A RELAÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA COM A CERTIFICAÇÃO DE INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA GEOGRÁFICA FARROUPILHA

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Transcrição:

A RELAÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA COM A CERTIFICAÇÃO DE INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA GEOGRÁFICA FARROUPILHA Resumo Juliano da Silva Merlugo, Tamára Cecília Karawejczyk Telles (orient.) Universidade La Salle Este estudo buscou compreender a relação do conceito de cultura com o discurso das entrevistas com os produtores de vinho de Farroupilha/RS, em decorrência da certificação Indicação de Procedência (IP). Através da pesquisa descritiva exploratória e da pesquisa bibliográfica, pode-se confirmar a tradição, cultura e perseverança destes produtores e a relação da IP com a sustentabilidade social e ambiental da região, a qual foi fundamental para agregar valor e estimular o desenvolvimento da cidade. Palavras-chave: Cultura, Vinho, Farroupilha. Área Temática: Ciências Humanas. 1. Introdução - Propósito central do trabalho Os estudos realizados sobre o conceito da palavra cultura permeiam diversas áreas de conhecimentos. Não restam dúvidas de que durante décadas, uma série de correntes teóricas foi desenvolvida a respeito do tema, o que resultou, hoje, em um conceito dinâmico. Cabe apontar que no conceito social, constitui-se de valores que são construídos através do convívio de indivíduos que impacta diretamente a sociedade e as organizações, e que pode ser um fator que estimula ou inibe o sucesso dos seus processos de evolução (LARAIA, 2003). Tão importante quanto entender o conceito literário de cultura é compreendê-lo em termos práticos, em uma análise voltada ao quadro histórico-social de uma região. Nesse ponto, sabe-se de antemão que a vinda de imigrantes italianos ao Rio Grande do Sul, por volta de 1870, fez com que o mapa do vinho brasileiro fosse cada vez mais relevante e respeitável (COSTA, 1988). Assim, chama-se a atenção para a compreensão dessa histórica cultura da videira no estado e sua relação com o desenvolvimento notório da vitivinicultura gaúcha. Pode-se dizer que como o quinto maior produtor vitivinícola do Hemisfério Sul, o Brasil vem produzindo vinhos desde o começo de sua colonização (TONIETTO & ZANUS, 2007) e o desenvolvimento da tecnologia voltado à produção da uva e do vinho é um dos desafios enfrentados pelo setor vitivinícola brasileiro, predominantemente concentrado na região da Serra Gaúcha/RS. Este desenvolvimento ressalta a necessidade de criar e disseminar uma cultura empreendedora com forte orientação para a formação de cadeias produtivas, entre outros fatores, associados ao desenvolvimento sustentável da região. Não é exagero afirmar que este contexto levou 09 vinícolas do município de Farroupilha/RS, localizadas na Serra Gaúcha, a conquistarem em 2015 o certificado da mais nova Indicação Geográfica (IG) que qualifica e especializa o desenvolvimento do agronegócio brasileiro para atender aos mercados nacional e internacional (TAFFAREL, 2013). É sinal de que há, enfim, uma nova geração de produtos em Farroupilha que além de apresentar qualidade, estão ligados à origem de produção. Diante destes fatos, este estudo apresenta a seguinte problemática: qual a relação do conceito de cultura com o discurso apresentado nas entrevistas realizadas com os produtores da região de Farroupilha em decorrência desta certificação?

2. Marco Teórico 2.1 O conceito de cultura na visão de Kuper e Laraia A palavra cultura tem origem do latim cultura e pode ser definida como os padrões de comportamentos, crenças, símbolos e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano ao longo da vida, que são transmitidos coletivamente e que estão relacionados a um sistema social. Pode-se dizer que na concepção ancorada no século XVIII, a palavra cultura obteve algumas representações voltadas à civilização, na qual a França e Alemanha nortearam alguns estudos e debates sobre o tema, fazendo com que os franceses relacionassem a cultura com fatos políticos, econômicos, morais e sociais, enquanto os alemães a considerassem como um complexo de fatos artísticos, intelectuais e religiosos. Neste contexto, fica claro que a cultura englobava diferentes atividades e interesses característicos de uma população (KUPER, 2002). O mais preocupante, contudo, é constatar que o conceito de cultura nos dias atuais se tornou, sobretudo, difícil. Não é exagero afirmar que a cultura pode ser estudada sobre diversos pontos de vistas, fazendo com que seus autores escolham uma perspectiva para poder defini-la. A partir de algumas teorias fundamentadas na Antropologia, Kuper (2002) sugere que o conceito de cultura seja utilizado para definir objetos teóricos, elaborados a partir de análises comparativas com base em construções sociológicas das realidades observadas. Trata-se inegavelmente de que toda a relação entre os seres humanos socialmente organizados envolve seus momentos históricos. Seria um erro, porém, não atribuir que cada geração evolui e atualiza o seu discurso, comumente adaptando-se ao contexto cientifico do momento (KUPER, 2002). Assim, reveste-se de particular importância que mesmo sendo manifestados de forma moderna, os discursos sobre cultura não são inventados desafrontadamente. Sob essa ótica, ganha particular relevância, compreender que os discursos sobre cultura concernem a determinadas tradições intelectuais que persistiram por gerações, estabelecendo pontos de vistas da natureza humana e da história, que consequentemente, acarretou uma série de discussões pelo mundo. Conforme citado acima, é preciso ir além e compreender que diferente de um conhecimento científico, o conhecimento sobre cultura está relacionado a um contexto subjetivo. É exatamente o caso de quando algo é certo para alguns e ao mesmo tempo pode ser considerado errado para outros, gerando um confronto total de culturas no momento em que pessoas de locais diferentes atuam em um mesmo ambiente. Por essas razões, existe a dificuldade da saída ilesa de um indivíduo no momento em que ele sofre a influência de outra cultura. É notório que isso resulta o efeito da globalização, por vezes, potencializada pelas mídias e tecnologias, pois o capitalismo tornou-se algo presente e ativo em nosso dia a dia. O que importa, portanto, é compreender que as pessoas são influenciáveis por natureza e que este fato não se relaciona a um ponto positivo ou negativo. Kuper (2002) comenta que quanto mais as ciências humanas se consolidavam, mais as escolas de pensamento rivais recorriam a essas perspectivas clássicas sobre cultura. Vê-se, pois, que ouve uma transformação no século XX na qual uma sociedade cientifica evoluída foi reproduzida para o contexto da globalização. Contribuindo com o conceito de cultura, Kroeber (apud LARAIA, 2001, p. 45) afirma que "o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam". É importante ressaltar que esta análise da cultura relaciona-se com aspectos da aprendizagem, no momento em que os comportamentos do indivíduo são, por ele, projetados. Mas, em cima disso, para entender cultura na visão deste autor, é fundamental olhar para o processo contínuo de modificação do indivíduo, que resulta em uma mudança cultural entendida, segundo Laraia (2001) de duas formas: uma externa, onde os sistemas culturais dialogam e outra interna, resultante do movimento do sistema cultural. O autor deixa claro que a cultura é como um processo de criação no qual as pessoas, bem como os grupos sociais, estão em constante formação, incorporando valores sociais e transformando-os em práticas que se articulam em normas sociais.

O autor deixa claro que o conceito de cultura está relacionado às manifestações iluministas e percorre até os autores modernos, demonstrando em sua obra a influencia da cultura no comportamento social e como a humanidade é, por ela, diversificada, ainda que tenha comprovado uma unidade biológica sobre seu conceito. Kuper complementa a afirmação de Laraia quando menciona que a cultura é responsável pela diferenciação dos seres humanos dos outros animais e de nações entre nações e que não podia ser herdada biologicamente, mas sim, assimilada, adquirida e até mesmo emprestada. É importante ressaltar que Kuper considera importante a necessidade de respeitar todas as manifestações e as formas de vida de diferentes povos, independente de sua cultura, mesmo tomando-a como um sentindo mais amplo, onde está atrelada aos níveis econômicos de classe. É o caso aqui de que apenas pessoas que possuem melhores condições financeiras conseguem ter acesso à cultura, a ponto de entendê-la e prestigiá-la. Julgo pertinente apontar de que é fundamental para a humanidade a compreensão das divergências entre povos de culturas diferentes, assim como necessário entender essas divergências que ocorrem dentro de mesmo sistema social. Por fim, conforme aponta Laraia (2001, p. 101) "este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir". 2.2 A Indicação de Procedência Geográfica Durante décadas têm-se observado mudanças expressivas associadas com o nível de competitividade de inúmeros produtos comercializados entre as principais nações industrializadas, as quais buscaram promover seu crescimento e desenvolvimento por meio de recursos explorados como ativos econômicos (PIMENTEL, 2013). As crescentes exigências dos consumidores com relação à qualidade do produto, o estabelecimento de políticas protecionistas e de subsídios, a existência de barreiras tarifárias e não tarifárias, a inovação tecnológica, os mecanismos de comercialização e os investimentos em estratégias de marketing tem contribuído para aumentar a competição entre os países (LAZZAROTTO, 2013). Neste contexto, o autor contribui afirmando que nos últimos anos, este ambiente competitivo e as mudanças relacionadas com hábitos, padrões e, inclusive, a renda dos consumidores resultou em significativa ampliação do comercial mundial de frutas. Fica claro que, de forma crescente, estes padrões dos consumidores direcionaram as empresas destes segmentos para a aquisição de alimentos frescos e que apresentem maiores garantias em termos de qualidade e questões do âmbito sanitário e organoléptico. É importante constatar que, dentro deste cenário, a uva de mesa encontra-se no ranking das frutas de maior destaque (LARAZZAROTO, 2013). Conforme citado acima, é interessante observamos que os produtos relacionados ao ramo alimentício no mercado exterior operam com baixo preço e ainda, atendem as rigorosas exigências de padronização, fato que mostra claramente a geração de uma competitividade. Neste caso, o fato que se sobrepõe aqui é o foco na diferenciação do produto, pois segundo Glass (2009), há espaço no mercado tanto para consumidores interessados em produtos comuns, padronizados e baratos, quanto para consumidores atraídos por produtos sofisticados, únicos, motivados pela manutenção de um estilo de vida. É sinal de que há, enfim, um consumidor que busca pela satisfação em contribuir para a perpetuação de certo modo de produção, de uma determinada cultura. É neste cenário que as Indicações de Procedência Geográficas ganham destaque, as quais Ferreira et al (2013), apresentam como um processo que tem como finalidade identificar um produto ou serviço de determinado território. O autor deixa claro que se trata de um procedimento similar ao registro civil de uma pessoa, que lhe garante direitos civis estabelecidos pela Constituição. Assim, é importante mencionar a colocação do autor sobre a caracterização da Indicação Geográfica como um direito exclusivo ligado a propriedade industrial, com natureza e uso coletivo, vinculado a uma região específica. Sob essa ótica, ganha relevância a evidência trazida por Boechat e Alves (2011) referente à importância da Indicação Geográfica na valorização do patrimônio cultural e do turismo, o que, segundo eles, pode trazer uma maior abertura de mercado, a padronização dos produtos e o estímulo ao agroturismo.

Os autores deixam claro em suas obras que as Indicações de Procedência Geográficas favoreceram a agricultura familiar, beneficiando aqueles produtores que possuíam pequenas escalas de produção no momento em que se agregou valor dos seus produtos. O mais preocupante, contudo é a relevância deste assunto quando se trata do mercado internacional, pois conforme Caldas et al.(2005 apud GLASS, 2009) os produtos de regiões com denominações específicas são recorrentemente peças de destaque e disputa nos organismos que regulam o comércio internacional, principalmente por seu valor econômico e primordialmente no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Podemos afirmar que as exigências do mercado por produtos de qualidade comprovada, oriundos de processos produtivos que valorizam a origem dos produtos e sua segurança alimentar, entre outros fatores, são cada vez maiores, "tornando indispensável à adoção de sistemas de certificação da produção para competir em mercados mais exigentes" (CAMARGO et al., 2011, p. 147). Diante destes dados, cabe, portanto salientar que o setor vitivinícola brasileiro avançou significativamente nos últimos anos através da produção integrada de uvas finas de mesa, da definição das primeiras Indicações de Procedência Geográficas para a produção de vinhos finos e da produção orgânica de uva e vinho. 3. Metodologia Este trabalho foi desenvolvido através da pesquisa descritiva exploratória, articulada em uma abordagem qualitativa na qual considerou os aspectos culturais relacionados aos discursos apresentados pelo prefeito da cidade e demais profissionais vinculados à produção de vinhos, na obtenção da Indicação de Procedência (IP) na região de Farroupilha/RS. Foi realizado o levantamento bibliográfico, o qual contemplou dados documentais, a pesquisa em livros, periódicos, artigos, documentos monográficos e sites específicos sobre o tema em questão, os quais forneceram o embasamento teórico para este trabalho. A coleta de dados foi realizada com base no conteúdo de 02 (duas) entrevistas: a primeira conduzida pela Embrapa no dia 17 de julho de 2015 com o título "Farroupilha é a nova Indicação de Procedência de Vinhos Finos do Brasil ; e a segunda conduzida pelo INPI no dia 29 de outubro de 2015 com o título "Tradição, cultura e qualidade na entrega do certificado da IP Farroupilha". As entrevistas contemplaram os depoimentos de Claiton Gonçalves, prefeito da cidade de Farroupilha/RS, João Carlos Taffarel, presidente da AFAVIN, analista e supervisor do setor de prospecção e avaliação de Tecnologias da Embrapa Uva e Vinho; Mauro Zanus, chefe-geral da Embrapa; Luiz Otávio Pimentel, presidente do INPI e do pesquisador Jorge Tonietto, coordenador dos projetos relativos às Indicações de Procedência Geográficas. Buscando identificar os aspectos culturais relacionados ao discurso dos profissionais envolvidos na produção de vinhos perante a obtenção da Indicação de Procedência (IP) na região de Farroupilha/RS, consideram-se neste trabalho as dimensões culturais do referido ambiente e os conceitos de cultura com base na bibliografia de Andam Kuper, e Roque de Barros Laraia. O procedimento de análise de conteúdo contemplou 03 fases: a pré-análise, na qual foram sistematizadas as ideias iniciais sobre o conceito de cultura, a cidade de Farroupilha e seu histórico da vitivinicultura e a Indicação de Procedência (IP); a exploração do material pesquisado através de recortes dos textos e palavras-chaves; e por fim a inferência e interpretação dos dados, respaldadas no referencial teórico sobre cultura. 4. Considerações Finais A Indicação de Procedência (IP) de Farroupilha remete-se a uma área demarcada que reflete à histórica região produtora de uvas moscatéis da Serra Gaúcha. Desta forma, este artigo tem como objetivo analisar o discurso apresentado pelos produtores de vinho da região de Farroupilha em duas entrevistas realizadas pelo INPI e pela Embrapa, apontando os aspectos envolvidos na vitivinicultura da região e sua relação com o conceito de cultura. No Brasil, a produção de vinhos finos está concentrada basicamente na Campanha e na Serra Gaúcha, onde há a forte influência da colonização italiana e alemã, que, há mais de

um século inseriram no estado do Rio Grande do Sul a cultura vitivinícola. Diante deste fato, no momento em que se explora e compreende os aspectos desta cultura, nutre-se um processo educacional sobre a produção de uva e vinho de total importância para os produtores e para as vinícolas desta região. Além disso, com as Indicações de Procedência Geográficas no Brasil, a viticultura tem contribuído fortemente para o desenvolvimento dos territórios envolvidos, promovendo a agregação de valor aos produtos e a valorização de seus respectivos fatores naturais e culturais. Esta ação pode ser traduzida como uma opção concreta para qualificar e especializar o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, por meio de uma nova geração de produtos de qualidade ligados à origem de produção, para atender ao mercado nacional e internacional. Em suma, este exposto pode ser considerado um incentivo para que as vinícolas tenham a sua continuidade e destaque no segmento (TONIETTO & ZANUS, 2007). É importante ressaltar que, se constituindo de valores formados socialmente, a cultura pode impactar uma sociedade e as organizações que a compõe, mas, em cima disso, esta ação pode ser um fator impulsionador para o desenvolvimento e para o processo de mudança de toda uma região/estado/país. As novas estruturais organizacionais, a preocupação pela qualidade, o avanço da tecnologia, entre outros, vem contribuindo a cada dia para inovação em produtos, serviços e processos. Ora, a prática destes contextos organizacionais diversificados determinam novas práticas e formas de agir de grupos e indivíduos. Nesse sentido, este trabalho contribui para o levantamento de práticas humanas e organizacionais que podem promover contribuições para os produtores vitivinícolas que, de um modo geral, concebem resultados organizacionais. Referências BOECHAT, A. M. F; ALVES, Y. B. O uso da Indicação Geográfica para o Desenvolvimento Regional: o caso da carne do Pampa Gaúcho. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA CESUMAR (EPCC), 2011, Maringá. Anais eletrônicos. Maringá: Cesumar, 25 a 28 out. 2011. CAMARGO, Umberto Almeida; TONIETTO, Jorge; HOFFMANN, Alexandre. Progressos na Viticultura Brasileira. Rev. Bras. Frutic. Jaboticabal - SP, Volume Especial, E. 144-149, Outubro 2011. COSTA, Rovilio. Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. Caxias do Sul: EDUCS, 1988. EMBRAPA. Sistema de Produção de Uvas Rústicas para Processamento em Regiões Tropicais do Brasil, 2005. Disponível em <http://www.cnpuv.embrapa.br/publica/sprod/uvasrusticasparaprocessamento/cultivares.htm>. Acesso em 20 de Julho 2017. FERREIRA, A. M. et al. Indicação Geográfica no Brasil: aspectos legais. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 127-134. GLASS, Rogério Fabrício. As indicações geográficas como estratégia mercadológica para vinhos / Rogério Fabrício Glass, Antônio Maria Gomes de Castro. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2009. 113 p. (Textos para Discussão / Embrapa. Secretaria de Gestão e Estratégia, ISSN 1677-5473; 35). KUPER, A. Cultura, a visão dos antropólogos. São Paulo: EDUSC, 2002. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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