Estudo da viabilidade das armaduras nas vigas para evitar o colapso progressivo Henrique Innecco Longo UFRJ/ Escola Politécnica/Departamento de Estruturas / longohenrique@gmail.com Resumo O objetivo deste trabalho é verificar a viabilidade das armaduras de vigas de concreto armado para evitar o colapso progressivo da estrutura. A ideia é avaliar a possibilidade de se colocar armaduras nas vigas, de modo que garanta a segurança da estrutura sem aumentar em demasia o custo da obra. A análise da estrutura é feita com a remoção de um dos pilares, localizado na fachada, no canto e no interior da edificação para uma determinada combinação de cargas. A Relação Demanda-Capacidade (RDC) é usada não apenas para verificar a segurança da estrutura mas também para otimizar a armadura contra o colapso progressivo. Para estudar a viabilidade das armaduras nas vigas, uma estrutura de edifício foi analisada por um modelo tridimensional com um programa de computador. Embora as armaduras contra o colapso progressivo aumentem o custo da estrutura, é possível viabilizar este tipo de armadura em estruturas com maior risco de ruína. Até mesmo em estruturas usuais pode ser prevista uma proteção mínima contra o colapso progressivo de acordo com a importância da edificação, sua altura e possíveis consequências de uma ruptura total, conforme classificação de algumas normas internacionais. Palavras-chave colapso progressivo; estrutura de concreto; armadura otimizada; viabilidade Introdução O colapso progressivo de uma estrutura pode ocorrer quando houver um dano local que se propaga de um elemento para o outro, ocasionando a ruína de toda ou parte da estrutura. As causas deste tipo de ruptura podem ser várias, tais como explosões, falhas de execução, erros de projeto, incêndio, colisão de veículos etc. Vários casos deste tipo de ruptura já aconteceram, conforme mostrado por LARANJEIRAS (2013). As mais importantes recomendações de projeto para a análise do colapso progressivo são as das agências norteamericanas GENERAL SERVICES ADMINISTRATION, GSA(2013) e DEPARTMENT OF DEFENSE, DOD (2010). A verificação da segurança da estrutura pode ser feita pelo método direto ou pelo método indireto. No Método dos Caminhos Alternativos de carga, a estrutura é avaliada após a perda de um elemento estrutural através de caminhos de transferência de esforços (figura 1). Para se usar este método direto é preciso que o sistema estrutural seja redundante para dar mais robustez à estrutura e facilitar a redistribuição de cargas. Pelas recomendações do GSA (2013), a estrutura pode ser verificada para o colapso progressivo por uma análise estática linear com a remoção de um pilar de canto, um pilar da fachada maior, um da fachada menor e um pilar interno, localizados no térreo. Estes pilares seriam os mais críticos e são os escolhidos para a análise. O grande desafio do engenheiro é definir a armadura mais econômica nas vigas e nos pilares para evitar o colapso progressivo.
Figura 1 Transferência dos esforços após a ruptura de um pilar Armadura para evitar o colapso progressivo Quando um pilar da estrutura é removido, o diagrama de momentos fletores é alterado. O trecho projetado para resistir a um momento fletor negativo, tracionando a parte superior da viga, é submetido a um momento positivo, tracionando a parte inferior. A figura 2 mostra um trecho do diagrama de momentos fletores de uma viga antes e após a remoção do pilar. Figura 2 Trecho de um diagrama de momentos antes e após a remoção de um pilar
Assim sendo, as vigas devem ter armaduras longitudinais capazes de resistir à inversão dos esforços quando um pilar se rompe. Na figura 3, pode-se constatar que as armaduras normalmente utilizadas na prática são insuficientes quando houver uma ruptura de um pilar em um dos apoios da viga. Figura 3 Armadura insuficiente na viga quando o pilar é removido As armaduras das vigas devem ser colocadas de modo que garanta a continuidade e ductilidade da estrutura, além de ter capacidade de resistir à inversão dos esforços quando houver perda de um pilar. As vigas devem também ter capacidade para resistir ao aumento do esforço cortante e os pilares devem também ser capazes de resistir aos esforços atuantes após o dano em outro pilar. Para garantir a ductilidade local e a proteção contra o colapso progressivo, as armaduras devem ser contínuas na parte inferior da viga nas seções transversais dos apoios e os estribos devem ficar pouco espaçados. Na figura 4, estão indicadas as armaduras de uma viga com barras longitudinais inferiores contínuas para garantir a segurança contra o colapso progressivo quando o pilar for removido. As barras N1e N2 foram colocadas para resistir ao momento negativo majorado e a barra N3 ao momento positivo causado pela inversão dos esforços. Fig.4 Armaduras contra o colapso progressivo nas vigas
Combinações de cargas De acordo com a NBR-6118(2014), a combinação de ações normais no Estado Limite Último para o dimensionamento das armaduras pode ser escrita da seguinte maneira: sendo G ações permanentes e Q ações variáveis COMB( ELU ) = 1,4 ( G + Q ) (1) Para analisar o colapso progressivo, o GSA(2003) recomenda usar a seguinte combinação de ações com a estrutura sem um dos pilares: Relação Demanda Capacidade (RDC) COMB( GSA) = 2,0 ( G + 0,25 Q ) (2) A relação demanda capacidade (RDC) é usada para verificar a segurança da estrutura para evitar o colapso progressivo, conforme GSA(2003) e FEMA-273 (1997): Q RDC = UD (3) Q Q UD - (demanda) esforços de cálculo no elemento estrutural para a combinação COMB(GSA) Q CE capacidade última esperada do elemento estrutural sem coeficientes nos materiais Esta relação pode ser calculada para o momento fletor e para o esforço cortante atuante na viga. Para o caso do momento, a relação RDC(M) pode ser escrita por: CE MUD RDC( M ) = (4) M M UD - momento fletor de cálculo para a combinação COMB(GSA) M CE - capacidade última esperada para o momento fletor Esta capacidade última esperada para o momento fletor para uma viga com seção transversal retangular bxh, altura útil d, área das armaduras longitudinais A S, considerando as resistências característica do concreto f ck e do aço f yk e o diagrama retangular de tensões para o concreto: CE As f yk MCE = As f yk d 0, 4 0,68 b f ck (5)
Para o esforço cortante, a relação RDC(V) é a seguinte: V RDC( V ) = UD V CE (6) V UD - esforço cortante de cálculo para a combinação COMB(GSA) V CE - capacidade última esperada para o esforço cortante Este esforço cortante último para uma seção transversal retangular pode ser escrita em função da área das armaduras transversais por metro A SW /s de acordo com a NBR-6118 (2014): V = ( A / s) 0,9d f + V (7) CE sw ywk c V c parcela da força cortante absorvida por mecanismos complementares ao da treliça, de acordo com a NBR-6118 (2014) Limites da relação demanda capacidade Se os elementos estruturais que apresentarem um valor de RDC maior do que um determinado valor limite, eles são considerados com grande probabilidade de sofrerem sérios danos e até mesmo levar a estrutura ao colapso. De acordo com BALDRIDGE (2003), se a relação RDC(M) para momento fletor de um elemento estiver entre 1,0 e 2,0, o esforço é redistribuído para os demais elementos que possuem uma capacidade de resistência e dutilidade adequada. Pelo GSA(2003), se a configuração da estrutura for atípica, então esta relação deve ser no máximo igual a 1,5. Assim sendo, os limites da relação RDC(M) para o momento fletor podem ser os seguintes: RDC(M) 1,0 o risco de colapso progressivo para o momento fletor é baixo 1,0 RDC(M) 1,5 aceitável para uma configuração atípica da estrutura 1,0 RDC(M 2,0 aceitável para uma configuração típica da estrutura De acordo com BALDRIGE (2003), a ruptura do elemento pelo esforço cortante pode acontecer se RDC(V) for maior do que 1,0: RDC(V) 1 aceitável para o esforço cortante Seria possível também adotar outros limites de acordo com o tipo de edificação, com a altura da estrutura, importância da obra e com as possíveis consequências de uma ruptura total. Esta relação RDC pode ser utilizada para verificar a segurança da estrutura considerando uma área de armadura estimada para evitar o colapso progressivo nas vigas e pilares de uma estrutura de edificação de concreto armado, conforme LONGO (2014).
Otimização das armaduras A otimização das armaduras é necessária para evitar que o custo da construção aumente muito. Para isso é necessário determinar as armaduras considerando os valores limites da relação RDC. Esta otimização das armaduras longitudinais consiste em considerar o menor valor da capacidade última esperada para o momento fletor M CEmin. O gráfico da figura 5 mostra a variação das áreas das armaduras em função dos valores da relação RDC(M). Por este gráfico, pode-se notar que a menor área da armadura corresponde ao maior valor da relação RDC(M). Deste modo, a menor capacidade esperada para o momento fletor corresponde a relação RDC(M) max : MUD RDC( M ) max = M CE min donde M CE min M RDC( M ) max = UD (8) Assim sendo, a armadura longitudinal otimizada A S OT é calculada para este valor de M CEmin : MCE min AS OT = AS max (9) z f sendo z o braço de alavanca entre a resultante das forças de compressão e de tração yk Figura 5 Área das armaduras longitudinais em função da relação RDC(M) Da mesma maneira, a armadura transversal pode ser otimizada para a relação RDC(V) max : VUD VUD RDC( V ) max = donde VCE min = (10) VCE min RDC( V ) max A área da armadura transversal otimizada A SwOT /s é calculada para este valor de V CEmin de acordo com a NBR-6118(2014): VCE min Vc ASwOT / s = ASw max (11) 0,9d f ywk
Verificação da segurança da estrutura com otimização das armaduras A avaliação da segurança da estrutura é avaliada pela relação RDC, que depende das armaduras calculadas. No entanto, as armaduras para a combinação de ações COMB(ELU) geralmente são insuficientes para garantir que a relação RDC fique abaixo do limite após a remoção do pilar. Para melhorar a análise, é preciso considerar então a otimização das armaduras para torná-las mais econômicas. As etapas deste método são: Etapa 1 - Etapa 2 - Etapa 3 - Etapa 4 - Análise da estrutura para a COMB(ELU) para a determinação dos esforços M d e V d em cada elemento estrutural Determinação das armaduras A s e A sw, e das capacidades ultimas esperadas M CE e V CE em cada elemento estrutural Análise da estrutura sem um dos pilares para a COMB(GSA) para a determinação dos esforços M UD e V UD em cada elemento estrutural Verificar as relações RDC(M) e RDC(V) em cada elemento estrutural Se RDC(M) ou RDC(V) > limite em um determinado elemento estrutural, determinar a área da armadura otimizada A s OT Se a armadura otimizada A s OT for maior do que A s max ou for muito grande, aumentar as dimensões da viga ou modificar a estrutura e voltar para e Etapa 1 Exemplo numérico A estrutura analisada é uma edificação de concreto armado com 12 pavimentos. A análise foi feita por um modelo tridimensional usando o programa SAP 2000 (2009). As vigas e os pilares foram modelados com elementos lineares e as lajes com elementos finitos (figura 7). Figura 7 Modelo tridimensional da estrutura
As lajes ficaram com espessura de 12cm, as vigas (15cmx60cm) e os pilares (30cmx50cm). A planta de fôrmas do pavimento está mostrada na figura 7. Neste pavimento, foi considerada uma carga acidental de 2kN/m 2, paredes de 1kN/m 2 e revestimento de 0,5kN/m 2. O concreto usado foi o C40 e o aço CA-50. A estrutura foi estudada inicialmente para a combinação COMB(ELU) e depois foi analisada sem os pilares P1, P3, P7 e P9 no nível térreo para a combinação de cargas COMB(GSA). Figura 7 Planta de fôrmas do pavimento A figura 8 mostra um trecho do diagrama de momentos fletores da viga V2 entre os pilares P7 e P10 para a COMB(GSA) sem o pilar P9. Esta foi a viga mais crítica do pavimento. Figura 8 Trecho do diagrama de momentos da viga V2 sem o pilar 9 para a COMB(GSA)
Na tabela 1 estão indicados os momentos fletores M d nos para as combinação COMB(ELU) com as áreas das armaduras na viga V2 entre os pilares P7 e P10, sendo a área mínima das armaduras foi igual a 1,50cm 2. Nesta tabela também são mostrados os momentos M UD para a combinação COMB(GSA), os menores momentos esperados M CEmin e as armaduras otimizadas na V2 sem o pilar P9. O sinal (-) nestas áreas das armaduras indicam que a armadura deve ficar na parte superior da viga e o sinal (+) na parte inferior. Na última coluna da tabela estão as áreas das armaduras A s adotadas, sendo que em negrito estão as áreas aumentadas. Por estes valores, pode-se constatar que as maiores áreas das armaduras superiores aconteceram nos apoios do P8 e do P10 e a maior área das armaduras inferiores foi em torno do pilar P9 que foi retirado. Nos demais vãos prevaleceram as áreas das armaduras para a COMB(ELU). Tabela 1 Momentos fletores e áreas das armaduras na viga V2 sem o P9 M d (knm) (ELU) A selu (cm 2 ) M UD (knm) (GSA) M CEmin (knm) A S OT (cm 2 ) A S adotada (cm 2 ) vão 1-46 -1,97-17 -8-1,50-1,97 +28 +1,50 0 0 +1,50 +1,50-31 -1,50-126 -63-2,34-2,34 vão 2-37 -1,57-502 -251-10,02-10,0 +15 +1,50 +120 +60 +2,30 +2,30-42 -1,79 +429 +214 +8,43-1,79 / +8,43 vão 3-105 -4,62 +240 +120 +4,55-4,62 / +4,55 +68 +2,94 +120 +60 +2,30 +2,94-105 -4,62-405 -202-7,92-7,92 A figura 9 mostra a armadura otimizada para a viga V2 entre os pilares P7 e P10 sem o pilar P9. As barras N2, N4 e N6 foram colocadas para evitar o colapso progressivo. Nesta viga, foi preciso colocar uma armadura inferior contínua sobre o apoio com emendas, sendo l ot o comprimento das emendas por traspasse. Figura 9 Armaduras otimizadas da viga V2 sem o pilar 9
Conclusões A ruptura de um pilar de uma estrutura pode provocar um colapso progressivo com perdas de vidas humanas e grandes prejuízos financeiros. A análise da estrutura pode ser feita pelo método dos caminhos alternativos de cargas considerando a ruptura de um dos pilares do pavimento térreo para uma combinação de ações COMB(GSA). A Relação Demanda Capacidade RDC é usada para a verificação da segurança. As armaduras calculadas para a combinação COMB(ELU) no Estado Limite Último nem sempre são suficientes para garantir a segurança. Desta maneira, é necessário aumentar as armaduras, o que poderia inviabilizar o projeto. Assim sendo, deve ser feita uma otimização das armaduras nas vigas em função dos valores limites da Relação Demanda Capacidade RDC. Uma estrutura com 12 pavimentos foi analisada por um programa de computador com um modelo tridimensional, sem um dos pilares do pavimento térreo. As armaduras longitudinais e os estribos foram otimizados considerando o limite da relação RDC. O detalhamento das armaduras otimizadas da viga mais crítica do pavimento desta estrutura foi mostrado para ilustrar o procedimento adotado. Neste exemplo, foi constatado que as maiores armaduras superiores aconteceram na viga nos apoios próximos ao pilar retirado. Nos demais vãos, as armaduras foram as dimensionadas pela combinação COMB(ELU). Isto ocorreu também nas vigas acima da que perdeu o apoio. Este estudo demonstrou que a estrutura deve ser projetada de modo que haja um caminho alternativo de cargas quando houver uma possibilidade de ruptura em um dos pilares do pavimento térreo provocado por uma explosão, colisão de carro, incêndio, falhas de execução etc. Quando acontece a perda de um dos pilares, os maiores esforços ocorreram nas proximidades da viga que perdeu o apoio e nas demais acima dela. Assim sendo, a previsão de armaduras nas vigas para evitar o colapso progressivo pode ser considerada em determinados projetos desde que seja feita uma otimização destas armaduras. References BALDRIDGE,HUMAY,F.K.,Preventing Progressive Collapse in Concrete Buildings, Concrete International, p.1-7, nov. 2003. DEPARTMENT OF DEFENSE, DOD, Design of Buildings to Resist Progressive Collapse, Unified Facilities Criteria (UFC) 4-023-03, jan. 2010. FEMA-273, NEHRP, Guidelines for the Seismic Rehabilitation of Buildings, Federal Emergency Management Agency, 1997 GENERAL SERVICES ADMINISTRATION(GSA), Alternate Path Analysis & Design Guidelines for Progressive Collapse Resistance,2013. GENERAL SERVICES ADMINISTRATION (GSA), Progressive Collapse Analysis and Design Guidelines for New Federation Office Buildings and Major Modernization Projects, 2003. LARANJEIRAS,A.C.R., Colapso Progressivo dos Edifícios, ABECE, n.96, ano 17, mar/abr., 2013. LONGO, H.I.), Análise da Estrutura para Avaliação do Colapso Progressivo, VII Congresso Brasileiro de Pontes e Estruturas. Rio de Janeiro, Brasil, 2014. NBR-6118, Projeto de Estruturas de Concreto Procedimeno, ABNT, 2014. SAP 2000, advanced 14.1.0, Structural Analysis Program, Computers and Structures, Inc.. 2009.