A ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA NO COTIDIANO INFANTIL



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Transcrição:

A ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA NO COTIDIANO INFANTIL ILZE MARIA COELHO MACHADO (SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO). Resumo Este artigo sintetiza algumas práticas docentes que focalizam o trabalho com as linguagens: oralidade, leitura e escrita na primeira infância, realizado por professoras de Educação Infantil de uma rede pública. Constitui se em aspectos abordados na pesquisa, expressa na dissertação defendida recentemente, que teve como análise a compreensão da organização do trabalho pedagógico desenvolvido na Educação Infantil, com turmas de Pré escola. No que tange ao trabalho com oralidade, leitura e escrita, as professoras manifestaram que essas linguagens são privilegiadas no desenvolvimento de suas ações educativas, tendo em vista o momento vivenciado pelas crianças na faixa etária de três a cinco anos, suas necessidades, seu desenvolvimento e suas aprendizagens. As propostas para o desenvolvimento da oralidade infantil se caracterizam como uma prática diária, bem como os momentos de leitura de histórias. Todavia a intencionalidade dessas ações incita dúvidas nas professoras, percebe se ainda a utilização da literatura infantil como pretexto para o encaminhamento de determinados conteúdos das áreas priorizadas no trabalho com os pequenos. Quanto à escrita, evidencia se a preocupação com a apropriação do código, principalmente com crianças de quatro a cinco anos de idade, que no ano posterior estarão inseridas em turmas do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos. Os dados apontam que nem sempre o trabalho pedagógico que contempla essas linguagens, apresenta se de forma contextualizada e significativa para as crianças, constituindo se como práticas sociais de uso real. Palavras-chave: Educação Infantil, Linguagens, Trabalho Pedagógico. Introdução Este texto tem por finalidade apresentar alguns resultados de pesquisa realizada com professoras de educação Infantil de uma rede pública, que teve por análise a organização do trabalho pedagógico. Na pesquisa realizada, a metodologia utilizada caracterizou-se pela abordagem qualitativa, do tipo exploratória, com um recorte da realidade investigada. Tendo em vista a abordagem utilizada e a natureza do problema investigado, a modalidade de pesquisa do estudo de caso permitiu a análise da realidade e de suas contradições. Para a realização desse estudo, os instrumentos de investigação empregados centraram-se na entrevista com roteiro semiestruturado e na análise documental. Os sujeitos que compõem o universo investigado totalizaram dez professoras, com atuação em turmas de maternal III e pré, com crianças na faixa etária de três a cinco anos, e foram selecionadas aleatoriamente em Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) que apresentavam em seu quadro docente professoras com um a cinco anos de exercício na educação infantil. Dessas professoras, seis possuíam experiência no magistério em turmas do ensino fundamental. Nesse sentido, o presente texto traz algumas reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico na educação infantil, tendo em vista as práticas docentes direcionadas às linguagens: oralidade, leitura e escrita.

O trabalho pedagógico na educação infantil O trabalho pedagógico na educação infantil se reveste de significados distintos. Sua finalidade educativa considera o trabalho voltado para situações reais de aprendizagem, com propostas contextualizadas e significativas, de modo a ampliar as vivências e as experiências das crianças, que são diversificadas e dependem do contexto cultural e social em que se inserem, bem como das interações com outros sujeitos, adultos e crianças. Consiste no ato de pensar em ações intencionais, planejadas, compartilhadas, que privilegiem as diferentes linguagens (oralidade, leitura, escrita, artísticas, movimento), o pensamento lógico-matemático, as relações naturais e sociais, a valorização do jogo e da brincadeira, em que, num processo interativo, as crianças construam a sua identidade, a autonomia e se apropriem dos conhecimentos socialmente produzidos. A dialogicidade, a observação e a escuta do professor constituem instrumentos que viabilizam a proposição de conhecimentos significativos que contemplem a realidade concreta, respeitem a diversidade cultural, ampliem as vivências e experiências infantis. Pressupõe-se que a educação infantil, decorrente de sua finalidade educativa, precisa considerar as especificidades da infância, amplamente divulgada na literatura específica. A forma de conceber a criança e o período da infância apresenta indicativos das prioridades de trabalho estabelecidas pelas professoras e suas responsabilidades com as aprendizagens infantis. Bujes (2001) ressalta a complexidade das experiências vivenciadas pelas crianças nas instituições de educação infantil, em que a criança desenvolve modos de pensar, a sensibilidade, as preferências por manifestações culturais diversas, o domínio do corpo, as diferentes formas de expressão, a criatividade, entre outras que compõem o leque de conhecimentos da educação infantil. O exercício de olhar para a realidade, para as ações propostas e se estas instigam as crianças com situações desafiadoras no aprendizado das diferentes linguagens e áreas de formação assinala a intencionalidade do trabalho do professor. No que se refere ao aprendizado da linguagem oral, escrita e leitura, a educação infantil constitui "um dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças" (RCNEI, 1998: 117). Educação infantil x ensino fundamental O professor no exercício de sua docência se depara com os antagonismos presentes nas concepções do trabalho pedagógico, na educação infantil e no ensino fundamental, as quais se distinguem por suas especificações. Observa-se que o professor com vivência em turmas de crianças do ensino fundamental, ao atuar na educação infantil, muitas vezes, entra em conflito. A sua compreensão do desenvolvimento do trabalho pedagógico apresenta características próximas às da escola, como espaço de aprendizagem, como afirma a professora (Professora 7):

Se você perguntar para as crianças o que elas vêm fazer no CMEI, elas dizem que vêm brincar, ninguém vem para aprender. A gente sabe que todo dia elas aprendem alguma coisa, mas se você perguntar dá até um desgosto. As aprendizagens proporcionadas na educação infantil precisam ser pensadas e organizadas para crianças ativas, espontâneas, que surpreendem no dia a dia com sua curiosidade sobre os acontecimentos do mundo. Para isso, a educação infantil constitui um espaço desafiador que percebe as potencialidades infantis e respeita a criança naquilo que lhe é próprio. Rocha (1999) afirma que a escola e a educação infantil são instituições educativas diferenciadas em sua função social: Enquanto a escola tem como sujeito o aluno, e como objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade (ou até o momento em que entra na escola). (p. 60) A educação infantil tem sua especificidade distinta do processo de escolarização do ensino fundamental, organiza o trabalho pedagógico para crianças que se encontram em processo de desenvolvimento. A dimensão do espaço e do tempo tem outra dinâmica da apresentada na escola, como as áreas privilegiadas no trabalho têm características específicas diante de suas funções. Contudo, mesmo de forma tênue, transparecem entre professores, no discurso ou em propostas de trabalho, algumas características de cunho mais escolarizante, principalmente naqueles que têm a experiência de escola. Conforme os dados apontaram, a maioria das professoras pesquisadas não teve uma formação inicial específica na educação infantil para subsidiar seu trabalho e, além disso, muitas delas vivenciaram a experiência docente no ensino fundamental. Isso pode direcionar algumas práticas de cunho mais escolarizante. As experiências constituem saberes docentes e o professor empresta de sua prática de ensino fundamental atividades adaptadas para os pequenos, mas nessa adaptação o processo é direcionado à transmissão de conhecimentos. Muitas são as possibilidades de aprendizagem das crianças. Estas ao chegarem à instituição trazem consigo conhecimentos diversos decorrentes das experiências e oportunidades vivenciadas em seu meio social e cultural. A definição dos conhecimentos necessários às crianças de zero a cinco anos de idade pode gerar algumas discordâncias entre professores, porque uns priorizam mais o aspecto cognitivo do desenvolvimento infantil e consequentemente as propostas de trabalho serão direcionadas nessa visão, enquanto outros entendem a necessidade de considerar as demais dimensões em seu planejamento. Considerar o processo da criança aquilo que ela consegue realizar sozinha ou com ajuda, naquele momento, revela a compreensão das professoras de que a aprendizagem da criança se efetiva diante das possibilidades que lhe são oferecidas e da interação desta com outros sujeitos, no caso professoras e crianças. Se a atividade for repetitiva e mecânica, ela só reproduz, mas compreendê-la como sujeito do processo denota a concepção de criança e de aprendizagem que permeia o trabalho docente e repercutirá nos encaminhamentos propostos. Uma professora (Professora 1) destacou no momento da entrevista que seu trabalho tem como norte as áreas do conhecimento, ao dizer:

Matemática, Língua Portuguesa, a gente lê nas Diretrizes tudo o que é para essa faixa etária. Em Matemática, eu faço joguinhos, em Língua Portuguesa, eu queria trabalhar com poesias, mas não sei como. A professora demonstra suas incertezas e a necessidade de orientações no encaminhamento do trabalho com crianças de maternal III (três a quatro anos), que corresponde à sua turma, o que pressupõe sua experiência com turmas de crianças maiores do ensino fundamental, ou pelo fato de, no momento da realização da entrevista, sua atuação com os pequenos corresponder a três meses de exercício. O trabalho com poesias é uma prática a ser desenvolvida desde a educação infantil e os momentos de leitura diária precisam considerar as diferentes tipologias textuais, pois, na maioria das vezes, o professor prioriza os textos narrativos e pouco aborda os demais, o que pode indicar desconhecimento no encaminhamento do trabalho, como aponta a professora citada. Outra professora (Professora 10) destacou os diferentes aspectos do desenvolvimento infantil que devem ser considerados no trabalho: Os aspectos do conhecimento, o cognitivo e o aspecto lúdico são a base de tudo. O emocional, de trabalhar o emocional nas atividades, bem como na forma de tratar a criança, favorece o bom desenvolvimento psicológico e emocional, assim como as atividades que envolvem o movimento, a linguagem oral. Rocha (1999:63) afirma que o aspecto cognitivo não deve prevalecer no trabalho da educação infantil. Devem-se considerar as "demais dimensões envolvidas no processo de constituição do sujeito criança". Não são recentes as discussões acerca da alfabetização na educação infantil. A literatura apresenta diferentes abordagens decorrentes de concepções variadas, que adquirem conotações diferenciadas em cada momento histórico. Uma das professoras (Professora 8), sujeito da pesquisa, mencionou o trabalho que estava iniciando com a apresentação do alfabeto às crianças, pois havia percebido o interesse destas por essa aprendizagem: Agora a gente está iniciando o alfabeto, estou vendo um progresso, até as mães estão vindo me procurar, eles querem descobrir, querem ver letras, querem que elas desenhem em casa. A alfabetização é motivadora de dúvidas, entre as professoras da educação infantil, na compreensão do seu significado, na função social da escrita, na sistematização e no que priorizar no trabalho com as crianças. Isso pode ser observado nas falas (Professora 6 e Professora 7), conforme os seguintes destaques: Quando eu entrei na Prefeitura, eu achava um absurdo não poder alfabetizar no pré se as crianças da escola particular saem alfabetizadas. Mas depois tive outra visão e até concordo. Quanto mais você desenvolver a expressão corporal, a fala e fizer a criança expressar sua opinião, tudo isso é o início da alfabetização. É importante você ensinar as letras, mas o mais importante é esse contato com a criança. Eles falam que no CMEI não pode ter muita coisa de alfabetização, só que as crianças vão para o 1.º ano e elas vão ter que saber, elas vão ter uma base disso. Acho que elas têm que estar mais livres, fazer coisas mais soltas, não têm que se preocupar com o que está adiante. Mas as crianças que estão no pré e vão para a escola têm que aproveitar essa fase em que elas estão aprendendo, não todo dia,

mas ter um tempo reservado para isso, ter um tempinho reservado para poder ensinar, para sentar e aprender. A primeira professora (Professora 6) demonstra sua indignação inicial ao realizar a comparação entre a rede pública e a privada e ao se deparar com propostas diferenciadas que são resultantes de concepções distintas. Mas, com o entendimento de como se efetiva o processo de alfabetização, ela relata que prioriza atividades e situações de aprendizagem indicadoras da apropriação da leitura e da escrita. A segunda professora (Professora 7) demonstra preocupação com as crianças que se encontram na pré-escola e para as quais se deve dedicar um tempo específico para a sistematização da escrita, pelo fato de que no ano seguinte estarão matriculadas nas escolas. Dessa forma, evidenciam-se características de uma educação preparatória para a etapa posterior. As orientações para o trabalho pedagógico com a linguagem escrita demandam mais discussão e compreensão para que as propostas planejadas e realizadas sejam significativas, pois essa aprendizagem ultrapassa a aquisição do código escrito. O processo de alfabetização envolve conhecimentos e usos da escrita em situações de uso real, como prática social. A educação infantil precisa constituir um espaço em que a escrita esteja presente, faça parte do cotidiano, de forma ampla, extrapolando momentos pontuais e mecânicos que inviabilizam o pensar sobre essa linguagem, seus usos e significados. A alfabetização é uma atividade que vai muito além do aspecto motor, constitui uma atividade cognitiva. Nas colocações das professoras mencionadas anteriormente está presente uma concepção de educação infantil com características similares às da escola, com conteúdos que se assemelham. Uma das professoras deixa clara essa preocupação, principalmente com as crianças das turmas de pré e que no ano seguinte estarão inseridas no ensino fundamental. Freitas (2007:10) adverte que "não se deve retirar da educação infantil aquilo que a singulariza, aquilo que se expressa no seu conteúdo em si e para si'". Segundo o autor, a educação infantil tem um conteúdo que lhe é próprio, não é aceitável colocá-la em uma categoria reducionista pelo fato desta anteceder o período de escolarização efetiva. As linguagens na primeira infância A criança ao nascer está imersa num contexto social que se utiliza de diversas linguagens, que tem diferenciações ou variações de acordo com a cultura de cada grupo, e, para inserir-se, comunicar-se e compartilhar das práticas de seu meio, precisa aprender sobre aquilo que a identifica. O gesto se caracteriza como uma das primeiras linguagens utilizadas pelos bebês para manifestar suas emoções, desejos, imitação e comunicação. O uso dos sentidos pela criança e o significado atribuído pelos adultos que se relacionam com ela dão sentido as suas ações, que inicialmente são espontâneas. Outra forma de comunicação desenvolvida pela criança é a oralidade. Sua aquisição é possibilitada pela interação entre os sujeitos. Na educação infantil, é importante que as ações docentes considerem o trabalho com a linguagem oral, possibilitando às crianças se expressarem em momentos de conversa, participação em brincadeiras com palavras na forma de rimas, canções, quadrinhas entre outras e audição de histórias contadas ou lidas.

As professoras entrevistadas mencionaram que uma das práticas para o desenvolvimento da linguagem oral consiste propostas diárias de "rodas de conversa" com o grupo de crianças. Dessa forma, possibilitam o diálogo e a troca, entre os interlocutores. A Roda de Conversa "é um espaço que contribui para a aprendizagem da escuta, estimula o desenvolvimento da linguagem oral e permite que todos possam se expressar" (Caderno Pedagógico - Oralidade, 2008: 31). Geralmente a Roda de Conversa ocorre no início do turno e pressupõe que as crianças estão sentadas, dispostas em círculo, e cabe à professora o direcionamento da conversa. Para tanto, ela se utiliza de "disparadores", que podem ser objetos, imagens, fotos, brinquedos, algum acontecimento que teve repercussão no grupo, alguma história, entre outros. As questões direcionadoras são planejadas antecipadamente pela professora, para que o momento se constitua uma conversa com a participação das crianças. O diálogo entre o grupo, crianças e adultos, deve ser viabilizado como forma de interação, expressão e comunicação. Lima (2002) ressalta a fala enquanto construção social e afirma que: Quando a criança pequena chega à fala e começa a desenvolver a oralidade, ela e o adulto encontram um campo comum de significação. Para o adulto, há uma mudança importante neste momento, porque a criança passa a utilizar um sistema simbólico que ele domina. (p. 15) O trabalho com as diferentes linguagens (oralidade, leitura, escrita, entre outras) e o brincar, embora com características e finalidades distintas, possibilitam a compreensão da função simbólica. Vygotsky (1991) nos diz que a escrita é um sistema de símbolos que representam a realidade e que a sua aquisição pela criança é anterior ao ingresso na escola. Ele ressalta o papel do professor como mediador desse processo. Em suas pesquisas sobre o desenvolvimento da escrita, Luria (1991) concluiu que: O desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um caminho que podemos descrever com a transformação de um rabisco não diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Nesta sequência de acontecimentos, está todo o caminho do desenvolvimento da escrita, tanto na história da civilização como no desenvolvimento da criança. (p. 161) A escrita é uma forma de representação mais elaborada e seu processo de apropriação perpassa o entendimento da função simbólica. Para isso, as propostas de trabalho que envolvem a linguagem escrita não podem dissociar-se de sua função social, ou seja, de situações de uso real na sociedade. Nesse sentido, devem ser planejadas situações que favoreçam a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. As crianças precisam saber que a linguagem escrita diferencia-se da fala, que são representações distintas. Essas situações ainda motivam discussões entre professores. No processo inicial de inserção da criança no universo da escrita, o professor é a referência para a criança ao mostrar para ela os usos que se faz dessa linguagem, os contextos permeados pela escrita e seus significados.

Conforme Gastaldi (2004), para uma criança que participa da cultura escrita, o domínio do código alfabético torna-se uma tarefa simples. As experiências com a escrita perpassam a leitura frequente às crianças pelo professor, as produções individuais e coletivas com o professor no papel de escriba, na escrita do próprio nome, em situações lúdicas e tantas outras possibilidades que o professor oferece às crianças. Ao ser adotada a prática do trabalho com o nome da criança no processo de apropriação do código, é oportunizada a aprendizagem do funcionamento da escrita, suas constâncias e regularidades, tornando-se referência para outras tentativas de registro pela criança. Em suas falas, as professoras relataram que o trabalho com a leitura de histórias se caracteriza como uma prática diária. Também organizam o espaço da sala com um "canto" destinado à "leitura pelas crianças", em que elas têm oportunidade de escolher o título de seu interesse e proceder ao manuseio do livro, conforme as observações e destaques realizados pelas professoras, que são referência às crianças e viabilizam ações para que estas adquiram comportamento de leitor. Para a formação de leitores, a leitura deverá estar presente no cotidiano das crianças com regularidade, com acesso a bons títulos, ambiente favorável, condições agradáveis. As crianças precisam ser cativadas com textos adequados, pois nem todas têm a experiência com a leitura em seu meio familiar. Assim, é necessário o conhecimento prévio do livro pelo professor, envolver as crianças, modular a voz, permitir maior aproximação com o texto e que o momento posterior da história seja aberto, sem a preocupação em realizar atividades corrrelacionadas, ou seja, fechar as possibilidades que foram abertas com o livro, pois, segundo Lerner (2002:73), "ler é entrar outros mundos possíveis". Na formação continuada, as professoras são orientadas para desenvolverem o trabalho com a leitura de textos literários, da tradição popular, enfim, com os diferentes gêneros textuais. É importante ressaltar que o professor precisa ter clareza do trabalho com os diferentes textos, com objetivos estabelecidos em seu planejamento, pois estes apresentam propósitos distintos. Algumas vezes, os livros literários são utilizados sem o propósito de desenvolver o gosto pela leitura, mas como pretexto para o encaminhamento do trabalho com algumas áreas de formação humana. Nesse sentido, com a compreensão de que "aprender a ler e a escrever fazem parte de um longo processo ligado à participação em práticas sociais de leitura e escrita" (RCNEI, 1998: 123), a educação infantil torna-se um espaço em que essas linguagens circulam e servem de referência às crianças. Considerações finais Este texto, que teve por objetivo mencionar algumas práticas docentes realizadas na educação infantil, aponta que as professoras pesquisadas demonstram a preocupação em organizar o trabalho pedagógico com prevalência do brincar, da oralidade, da leitura, da escrita e das demais áreas de formação humana. Entretanto, há momentos na fala de algumas delas em que transparecem dúvidas sobre as especificidades da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental, em que a expressão "não pode" é assumida como justificativa para que propostas não se concretizem, exprimindo a importância de se ter clareza do que é importante e próprio para esse período da vida das crianças.

Segundo Freitas (2007:10), "é na singularidade da construção quotidiana do espaço, do tempo, da organização e das práticas que o trabalho com crianças pequenas ganha uma tonalidade própria". A literatura tem destacado a importância de o professor compreender o universo complexo das crianças de zero a cinco anos e sua especificidade, para que suas ações se pautem na observação apurada e na proposição de situações enriquecedoras e desafiadoras que reflitam na aprendizagem e desenvolvimento infantil. O desenvolvimento de propostas que enfatizam a oralidade infantil, as práticas de leitura e a linguagem escrita, em suas manifestações culturais e sociais, fazem parte do universo de trabalho das professoras. Entretanto, mesmo com as discussões sobre o trabalho com essas linguagens nos momentos formativos e na observação das ações no espaço do CMEI, verificam-se alguns equívocos de encaminhamento ao se propor atividades pouco desafiadoras às crianças. O volume de pesquisas direcionadas à leitura, oralidade e escrita na primeira infância é crescente, associado à literatura disponível. Todavia, as incertezas quanto ao papel do professor no planejamento e encaminhamento do trabalho pedagógico com essas linguagens, ainda se manifestam como aspectos que precisam de mais atenção. As linguagens oralidade, leitura e escrita estão contempladas nas Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba - Educação Infantil (2006), documento que norteia o trabalho pedagógico dos CMEIs. Além das Diretrizes, os profissionais encontram subsídios para suas ações no Caderno Pedagógico de Oralidade, que fornece referências teórico-práticas para a elaboração do planejamento. A tematização da prática quanto à oralidade, leitura e escrita tem sido uma das estratégias formativas utilizadas com os profissionais da educação infantil. Entretanto, a formação, a experiência e o percurso das professoras se diferenciam em decorrência de vários fatores. Isso implica num processo contínuo de análise e reflexão sobre o seu fazer docente, tendo em vista a formação de crianças com possibilidades de experiências significativas e diversificadas com a linguagem oral e escrita e que a leitura esteja presente no cotidiano infantil. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. V.3. Brasília, DF, 1998. BUJES, M. I. E. Escola infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. da S. (Org.). Educação infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 13-22. CURITIBA. Prefeitura Municipal de Curitiba: Secretaria Municipal da Educação. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba. Educação Infantil. Curitiba Secretaria Municipal da Educação, 2006. v. 2.

. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal da Educação. Caderno pedagógico: oralidade. 2008. FREITAS, M. C. de. O coletivo infantil: o sentido da forma. In: FARIA, A. L. G. de (Org.). O coletivo infantil em creches e pré-escolas: falares e saberes. São Paulo: Cortez, 2007, p. 7-13. GASTALDI, M. V. Prazeres e saberes de leitores e escritores não convencionais. Revista Avisa Lá, São Paulo, n. 19, ano 2004, p. 32-41. LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. LIMA, E. de S. 107, 2002. A criança pequena e suas linguagens. São Paulo: Sobradinho LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VIGOTSKY, L. S. ; LURIA, A. R; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1991, p. 143-189. ROCHA, E. A. C. A educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectiva de consolidação de uma pedagogia da educação infantil. 198 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Campinas, Campinas, SP, 1999. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.