X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

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Transcrição:

ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE INGRESSANTES NO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO POR MEIO DA REPLICAÇÃO DE ITENS DO ENEM 2009 Regina da Silva Pina Neves Instituto de Matemática e Estatística Universidade Federal de Goiás (UFG) reginapina@gmail.com.br Sandra Aparecida de Oliveira Baccarin Faculdade Jesus Maria José FAJESU sandrabaccarin@gmail.com.br Resumo: O presente estudo analisa estratégias de resolução de problemas de um grupo de ingressantes do Curso de Licenciatura em Matemática tendo como referência as respostas apresentadas por eles a questões presentes no Exame Nacional do Ensino Médio Enem 2009. O estudo tem como objetivo analisar as competências e as dificuldades matemáticas apresentadas pelo grupo. Para tanto, solicitamos a 10 estudantes do primeiro semestre que respondessem a 2 questões do Enem 2009 que exigiam conhecimentos nos domínios curriculares de geometria e álgebra. Suas notações matemáticas foram analisadas tendo como referência o padrão de resposta fornecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Os resultados indicam a pertinência da análise qualitativa de questões abertas ao mesmo tempo em que evidenciam as dificuldades dos estudantes em relação aos conceitos de semelhança e congruência de triângulos, grandezas, razão, proporção, operações com números decimais, entre outros. Tais dificuldades impõem limitações na interação desses estudantes com os domínios curriculares próprios do Curso Superior o que prejudica sua formação. Palavras-chave: ENEM; Formação de Professores; Ensino Médio. INTRODUÇÃO Acompanhamos nos últimos anos na literatura educacional a discussão em torno de duas grandes temáticas, a primeira refere-se às características da sociedade atual e as suas exigências em termos de formação na Educação Básica, em especial, no Ensino Médio; a segunda refere-se aos dilemas enfrentados pelos cursos de licenciatura em matemática de modo que os licenciados em sua prática pedagógica atendam às expectativas e às necessidades da sociedade. Tais discussões sugerem como hipótese a seguinte correlação: que a formação de qualidade nos cursos de licenciatura em matemática cria a possibilidade 1

de ofertar à população prática pedagógica em matemática com qualidade na Educação Básica. É notório que a sociedade sofre cada vez mais as consequências da revolução tecnológica o que exige, da população o acesso a níveis maiores de escolaridade ou pelo menos da Educação Básica completa. Tal situação influencia diretamente as expectativas da população e as políticas públicas em relação ao Ensino Médio. No Brasil, observamos que este nível de ensino vivencia por um lado o baixo desempenho dos alunos no Ensino Fundamental (como mostram os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica SAEB) e por outro a pressão dos requisitos mínimos para o ingresso no ensino superior. Ademais, convive com as metas de: 1/ completar a educação básica e preparar os jovens para a continuidade dos estudos em nível superior; e, 2/ preparar esses jovens para o ingresso no mundo do trabalho. Em meio a essas questões, podemos destacar que uma das grandes contribuições da legislação educacional foi vislumbrar para o Ensino Médio uma proposta educacional pautada na interdisciplinaridade e contextualização. Essa proposta fundamentou-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.394 de 20/12/96 que reorganizou os currículos da Educação Básica, posteriormente introduzidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Interdisciplinaridade entendida como relações entre as disciplinas, de modo a integrar as competências que cada disciplina desenvolve; e contextualização do conhecimento, entendida tanto como concretização dos conteúdos em situações próximas e vivenciais quanto como articulação entre teoria e prática e, ainda, como instrumento pedagógico capaz de atribuir significado ao conhecimento escolar. Todavia, os resultados do ENEM evidenciam que estes arcabouços teórico-metodológicos, ainda não foram alcançados em muitas escolas brasileiras, sejam elas públicas e/ou particulares. No que se refere aos cursos de licenciatura em matemática, presenciamos nos últimos anos discussões que abordam as políticas públicas, os paradigmas que têm orientado essa formação, relatos das dificuldades de se formar o licenciando diante das limitações de tempo e das orientações vigentes nas Diretrizes Curriculares além da 2

ampliação do número desses cursos. Como consequência desse cenário, estudos como os de (Pereira 1999; Fiorentini, 2003) apontam dificuldades conceituais e mediacionais dos concluintes desse curso, o que também é descrito nos relatórios do Exame Nacional de desempenho de estudantes ENADE. Em geral, a contribuição desses resultados tem sido sinalizar que existem falhas nas propostas de formação dos cursos de licenciatura em matemática, todavia, notamos que estes mesmos estudos pouco revelam acerca das competências e das dificuldades apresentadas pelos estudantes quando ingressam nesse curso. Entendemos que o ENADE, de certo modo, faz essa avaliação quando compara dados coletados junto a ingressantes e concluintes a partir de instrumentos quantitativos. Entretanto, acreditamos que a pesquisa qualitativa pode ampliar essa avaliação e fornecer dados para análises mais específicas. Diante do exposto, entendemos que essas primeiras inferências questionam a qualidade e a natureza da Educação Básica o que nos leva a indagar se o Ensino Médio tem preparado os jovens brasileiros a continuar seus estudos seja na rede pública e/ou privada de ensino superior. Desse modo, este estudo tem como objetivo analisar as competências e as dificuldades matemáticas apresentadas por ingressantes do Curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição de ensino superior privado do Distrito Federal, bem como analisar as influências dessas competências e dificuldades para os estudos em disciplinas específicas que compõem a matriz curricular do Curso. Para tanto, entendemos que o ENEM fornece referencial pertinente para a nossa análise uma vez que ele tem como meta central avaliar o desempenho dos jovens que já concluíram o Ensino Médio. Em função disso, apresentamos nos parágrafos seguintes algumas informações a seu respeito que nos ajudam a explicar suas características. O Enem foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho do aluno ao final da escolaridade básica, e se propõe a avaliar a capacidade dos jovens em aplicar os conhecimentos adquiridos em sua vida cotidiana e no aprendizado escolar, por meio da análise de competências e habilidades construídas ao longo desse processo de escolarização, tendo em vista o desenvolvimento para o exercício pleno da cidadania (INEP/MEC,2001). Além disso, pretende se constituir em ferramenta para que cada cidadão possa proceder à sua auto-avaliação e a partir dela tomar decisões em relação ao 3

mercado de trabalho e à continuidade dos estudos. O exame é vonluntário, e como tal se configura como avaliação amostral representativa do conjunto da população de formandos e egressos do Ensino Médio. Na área de matemática são seis as competências avaliadas, essas abarcam 30 habilidades em referências aos domínios conceituais dos conjuntos numéricos, geometria, álgebra, estatística e probabilidade. No ano de 2009 o exame foi realizado em dois dias, com o tempo de quatro horas e trinta minutos a cada dia para resolver 90 questões, o que nos leva a considerar que o estudante teve, em média, três minutos para resolver cada uma. Muitos são os pesquisadores que estudam esse exame suas características e resultados. Para Teixeira (2002), por exemplo, a base do que é avaliado contempla a indicação das competências e habilidades gerais próprias do aluno, na fase de desenvolvimento cognitivo correspondente ao término da escolaridade básica. Fini (2005) destaca como características do exame: 1/ o foco na resolução de problemas e, 2/ o fato de a questão não avaliar a memorização ou rapidez de raciocínio dos estudantes, mas valorizar suas capacidades em relacionar as informações dispostas na própria questão. E Machado (2005) descreve que são cinco as modalidades de inteligência avaliadas pelo ENEM, são elas: 1/ a capacidade de operar mentalmente e utilizar diversas linguagens abstratas, 2/ a capacidade de utilizar conceitos e procedimentos específicos para compreender os fenômenos, 3/ a capacidade de resolver problemas, 4/ a capacidade de argumentar e analisar uma argumentação, 5/ a capacidade de transformar a teoria em propostas concretas. Estes autores nos alertam que ao mesmo tempo em que o Enem declara não ter interesse em ativar em suas questões processos de memorização ou velocidade de pensamento o tempo concedido para cada uma inviabiliza a criação e o desenvolvimento de estratégias. Em nossa análise tal prática pode não mostrar os verdadeiros resultados. Pautados nessas referências e tendo em vista ampliar a compreensão das competências e das dificuldades dos ingressantes no curso de licenciatura em Matemática tomamos como base a abordagem qualitativa de pesquisa desenvolvendo para tanto um estudo de caso. MÉTODO Participaram deste estudo 10 estudantes ingressantes do 1º semestre em Matemática de uma Instituição de Ensino Superior Privado do Distrito Federal. Desses, sete (70% ) são 4

homens, três (30%) mulheres, todos com idades entre 25 e 33 anos, sendo a maioria na faixa de 31 anos. Desse total nove (90%) cursaram o Ensino Fundamental na rede pública e apenas um (10 %) na rede particular. Quanto ao Ensino Médio sete (70%) cursaram na rede pública, dois (20%) na rede privada e um (10%) é proveniente da Educação de Jovens e Adultos(EJA) rede pública. Quanto ao período em que cursaram o Ensino Médio, quatro (40%) concluiriam entre 1994 e 1999 e os demais concluíram no período de 2000 a 2006. Eles atuam em setores diversos da economia (vendedores, cabeleireiros, digitadores e bancários) e nenhum desenvolve função relacionada à educação. A maioria afirmou que atua na função há mais de oito anos. Propusemos a esses estudantes uma tarefa dividida de duas partes: 1/ perguntas com o objetivo de identificar características pessoais e educacionais e, 2/ cinco questões presentes no Enem 2009 que foram transformadas em questões abertas de acordo com os objetivos desse estudo. As cinco questões foram escolhidas por avaliarmos que elas são representativas das competências relacionadas na matriz de referência, sendo uma de tratamento da informação, uma de geometria plana, uma de geometria espacial, uma de domínio numérico e uma de Álgebra. Nesse artigo devido à limitação do número de páginas optamos por analisar apenas a questão de domínio algébrico e a questão de Geometria plana, por entender que os conceitos exigidos nessas questões, são recorrentes desde as séries finais do Ensino Fundamental até o término do Ensino Médio. A seguir apresentamos essas questões juntamente com o padrão de resposta. Questão Geometria Plana A rampa de um hospital tem na sua parte mais elevada uma altura de 2,2 metros. Um paciente ao caminhar sobre a rampa percebe que se deslocou 3,2 metros e alcançou uma altura de 0,8 metro. Qual a distância em metros que o paciente ainda deve caminhar para atingir o ponto mais alto da rampa? Padrão de resposta elaborado pela comissão assessora de avaliação do INEP. Os triângulos ABC e ADE são semelhantes (caso AA). Assim, sendo x a distância, em metros, que o paciente ainda deve caminhar, temos 0,8 2,2 3,2 3,2 x x 5,6 Figura 1 Questão presente na tarefa apresentada aos estudantes. Questão Álgebra Uma escola lançou uma campanha para seus alunos arrecadarem, durante 30 dias, alimentos não perecíveis para doar a uma comunidade carente da região. Vinte alunos aceitaram a tarefa e nos primeiros 10 dias trabalharam 3 horas diárias, arrecadando 12 kg de alimentos por dia. Animados com os resultados, 30 novos alunos somaram-se ao grupo, e passaram a trabalhar 4 horas por dia nos dias seguintes até o término da campanha. Admitindo-se que o ritmo de coleta tenha se mantido constante, qual a quantidade de alimentos arrecadados ao final do prazo estipulado? Padrão de resposta elaborado pela comissão assessora de avaliação do INEP. Vamos supor que a oração passaram a trabalhar 4 x = 5,6 m horas por dia se refere a todos os 50 alunos que estão no grupo. Admitindo o ritmo de coleta constante, a quantidade arrecadada de alimento é diretamente proporcional à quantidade diária de horas trabalhadas e à quantidade de alunos. Assim, sendo x a quantidade diária de horas trabalhadas nos 20 dias finais da campanha: Assim, a quantidade total arrecadada de alimento é 12.10+ 40. 20 = 920 kg. 3,2 + x Figura 2 Questão presente na tarefa apresentada aos estudantes. 2,2 5

Os estudantes responderam as questões individualmente, sem ajuda das pesquisadoras com limite de tempo de 90 minutos, sendo assim 18 minutos, em média, para cada questão. Receberam papel e lápis para a resolução e foi solicitado a eles que preservassem todas as notações produzidas. Essas foram analisadas conforme sugerem Koch e Soares (2005). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados da primeira parte da tarefa apresentavam uma questão aberta a qual solicitava que os estudantes completassem a seguinte frase: No Ensino Médio minhas aulas de Matemática... essa questão exigia a reflexão acerca das aulas de Matemática no Ensino Médio. Os resultados apontam que os estudantes rememoraram estas aulas de modo positivo atribuindo a elas as qualidades de boas, excelentes. Todavia, observamos que ao mesmo tempo em que, muitos deles, as avaliaram como boas, afirmaram que tiveram muitas dificuldades em acompanhá-las, o que sinaliza que estes se responsabilizam por essas tais dificuldades. Dos 10 ingressantes que participaram da pesquisa, seis (60%) produziram notações para a questão de geometria plana, os demais (40%) entregaram o instrumento em branco. Dos ingressantes que responderam a essa questão apenas um acertou a resposta, todavia a análise das notações revela incoerências na resolução; três apresentaram indícios de resolução pautados apenas no procedimento de regra de três. De forma geral observamos dificuldades relacionadas à leitura e à interpretação da situação; à elaboração de um modelo matemático que represente a situação descrita no texto; além da dificuldade de utilizar os algoritmos formais das operações matemáticas e da ausência de algoritmos alternativos. As notações a seguir exemplificam tais fatos. Figura 3 Notação produzida por: homem, 30 anos, cursou o Ensino Fundamental em Instituição pública e concluiu o Ensino Médio no EJA. 6

Observamos, na notação, que a estratégia escolhida e a resolução envolvem representação geométrica correta, estratégia pertinente, pois o estudante encontra quantas vezes o número 2,2 é maior que o 0,8, faz a divisão e encontra como resultado quatro. Logo em seguida, utiliza esse numeral como sendo igual a 0,1 metro, estabelecendo por meio dele uma relação de proporcionalidade a partir de um procedimento de cálculo (regra de três) todavia desconsidera o 0,1 adotado anteriormente e encontra mesmo a partir dessas incoerências a resposta correta. A partir dessas notações podemos inferir que o sujeito apresenta considerável habilidade em relação aos conceitos geométricos exigidos na questão, uma vez que representa a situação, utiliza o conceito de proporcionalidade, mas ainda apresenta dificuldades em elaborar operações que envolvem procedimentos algébricos. Figura 4 Notação produzida por: homem, 33 anos, cursou o Ensino Fundamental parte em Instituição particular e parte em pública e concluiu o Ensino Médio em Instituição particular. Essa notação exemplifica um modelo matemático muito veiculado pela escola que consiste na aplicação do procedimento (regra de três) para resolver qualquer tipo de problema onde se conhece três valores e busca-se encontrar o quarto valor, sem a representação do modelo matemático para situação. O uso desse procedimento de cálculo por muitos dos estudantes em questão e, em condições similares as apresentadas sinaliza que esta tem sido utilizada ao longo da Educação básica sem a compreensão dos conceitos que a sustentam, nesse caso o de igualdade de razões. O que em nossa análise não contribui para o desenvolvimento de esquemas que habilitem o estudante a resolver determinadas classes de problemas. Outro ponto que merece destaque nessa análise é a dificuldade em fazer uso do algoritmo formal da multiplicação com números racionais apresentados na forma decimal. 7

Figura 5 Notação produzida por: homem, não respondeu a idade, cursou o Ensino Fundamental e Médio em Instituição Pública. Nessa notação observamos a tentativa de construir um modelo matemático para representar a situação, ao escrever o 2,2 como altura, não associa a altura de uma rampa e desenha a mesma ao contrário. Tal imagem deixa indícios de que o estudante não associou o problema matemático ao mundo real, pois acreditamos que esse saiba o que é uma rampa, só não conseguiu representá-la no papel, o que sinaliza falta de habilidades essenciais à conceituação em geometria além de sugerir falta de atribuição de significado ao conhecimento escolar o que contraria os fundamentos teóricos preconizados nos (PCNEM,1999). Quanto à questão de domínio algébrico que exigia o entendimento de variações entre grandezas 90% apresentaram tentativas de resolução e apenas 1(10%) deixou em branco, sendo que nenhum respondeu a questão corretamente. De um modo geral as notações apresentados foram muito similares e pautaram-se no modelo muito veiculado em livros didáticos, que é o organizar os dados em formato de tabela e colocar flechas indicando a variação das grandezas, em diretamente proporcional ou inversamente proporcional. Entretanto, as operações realizadas a partir de tais dados revelam a ausência de compreensão da situação, do próprio conceito de grandezas e do significado de ser diretamente e/ou inversamente proporcional. A notação a seguir exemplifica o conjunto de notações produzidas e, em particular, esse modelo. Figura 6 Notação produzida por: homem, não respondeu a idade, cursou o Ensino Fundamental e Médio em Instituição Pública. 8

Inferimos que esse modelo apresentado em muitos livros didáticos, ao longo das décadas, é reforçado pelo professor desde as séries finais do Ensino Fundamental e imitado pelos estudantes sendo aplicado de modo mecânico na tentativa de resolver a questão a partir da justaposição de informações apresentadas na questão. Desse modo, observamos que estes estudantes apresentam dificuldades em utilizar conceitos e procedimentos específicos para compreender fenômenos, para argumentar e para analisar uma argumentação, não resolvendo, com isso os problemas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados indicam a pertinência da análise qualitativa de questões abertas ao mesmo tempo em que evidenciam as dificuldades dos estudantes em relação aos conceitos de semelhança e congruência de triângulos, grandezas, razão, proporção, operações com números decimais, entre outras. Esses dados indicam que estes estudantes não construíram conceitos importantes em matemática mesmo estes sendo parte do currículo desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, como é o caso dos algoritmos formais das operações. Tais dados nos permitem questionar a qualidade da relação que estes estabeleceram com a matemática escolar o que por sua vez questiona a prática pedagógica e o modo como a matemática escolar tem sido veiculada nas escolas. O fato de os estudantes, serem oriundos da rede pública de ensino coloca em observação a qualidade da Escola Pública do Distrito Federal e Entorno e provoca a reflexão acerca do ciclo de formação evidenciado - estudantes provenientes na rede pública de ensino dão continuidade aos estudos na rede privada de ensino superior. Outros pontos merecem destaque, são eles: 1/ o fato desses estudantes cursarem a licenciatura em matemática e, ter como expectativa de trabalho, a docência. Tal situação limita as possibilidades e/ou no mínimo dificulta a mediação e o trabalho dos formadores de professores visto que estes necessitam criar espaços e/ou disciplinas para tratar conceitos da Educação Básica; 2/ o nível de complexidade das questões, que sendo considerado médio foi considerado muito difícil pelos estudantes; 3/ o tempo de resolução para cada questão, que no caso desse estudo foi muito superior ao tempo médio destinado a cada questão no Enem. Em síntese, avaliamos que o estudo questiona: 1/ a qualidade do ensino 9

e da aprendizagem da matemática na Educação Básica, em especial, no Ensino Médio ao apresentar evidências de dificuldades conceituais não mais esperadas para esse público; 2/ o tempo concedido para a resolução das questões no Enem, além de sinalizar que este exame precisa (re) dimensioná-lo pois apesar da dificuldade apresentada pelo grupo pesquisado, entendemos que o tempo usado por eles evidencia essa necessidade; 3/ a tipologia das questões adotadas, visto que estas são similares a inúmeras outras e figuram nos livros didáticos por mais de décadas como exemplos clássicos para o tratamento de tais conceitos. Diante do resultado do estudo e entendendo que não podemos excluir esses estudantes do direito de iniciar e concluir o curso superior apontamos como urgente a necessidade de se pensar e propor práticas interventivas diferenciadas para os cursos de licenciatura em matemática que minimizem e/ou superem essas deficiências da Educação Básica, de modo que o ciclo da dificuldade não seja perpetuado - estudantes terminam o ensino médio com poucas habilidades matemáticas, ingressam no curso de licenciatura em matemática, encerram o curso sem superar as dificuldades, iniciam a docência com dúvidas conceituais. REFERÊNCIAS Fiorentini, Dario. Formação de professores de matemática: explorando novos caminhos com outros olhares. São Paulo: Mercado das letras, 2003. FINI, Maria. Eliza. Erros e acertos na elaboração de itens para a prova do ENEM. In: Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): fundamentação teóricometodológica. Brasília: MEC/INEP, 2005. p. 101-106 INEP/MEC. Exame Nacional do Ensino Médio 1998: relatório final. INEP, Brasília, 1999b. KOCH, Nancy Terezinha Oldenburg e SOARES, Maria Tereza Carneiro. O professor, seus alunos e a resolução de problemas de estrutura aditiva. In: MORO, Maria Lúcia Faria e SOARES, Maria Tereza Carneiro (Orgs.). Desenhos, palavras e números: as marcas da matemática na escola. Curitiba: Editora da UFPR, 2005. P. 145-182. MACHADO, Nílson José. Interdisciplinaridade e contextualização. In: Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: MEC/INEP, 2005. p. 41-53. 10

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