DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO E A OCORRÊNCIA DOS FENÔMENOS DA REPRISTINAÇÃO E RETROATIVIDADE DA NORMA

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DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO E A OCORRÊNCIA DOS FENÔMENOS DA REPRISTINAÇÃO E RETROATIVIDADE DA NORMA ANA CAROLINA DE CASSIA FRANCO* AMILTON LUIZ DE ARRUDA SAMPAIO** MARCOS VINICIUS MONTEIRO DE OLIVEIRA*** SANDRA MARIA ALMEIDA ABREU DE ANDRADE*** RESUMO Este trabalho visa abordar um dos temas mais intrigantes na área de Direito Tributário, o da prescrição, ocorrência elencada no art. 156, V, do Código Tributário Nacional, como uma das causas de extinção do crédito tributário, cujas causas de interrupção já foram objeto de regulamentação por meio de várias normas, sendo certo que as várias alterações acabaram por permitir a verdadeira repristinação de comandos legais. Palavras-chave: Prescrição. Interrupção. Repristinação. Retroatividade. Crédito Tributário. Advogada e Professora do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - anac-franco@ig.com.br; **Advogado e Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro advamilton@uol.com.br ; ***Advogado e Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito mvm_oliveira@terra.com.br ; ****Advogada e Defensora da OAB pela IV Turma Disciplinar do TED-Capital, Professora do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito sandra.abreu@globo.com.

1 INTRODUÇÃO O Direito Tributário é o ramo do Direito que regulamenta a relação mantida entre o Estado e o cidadão no regular exercício daquele do denominado Poder de tributar. Como é sabido, devido ao fato de que o Estado não possui competência para exercer regularmente atividade econômica 1, conforme dispõe o art. 173, da Constituição Federal, cabe-lhe, unicamente o exercício da denominada atividade financeira 2, por meio da qual obtém os recursos financeiros de que necessita. A tributação opera verdadeira transferência compulsória de recursos financeiros da iniciativa privada para o Estado, e nessa atividade de tributar ocorre o desenvolvimento de verdadeira relação jurídica, pois há regulamentação legal sobre a mesma. Outrossim, a relação também possui natureza tributária, já que seu objeto é a cobrança de tributos. Como toda relação jurídica, esta também nasce com a obrigação de pagar o tributo, se desenvolve regularmente com o apontamento do valor e do prazo para pagamento desse tributo e se extingue em determinado momento, sendo certo que a causa mais comum de extinção da relação jurídica-tributária é o pagamento do tributo. Entretanto, o art. 156, do Código Tributário Nacional, descreve um rol de causas que extinguem a relação jurídicatributária, nos trazendo várias outras hipóteses para essa ocorrência. 1 Entende-se por atividade econômica a congregação de recursos econômicos, trabalho e recursos materiais, no desenvolvimento de atividade regular focada na produção de bens e serviços para o mercado, com o intuito de se obter lucro. 2 Conjunto de atos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que necessita para atingir os seus fins (MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 56)

No presente trabalho, a causa que mais interessa é a denominada prescrição, que, malgrado tenha um significado perante a Teoria Geral do Direito, no sentido de que representa a morte da ação que tutela o direito do agente, no âmbito específico do Direito Tributário representa efeito mais amplo, já que representará não só a morte do direito de ação, mas, também, a morte do próprio direito em si, tudo conforme se depreende da leitura dos arts. 156, V e 174, ambos do Código Tributário Nacional. Curiosamente, a regulamentação da prescrição no Direito Tributário já sofreu várias alterações, mormente no que tange ao seu termo inicial e as causas de sua interrupção 3 e essas alterações propiciaram, em certo momento, o conflito entre normas que, segundo a teoria de Hans Kelsen adotada pelo direito pátrio, podem ser consideradas de nível hierárquico diferente, e isso acabou por permitir até a ocorrência de repristinação, conforme se demonstrará adiante. 2 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS O Código Tributário Nacional surgiu como lei ordinária, sob o número 5172, entrando em vigor em 25 de outubro de 1966. Tratou das causas de extinção da relação jurídica-tributária em seu art. 156, elencando, conforme já fora dito, a prescrição como uma dessas causas. Por outro lado, utilizando o conceito geral de prescrição, trouxe, também, a previsão sobre as causas que propiciariam a interrupção do prazo prescricional, isso, já no art. 174, I a IV. 3 O art. 174, parágrafo único, I a IV, do CTN prevê as situações em que o prazo de prescrição será interrompido, zerando-se a contagem do quinquênio, com a integral devolução do tempo ao interessado, sendo a causa interruptiva o dies a quo do novo prazo de prescrição (SABBAG, Eduardo, Manual de Direito Tributário, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 813/814)

No inciso I, o citado artigo inseriu o comando no sentido de que somente a citação pessoal feita ao devedor propiciaria a interrupção do prazo prescricional, sendo certo que tal comando exigiria do fisco agilidade na propositura da competente ação de cobrança ou execução de crédito tributário regular e definitivamente constituído, pois, mesmo tendo crédito a seu favor, poderia ver seu direito mitigado em razão da não localização do devedor. Considerando que esse se demonstrou um encargo muito elevado para as Fazendas Públicas das mais variadas esferas, algo deveria ser feito e o foi. Em 22 de setembro de 1980, entra em vigor a lei ordinária federal de número 6830, a qual dispõe sobre a cobrança judicial de Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências. A referida lei, diga-se, de mesmo nível hierárquico do antigo Código Tributário Nacional, trouxe em seu art. 8º, parágrafo 2º, o comando no sentido de que o despacho do juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição. Diante dessa nova norma inserida pela lei número 6830, o encargo para as Fazendas Públicas foi diminuído sensivelmente, pois agora, bastava a propositura e a distribuição da competente ação de cobrança do crédito tributário inadimplido, para que houvesse o recomeço da contagem do prazo prescricional. Isso fez com que os contribuintes viessem a perder uma grande oportunidade de ver extintas as ações por meio da prescrição.

3 DA RECEPÇÃO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SEUS EFEITOS Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição Federal, que, em seu art. 146, III, a e b, dispôs que somente lei complementar poderia tratar, dentre outras coisas, de prescrição em matéria tributária. Passados vários anos após a promulgação da Constituição Federal, a lei complementar prevista no citado art. 146 não foi editada, sendo certo que essa lacuna passou a causar efeitos negativos no sistema tributário nacional, o qual ainda vinha sendo mantido com base nos comandos do antigo Código Tributário Nacional, que, como sabemos, possui a natureza de lei ordinária. Entretanto, após várias considerações de cunho doutrinário e até mesmo decisões proferidas pelas mais altas cortes do país, surgiu a tese de que, na ausência de uma lei complementar especialmente criada para atender o comando constitucional trazido no citado art. 146, o próprio Código Tributário Nacional, que trata das mesmas matérias, teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional e, consequentemente, teria sido guindado à categoria de lei complementar. 4 DA REPRISTINAÇÃO DA NORMA TRAZIDA NO ART. 174, I, DO CTN Diante da nova realidade, quando o antigo Código Tributário Nacional passou a ser considerado uma lei complementar, surgiu em prol dos contribuintes uma outra tese, qual

seja, a de que a lei de execuções fiscais, lei 6830 de 22 de setembro de 1980, na qualidade de lei ordinária, não poderia ter seu comando presente no citado art. 8º, parágrafo 2º, se sobrepondo ao comando presente em lei complementar. Essa nova tese passou a ser defendida perante os tribunais, que acabaram por acatá-la por inteiro, beneficiando, assim, os contribuintes, ou seja, a partir de seu acatamento, o judiciário passou a considerar que a interrupção do prazo prescricional não se daria mais apenas com o simples despacho do juiz que determinasse a citação do devedor, mas somente pela citação pessoal feita ao devedor. 4 Mesmo com questionamentos feitos à época, essa tese ganhou força e atualmente é aceita de forma unânime e inquestionável. Neste ponto é interessante notar que ocorreu verdadeira repristinação de norma, pois basta uma recapitulação da ordem cronológica das ocorrências, para notarmos que uma lei ordinária de 1966 (CTN), havia tido um de seus dispositivos revogado por outra lei ordinária de 1980 ( Lei nº 6830/80 Lei de Execuções Fiscais) 5 ; entretanto, em face da recepção do antigo Código Tributário Nacional por parte da nova Constituição Federal, e a consequente elevação da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 à categoria de Lei complementar, voltou-se a falar na plena vigência do dispositivo então revogado. 4 Aliás, a Lei n. 6830, de 22.9.1980, estabelece que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição (art. 8º, 2º). A jurisprudência vinha negando aplicação desse dispositivo, em face do art. 174, parágrafo único, I, do CTN. (MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 246) 5 Lei Federal n. 6830/80, art. 42 Revogadas as disposições em contrário, esta Lei entrará em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Cabe notar que não se pretende aqui adentrar em matéria relativa à Lei de Introdução do Código Civil, mas basta-nos relembrar os primeiros ensinamentos passados no início de qualquer curso de Direito, para podermos observar com detalhes o fenômeno ocorrido. E não basta dizer que isso tudo ocorreu porque a Constituição Federal determinou que a prescrição só poderia ser regulada por meio de Lei Complementar, pois deve ser lembrado que, quando a Constituição Federal foi promulgada, tecnicamente o quanto disposto no art. 174, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, não existia mais no mundo jurídico, pois havia sido revogado pelo art. 8º, parágrafo 2º, da Lei número 6830, de 22 de setembro de 1980. Para ilustrar o quanto já exposto, trazemos abaixo uma decisão proferida pelo STJ, no ano de 2004, conforme segue: PROCESSO CIVIL Tributário Prescrição Intercorrente Sócio-gerente Citação. Art. 40 da Lei n. 6830/80 e art. 174 do CTN. A jurisprudência da 1 e 2 Turmas desta Corte vem proclamando o entendimento no sentido de que o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável o disposto no art. 40 da Lei 6830/80 que deve-se harmonizar com as hipóteses de suspensão previstas no art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Precedentes. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, o qual tem natureza de lei complementar e, por isso, se sobrepõe à Lei de Execuções Fiscais n. 6830/80, que é lei ordinária. Não efetivada a regular citação do contribuinte antes de transcorridos cinco anos da data da constituição

definitiva do crédito tributário, por inércia do Estado exequente, a prescrição há de ser decretada. Agravo regimental improvido (STJ 2 T.; Ag.Rg no AI n. 541.255-RS; Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins; j. 16.12.2004; v.u.). É possível notar que o STJ, mesmo diante da expressa vedação ao fenômeno da repristinação em nosso ordenamento jurídico, adotou, à época, uma posição favorável ao contribuinte, pois entendeu que deveria vigorar um dispositivo que, conforme já dito, tecnicamente já havia sido revogado quando da promulgação da Lei número 6830. 5 DA LEI COMPLEMENTAR 118, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 Diante da então recente realidade, as Fazendas Públicas passaram a ter outra vez um grande encargo, pois novamente não bastava a propositura da ação de cobrança; seria necessário localizar e citar pessoalmente o devedor para que a prescrição tivesse o seu prazo interrompido. A resposta para esse problema veio através da edição da Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, a qual veio a dar nova redação ao art. 174, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, que passou a exigir tão somente o despacho do Juiz que ordena a citação do devedor em execução fiscal para que o prazo prescricional seja interrompido; valendo notar que, nesse caso, resta patente a plena aceitação de que o Código Tributário Nacional possui o status de Lei Complementar, pois a alteração do citado dispositivo nele inserido se deu por meio de edição de outra norma de mesmo nível hierárquico, ou seja, uma nova Lei Complementar.

Podemos de fato observar que, na prática, a tese, no sentido de que o Código Tributário Nacional possui status de lei complementar, foi aceita de forma inconteste e que as Fazendas Públicas voltaram a ter um grande benefício. 6 Entretanto, outra questão merece ser destacada, qual seja, a de que as Fazendas Públicas têm pretendido fazer valer a norma da Lei complementar 118, inclusive para os processos em andamento, operando até mesmo a retroatividade da referida norma, ou seja, mesmo as execuções fiscais que foram propostas antes da vigência da nova redação do art. 174, parágrafo único do Código Tributário Nacional, poderiam ter o prazo prescricional interrompido com o mero despacho do Juiz que ordenou a citação. Porém, o STJ não aceitou plenamente essa tese, impedindo a verdadeira retroação da referida norma, conforme podemos observar deste outro julgado reproduzido abaixo: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NÃO CONFIGURADA. OFENSA AO ARTIGO 262 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MATÉRIA NÃO ALEGADA NO RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. IRPJ. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ARTIGO 174 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, ALTERADO PELA LC 118/2005. 6 Aliás, a Lei n. 6.830, de 22.9.1980, estabelece que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição (art. 8º, 2º). A jurisprudência vinha negando aplicação desse dispositivo, em face do art. 174, parágrafo único, I, do CTN, que, agora, alterado pela Lei Complementar 118, de 9.9.2005, adotou a norma da referida lei ordinária. Dá-se, portanto, a interrupção da prescrição com o despacho do juiz que determina a citação na execução fiscal, e não mais com a citação. Cuida-se, sem dúvida, de mais um privilégio da Fazenda Pública relativamente aos credores em geral, que, nos termos do Código de Processo Civil, continuam a ter como causa interruptiva da prescrição a citação válida do devedor (CPC, art. 219). (MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 246)

APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. EXCEÇÃO AOS DESPACHOS PROFERIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI. ARTIGO 2º, 3º, DA LEI N. 6830/80. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO POR 180 DIAS. NORMA APLICÁVEL SOMENTE ÀS DÍVIDAS NÃO TRIBUTÁRIAS. SÚMULA 106/STJ. REEXAME DO ACERVO FÁTICO- PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. (...) 3. Conforme entendimento consolidado no julgamento do Resp 999.901/RS, de relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao regime dos recurso repetitivos, o mero despacho que determina a citação não possuía o efeito de interromper a prescrição, mas somente a citação pessoal do devedor, nos moldes da antiga redação do artigo 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional; todavia, a Lei Complementar n. 118/2005 alterou o referido dispositivo para atribuir efeito interruptivo ao despacho ordinatório de citação. Por tal inovação se tratar de norma processual, aplica-se aos processos em curso. 4. O referido recurso repetitivo assentou que a data da propositura da ação pode ser anterior; entretanto, o despacho que ordena a citação deve ser posterior à vigência da nova redação do artigo 174, dada pela Lei Complementar n. 118/2005, sob pena de retroação. No caso concreto, a execução fiscal foi autuada em 9/5/2001, sendo o despacho que ordenou a citação prolatado em 25/10/2001, portanto, antes da entrada em vigor da citada lei" (STJ - Primeira Turma - AgRg no Ag nº 1.261.841/PE - Rel. Min. Benedito Gonçalves - j. 13/09/2010). 6 CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, é possível notar, com meridiana clareza, que a questão gerou muita controvérsia, tudo em razão de falhas na aplicação das normas previstas no

Decreto-lei número 4657, de 4 de setembro de 1.942, conhecido comumente como Lei de Introdução ao Código Civil. Como já foi dito, bastaria atenção especial ao comando inserido no art. 2º do referido Decreto-lei, para que muitos dos problemas enfrentados durante muito tempo sequer tivessem surgido. Malgrado os contribuintes tivessem se beneficiado com a confusão gerada durante certo tempo, atualmente a situação é favorável às Fazendas Públicas, tudo graças ao novo comando inserido no art. 174, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, que teve sua redação alterada por meio da Lei Complementar 118. Interessante notar que mais uma vez a aplicação prática do Direito positivo não seguiu à risca todos os comandos normativos aplicáveis, o que demonstra a grande dificuldade imposta para os operadores do Direito, mormente quando se vive diante de um ordenamento jurídico tão complexo e de proporções exageradas.

REFERÊNCIAS BRASIL, Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1.966; BRASIL, Lei ordinária nº 6.830, de 22 de setembro de 1.980; BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1.988; BRASIL, Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2.005 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007; SABBAG, Eduardo, Manual de Direito Tributário, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011