PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS SOBRE AS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS

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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS SOBRE AS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS Lucíola Lourenço da Silva 1 Jacqueline Fonseca Sampaio 2 Rita de Cássia Bhering Ramos Pereira 3 RESUMO O Programa Bolsa Família - PBF foi criado com o intuito de apoiar as famílias mais pobres e garantir o direito à alimentação, por meio da transferência de uma renda mensal diretamente às famílias. O PBF possui condicionalidades, que consistem em compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social. O objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto do Programa Bolsa Família sobre as famílias beneficiárias no que tange às suas condicionalidades. A metodologia utilizada para apresentar essa avaliação foi a pesquisa bibliográfica. Os resultados mostraram que o papel mais efetivo do PBF continua sendo o benefício em si, que, contudo, ainda é insuficiente. A existência de condicionalidades, da forma como estão estruturadas no desenho do programa Bolsa-família, acabam por ferir a noção de direito social e por si só não são capazes de promover a integração entre os diferentes setores responsáveis pela oferta de serviços sociais básicos. Entende-se que ações educativas e ações sociais são estratégias que podem ser desenvolvidas, sem necessariamente vincularem-se a um determinado programa. PALAVRAS-CHAVE: Avaliação de políticas sociais. Programa Bolsa Família. Família. 1 INTRODUÇÃO As mudanças ocorridas nos padrões de desenvolvimento dos países capitalistas têm gerado, entre outras seqüelas, uma distribuição desigual dos recursos entre a população, o que agrava a situação de pobreza e acirra as diferenças sociais. Os programas de transferência de renda se colocam, nesse contexto, como estratégias do Estado para enfrentar as conseqüências advindas da dificuldade de inserção de determinados grupos no processo de desenvolvimento. No Brasil, foi criado, em 2004, o Programa Bolsa Família - PBF. Sua lógica é que o acesso a uma renda mínima associada à oferta de serviços sociais básicos pode promover impactos na condição de vulnerabilidade de famílias pobres, possibilitando sua autonomia. 1 Bacharela em Economia Doméstica e mestranda em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: luciolals@yahoo.com.br 2 Bacharela em Economia Doméstica e mestranda em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: jacquelinefsampaio@yahoo.com.br 3 Bacharela em Economia Doméstica. E-mail: rcbramos@bol.com.br 1

Para garantir o acesso das famílias aos serviços sociais, o Governo Federal estruturou condicionalidades ao PBF, atrelando-as ao recebimento do benefício. Tavares (2008), afirma que isso pode fazer com que o programa se constitua numa política de longo prazo, capaz de proporcionar condições para a geração autônoma de renda no futuro. Assim, além de buscar aliviar a pobreza no curto prazo, transferindo renda, a política procura alterar a situação socioeconômica dos recipientes, ao tentar interromper o ciclo intergeracional da pobreza. Segundo Dias e Silva (2008), avaliar a atuação do PBF sob a perspectiva das condicionalidades é poder compreender como as famílias beneficiárias acessam os serviços sociais básicos, bem como a eficácia da prestação destes. Assim, a avaliação dos impactos do PBF pode mostrar seus efeitos tanto sobre as condições de vida entre os domicílios pobres, como apontar possíveis mudanças que podem propiciar maior efetividade do programa. Sendo assim, o objetivo proposto neste estudo foi avaliar o impacto do Programa Bolsa Família sobre as famílias beneficiárias no que tange às suas condicionalidades, enfatizando as seguintes variáveis: gastos de consumo, trabalho, educação e trabalho infantil, saúde e poder de barganha das mulheres. 2 METODOLOGIA O presente estudo pautou-se no uso da pesquisa bibliográfica, onde se buscou dados referentes às variáveis citadas, que pudessem abarcar o objetivo proposto. Foram utilizados dados coletados pela pesquisa de linha de base da Avaliação de Impactos do Programa Bolsa Família (AIBF). A população desta pesquisa foi constituída por famílias beneficiárias do PBF (denominadas de caso); famílias cadastradas no programa (denominadas controle 1); e famílias que não são beneficiárias e nem cadastradas no programa (controle 2). A amostra foi definida por estratificação simples, feita na razão de 3-6-1. Ao todo foram aplicados 15.426 questionários, em todas as regiões do Brasil, divididas em três grandes áreas: Nordeste (NE), Sudeste e Sul (SE-SUL), e Norte e Centro-Oeste (NO-CO). A discussão está apresentada da seguinte maneira: num primeiro momento realizou-se uma revisão teórica a cerca do Programa Bolsa-Família e suas condicionalidades, em seguida fez-se o mesmo para a temática avaliação de políticas públicas e num terceiro momento apresenta-se a avaliação de impactos do PBF, em documento no Sumário Executivo- Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família. 2

3 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SUAS CONDICIONALIDADES O Programa Bolsa Família, criado pela medida provisória nº 132, de 2003, transformada na Lei nº 10.836, de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto n 5.209, em setembro de 2004, é o principal programa de transferência de renda do governo federal. Ele foi criado para apoiar as famílias mais pobres e garantir o direito à alimentação. Para isso, há a transferência de uma renda mensal diretamente às famílias e as mesmas fazem o resgate deste valor através de saque com cartão magnético distribuído pela Caixa Econômica Federal (BRASIL, 2006). As famílias têm liberdade na aplicação do dinheiro recebido e podem permanecer no Programa enquanto houver a manutenção dos critérios de elegibilidade e cumpram as condicionalidades indicadas, desde que lhes sejam oferecidas condições para tal. A transferência monetária concedida pelo PBF é associada ao desenvolvimento de outras ações como alfabetização, capacitação profissional, apoio à agricultura familiar, geração de ocupação e renda e micro-crédito. Garante também acesso àquelas famílias que não possuem filhos, como o caso dos quilombolas, indígenas e moradores de rua (BRASIL, 2006). De acordo com Brasil (2006), as condicionalidades do Programa Bolsa Família -PBF são compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social. Consiste na manutenção da carteira de vacinação em dia para as crianças de 0 a 6 anos de idade e a garantia de freqüência escolar para as crianças de 6 a 15 anos de idade. Mas, é importante ressaltar que é responsabilidade do poder público garantir acesso a esses serviços, uma vez que são direitos sociais assegurados constitucionalmente. O Governo atribui às condicionalidades, finalidades tanto para a família beneficiária, como para si. As condicionalidades são responsabilidades das famílias em relação ao cumprimento de uma agenda mínima na área de Saúde, Educação e Assistência Social que possam melhorar as condições para que as crianças e jovens desfrutem de maior bem-estar no futuro. Para o governo, elas servem para estimular a ampliação da oferta de serviços públicos, monitorar as políticas públicas locais e identificar as famílias em situação de maior vulnerabilidade e risco social (BRASIL, 2006). O debate em torno das condicionalidades envolve concepções diferenciadas que discutem sobre a incapacidade de o Estado garantir serviços sociais básicos de qualidade ao mesmo tempo em que enfatizam a existência do paradoxo entre o direito ao benefício e a exigência de contrapartidas. 3

Ao discutir sobre as condicionalidades do PBF, Monnerat et al (2007) apud Dias e Silva (2008), apesar de não concordarem com a sua existência afirmam que o aspecto positivo está na existência de mecanismos de acompanhamento mais efetivos. Nessa perspectiva, entende-se que avaliar políticas e programas sociais tem sido um desafio para os governos e a sociedade civil como um todo, uma vez que seus diversos aspectos devem ser considerados e refletidos na ação política e, além disso, todas as suas etapas devem ser incluídas, desde o planejamento e a execução até o término previsto das atividades propostas. Torna-se necessária uma avaliação voltada para os caminhos da eficiência e da eficácia que contemple, de alguma maneira, o público beneficiário, quando maior será a probabilidade de que as políticas e os programas possam alcançar os objetivos propostos, induzindo à qualidade de vida e bem-estar social. 4 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Acredita-se que para se compreender as questões relacionadas à avaliação de políticas sociais, é necessário conhecer a própria origem das pesquisas dessa natureza. Estudos apontam que a expansão das pesquisas de avaliação se deu, principalmente, nos Estados Unidos a partir dos anos 60, no momento de consolidação dos programas de combate à pobreza. De acordo com Perez (2001) apud Sodré (2003), no Brasil a pesquisa de avaliação ainda é bastante insipiente, e a preocupação com esse tema desenvolveu-se apenas nos anos 80, e de forma desigual entre as distintas políticas. Nos últimos anos tem-se constatado grandes mudanças nas atitudes referentes às atividades avaliativas e ao tipo e qualidade das provas que devem ser consideradas válidas, quando se trata de determinar o êxito ou fracasso relativo de um programa. Segundo Sodré (2003) duas características principais foram constatadas nessa nova atitude referente à avaliação: primeiro que, hoje em dia supõe-se que todo programa racional de ação social deve vir acompanhado de um processo de avaliação, e, em segundo, há uma tendência para que sejam exigidas provas mais sistemáticas, rigorosas e objetivas de êxito. Belloni (2007) define a avaliação como um processo sistemático de análise de atividade, fato ou coisa que permite compreender, de forma contextualizada, todas as suas dimensões e implicações, com vistas a estimular seu aperfeiçoamento. Lobo (2001) ampliou tal discussão quando relatou a importância de se levar em conta, na avaliação de programas sociais, a questão dos aspectos teóricos subjacentes a esses 4

programas que estão sendo executados. Afirmou, ainda, que o fato de se negligenciarem tais aspectos leva a um risco de compreensão estreita e distorcida sobre o que realmente se está avaliando, bem como das variáveis que explicam o sentido, o ritmo e a direção tomados por essas ações governamentais. Há que refletir sobre questões como o ambiente político no qual os programas se desenvolvem; as forças políticas que se contrapõem ou se alicerçam para apoiar ou sabotar o programa; o ideário econômico-financeiro, que preside a determinação sobre a alocação do gasto público; as concepções sobre a maior ou menor necessidade de democratização do Estado; e a visão sobre os princípios da eficiência, efetividade e eficácia das ações governamentais, na área social. Faria (2001) acrescenta ainda, que o objetivo precípuo da avaliação de programas sociais é aprimorar sua capacidade de oferecer adequada atenção aos cidadãos. Assim entendida, ela é parte essencial da formulação dos programas sociais, contribuindo para o seu aperfeiçoamento. Neste sentido, pode-se perceber a importância desse processo, sobretudo nas políticas sociais (programas e projetos). Castro (1989) enfatizou a importância da avaliação na formulação e implementação de políticas, ao afirmar que a avaliação é o instrumento de análise mais adequado para sabermos se uma política está sendo implementada, no sentido de observar criticamente a distância entre as conseqüências pretendidas e aquelas efetivadas, detectando as disparidades entre metas e resultados. 5 AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA 5.1 Gastos Domiciliares Buscou-se analisar os efeitos das transferências monetárias do Programa Bolsa Família sobre os gastos das famílias beneficiárias e, portanto, sobre o bem-estar destas e de suas crianças. Além disso, foi realizada uma análise sobre os componentes do consumo (alimentação, habitação, vestuário, educação, saúde e demais despesas). A avaliação dos efeitos sobre cada componente dos gastos e seus itens específicos permite verificar como as famílias beneficiárias alocam os recursos advindos do programa e examinar se há uma apropriação desproporcional dos benefícios por parte dos adultos. É importante ressaltar que os indicadores de resultado estão expressos em forma de valores anuais absolutos em reais e também em proporções. 5

Em relação aos diferenciais entre os grupos de beneficiários do PBF e beneficiários de outros programas, considerando-se os domicílios em situação de extrema pobreza, observamse impactos positivos e significativos para o Brasil para os gastos com educação infantil (R$25,92/ano) e vestuário infantil (R$17,48/ano). Para os domicílios em situação de pobreza, observam-se impactos positivos e significativos para o Brasil para os gastos com saúde infantil (R$27,98/ano), educação infantil (R$22,36/ano) e vestuário infantil (R$25,74). No que se refere aos diferenciais entre o grupo de beneficiários do Programa Bolsa Família e não beneficiários, considerando-se as famílias em situação de extrema pobreza, verifica-se que o grupo de beneficiários apresenta um dispêndio total superior para o Brasil, sendo que a maior proporção deste é destinada para o consumo de alimentos (R$388,22/ano). Entre as famílias em situação de pobreza, observa-se que as beneficiárias do programa apresentam gastos superiores com alimentos (R$278,12/ano) e itens de educação. Destacamse, fortemente, os impactos positivos sobre os gastos com vestuário infantil (R$23,79/ano). 5.2 Trabalho Na variável trabalho, procurou-se analisar as diferenças entre os beneficiários do PBF e os grupos de comparação na oferta de trabalho dos adultos no domicílio, tanto em termos da condição de ocupação proporção de adultos que trabalhou no último mês quanto em termos da procura de trabalho (proporção de adultos que procurou trabalho no último mês). Estes dois aspectos configuram a condição de atividade econômica do domicílio. Os resultados apontaram diferenças positivas em termos da proporção de adultos ocupados no domicílio, indicando uma maior participação no mercado de trabalho dos beneficiários do Programa Bolsa Família, principalmente em relação àqueles que não recebem nenhum benefício (grupo de não beneficiários), verificando-se diferenciais de 3,1 pontos percentuais (pp) para extremamente pobres e 2,6 pp para pobres. Diferenciais significativos em termos da menor participação na força de trabalho dos beneficiários do programa são verificados entre as mulheres comparadas àquelas em domicílios beneficiários de outros programas (diferenciais de 2,7 pp para pobres e de 4,4 pp para extremamente pobres). A menor ocupação destas mulheres poderia estar sugerindo a constatação de um desincentivo ao trabalho pelo efeito renda ou pela maior alocação das suas horas em atividades domésticas. No entanto, novamente, é importante ter cuidado com esta interpretação, pois, em um primeiro momento, a elevação da oferta de trabalho pode se dar 6

através do aumento da busca pelo emprego. Os maiores diferenciais estão entre as famílias em situação de extrema pobreza. Os resultados relativos à proporção de pessoas no domicílio que procuram trabalho indicaram diferenças significativas positivas, apontando um impacto do programa em termos do aumento da busca por trabalho (4,5 pp). Estes resultados sugerem que há uma elevação da oferta de trabalho familiar, em um primeiro momento aferida pela procura por trabalho. Neste sentido, não estaria sendo confirmada a hipótese de um desincentivo ao trabalho devido ao recebimento de transferências monetárias. O único diferencial negativo verificado se refere às mulheres mais pobres na região Sul/Sudeste, entre o grupo de beneficiários do Programa Bolsa Família e o grupo de não-beneficiários. Neste caso, a contrapartida parece ser a elevação da oferta de trabalho, constatada pelo indicador anterior de ocupação, o qual foi altamente positivo para estas mulheres. 5.3 Educação O estudo buscou analisar os diferenciais entre os grupos de comparação sobre indicadores individuais de educação das crianças entre 7 e 14 anos de idade: freqüência à escola, evasão, progressão e a alocação entre trabalho e estudo. Os resultados da comparação da freqüência à escola no último mês, para meninos e meninas, individualmente, mostraram diferenças positivas, que indicam uma menor freqüência dos beneficiários do Programa Bolsa Família em relação ao grupo de beneficiários de outros programas. Os diferenciais são observados tanto entre os homens quanto entre as mulheres, de forma mais intensa entre as mulheres, especialmente na região Sul/Sudeste. Por outro lado, os resultados apontam para diferenças negativas, que indicam uma maior freqüência dos beneficiários do Programa Bolsa Família, em relação ao grupo de não-beneficiários. Ou seja, há uma diferença favorável aos beneficiários desse programa comparativamente às crianças em domicílios que não participam de nenhum programa, nas regiões Sudeste/Sul e Nordeste. Os resultados da comparação da evasão do sistema de ensino no último ano, para meninos e meninas, individualmente, têm, em sua maioria, diferenciais significativos e são favoráveis ao Programa Bolsa Família, na medida em que são negativos, indicando uma menor evasão dos beneficiários desse programa, sobretudo em relação ao grupo de nãobeneficiários. 7

A comparação da progressão no sistema de ensino no último ano, para meninos e meninas, individualmente, em termos de diferenças positivas, que sugerem um potencial efeito positivo, pela maior aprovação dos beneficiários, mostra resultados negativos, indicando uma menor aprovação dos beneficiários do PBF, sobretudo em relação ao grupo de não-beneficiários. Os resultados da comparação da proporção de meninas e meninos que só estudam visà-vis aqueles que só trabalham, trabalham e estudam e não trabalham nem estudam indicam diferenças positivas, que sugerem uma maior alocação do tempo para o estudo entre os beneficiários do Programa Bolsa Família, em relação a ambos os grupos de comparação. Analisando os resultados da comparação da proporção de meninas e meninos que trabalham vis-à-vis aqueles que só estudam, ou não trabalham nem estudam, diferenças positivas indicam uma maior participação na força de trabalho entre os beneficiários do Programa Bolsa Família e são verificadas em relação ao grupo de não-beneficiários. Diferenciais negativos são observados em relação ao grupo de beneficiários de outros programas, indicando que dentre as crianças em famílias beneficiárias de qualquer programa de transferência de renda, aqueles beneficiados pelo Programa Bolsa Família trabalham menos. Estes resultados não implicam somente em uma menor freqüência à escola ou somente em uma maior participação na força de trabalho independente da freqüência à escola. Podem, na verdade, ser reflexo da conciliação entre trabalho e estudo. 5.4 Saúde Em relação aos indicadores de saúde, foram analisados os diferenciais de imunização das crianças de 0 a 6 anos e o acompanhamento de pré-natal das mulheres grávidas. Esses dois grupos compreendem pessoas-alvo no domicílio para as quais o programa requer o cumprimento de condicionalidades. Em geral, os beneficiários do Programa Bolsa Família não apresentam situação de cobertura vacinal melhor que a dos indivíduos pareados nos dois grupos de comparação. Em relação aos não-beneficiários de outros programas federais de transferência de renda, os diferenciais são não-significativos para todos os indicadores. A comparação com beneficiários de outros programas sociais mostra um diferencial negativo e significativo desfavorável aos beneficiários do Programa Bolsa Família para todos os indicadores de vacinação, exceto para a posse do cartão da criança. 8

Os diferenciais estimados para o indicador de pré-natal atualizado não foram significativos para os dois grupos de comparação. 5.5 Poder de Barganha Feminino Preferencialmente, o PBF transfere o benefício para a mulher residente no domicílio, seja ela a responsável pelo domicílio (pessoa de referência) ou a cônjuge. O reflexo imediato disto é uma maior qualidade na alocação dos recursos para os filhos residentes no domicílio. A hipótese básica é que há uma relação positiva entre o poder de barganha das mulheres e uma melhor alocação de recursos para os membros dos domicílios. Foram observadas situações nas quais o Programa Bolsa Família gera um efeito positivo na medida em que foram encontradas diferenças positivas e significativas na relação entre o alto poder de barganha e o médio/baixo poder, ao se comparar o grupo de casos com os grupos de comparação. Este diferencial é estatisticamente significante para o país como um todo, no caso do contraste entre o tratamento e o grupo de comparação 2 (ausência do atendimento em qualquer programa de transferência de renda). Quando o teste é realizado para as três grandes regiões, apenas a Região Nordeste apresenta resultado estatisticamente significante. Esta é, precisamente, uma região de baixa monetização, onde, possivelmente, a transferência de renda monetária pode ter um valor simbólico de barganha maior. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dada a dimensão e a importância do PBF no combate à pobreza e à fome e na diminuição das desigualdades no país, tais dados são de fundamental importância para determinar e estimar a magnitude dos resultados devidos ao Programa. As condicionalidades da maneira como estão no desenho do Programa Bolsa Família e os esforços empreendidos para a sua efetivação nos municípios brasileiros revelam a distância visível entre a concepção técnica, por vezes ingênua, por vezes perversa sobre a pobreza e a realidade vivenciada. O papel mais efetivo do Programa Bolsa Família continua sendo o benefício em si, que, contudo, ainda é insuficiente. Por outro lado, pelas diferentes situações de carências a que as famílias estão submetidas, é uma ajuda importante, e deveria ser uma quantia que de fato pudesse impactar na vida destas famílias. Além do mais, se é inviável politicamente a 9

redistribuição de renda no país, o mínimo que o Estado precisa é garantir a distribuição de uma renda mais digna e a promoção do acesso aos serviços básicos de qualidade. O presente estudo reforçou a idéia de que não há necessidade da existência de condicionalidades, da forma como estão estruturadas no desenho do programa Bolsa-família, por ferir a noção de direito social e por si só não serem capazes de promover a integração entre os diferentes setores responsáveis pela oferta de serviços sociais básicos. Entende-se que, ações educativas e ações sociais, são estratégias que podem ser desenvolvidas, sem necessariamente vincularem-se a um determinado programa. Este tipo de ação já deveria fazer parte das estratégias de inserção da população aos serviços sociais básicos, desenvolvidos pelas secretarias competentes, com o objetivo de combater a pobreza no Brasil. REFERÊNCIAS BELLONI, I. et al. Metodologia de Avaliação em políticas públicas: uma experiência em educação profissional. 4. ed. São Paulo, Cortez, 2007. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Manual das Condicionalidades. Brasília, DF, 2006. CASTRO, M. H. G. Avaliação de Políticas e Programas Sociais. Caderno de pesquisa n.12 Núcleo de estudos de Políticas Públicas-NEPP. 1989. FARIA, R. M. Avaliação de programas sociais Evoluções e Tendências. In: RICO, E. M. Avaliação de Políticas Sociais: uma questão em debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 41-49. DIAS, Magda Núcia Albuquerque e SILVA, Maria do Rosário de Fátima e. O programa bolsa família no município de Bacabal-MA: avaliação do processo de implementação com o foco nas Condicionalidades. Biblioteca Virtual do Programa Bolsa Família. LOBO, Tereza. Avaliação de Políticas e Programas Públicos. V Congresso internacional del CLAD sobre la reforma del Estado y de la Administracíon Pública, Santo Domingo, Rep.Dominicana. Oct. 2000. SODRÉ, J. M. M. Descontinuidade nas políticas públicas: o caso do programa criança cidadã/cunhatã e curumim. Viçosa: UFV, 2003. 107p. 10

SUMÁRIO EXECUTIVO. Avaliação de impacto do Programa Bolsa Família. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar/UFMG. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Outubro de 2007. TAVARES, Priscilla de Albuquerque. Uma avaliação do Programa Bolsa Família: focalização e impactos sobre a pobreza e distribuição de renda. Biblioteca Virtual do Programa Bolsa Família. 11