Cleft Lip and Palate in Twins: a Case Report



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FISSURAS LABIOPALATINAS EM GÊMEOS: RELATO DE CASO Cleft Lip and Palate in Twins: a Case Report Recebido em 23/02/05 Aprovado em 19/05/05 Francisco Aurélio Lucchesi Sandrini* Aírton Charles Chaves Júnior** Rodrigo Gomes Beltrão** Alan Fernando Panarello *** Wanyce Miriam Robinson **** RESUMO As fissuras labiopalatinas têm acompanhado a existência da humanidade, sendo consideradas as mais comuns dentre as malformações congênitas faciais. Este relato tem como objetivo apresentar um caso de gêmeas portadoras de fissura labiopalatina, discutindo as possíveis causas genéticas e ambientais dessa malformação nas pacientes e em seus familiares afetados. Descritores Fenda labial/genética. Fissura palatina/genética. Gêmeos. ABSTRACT Orofacial clefts have existed since the dawn of humanity. Among congenital facial malformations the cleft lip and/or palate are regarded as the most common. The aim of the present report is to illustrate a case of twins affected by cleft lip and palate, discussing the possible genetic and environmental causes of this malformation in these patients and their affected relatives. Descriptors: Cleft lip/genetics. Cleft palate/genetics. Twins. INTRODUÇÃO As primeiras evidências de fissuras labiais (FL) foram observadas em uma escultura indígena datada do século I da Era Cristã. O primeiro tratamento cirúrgico, devidamente documentado, ocorreu no ano 390 D.C., na China, realizado por um médico que ficou conhecido como doutor dos lábios, trezentos anos após (MENEGOTO, 1989). O primeiro autor a se preocupar com as malformações labiopalatinas foi o russo Fröbelius que, no período de 1833 a 1865, analisou 180 mil crianças de um hospital de São Petersburgo, Rússia, encontrando 118 casos de fissuras, o que representa um índice de aproximadamente 0,07% (MENEGOTO, 1989). Dentre as malformações congênitas faciais, as fissuras labiopalatinas (FLP) são consideradas as mais comuns, desenvolvendo-se nas primeiras fases embrionárias, que compreendem o período da quarta à oitava semana de vida intra-uterina, tendo origem no aparelho branquial ou faringeano e seus derivados (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2001). Para Tobiasen (1990), as FLP são anomalias que causam transtornos psicológicos e funcionais importantes aos seus portadores. Observações clínicas e resultados de pesquisas sugerem que crianças portadoras de FLP e suas famílias experimentam um significante estresse crônico de ordem física, emocional e social. Murray (2002) chama a atenção para o substancial ônus econômico que essas malformações acarretam, já que demandam tratamento cirúrgico, * Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF) PUCRS e Doutorando em CTBMF FOP/UPE. ** Mestre em CTBMF PUCRS e Doutorando em CTBMF PUCRS. *** Mestre em CTBMF PUCRS. **** Doutora em genética UFRGS, professora de genética do programa de Pós-Graduação em CTBMF PUCRS. ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

SANDRINI et al. odontológico, fonoaudiológico, médico e psicológico. A incidência de fissuras de lábio e/ou palato varia de acordo com a raça e grupo étnico (BERKOWITZ, 1994). A maior incidência, em território americano, é entre os nativos (aproximadamente 1/ 278 nascidos vivos). Dentre os brancos de origem européia, cerca de 1 em cada 750 nascidos vivos têm FLP. O índice entre os afro-americanos é bastante menor, ocorrendo um caso para cada 3 300 nascimentos. No Brasil, os dados não são muito precisos. A incidência dessa anomalia parece ser de aproximadamente um paciente para cada 650 nascidos vivos (MAZZOTINI; FREITAS; SILVA FILHO, 1999). Collares et al. (1995), em trabalho desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, encontraram mais casos da fissura palatina isolada no gênero feminino. De acordo com esses autores, o fechamento do palato em período mais tardio do desenvolvimento embrionário, no gênero feminino, poderia explicar tal achado. As fissuras anteriores e posteriores são embriologicamente distintas. As anteriores são causadas por desenvolvimento defeituoso do palato primário e resultam de uma deficiência de mesênquima no(s) processo(s) maxilares e no segmento intermaxilar. As posteriores são causadas pelo desenvolvimento defeituoso do palato secundário e resultam de alterações no crescimento dos processos palatinos laterais que impedem a sua fusão (COLLARES et al., 1995). A fissura labial varia desde um pequeno entalhe no vermelhão do lábio a divisões maiores que se estendem para dentro do assoalho da narina e pela porção alveolar da maxila, podendo ser uni ou bilateral. A fissura palatina pode variar em extensão e em largura desde o forame incisivo até a úvula, existindo, também, uma variável chamada fissura submucosa, na qual a mucosa do palato se encontra íntegra, enquanto os ossos e os músculos mantêm-se separados pela falta de união na linha média. Nesses casos, a vívula pode ou não apresentar-se bífida (MENEGOTO, 1989). A etiologia dessas malformações faciais não está ainda totalmente esclarecida, sendo os fatores genéticos considerados de grande importância, devido ao alto risco de recorrência destas malformações em descendentes dos afetados. Inúmeros autores concordam com a hipótese que atribui a ocorrência das FLP à herança multifatorial com efeito limiar. De acordo com esse modelo, a malformação é condicionada por muitos genes com efeitos fenotípicos variáveis bem como fatores ambientais diversos, existindo um limiar genotípico (número mínimo de genes necessários para a manifestação da doença), separando os indivíduos em dois grupos, os normais e os afetados, estes últimos apresentam variabilidade na expressão fenotípica da anomalia de suave a mais grave (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2001). É bem conhecida a relação das FLP com anomalias de outros sistemas, fazendo com que um diagnóstico completo das FLP seja fundamental para o tratamento adequado e também para o aconselhamento e orientação reprodutiva do paciente e sua família. Já em 1985, Shprintzen et al. alertavam para o fato de que a alta freqüência de anomalias associadas às FLP, tem implicações óbvias no aconselhamento genético oferecido aos pacientes. Ainda sobre o papel da genética na etiologia das fissuras, modelos animais podem prover genes ou lócus para estudos em humanos tanto na interação entre os genes quanto na interação de genes e fatores ambientais (MURRAY, 2002). Estudos de gêmeos são particularmente informativos, quando se trata de herança multifatorial; a concordância* na expressão fenotípica de fissuras entre gêmeos monozigóticos (GM) varia entre 40% e 60%, sendo que entre os * Concordância ocorre quando ambos os membros do par de gêmeos apresentam uma dada característica. 44

dizigóticos, essa concordância é em torno de 5%. A ausência de 100% de concordância em GM sugere que os eventos genéticos não são responsáveis pela manifestação da fenda, porém o fato de a concordância estar grandemente aumentada em GM indica que o componente genético é bastante importante (MURRAY, 2002). Estudando genes envolvidos no desenvolvimento da fissura labiopalatina, Prescott et al. (2000) encontraram, oito cromossomos com regiões particularmente importantes 1p; 2p; 6p; 8q; 11cen; 12q; 16p; Xcen-q. Destas três (1p36, 2p13, e 6p24) contêm genes, cujo envolvimento já havia sido sugerido em outros estudos. O primeiro estudo a abordar o papel do fator transformador do crescimento alfa (TGFá) no desenvolvimento da FLP, foi o de Ardinger et al. (1989). Uma recente revisão realizada por Murray (2002), salienta o papel do TGFá como fator modificador nas fissuras labiopalatinas. Em vários estudos, são mencionados outros genes relacionados ao desenvolvimento dessas anomalias, como os genes: MSX1, localizado no braço curto do cromossomo 4 (4p); TGFâ3 no braço longo do cromossomo 14 (14q); RARA no braço longo do cromossomo 17 (17q) e MTHRF (5,10- metilenotetrahidrofolato redutase) no braço longo do cromossomo 1 (1q) (MURRAY, 2002). Os efeitos teratogênicos dos fatores ambientais devem também ser considerados. Os estudos revisados por Murray (2002) demonstraram que vários fatores do ambiente estão envolvidos na etiologia das FLP. Entre eles: a deficiência nutricional, exposição à fenitoína, ácido valproíco, talidomida, o uso do álcool, do cigarro bem como o uso de pesticidas e herbicidas como a dioxina. Shprintzen et al. (1985) afirmaram que até 1970 eram conhecidos, aproximadamente, 50 tipos de síndromes associadas às FLP. Em 1985, este número seria da ordem de 250. Dados atuais da Associação dos Portadores SANDRINI et al. de Fendas Labiais e Palatinas da Irlanda (CLAPA IRELAND) afirmam que, atualmente, cerca de 400 tipos de síndromes e outras anomalias podem estar relacionadas às FLP. Furlaneto, Robinson e Borges Osório (2003), em estudo realizado no Serviço de Defeitos da Face (SDF) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em uma amostra de 100 pacientes atendidos pelo referido serviço, encontraram que 20% dos pacientes apresentavam outras anomalias associadas às fissuras labiopalatinas. Stoll et al. (2000) ponderam que, apesar de a associação entre fissuras faciais e outras malformações estar há muito estabelecida, as freqüências relatadas na literatura são bastante variáveis - de 4,5% (JENSEM et al., 1988) a 63,4% (SPHRINTZEN et al., 1985). Os autores atribuem essa diferença a distintas fontes de dados bem como à variação no conceito estabelecido nos diferentes estudos, sobre o que seria um defeito congênito associado às FLP. O exame de um portador de FLP deve ser realizado com especial atenção para a detecção de anomalias associadas, inclusive as anomalias menores. A presença de anomalias adicionais poderia servir como indício da presença de uma síndrome da qual a fissura é apenas uma das manifestações clínicas (CHARROW, 1990). O objetivo do presente artigo é descrever um caso clínico de fissura labiopalatina incidente sobre um par de gêmeas com antecedentes familiares, assistidas no Serviço de Defeitos da Face da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e revisar a literatura sobre o assunto. RELATO DO CASO Pacientes 01 (Figuras 1 a 3) e 02 (Figuras 4 a 6), gênero feminino, oito anos de idade, gêmeas, portadoras de FLP bilateral transforame palatino são acompanhadas pelo Serviço de Defeitos da Face da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 45

SANDRINI et al. a b Figura 1 - Fotografia da paciente 01, (a) aspecto clínico frontal e (b) perfil lateral direto, no qual se visualiza a FLP bilateral completa. Figura 5 - Telerradiografia de perfil da paciente 02, evidenciando a descontinuidade óssea entre o palato primário e secundário. Figura 2 - Teleradiografia de perfil da paciente 01, evidenciando a descontinuidade óssea entre o palato primário e secundário. Figura 3 - Foto clínica intrabucal da paciente 01, mostrando a descontinuidade do arco maxilar e aspecto intrabucal da FLP bilateral. a Figura 4 - Fotografia da paciente 02, (a) aspecto clínico frontal e (b) perfil lateral direto, em que se visualiza a FLP bilateral completa. 46 b Figura 6 - Foto clínica intrabucal da paciente 02, mostrando a descontinuidade do arco maxilar e aspecto intrabucal da FLP bilateral. Filhas de pai com FLP unilateral direita transforame palatino e mãe normal. O pai das gêmeas (probandas) informou que sua mãe (avó das probandas) fazia uso de fumo regularmente e que na lavoura de sua família, os agrotóxicos eram utilizados rotineiramente, no entanto ele não foi capaz de identificar os agentes químicos dos agrotóxicos usados. A anamnese com os pais das probandas revelou que, durante a gestação destas, a mãe não utilizou fumo, não usou nenhum tipo de fármaco nem submeteu-se a exames radiográficos. Fez uso de álcool socialmente e submeteu-se à ecografia prénatal por 2 vezes. O pai das pacientes relatou que, durante o período da gestação das filhas, este utilizou em sua lavoura o inseticida piretróide KARATE 50 CE (LAMBACYHALOTHRIN), classificado pelo Ministério da Agricultura (MA) como altamente tóxico e muito perigoso ao meio ambiente. Fez uso ainda de

herbicida do tipo sistêmico gradativo derivado de glicina, GLIFOSATE, que é classificado como pouco tóxico e perigoso ao meio ambiente pelo MA. Segundo seu relato, os cuidados de proteção recomendados pelo MA não eram seguidos corretamente nas aplicações desses agrotóxicos, expondo todas as pessoas de sua família, inclusive a esposa, àqueles agentes químicos. À época do parto das gêmeas, a mãe tinha 38 anos, sendo este realizado por cesária. O casal possui duas filhas normais mais velhas do que as gêmeas. A figura 7 mostra a genealogia da família estudada. Figura 7 A genealogia representa a família das probandas, em estudo (III-10 e III-11), portadoras de FLP bilateral. O pai (II- 4) é um portador unilateral. O indivíduo II-1 (tia paterna das probandas) é também afetado. DISCUSSÃO No caso de portadores de FLP, um exame clínico minucioso, realizado por geneticista clínico, e entrevista(s) com os pais são de extrema importância, para que sejam obtidas informações que levem a um diagnóstico preciso. Neste caso, ambos foram realizados e não se encontrou nenhuma síndrome ou outra anomalia associada ao defeito labiopalatino. Por trabalharem na agricultura durante anos, sem equipamentos de proteção e também pela falta de acesso à informação, todas as gerações desta família (desde a 1ª ) foram submetidas à ação de fatores ambientais teratogênicos, como a utilização de inseticidas e herbicidas para a SANDRINI et al. proteção das lavouras. A recorrência familiar (Tia, Pai e Gêmeas) e a concordância entre as gêmeas sugerem o componente genético como o fator etiológico principal nessa família. A recorrência familiar e a concordância entre gêmeos são esperadas em herança monogênica, mas não, em herança multifatorial, reforçando o papel da genética nessa família. Em casos de ocorrência de indivíduos portadores de fissura labiopalatina em uma família, é importante a realização de aconselhamento genético para que sejam avaliados os possíveis riscos de ocorrência de novos casos na família (risco de recorrência). Como esses dados não são precisos, estes riscos são calculados com base em dados populacionais obtidos da literatura (riscos empíricos), que levam em conta o número de pessoas afetadas em cada família. É importante que seja levado em consideração durante o tratamento desses pacientes o fato destas anomalias faciais causarem transtornos psicológicos e funcionais importantes aos seus portadores (TOBIASEN, 1990). CONSIDERAÇÕES FINAIS Para os portadores de FLP, o melhor é que, no momento do diagnóstico deste tipo de malformação, eles sejam encaminhados a uma equipe multidisciplinar. Todo centro que presta tratamento a pacientes com defeitos de face deve contar com uma equipe multidisciplinar, composta de médicos das áreas de cirurgia plástica, otorrinolaringologia e genética clínica, cirurgiões-dentistas, principalmente das áreas de cirurgia bucomaxilofacial e ortodontia, assistentes sociais, psicólogos e fonoaudiólogos. REFERÊNCIAS ARDINGER, H. H. et al. Association of genetic variation of transforming growth factor-alpha gene with cleft lip and palate. Am. j. hum. genet., Chicago, vol. 45, no. 3, p. 348-353, 1989. 47

SANDRINI et al. BERKOWITZ, S. The cleft palate story. Carol Stream: Quintessence Books, 1994. BORGES OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. CHARROW, J. Genetics of cleft lip and palate. In: KERNAHAN, D. A.; ROSENSTEIN, S. W. Cleft Lip and Palate : a system of management. Baltimore: Willians & Wilkins, 1990. p. 20-27. CLAPA IRELAND. Associação da Fenda Labial e Palatina. Site Oficial. Disponível em <http: // www. Cleft.ie/ related/>. Acesso em: 25 mar. 2004. COLLARES, M. V. M. et al. Fissuras lábio-palatinas: incidência e prevalência da patologia no Hospital das Clínicas de Porto Alegre: um estudo de 10 anos. Rev. Assoc. Méd. Rio Gd. do Sul, Porto Alegre, v. 39, n. 3, p.183-88, 1995. 1989. Dissertação (mestrado) Faculdade de Biologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1989. MURRAY, J. C. Gene/environment causes of cleft lip and/or palate. Clinical genet., Copenhagen, vol. 61, p. 248-256, 2002. PRESCOTT, N. J. et al. Identification of suscepitibility loci for nonsyndromic cleft lip with or without cleft palate in a two stage genome scan of afected sibpairs. Hum. genet., Berlin, vol. 106, no. 3, p. 345-350, 2000. SHPRINTZEN, R. J. et al. Anomalies associated with cleft lip, cleft palate or both. Am. j. med. genet., New York, vol. 20, no. 4, p. 585-595, 1985. STOLL, C. et al. Associated malformations in cases with oral clefts. Cleft palate cranio-fac. j., Lewiston, vol. 37, no. 1, p. 41-47, 2000. FURLANETO, E. C.; ROBINSON, W. M.; BORGES- OSÓRIO, M. R. Anomalias associadas às fissuras labiopalatais em uma amostra de pacientes em tratamento no Serviço de Defeitos de Face da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Rev. odonto ciênc., Porto Alegre, n. 39, p. 39-50, 2003. TOBIASEN J. M. Psychosocial adjustment to cleft lip and palate. In: BARDACH, J.; MORRIS, H. L. Multidisciplinary management of cleft lip and palate. Philadelphia: W. B. Saunders, 1990. p. 820-824 JENSEN, B. L. et al. Cleft lip and palate in Denmark, 1976 1981: epidemiology, variability and early somatic development. Cleft palate j., Pittsburg, vol. 25 no. 3, p. 258-269, 1998. MAZZOTTINI, R.; FREITAS, J. A. S.; SILVA FILHO, O. G. A. Cirurgia ortognática no protocolo de tratamento das fissuras lábio-palatais. In: ARAÚJO, A. Cirurgia Ortognática. São Paulo: Santos, 1999. p. 309-37. MENEGOTTO, B. Epidemiologia e interação herança-ambiente nas fissuras labiopalatinas. 48