Judicialização da saúde no Brasil. Daniel Wang

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Transcrição:

Judicialização da saúde no Brasil Daniel Wang daniel.wang@qmul.ac.uk

O que se pede? Medicamentos não incorporados ao SUS SC 64% SP 77% RJ 80% Off-protocol 81% (Macedo et al., 2011) Off-label ou sem registro na ANVISA

Como os tribunais decidem? Quase sempre a favor de paciente Ignora impacto econômico da decisão entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, (...) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo (...) que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas (Min. Celso de Mello, Pet 1246/96)

Como os tribunais decidem? eu não posso compreender que se articule a inexistência de lastro econômico-financeiro para se negar um tratamento à saúde a um cidadão (...) pelo o que leio nos veículos de comunicação, o tratamento dessa doença, com êxito, está realmente em Cuba (Min. Marco Aurélio Mello, RE 368546/2011) Eu sou muito determinado nessa questão da esperança. Nunca acreditei na versão de que o tratamento em Cuba da retinose pigmentar não tinha cura, pelo contrário, eu entendo que se eles são especialistas nisso, deve haver uma esperança com relação a essa cura (Luiz Fux, RE 368546/2011)

Impacto econômico da judicialização Governo Federal 2006: R$ 9 milhões 2015: R$ 1 bilhão 53% com apenas dois medicamentos não incorporados ao SUS (TCU) Estado de SP 2010: R$ 700 milhões 2016: R$ 1 bilhão Estado de MG 2010: R$ 61,5 milhões 2014: R$ 221 milhões Buritama: tratamento para um paciente custa 16% do orçamento de assistência farmacêutica

Problema Injustiça SUS de dois níveis Ineficiência Baixa qualidade de evidência científica Desconsidera custo-efetividade e as prioridades de saúde da população

Dada a escassez de recursos, nenhum sistema de saúde consegue incluir a oferta de todos os serviços. Prioridade deve ser dada a tratamentos com compravação científica sólida e que sejam custo-efetivos.

Soobramoney v Minister of Health (Kwazulu-Natal) [1997] ZACC 17 Soobramoney é diabético, sofre de doença cardíaca isquêmica, doença vascular cerebral, e de uma doença renal crônica irreversível Sua vida pode ser prolongada por meio de diálise. Procurou tratamento em um hospital público Devido ao número limitado de recursos para diálise, o hospital não forneceu ao o paciente o tratamento pedido Somente pacientes que podem receber um transplante de órgão recebem acesso imediato à diálise Secretaria de Saúde informou ao hospital que não havia recursos disponíveis para aumentar a oferta deste tratamento Todos os centros diálise no país estão funcionando no seu limite Constiuição da África do Sul Todos tem o direito de ter acesso aos serviços de cuidado à saúde ( ) O Estado deve tomar medidas razoáveis, dentro dos recursos disponíveis, para alcançar a realização progressiva deste direito. Todos têm o direito à vida

Soobramoney v Minister of Health (Kwazulu-Natal) (CCT32/97) [1997] ZACC 17 Corte Constitucional Mais pacientes poderão se beneficiar quando as cadeiras de diálise disponíveis são utilizadas de acordo com as diretrizes do que se usadas para beneficiar pacientes com doença renal crônica sem possibilidade de transplante Não há nenhuma sugestão de que estas diretrizes sejam irrazoáveis ou de que não fossem aplicadas de forma justa e racional Se o tratamento fosse fornecido a Soobramoney, ele também teria que ser fornecido a todos na mesma condição e o custo disso significaria uma intervenção substancial no orçamento da saúde. Se este princípio for aplicado a todos os pacientes pedindo acesso a tratamentos de alto custo, o orçamento da saúde teria que ser aumentado drasticamente às custas de outras necessidades que requerem a atenção do Estado. Se recursos concindissem em extensão com a compaixão, não teria dúvidas de qual seria minha decisão. Infelizmente, recursos são limitados e não vejo razão para interferir com uma alocação realizada por aqueles que estão melhor equipados que eu para lidar com estas escolhas angustiantes que precisam ser feitas.

9C_334/2010 - Suprema Corte Suíça Paciente de 70 anos diagnósticado com doença de Pompe Doença rara que acomete tecido muscular, incluindo coração e músculos envolvidos na respiração, que resulta em morte Tratamento disponível (Myozyme) Não cura, mas alivia sintomas Registrado, mas fora da lista de cobertura compulsória Custeado por seis meses pela seguradora, mas posteriormente houve descontinuação da cobertura por razões de custo-efetividade Paciente entrou com ação contra a seguradora Piora na condição do paciente Tratamento possui registro Seguradora deve fornecer tratamento que tenha elevado valor terapêutico

9C_334/2010 - Suprema Corte Suíça Suprema Corte Suíça Registro não significa necessariamente que tratamento tenha elevado valor terapêutico Ausência de demonstração de elevado valor terapêutico por meio de pesquisas clínicas e para o caso do paciente Ainda que grande valor terapêutico seja demonstrado, cobertura poderia ser negada quando a relação custoefetividade é desfavorável Por razões de igualdade perante a lei, critérios de custoefetividade devem se aplicar igualmente às doenças raras. Não se pode cobrir para um segurado aquilo que não o seria para outros na mesma situação. Cobertura de prestações que não podem ser universalizáveis é contrária ao princípio da igualdade Se todos os pacientes na mesma situação tivessem que receber tratamento, isso geraria um custo equivalente a 1,6 vezes o orçamento de saúde da Suíça

Judicialização contra o sistema suplementar Hoje em Dia (6/1/2015)

Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar (FMUSP) 120 ações por dia contra planos de saúde Negativa de cobertura é o principal motivo das ações (48%) Usuário ganha em 90% das ações

TJ-SP Negativa de cobertura (Scheffer, 2013) Parcialmente favorável ao paciente 4% Desfavorável ao paciente 8% Favorável ao paciente 88%

Fonte: Scheffer, 2013

Fonte - IBEDESS

ENUNCIADOS APROVADOS PELA PLENÁRIA DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA N.º 20 A inseminação artificial e a fertilização in vitro não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas empresas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa iniciativa prevista no contrato de assistência à saúde. N.º 21 Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n.º 9.656/98, recomendase considerar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas. N.º 26 É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico ou cirúrgico experimental. N.º 28 Nas decisões liminares para o fornecimento de órteses, próteses e materiais especiais OPME, o juiz deve exigir a descrição técnica e não a marca específica e/ou o fornecedor. N.º 29 Na análise de pedido para concessão de tratamento, medicamento, prótese, órtese e materiais especiais, os juízes deverão considerar se os médicos ou os odontólogos assistentes observaram a eficácia, a efetividade, a segurança e os melhores níveis de evidências científicas existentes. N.º 33 Recomenda-se aos magistrados e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e aos Advogados a análise dos pareceres técnicos da ANS e da CONITEC para auxiliar a prolatação de decisão ou a propositura da ação.

Soluções Medicina baseada em evidências ANVISA Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) Pareceres técnicos da ANS Cochrane Collaboration Fundamentação Mostrar razões legais, regulatórias e contratuais Explicar as razões Transparência e consistência Contrato precisa ser claro Negativa de cobertura precisa ser bem justificada Critérios claros Buscar solução do problema Produção de informação sobre a judicialização O que move a judicialização? Qual o efeito agregado sobre o setor?