UTILIZAÇÃO DA GASOMETRIA SANGUÍNEA VENOSA NO DIAGNÓSTICO DE DISTÚRBIOS DO DESEQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE EM CÃES DOENTES RENAIS CRÔNICOS: RESULTADOS PRELIMINARES Paula Damasceno Gomes 1, Saura Nayane de Souza 2, Layla Livia de Queiroz 2, Marynis Santos 1, Manoella Sena Araujo 1, Maria Clorinda Soares Fioravanti 3 1 Acadêmica em Medicina Veterinária, Bolsista em Iniciação Científica, Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ), Universidade Federal de Goiás (UFG) damasceno94@gmail.com 2 Médica Veterinária, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, EVZ, UFG 3 Professora Associada IV, Departamento de Medicina Veterinária, EVZ, UFG, Bolsista em Produtividade CNPq. Resumo A doença renal crônica (DRC) é uma doença de caráter progressivo e a disfunção renal é proporcional à gravidade da doença, assim como seu prognóstico. Como é uma doença insidiosa, o diagnóstico é feito tardiamente na maioria dos casos. Portanto, os exames complementares são importantes ferramentas para o diagnóstico precoce da DRC em cães. Com esse estudo objetivou-se determinar e quantificar os distúrbios decorrentes do desequilíbrio ácido base em cães com DRC nos diferentes estádios de evolução da doença. O estudo foi conduzido no Hospital Veterinário da EVZ/UFG e constou da avaliação de 50 cães da rotina, subdivididos em grupos de acordo com o estádio da DRC determinada pela Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS). Para a realização da gasometria foi colhido sangue venoso utilizando seringas plásticas contendo heparina sódica. Os parâmetros gasométricos considerados foram ph, pco2, HCO3, tco2 e BE. Os resultados foram avaliados quanto à normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk e da homogeneidade de variâncias por meio do teste de Bartlett. Para a comparação entre os grupos foi realizada à análise de variância (ANOVA) com o teste de Scott- Knott. O principal distúrbio ácido-base detectado foi a acidose metabólica, detectada pelos parâmetros ph, HCO3- e tco2, com valores decrescentes a medida que o quadro clínico se tornava mais grave e diferença significativa para os pacientes do Grupo IRIS 4. Palavras-chave: acidose metabólica, diagnóstico laboratorial, hemogasometria, nefropatia Keywords: hemogasometry, laboratory diagnosis, metabolic acidosis, nephropathy ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0901
2 Introdução O termo doença renal crônica (DRC) é utilizado para definir a presença de lesão renal persistente pelo período mínimo de três meses, caracterizada pela perda definitiva e irreversível de massa funcional e/ou estrutural de um ou de ambos os rins, com redução da taxa de filtração glomerular (TFG) de até 50% em relação a sua condição normal (POLZIN et al., 2005). A Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS) propõe um sistema de classificação composto por quatro estádios de evolução da DRC em cães, estabelecidos principalmente de acordo com as concentrações séricas de creatinina. No estádio I a concentração de creatinina é < 1,4 mg/dl; no estádio II a creatinina apresenta-se entre 1,4 a 2,0 mg/dl. Pacientes nos estádios I e II geralmente não apresentam manifestações clínicas de disfunção renal, à exceção de poliúria e polidipsia. No estádio III a creatinina está entre 2 a 5 mg/dl e é definido pela presença de azotemia em grau moderado. No estádio IV a creatinina é > 5 mg/dl e observam-se sinais clínicos referentes a síndrome urêmica (BROWN, 2006). O diagnóstico da DRC consiste na anamnese, exame físico, achados laboratoriais e presença de lesões estruturais nos rins detectadas pela biópsia e/ou exames de imagem. As alterações laboratoriais consistem no aumento das concentrações séricas de ureia e creatinina, hiperfosfatemia, alterações eletrolíticas, acidose metabólica, hipoalbuminemia, anemia não regenerativa e aumento sérico de amilase e lipase (POLZIN et al., 2005). A acidose metabólica é o distúrbio ácido base mais frequentemente observado na rotina clínica em cães (HOUPT, 1993). A gasometria é o exame que permite a avaliação do equilíbrio ácido base, da ventilação alveolar, da oxigenação e da função metabólica. Por mais que a DRC seja irreversível, os sinais clínicos mais severos podem ser diminuídos com o tratamento adequado (WARE, 2003). O objetivo do presente trabalho foi determinar e quantificar os distúrbios avaliados por hemogasometria nos diferentes estádios de evolução da doença renal crônica em cães. Metodologia O estudo foi desenvolvido no Hospital Veterinário da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (HV-UFG), Goiânia, com a aprovação da CEUA/UFG, protocolo 072/2013. Foram avaliados 50 cães de ambos os sexos e idades variadas, pertencentes a tutores (domiciliados), encaminhados por ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0902
3 veterinários do HV-UFG e de outras clínicas da cidade de Goiânia. Os pacientes atendidos foram divididos de acordo com o estadiamento determinado pela IRIS. O tratamento para DRC foi prescrito a todos os pacientes de acordo com as recomendações da IRIS e foram marcados retornos mensais. Para a inclusão neste estudo os cães apresentavam a concentração sérica de creatinina acima de 1,5 mg/dl ou a relação proteína/creatinina urinária maior que 0,5. Como critério de exclusão foi considerado a existência de outras enfermidades concomitantes, clinicamente detectadas. Foi colhido 1 ml de sangue venoso utilizando-se agulhas descartáveis acopladas às seringas plásticas contendo heparina sódica (cerca de 1000 UI). As análises hemogasométricas foram realizadas imediatamente após a colheita em analisador de gases sanguíneos (Gasômentro COBAS B 121 - Roche). Os parâmetros gasométricos considerados foram: ph, pressão parcial de gás carbônico (pco2), bicarbonato (HCO3), dióxido de carbono total (tco2) e excesso de base (BE). Após a tabulação dos dados foi realizada a estatística descritiva, a qual constou de média, desvio padrão e coeficiente de variação dos parâmetros estudados. Em seguida foram avaliados quanto à normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk e da homogeneidade pelo teste de Bartlett. Para comparação entre os grupos foi utilizado a análise de variância (ANOVA) pelo teste Scott-Knott. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa R e o Excel. Resultados e Discussão Os grupos IRIS 1, 2, 3 e 4 consistiram de quatro pacientes no estádio IRIS 1 (8%), oito pacientes IRIS 2 (16%), 21 pacientes IRIS 3 (42%) e 17 pacientes IRIS 4 (34%). Os valores médios referentes ao ph dos grupos IRIS 1, 2, 3 e 4 foram respectivamente 7,37, 7,38, 7,36 e 7,29. Em relação ao pco2, os valores médios referentes aos grupos 1, 2, 3 e 4 foram respectivamente 35,9 mmhg, 32,0 mmhg, 33,2 mmhg e 31,7 mmhg. Em relação ao HCO3- os valores médios referentes aos grupos 1, 2, 3 e 4 foram respectivamente 20,7 mmol/l, 18,8 mmol/l, 18,4 mmol/l e 15,3 mmol/l. Em relação ao tco2 os valores médios referentes aos grupos 1, 2, 3 e 4 foram respectivamente 21,9 mmol/l, 19,7 mmol/l, 19,5 mmol/l e 15,9 mmol/l. E em relação ao parâmetro BE os valores médios referentes aos grupos 1, 2, 3 e 4 foram respectivamente -3,80 mmol/l, -5,17 mmol/l, - 4,12 mmol/l e -7,46 mmol/l. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0903
4 Considerando o ph, HCO3- e tco2 houve diferença estatística (p<0,05) do grupo IRIS 4 em relação aos demais grupos. Os outros parâmetros (pco2 e BE) não apresentaram diferença significativa. Navaneethan et al. (2011) afirmam que o estado do equilíbrio ácido base pode ser avaliado pela mensuração do ph sanguíneo e da concentração de bicarbonato por meio da gasometria arterial ou venosa, concomitantemente a mensuração do bicarbonato sérico ou plasmático, e de dióxido de carbono total (tco2), que oferece uma medida do estado ácido base. Resultados com uma baixa ou alta concentração de dióxido de carbono total (tco2) estão associados com o aumento da mortalidade em pequenos animais. O parâmetro tco2 no presente estudo apresentou valores significativamente menores no grupo IRIS 4 em relação aos demais, apresentando um valor médio de 15,91 mmhg. Os valores médios referentes ao ph apresentados pelos grupos IRIS 1, 2 e 3 encontraram-se dentro da normalidade estabelecida pelos valores de referência (7,4). O grupo IRIS 4 apresentou valor médio (7,29) abaixo do valor de referência da literatura e apresentou diferença significativamente menor, comprovando uma acidemia moderada. De acordo com Verlander (1992) em animais com DRC, a acidose normalmente é moderada, não ocorre acidemia grave, ou seja, o ph não é menor do que 7,2. A acidose metabólica pode ocorrer em qualquer estádio da DRC e deve ser tratado quando a concentração de bicarbonato sanguíneo ficar abaixo do intervalo de normalidade, que é de 18 a 24 meq/l (POLZIN et. al., 2005). As médias de HCO3- estiveram dentro do intervalo de normalidade para a espécie apenas no grupo IRIS 1. As médias dos Grupos IRIS 2 e 3 encontravam-se no limite inferior da normalidade e apenas o Grupo IRIS 4 apresentou média (15,3 mmol/l) abaixo dos valores de referência, sendo também o grupo que apresentou valores significativamente menores, possivelmente devido ao fato de que no estádio 4, o paciente apresenta importante perda da função renal que pode estar relacionada à falência renal. Cortadellas et al. (2010) afirmam que a acidose metabólica é uma complicação da DRC que surge principalmente em animais no estádio 4 e está associada à progressão da doença. Conclusão A utilização da hemogasometria venosa como meio diagnóstico em pacientes DRC mostrou ser eficaz na determinação e quantificação dos distúrbios no equilíbrio ácido base decorrentes da lesão renal progressiva presente na doença renal crônica. O ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0904
5 principal distúrbio ácido base detectado foi a acidose metabólica, diagnosticada pelos parâmetros ph, HCO3- e tco2, com valores decrescentes a medida que o quadro clínico se torna mais grave. Referências BROWN, S. A. Evaluation of chronic renal disease: a staged approach. Compendium on Continuing Education for the Practicing Veterinarian, Princeton, v.21, p.752-763, 2006. CORTADELLAS, O. et. al. A. Calcium and phosphorus homeostasis in dogs with spontaneous chronic kidney disease at different stages of severity. Journal of Veterinary Internal Medicine, v.24, n.1, p.73-79, 2010. HOUPT, T. R. Equilíbrio ácido-básico. In: SWENSON, M. J.; REECE, W. O. Dukes: Fisiologia dos animais domésticos. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. cap. 32, p. 549-559. NAVANEETHAN, S. D. et. al. Serum bicarbonate and mortality in stage 3 and stage 4 chronic kidney disease. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, Hagerstown, v. 6, p.2395-402, 2011. POLZIN, D. J; OSBORNE, C. A; ROSS, S. Chronic kidney disease. In: ETTINGER, S, J; FELDMAN, E. C. Textbook of veterinary internal medicine. St. Louis: Elsevier Saunders, 2005. p.1756-1785. VERLANDER, J. W. Filtração glomerular, reabsorção dos solutos, equilíbrio hídrico, equilíbio ácido-básico. In: Cunninghan, Tratado de fisiologia veterinária. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. p. 409-442, 1992. WARE, W. A. Distúrbios do trato urinário. In: NELSON, R. W.; COUTO, C. G. Medicina interna de pequenos animais. 3. ed. Rio de Janeiro: WB Saunders, 2003. p. 583-597. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0905