2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS



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Transcrição:

Projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da Petrobras\Fafen: uma Análise à Luz das Estratégias Ambientais Empresariais, das Tecnologias Ambientais e do Desenvolvimento Sustentável Autoria: Luana das Graças Queiróz de Farias, Antônio Costa Silva Júnior, André Luis Rocha de Souza, Thaís Fernandes Dias Cairo, Kristian Brito Pasini, Andréa Cardoso Ventura RESUMO Existe uma crescente pressão da sociedade por ações relacionadas às mudanças climáticas. As principais respostas são refletidas no compromisso efetivo de muitas empresas, principalmente na adoção de estratégias e tecnologias ambientais que ajudem a reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) e contribuam para o desenvolvimento sustentável. Este estudo buscou analisar as estratégias ambientais empresariais e as tecnologias ambientais adotadas pelo projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) executado pela Petrobras, Fábrica de Fertilizantes da Bahia (FAFEN-BA), situada no município de Camaçari, para redução da emissão de N2O (óxido nitroso) e seus benefícios para o desenvolvimento sustentável nas dimensões ambiental, social e econômica. Para atingir o objetivo proposto, utilizou-se quadro teórico de referência composto dos conceitos de estratégias ambientais empresariais, encontrados em Andrade (1997) e Barbieri (2006), de transferência de tecnologia, conforme exposto pelo Senado Federal (2004), Rosemberg (2006), Zhao e Reisman (1992), Kanai (2008) e Seres (2007), de tecnologias ambientais, apoiado em La Grega (1994), Unido (2001) e em Lenzi (2006), e finalmente de desenvolvimento sustentável, baseado em CIMGC (2003), Protocolo de Kyoto (2005) e em Buarque (2004). A metodologia envolveu pesquisa de natureza bibliográfica exploratória e qualitativa através da aplicação da estratégia de estudo de caso. Para análise tanto dos dados primários (obtidos através de entrevista semi-estruturada e visita técnica de campo) e dados secundários (alcançados através de Documentos de Concepção do Projeto-DCPs e site institucional), utilizaram-se as técnicas de triangulação de dados e de análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa demonstraram que a Petrobras aplicou a estratégia ambiental empresarial ofensiva e a tecnologia ambiental end-of-pipe, permitindo à empresa obter vantagens competitivas na melhoria de imagem e, sobretudo, nos aspectos de cumprimento para além da legislação ambiental (beyond compliance). A transferência de tecnologia ambiental utilizada no projeto foi identificada como parcialmente exógena. Contudo, quanto aos componentes do desenvolvimento sustentável, o projeto de MDL da FAFEN-BA evidenciou apenas como double bottom line, predominando os componentes ambientais e econômicos em detrimento do social. Por fim, concluiu-se que a empresa obtém ganhos de competitividade e legitimidade através das melhorias da eficiência operacional da planta e de imagem corporativa, fazendo uso da tecnologia ambiental voltada para o controle e redução da emissão de GEE. No caso da contribuição do projeto de MDL para o desenvolvimento sustentável, observou-se que foi modesta, visto que houve uma predominância dos aspectos inerentes à viabilidade econômica da atividade e à proteção ambiental. 1

1 INTRODUÇÃO Um ambiente social e econômico com restrições ao uso do carbono é uma realidade que se configura como inevitável para as organizações. A partir dessa constatação, as empresas começam a aderir às regulamentações ambientais internacionais e nacionais para reduzir suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE i ), visando à proteção ao meio ambiente e, sobretudo, ganhos de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo. A preocupação das empresas com o meio ambiente, a necessidade de estratégias e práticas ecológicas, de segurança, de proteção e defesa do consumidor e de qualidade dos produtos tem pressionado nos últimos anos as organizações a introduzirem valores em suas atividades comerciais, administrativas e operacionais (DONAIRE, 1999). Para Simoni (2009) as razões para essas mudanças são diversas, porém dois fatores podem ser apontados como importantes: o conceito de poluição e o uso de estratégias ambientais para buscar maior legitimidade social perante seus stakeholders. Dessa forma, a empresa inicia um processo de fomento às atividades sustentáveis, no que se refere ao uso mais racional dos recursos, a diminuição dos impactos ambientais e da satisfação das demandas das partes interessadas: consumidores, fornecedores, órgãos ambientais, comunidades locais, internacional, etc. Nesse ambiente competitivo, frequentemente composto por oportunidades e ameaças em qualquer tipo de mudança, as empresas adotam estratégias ambientais para diminuir custos e riscos, aumentar as receitas e os ativos intangíveis em atenção às necessidades dos seus stakeholders. Essas estratégias geram um novo tipo de benefício competitivo, denominado Eco-Advantage ou ecoestratégias que possibilitam às empresas o alcance da excelência nos níveis de desempenho, de lucratividade e de crescimento, englobando assuntos como qualidade de vida no trabalho, segurança e meio ambiente como parte de uma postura responsável e ética (BARBIERI, 2006). No contexto dos negócios, as mudanças climáticas causadas pelo aumento das emissões de GEE surgem como uma oportunidade para investimentos em projetos que contribuam com a economia do baixo carbono e consequentemente para o desenvolvimento sustentável, introduzindo esse problema ambiental global nos processos estratégicos das empresas e fomentando o desenvolvimento de tecnologias ambientais voltadas para a redução da poluição causada pelos GEE. O problema representado pelas mudanças climáticas é bastante complexo, por haver em torno dele um conjunto de interesses de países e, principalmente, de grupos corporativos e de setores econômicos representativos. Uma das iniciativas mundiais para combater às mudanças climáticas é a adoção do Protocolo de Kyoto (PK), através de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que tem como objetivo, além de reduzir os GEE, contribuir para a transferência de tecnologias ambientalmente seguras e o desenvolvimento sustentável dos países hospedeiros. Esse acordo estabeleceu metas de redução das emissões de GEE para os países industrializados (Anexo I) e mecanismos de flexibilização, dentre eles o MDL, para incentivar o atendimento às metas assinaladas. O Brasil é o terceiro país hospedeiro de projetos de MDL no mundo com 8% da participação mundial, atrás somente da China (37%) e Índia (27%), voltados principalmente para a indústria de energia renovável (49%), tratamento de resíduos da suinocultura (16%), troca de combustível fóssil (10%), aterros sanitários (9%), redução de óxido nitroso - N2O- (2%), dentre outros (MCT, 2010). Entretanto, poucos trabalhos se propõem a avaliar os projetos brasileiros de MDL. Pesquisas preliminares feitas por Silva-Júnior et al. (2009) e Andrade et al. (2009) em 75 Documentos de Concepção de Projetos (DCPs) de MDL aprovados no Brasil até 31/12/2007, argumentam que as contribuições geradas pelo MDL nos aspectos de promoção de tecnologias mais limpas e desenvolvimento sustentável são ainda modestas. Isto 2

posto, este artigo partiu do seguinte questionamento: Quais são as estratégias ambientais empresariais e as tecnologias ambientais utilizadas pelo projeto de MDL executado na Petrobras\FAFEN-BA para redução de óxido nitroso (N2O) e suas contribuições para o desenvolvimento sustentável? Diante do exposto, neste trabalho buscou-se analisar as estratégias ambientais empresariais e as tecnologias ambientais adotadas pelo projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) executado pela Petrobras, Fábrica de Fertilizantes da Bahia (FAFEN-BA), situada no município de Camaçari, para redução da emissão de N2O (óxido nitroso) e seus benefícios para o desenvolvimento sustentável nas dimensões ambiental, social e econômica (triple bottom line). Para atingir esse propósito, adotou-se como metodologia uma pesquisa de natureza bibliográfica, exploratória e qualitativa através da aplicação da estratégia de estudo de caso. Para análise tanto dos dados primários (obtidos através de entrevista semi-estruturada e visita técnica de campo) e dados secundários (obtidos através de Documentos de Concepção do Projeto DCPs e site institucional), utilizaram-se as técnicas de triangulação de dados e de análise de conteúdo. Por fim, este artigo está estruturado em cinco partes, sendo esta introdução, a primeira. A segunda são as considerações teóricas. A terceira são expostos os aspectos metodológicos da pesquisa. Na quarta parte, são apresentados o caso e os resultados encontrados e, por fim, são demonstradas as considerações finais e as limitações e sugestões para trabalhos futuros. 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS As considerações teóricas relevantes para a análise do caso estudado basearam-se na discussão dos tipos de estratégias ambientais empresariais e das tecnologias ambientais utilizadas nos projetos de MDL, enfatizando os aspectos de transferência de tecnologia e de desenvolvimento sustentável. 2.1 MDL: ênfase na transferência tecnológica e promoção do Desenvolvimento Sustentável Com o Protocolo de Kyoto (PK) uma nova lógica de desenvolvimento passou a ser proposta. O acordo surgiu como um instrumento de governança global, em 1997 e estabeleceu metas para mais de cinquenta países reduzirem suas emissões dos GEE, em média, 5,2% em comparação aos níveis de 1990 para o período de vigência do documento (2008-2012). A sua criação, porém, foi estimulada nas últimas décadas pelo crescimento na degradação dos recursos ambientais resultantes do aumento das emissões dos GEE, advindos, de forma acentuada, pela ação antrópica. Esse protocolo prevê mecanismos de flexibilização que se instituem como instrumentos econômicos baseados nos princípios da eficiência e também asseguram o cumprimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 1992- evento originário do PK, e doravante renomeada de Convenção. Para atingirem esses propósitos, foram divididos em três classes: a Implementação Conjunta (IC) - concede aos países industrializados a permissão para compensar suas emissões por meio de financiamento de projetos de redução em outros países industrializados; o Comércio de Emissões (CE) - admite que os países negociem suas emissões permitidas, desencadeando um livre comércio de direitos de redução de emissões em nível global, permitindo separar quem pagará pelo controle de quem instalará o controle; e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)- que admitem aos países industrializados negociarem suas metas individuais por meio de projetos implantados em países em desenvolvimento (SEIFFERT, 2009; GOLDEMBERG, 2005). 3

O MDL adquiriu importância no cenário mundial, especialmente pela particularidade de ser o único instrumento que permite a participação dos países em desenvolvimento. O objetivo do MDL é incentivar as Partes pertencentes ao Não-Anexo I da Convenção, para que sejam capazes de viabilizar o desenvolvimento sustentável através da prática de projetos de redução de GEE e, desse modo, colaborarem para o objetivo fim da Convenção (FRONDIZI- LOPES, 2009). Para que esses projetos de MDL sejam validados, no entanto, é necessário serem pautados numa metodologia oficial que comprove que atenda aos critérios de elegibilidade, ou seja, se realmente o projeto apresenta redução adicional nas emissões de GEE. Para serem considerados elegíveis no Brasil, além das exigências do PK, os projetos devem atender às exigências determinadas pela Autoridade Nacional Designada (AND), representada no Brasil pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC). A CIMGC (2003), no Brasil delimitou cinco critérios como pré-requisitos para averiguar a contribuição dos projetos de MDL vinculados ao desenvolvimento sustentável dos locais afetados direto ou indiretamente pelas suas atividades no país. São eles: a) subsídios para a sustentabilidade ambiental local; b) aporte para o incremento das condições de trabalho e a geração líquida de empregos, c) contribuição para a distribuição de renda e efeitos diretos e indiretos sobre a qualidade de vida das populações de baixa renda, ressaltando os benefícios socioeconômicos propiciados pelo projeto; d) Apoio para capacitação e desenvolvimento tecnológico; e) a integração regional e a articulação com outros setores. No que concerne aos princípios de sustentabilidade, esses estão contidos no PK. Para o MDL, a sustentabilidade está fortemente associada à concepção e a implementação dos seus projetos. De acordo com o PK (2005, p.14), artigo 12, esses projetos anseiam alcançar o desenvolvimento sustentável, a contribuição para o escopo fim da Convenção, e caracterizando-os pelo auxílio às partes não incluídas no Anexo I. O conceito de desenvolvimento sustentável, aqui discutido, é baseado no modelo apresentado pelo Relatório de Bruntland (1987) apud Buarque (2004), em que definiu os elementos triple-bottom-line, ou seja, a dimensão social, ambiental e econômica. Embora esse modelo seja mais recorrente na literatura, reconhece-se a existência de outras abordagens, a exemplo das cinco perspectivas de Sachs (1993): social, econômica, ecológica, espacial e cultural e, também, as sete sugeridas por Guimarães (2001) ecológica, ambiental, demográfica, cultural, social, política e institucional. Ainda sob o ponto de vista teórico do PK (2005), artigo 12, a promoção do desenvolvimento sustentável é enquadrada, ao mesmo tempo, como princípio e uma condição obrigatória no encaminhamento dos projetos candidatos ao MDL. O PK, apesar disso, não faz menção aos critérios apresentados no modelo triple-bottom-line nos países hospedeiros quanto à mensuração do grau de contribuição dos projetos de MDL sugeridos para o desenvolvimento sustentável. Já o fomento à transferência de tecnologia pode ser percebido no artigo 10 do PK, item 2. Ele é voltado para a cooperação na promoção de modalidades efetivas para o desenvolvimento, a aplicação e a difusão, e tomar todas as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferência ou o acesso a tecnologias (SENADO FEDERAL, 2004, p. 27). A acepção da transferência de tecnologia proposta pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) apud Seres (2007, p.2-3), é considerada relativamente abrangente, pois é avaliada como processos de fluxos de know-how, experiência e equipamentos para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas entre as partes interessadas, como governos, entidades do setor privado, instituições financeiras, Organizações não-governamentais e instituições de ensino e pesquisa. 4

Nesse sentido, este artigo considera que a transferência de tecnologia pode ser tanto exógena como endógena ou de ambos os tipos. A exógena é verificada nos casos em que o processo acontece dos países do Anexo I para os países Não-Anexo I, já a transferência tecnológica endógena acontece quando a tecnologia é desenvolvida dentro dos países do não- Anexo I, como o Brasil, e replicada de forma doméstica entre os domínios produtivos, regiões e estados desses países (ZHAO; REISMAN, 1992; KANAI, 2008). Contudo, estudos realizados por Ellis et al. (2007), Blackman (1999) e Rosemberg (2006), referentes ao processo de desenvolvimento de projetos de MDL confirmam que há uma preferência por países hospedeiros que apresentem as seguintes características: apropriadas oportunidades de implantação de projetos de redução de GEE, adequado nível de desenvolvimento tecnológico, capital humano e infraestrutura, asseguradas pelas políticas ambientais relativamente avançadas. Isso ilustra a concentração atual de projetos de MDL na Índia, China e Brasil expostos no relatório Analysis of Technology Transfer in CDM Projects, elaborado por Seres (2007). Assim sendo, a análise de transferência tecnológica em projetos de MDL deve apreciar, também, as assimetrias existentes entre os países do não-anexo I, e principalmente os fatores de capacitação e de desenvolvimento tecnológicos próprios de cada país, diferenciados de forma singular entre os países do não-anexo I. Isto posto, defende-se que a transferência/desenvolvimento de tecnologias mais limpas é a estratégia ambiental mais adequada para o alcance do desenvolvimento sustentável nesses países, como pode ser visto no item 2.2 a seguir. 2.2 Estratégias Ambientais Empresariais e Tecnologias Ambientais: end-of-pipe e tecnologia mais limpa A palavra estratégia vem sendo usada no contexto organizacional de forma quase que irrestrita. Quintella (1993) relembra que esse conceito remete ao principal tema de estudos militares. Acrescenta, ainda, que, no âmbito empresarial, como objeto de análise é recente, havendo uma tentativa explícita no contexto da gestão há cerca de 40 anos. As correntes que se propõem conceituar estratégia apontam para o entendimento da palavra com finalidade operacional, supostamente como uma reação as demandas e expectativas dos stakeholders em relação às atividades organizacionais. Essa perspectiva operativa do conceito é referenciada por Ansoff (1990), como a apreensão de diferentes níveis de decisão na consecução das ações de estratégia, políticas, programas e procedimentos, envolvendo três classes de problemas: operacionais, estratégicos e administrativos. Para Porter (1990) a estratégia tem relação direta com a competitividade. As estratégias competitivas são apreendidas como ações ofensivas ou defensivas para criar uma posição adequada no contexto econômico-industrial, para enfrentar, de maneira vitoriosa, as forças competitivas e, assim, garantir um retorno mais satisfatório sobre seu investimento. Nesse contexto, Donaire (1999) enfatiza que o impacto da variável ecológica na estratégia da organização está diretamente relacionado ao seu potencial de poluição e exerce sua influencia em dois níveis de atuação: internacional e nacional. Associado a isso tem-se o crescimento da discussão e introdução do tema sustentabilidade nos negócios, nos serviços e na sociedade como um todo. Nesse sentido, as empresas devem assumir o papel de educadoras, orientando as preferências dos consumidores por produtos e serviços no que tange à sustentabilidade. Esse conceito aduz a busca de soluções que respeitem as particularidades de cada ecossistema e de cada local (SACHS, 1993). Assim a depender da forma como a empresa atua em relação aos problemas ambientais resultantes das suas atividades, as estratégias ambientais empresariais podem 5

resultar em três diferentes abordagens: controle da poluição- apresenta caráter tipicamente reativo; prevenção da poluição, postura ofensiva; e a estratégica - atitude pró-ativa (BARBIERI, 2006). Logo, as estratégias ambientais empresariais, de acordo com Meredith (1994) citado por Andrade (1997), surgem a partir da internalização da variável ambiental nas organizações em diferentes níveis, acompanhando a evolução das ações dos agentes econômicos em relação ao meio ambiente. Os níveis são: i) inicial - representada pelas estratégias reativas - caracterizadas pelas ações de cumprimento à legislação ambiental e ao gerenciamento mínimo de seus riscos, sendo a dimensão ambiental percebida como uma ameaça e, portanto, desintegrada das unidades de negócios; ii) intermediário concebidas pelas estratégias ofensivas. São diferenciadas pelas ações voltadas à prevenção da poluição, à redução do uso de recursos ambientais, excedendo o cumprimento da legislação e introduzindo mudanças incrementais nos seus processos e produtos, ansiando a vantagem competitiva; iii) finalconstituídas pelas estratégias inovativas diferenciadas pela sua antecipação aos problemas ambientais futuros, pela integração comercial com a excelência ambiental, visando assim, ao desenvolvimento, à produção e à comercialização de novos produtos, mudanças significativas de desempenho ambiental e o gerenciamento do ciclo de vida dos produtos. No entanto, Andrade (1997) afirma que, através da incorporação dos problemas ambientais às estratégias empresariais e do uso de inovações tecnológicas, as organizações adquirem maior autonomia dos processos produtivos com relação à dependência de recursos naturais, acarretando em melhoramento da eco-eficiência e no desenvolvimento de competências para a constituição de vantagem competitiva através do uso de tecnologias ambientais As tecnologias ambientais podem ser classificadas em: controle de poluição ou end-ofpipe e tecnologias mais limpas. A primeira tem suas normas tecnológicas voltadas para o princípio da correção, a captura de emissão de poluentes e ausência de modificação do sistema produtivo. Por conseguinte, a segunda objetiva evitar ou restringir as emissões antecipadamente, tendo em vista a ação sobre as causas da degradação ambiental e não sobre os efeitos, baseando-se no princípio de prevenção (LENZI, 2006). Nesse sentido, a UNIDO/UNEP (2001) também diferencia esses dois tipos de tecnologias ambientais: a) tecnologias mais limpas (cleaner tecnologies) - tem a finalidade de proteger e ou conservar o meio ambiente, impedindo o desperdício de recursos e a degradação ambiental, com vistas a atender o desenvolvimento sustentável através do princípio da prevenção; b) tecnologias fim de tubo (end-of-pipe technologies)- refere-se ao tipo de tecnologias empregadas para o tratamento e controle das emissões de resíduos, efluentes e emissões. São exemplos de tecnologias fim de tubo, os filtros de emissões atmosféricas, as estações de tratamento de efluentes líquido (ETE) e as tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. Na tentativa de ampliar o conceito de tecnologias mais limpas, o Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, 2006), a definiu como uma aplicação contínua de uma estratégia técnica, econômica e ambiental integrada aos processos, produtos e serviços, objetivando o aumento da eficiência no uso das matérias-primas através da não-geração, minimização ou reciclagem de resíduos e emissões com benefícios percebidos na saúde ocupacional, no meio ambiente e na economia. Ainda incluem nessa abordagem a análise dos 3Rs: redução, reutilização e reciclagem. Na Figura 01 abaixo, Lagrega et al. (1994) demonstram alternativas de estratégias/técnicas ambientais que uma organização pode utilizar na prevenção/redução da poluição. Quanto mais próximo da direita na Figura 01 a estratégia ambiental se encontrar mais a empresa tenderá para as tecnologias e práticas end-of-pipe. Já, quanto mais à esquerda, a empresa aproximar-se-á da diminuição de resíduos na fonte e prevenção da poluição, 6

demonstrando comportamento de tecnologia ambiental característico do modelo de tecnologia mais limpa. Figura 01 Tecnologias para Redução da Poluição Fonte: Lagrega et al.(1994). Sob o contexto dos projetos de MDL, Kiperstok (2003) advoga a favor da propagação da estratégia ambiental inovativa visto que pode resultar em melhor adequação de tecnologias mais limpas, gerando benefícios duplos para o empreendimento- para competitividade empresarial e para a sociedade, através de ações que resultem na diminuição dos impactos ambientais originados da emissão de GEE. Entretanto, Schneider et al. (2009) e Wilkins (2002), ratificam que os projetos de MDL possuidores de foco em tecnologias end-of-pipe, como: queima de biogás gerado em aterros sanitários e/ou em tratamento de resíduos da criação de animais fornecem menos riscos associados à transferência de tecnologia que projetos que fomentem práticas de produção mais limpa. No ponto de vista de Pearson (2007), os projetos de MDL, promotores de tecnologias mais limpas ainda não levam à diferenciação nos preços do carbono no mercado mundial e geram poucos créditos de carbono. Os autores deste artigo, todavia, defendem e incentivam a geração de tecnologias mais limpas em projetos de MDL ao invés das tecnologias end-ofpipe. O uso de tecnologias mais limpas é entendido como a estratégia mais eficaz a ser empregada pelos projetos brasileiros de MDL, pois agem no intuito de prevenir a geração de resíduos, efluentes e emissões, contribuindo para o atingimento do desenvolvimento sustentável. 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS A metodologia aplicada neste estudo englobou a utilização de dados primários e secundários. Os primários foram adquiridos mediante realização de entrevista semiestruturada com o gerente do projeto de MDL e visita técnica à empresa Petrobras/FAFEN- BA realizada no dia 12 de outubro de 2009, e os secundários, por meio de análise documental do DCP do projeto de MDL, site institucional da empresa e bibliografia especializada. O projeto de MDL investigado por este artigo faz parte de uma amostra de setenta e cinco (75) projetos aprovados pelo Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CEMDL) no Brasil, que tiveram seus DCPs previamente analisados pelo projeto de pesquisa denominado A utilização dos projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo 7

pelas empresas brasileiras, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Quanto à classificação da metodologia empregada neste artigo, tratou-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e exploratório, visto que permitiu o conhecimento do objeto na sua apresentação, significado e contexto em que se insere (MARTINS, 2006; YIN, 2001; VENTURA, 2007). Nesse sentido, adotou-se a estratégia metodológica estudo de caso. Para o delineamento dessa abordagem, observaram-se três aspectos: delimitação do caso a ser investigado; coleta de dados secundários (bibliográfico e documental) e primários (entrevista semi-estruturada e visita técnica); seleção, triangulação, análise e interpretação dos dados e discussão dos resultados à luz das considerações teóricas demonstradas na seção 2. Em seguida, os dados foram avaliados através do uso da técnica de triangulação de dados proposta por Kopinak (1999), e tratados por meio de análise de conteúdo exposto por Bardin (1977) com o objetivo de apresentar e interpretar os resultados obtidos, conferindo validade e consistência, como pôde ser visto na seção posterior. 4. O CASO DA PETROBRAS\ FAFEN-BAHIA 4.1 Caracterização da empresa e do projeto de MDL A Petrobras S.A foi criada em outubro de 1953, através da Lei 2.004 com a finalidade de realizar as atividades do setor de petróleo no Brasil em nome da União, e em 1997, através de dispositivo legal, foram abertas as atividades da indústria petrolífera brasileira à iniciativa privada. Atualmente, a instituição é qualificada como uma empresa de economia mista, atuando em múltiplos segmentos nos mercados nacional e internacional como: petróleo, gás e energia, produtos petroquímicos, álcool e fertilizantes. Em particular, a Unidade de Negócio (UN) de Exploração e Produção (E&P) da Bahia, situada entre as nove (9) UN de E&P da organização, é responsável pelo cumprimento operacional dos negócios da organização nesse setor no estado. A Petrobras S.A. compromete-se com o desenvolvimento sustentável nas perspectivas de crescimento integrado, rentabilidade e responsabilidade social ambiental. A sua estratégia corporativa de mitigação da mudança climática está integrada ao plano estratégico 2020, estabelecendo objetivos voluntários que permitirão à Petrobras impedir o lançamento de 2,3 e 4,5 milhões de toneladas de CO 2 equivalente entre 2009 e 2013. Essas ações serão desenvolvidas nas seguintes áreas: gestão de emissões de GEE, eficiência energética, melhorias operacionais e otimização do aproveitamento do gás associado, energias renováveis e P&D Tecnológico (ESPINOSA, 2009). Segundo a organização, a sua estratégia corporativa de mitigação das mudanças climáticas está sendo operacionalizada através de dez ações principais, a saber: a) criação de um sistema para inventário de emissões desde 2002; b) divulgação do Balanço Social e Ambiental e do inventário de emissões de GEE; c) integração da dimensão Mudança Climática em suas estratégias de negócios, constituindo objetivos voluntários e indicadores de gestão desde 2005; d) elaboração de programas internos de eficiência energética, visando à atenuação da curva de crescimento das emissões; e) implantação e investimento em programas de P&D para viabilizar novas tecnologias, incluindo as renováveis, eficiência energética e CCGS (captura, sequestro, transporte, armazenamento geológico e monitoramento do CO2), envolvendo diversas universidades e institutos de pesquisa; f) fundação da subsidiária Petrobras Biocombustível (PBIO) em 2008, que opera três plantas de biodiesel, tendo as usinas de Candeias e Quixadá recebido o Selo Combustível Social, com a matéria-prima de origem, prioritariamente, da agricultura familiar, buscando a sustentabilidade econômica, social e ambiental; f) participação em diversas etapas do 8

Proalcool, que evitou o lançamento de centenas de milhões de toneladas de CO 2 ; g) conscientização dos consumidores para a racionalização do uso de combustíveis através das ações do Programa do Ministério de Minas e Energia, coordenado e executado pela Petrobras (CONPET) desde sua criação em 1991; h) propagação de ações voltadas ao engajamento dos setores governamentais e privados e públicos de interesses, nacionais e internacionais, no esforço da compreensão dos impactos e vulnerabilidades das mudanças climáticas; i) ampliação desde 2008 da abordagem do Programa Petrobras Ambiental associada às questões relativas à fixação de carbono e emissões evitadas, com base em reconversão produtiva das áreas, recuperação de áreas degradadas e conservação de florestas. Os projetos selecionados, considerando a área plantada e de desmatamento evitado, apresentam um potencial para evitar cerca de seis milhões de toneladas de CO 2. Assim, o projeto de MDL, objeto de investigação deste artigo, desenvolvido pela FAFEN-BA e localizado no Pólo Petroquímico de Camaçari, no Estado da Bahia, é parte integrante desse conjunto de ações estratégicas da Petrobras para mitigação das mudanças climáticas. A FAFEN-BA produz fertilizantes nitrogenados e matérias primas para plantas petroquímicas, e seu projeto de MDL visa à destruição catalítica do N 2 O formado pelo processo de oxidação de amônia na planta de ácido nítrico da empresa, com estimativa de redução de 57.366 toneladas de CO 2 eq. por ano (DCP, 2006). Segundo o engenheiro responsável pelo projeto de MDL, o principal benefício ambiental obtido pelo projeto foi essencialmente a redução da emissão de GEE para atmosfera, contribuindo de maneira voluntária para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, já que não há metas compulsórias de redução desses gases no Brasil. Como o projeto compreende somente a instalação de catalisador para a destruição de N2O na corrente final de exaustão desse gás para atmosfera, há pouca expressividade na geração de novos empregos e renda, destacando-se a capacitação de profissionais como aspecto socioeconômico relevante. Como compensação, a empresa direciona 5% dos recursos originados pela venda dos créditos de carbono para a promoção de programas de educação ambiental e geração de emprego e renda nas comunidades locais (BRAGA, 2009). As barreiras para a implantação do projeto de MDL foram avaliadas como pouco representativas pela FAFEN-BA, exceto pelo atraso na etapa de aprovação (o projeto levou aproximadamente 18 meses entre elaboração pela empresa e aprovação pelo Conselho Executivo de MDL da ONU), devido ao descredenciamento por esse Conselho da DNV, organização que era responsável pela etapa de validação do projeto. Outra dificuldade enfrentada pela empresa diz respeito ao processo contratual de desenvolvimento e importação do catalisador segundo as especificidades da corrente de N 2 O da FAFEN-BA, feito em parceria com uma empresa alemã e com apoio do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES). Convém salientar que o projeto foi financiado com recursos próprios da Petrobras, não recorrendo às políticas públicas de fomento ou bancos de financiamento público. Quanto às motivações para viabilização do projeto, segundo Braga (2009), a oportunidade econômica de fazer parte do mercado de carbono em âmbito global foi o elemento motivador para a FAFEN-BA, ou seja, sem o instrumento econômico MDL a empresa não teria incentivos extras para redução de GEE, exceto pelo ganho de melhoria de imagem corporativa, e, sobretudo, nos aspectos de responsabilidade socioambiental e práticas de desenvolvimento sustentável que superam as obrigações legais (beyond compliance). Já no tocante à influência dos stakeholders, o projeto da FAFEN-BA não diferiu de outros estudos feitos em projetos de MDL aprovados no Brasil, em cuja maioria, não se verificou uma participação dos atores locais envolvidos no projeto. Para os projetos da Peugeot/ONF, da Plantar e da Ilha do Bananal avaliados por meio de 100 entrevistas, voltadas para captar o ponto de vista dos diferentes atores e suas opiniões, constatou-se que houve 9

exclusão de interessados locais e que em todos os casos estudados a participação dos membros da comunidade local era limitada (PENTEADO; MELO 2008). 4.2 Estratégias ambientas empresariais, tecnologias ambientais e benefícios para o desenvolvimento sustentável A pesquisa evidenciou que para a Petrobras, a questão da poluição atmosférica e o aquecimento global são temas centrais na sua política ambiental, especialmente, através da introdução de projetos de MDL. O projeto desenvolvido pela FAFEN-BA pode ser considerado como uma alternativa positiva para a redução da emissão de N 2 O formado pelo processo de oxidação de amônia na planta de ácido nítrico. De acordo com a natureza da tecnologia ambiental empregada no projeto, ou seja, instalação na corrente de exaustão dos gases do processo de um reator catalítico para destruição do N 2 O gerado pela oxidação da amônia verificou-se a adoção de uma solução tecnológica do tipo end-of-pipe, focada exclusivamente no controle e tratamento poluição. Esse tipo de tecnologia, apesar de ser muito empregado pelas empresas para o tratamento de resíduos, efluentes e emissões dos processos produtivos não atendem de forma satisfatória na busca pelo desenvolvimento sustentável, já que atuam somente na correção e na prevenção da poluição. Essa tecnologia ambiental, apesar de ser do tipo end-of-pipe, proporcionou a FAFEN- BA, um melhor controle operacional e eficiência da planta devido ao monitoramento contínuo e sistemático da geração de N 2 O (subproduto do processo), além de contribuir de maneira voluntária (beyond compliance) para a redução de GEE, já que não há legislação para tal no Brasil. Neste sentido, o projeto de MDL contribuiu para um aumento de competitividade e de legitimidade da FAFEN-BA, caracterizando-se como uma estratégia ambiental do tipo ofensiva. Quanto à transferência de tecnologia para implementação do projeto, pôde-se caracterizá-la como parcialmente exógena. A contratação de uma consultoria americana MGM International Ltda para auxiliar no processo de elaboração do DCP e a importação do catalisador (considerado o insumo fundamental do projeto), da Alemanha, representando os fatores exógenos. O projeto de engenharia e a especificação/compra no mercado nacional pela própria FAFEN-BA, com apoio do CENPES, de equipamentos e instrumentos acessórios, caracterizam os elementos endógenos, conforme demonstrados no Quadro 1 abaixo: Quadro 1 - Transferência/Desenvolvimento de Tecnologias Projeto Existência e Tipo de Transferência Tecnológica Parcialmente endógena Forma de Transferência Tecnológica FAFEN-BA Importação de catalisador e conhecimento. Projeto de engenharia desenvolvido nacionalmente e aquisição de equipamentos, máquinas e sobressalentes no Brasil. Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa. Tipo de Tecnologia Ambiental Estratégia Tecnológica e Ambiental End-of-Pipe Tratamento de Resíduos- Destruição do N2O 10

Dentre os componentes do modelo de sustentabilidade triple-bottom-line, o projeto apresentou benefícios para os três componentes. O ambiental, devido à mitigação da emissão de GEE, e o econômico, através da comercialização de créditos no mercado de carbono. Já no componente social, o projeto gerou contribuições modestas para a geração de emprego e renda e para capacitação de poucos profissionais para a operação/manutenção do projeto. Como compensação, destinou-se 5% dos recursos oriundos da venda dos créditos de carbono para a promoção de projetos de educação ambiental nas comunidades locais. Assim, a partir dos resultados alcançados pelo projeto no tocante à promoção do desenvolvimento sustentável pode-se classificá-lo como double bottom line. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo buscou analisar as estratégias ambientais empresariais e as tecnologias ambientais adotadas pelo projeto de MDL executado pela Petrobras\FAFEN-BA, e seus benefícios para o Desenvolvimento Sustentável na visão triple bottom line. A metodologia desse estudo envolveu pesquisa de natureza bibliográfica, exploratória e qualitativa através da aplicação da estratégia de estudo de caso. Para análise tanto dos dados primários (obtidos através de entrevista semi-estruturada e visita técnica de campo) e dados secundários (alcançados através de Documentos de Concepção do Projeto-DCPs e site institucional), utilizaram-se as técnicas de triangulação de dados e de análise de conteúdo. A pesquisa evidenciou que a empresa utilizou estratégia ambiental empresarial ofensiva, tecnologia ambiental end-of-pipe e transferência de tecnologia parcialmente endógena para o desenvolvimento do projeto, possibilitando, assim ganhos de competitividade e legitimidade evidenciados nas melhorias da eficiência operacional da planta e de imagem corporativa, através do controle e redução da emissão de GEE. No caso da FAFEN/BA, observou-se que a contribuição do projeto MDL para o desenvolvimento sustentável pode ser classificada como double-bottom-line, pois foi modesta a capilaridade do projeto no componente social, quando comparada com os componentes econômico e ambiental, destacando-se apenas a capacitação de profissionais, a geração de emprego e renda temporários e a locação de 5% das receitas da venda dos créditos de carbono para projetos socioambientais nas comunidades localizadas na área de influência do Pólo Petroquímico de Camaçari, onde está localizada a empresa. É interessante sinalizar que os projetos de MDL foram idealizados segundo os preceitos contidos no discurso do desenvolvimento sustentável e na participação dos stakeholders tanto no seu desenho quanto na sua gestão, conforme artigo 12 do Protocolo de Kyoto. O objetivo é que o MDL como instrumento econômico incentive o desenvolvimento sustentável a partir da comercialização dos créditos de carbono provenientes da redução de GEE. 5.1 Limitações e Sugestões de Trabalhos Futuros Este estudo avaliou as estratégias ambientais empresariais e as tecnologias ambientais do Projeto de MDL da FAFEN-BA e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável na dimensão tridimensional, através da triangulação de dados confrontando análise de documentos, observação de campo e entrevista com o gerente do projeto. É necessário, porém, que a visão de outros stakeholders seja levada em consideração. Novos estudos devem ser conduzidos com esse propósito. Numa tentativa futura de confirmar as conclusões preliminares delineadas neste estudo qualitativo, que teve um caráter eminentemente exploratório, novas pesquisas, portanto, são necessárias com a finalidade de avaliar a contribuição dos projetos de MDL para o desenvolvimento sustentável dentro do modelo tripple bottom line. 11

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