULAR - A jurisprudência do S.T.F. predomina no sentido de que não obsta a adjudicação compulsória de imóvel não loteado o fato de a promessa de venda ter sido celebrada por instrumento particular com as formalidades do art. 135 do C. Civ., desde que devidamente inscrito no registro de imóveis. (RE n 71.167-MG, Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO, DJ 26/03/71). Em data recente, o Colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou a questão, nos termos da ementa a seguir transcrita: DÚVIDA REGISTRÁRIA. INSTRUMENTO PARTICULAR. CARACTERIZAÇÃO COMO PROMESSA DE COMPRA E VENDA. POSSIBILIDADE DO REGISTRO. A incorreta denominação do instrumento particular como sendo de cessão de direitos de imóvel não é capaz de desnaturar a verdadeira intenção das partes contratantes que, in casu, era a de realizar compromisso de compra e venda. O art. 85 do Código Civil autoriza o magistrado buscar tal intenção. O exame da referida vontade permite a caracterização do negócio realizado como compromisso de compra e venda, e não compra e venda como pretendiam a r. sentença apelada e o Cartório Imobiliário. 188 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000.

Assim, inexiste óbice legal ao registro do documento, a teor do disposto nos arts. 167, I, 9 e 168 da Lei n 6.015/73. Apelação provida para determinar o registro do instrumento particular. Decisão: Conhecer. Prover, maioria, vencido o Vogal. (APC n 31.159/93-DF, Rel. Des. JOSÉ JERONYMO BEZERRA DE SOUZA, DJ 27/09/95, pág. 13.908 - g.n.). Portanto, com esteio nos argumentos acima expendidos, conclui-se que é permitida a inscrição de contrato de promessa de compra e venda, aperfeiçoado por instrumento particular, independentemente do valor do imóvel autônomo, não loteado ou desmembrado, no registro de imóveis, a fim de que seja atribuído ao compromisso eficácia de direito real e assegurada a adjudicação compulsória, a teor do disposto no artigo 22 do Decreto-lei n 58/37, com a redação conferida pelas Leis n s 649/49 e 6.014/73. No que tange ao caso concreto ora analisado, verifica-se dos autos que o contrato celebrado (fls. 12/14) observa os ditames estabelecidos no artigo 135 do Código Civil e no artigo 11 do Decreto-lei n 58/37, não havendo impedimento à sua inscrição no registro de imóveis. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO oficia pelo conhecimento do writ e, no mérito, pela concessão da ordem de segurança pleiteada, nos termos do pedido exordial 1. Brasília - DF, 18 de agosto de 1998. RODOLFO CUNHA SALLES PJ - Assessor da Procuradoria-Geral de Justiça Aprovo. HUMBERTO ADJUTO ULHÔA Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios 1 A questão examinada foi objeto de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator Desembargador Otávio Augusto, publicado no D.J.U. de 25.8.99, p. 25, assim ementada: "Mandado de Segurança Registro Imobiliário e Prenotação de Dúvida de Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda - Possibilidade. O contrato particular de compromisso de compra e venda, disciplinado nos arts. 129, 134 e 135 do Código Civil e art. 639 do Código de Processo Civil e amparado pelo Decreto nº 58/37 e pelas Leis nºs. 649/49, 6014/73 e 6766/79, constitui-se documento legalmente reconhecido para o registro definitivo do título no cartório imobiliário, sobretudo em se tratando de imóvel quitado e desembaraçado de qualquer ônus, permitindo-se no entanto, se necessário, suscitação de dúvida registrária. Ordem parcialmente concedida. Unânime. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 179 189, jan./jun. 2000. 189