ÁLGEBRA NA FORMAÇAO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA ( )

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Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 1 ÁLGEBRA NA FORMAÇAO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA ( 1890-1970) Ana Maria Basei 1 RESUMO Esta comunicação apresenta a proposta de um projeto de pesquisa de doutorado, ainda em estágio inicial, norteada pela atual questão de pesquisa: Qual a atribuição da Álgebra na formação de professores dos primeiros anos escolares no período entre 1890 e 1970?A investigação, de caráter histórico, utilizará os referenciais da História Cultural (Michel de Certeau, Roger Chartier); História das Disciplinas Escolares (André Chervel, Dominique Julia) e ainda os trabalhos de Rita Hofstetter e Bernard Schneuwly na caracterização dos saberes para ensinar e a ensinar. A documentação a ser transformada em fontes nesta pesquisa envolve manuais e livros didáticos, revistas pedagógicas, bem como as diretrizes oficiais de ensino (leis, decretos, programas, etc.). Palavras-chave: Formação de Professores. Escola Normal. Álgebra. História da Educação Matemática. INTRODUÇÃO: Esta comunicação apresenta a proposta de um projeto de pesquisa de doutorado, ainda em estágio inicial, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo. O projeto, assim como outros cinco, integra o projeto maior Pensamento Pedagógico, Formação De Professores E Práticas Do Ensino De Matemática Nos Primeiros Anos Escolares, 1890-1970, que é coordenado pelo professor Wagner Rodrigues Valente e que se propõe a investigar como foram construídas, a partir da modernidade pedagógica, a matemática a ensinar e a matemática para ensinar nos primeiros anos escolares. O projeto de pesquisa aqui apresentado se atém especialmente à Álgebra na formação de professores no período entre 1890 e 1970; marco temporal que envolve três 1 Doutoranda da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, Campus Guarulhos E-mail:anambasei@gmail.com

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 2 movimentos no ensino de matemática: o movimento da pedagogia intuitiva, o movimento da Escola Nova e o Movimento da Matemática Moderna no Brasil 2. A seguir serão apresentados alguns aspectos sobre formação de professores no Brasil durante o século XIX, como modelos de formação de professores e influência das tendências estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, com base nos trabalhos de Villela (2005). Valente (2011, 2016) e Schneider (2007). FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO SÉCULO XIX A preocupação com a formação de professores aparece, de forma explícita, pela primeira vez no Brasil, na Lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro de 1827. Pois esta lei, ao estabelecer como método para instrução o método mútuo, exige que os professores busquem treinamento nas capitais das províncias (SAVIANI, 2009). Entretanto, as primeiras iniciativas para formação de professores só ocorreram após a promulgação do Ato Adicional de 1834, que passou a responsabilidade pela instrução às províncias (VILLELA, 2005, p.106). Algumas províncias, assim como vinham fazendo países europeus, optaram pelo modelo de Escolas Normais, instituídas a partir das décadas de 1830 e 1840 (SAVIANI, 2009). A primeira Escola Normal instituída no Brasil foi a Escola Normal de Niterói, em 1835. Em seguida foram criadas escolas em províncias como Bahia, em 1836; Mato Grosso, 1842; e São Paulo, em1846. No entanto, segundo Villela (2005), a primeira metade do século XIX não foi favorável à consolidação da formação dos professores nas poucas escolas normais criadas, que foram fechadas e reabertas algumas vezes. A Escola Normal de Niterói, por exemplo, foi extinta em 1847 e reaberta em 1862; a escola normal instalada na cidade de São Paulo foi reaberta três vezes no século XIX. De acordo com Saviani (2009), foi só em torno dos anos de 1870 que a formação de professores via Escolas Normais se consolidou. Transformações estruturais ocorridas no Brasil como a proibição do tráfico de escravos, a participação da mulher na esfera pública, 2 O trabalho de mestrado de Nara Vilma Pinheiro, concluído em 2013, é um exemplo do impacto desses três movimentos no ensino da matemática. Em Pinheiro (2013) encontra-se uma análise das transformações do ensino de número nesses três movimentos pedagógicos.

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 3 a Lei do Ventre Livre e a Reforma Eleitoral refletiram no tecido social e contribuíram para o reflorescimento do projeto de formação de professores nas Escolas Normais (VILLELA, 2005). MODELOS DE FORMAÇÃO VIGENTES NO SÉCULO XIX Como deveria ser formado o professor? Quais matérias deveriam ser cursadas? Em quanto tempo? Questões atuais que já faziam parte dos debates sobre a finalidades da escola e formação de professores durante o século XIX, como se pode ver, por exemplo, em Schneider (2007) e Villela (2005). Entre os modelos de formação de professores vigentes, estavam o modelo artesanal e modelo profissional. Segundo Villela (2005), no modelo artesanal, baseado na tradição e imitação, o futuro professor aprende com a observação e prática realizada na própria sala de aula, como monitor, adjunto ou substituto de um professor mais experiente. Este modelo se perpetuou por quase todo século XIX. Ainda no mesmo século o modelo profissional foi ganhando espaço. Neste caso, a formação segue critérios envolvendo conteúdo definido, local e material apropriados e um período de experiência; conhecimentos teóricos e prática profissional acontecem em lugares distintos. Este modelo ganha espaço com o projeto de criação das Escolas Normais (VILLELA, 2005). Ao estudar a formação de professores na província do Rio de Janeiro, entre os anos 1860 e 1880, Villela (2005) capta, o que chama de fortes indícios, de substituição do modelo artesanal pelo profissional. O projeto desenvolvido na escola normal a partir do final da década de 1860 estava em sintonia com as discussões dos liberais na França e recentes conquistas dos Estados Unidos, veiculadas via imprensa comum e especializada. Passou-se a valorizar as inovações pedagógicas, principalmente as estrangeiras (VILLELA, 2005). Segundo Villela (2005), o modelo de escolas americanas difundia-se no eixo Rio-São Paulo e novidades metodológicas como o método intuitivo, ou lições de coisas, começavam a ser adotadas por colégios de educadores famosos O método intuitivo pressuponha atividade constante dos alunos e o professor deveria ser dinâmico, inserindo procedimentos didáticos estimuladores de reflexão e julgamento, com menor importância a memorização. O professor teria seu manual substituído por livros didáticos e outros materiais pedagógicos.

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 4 Neste contexto almejava-se para o professor normalista uma formação profissional, em contraposição ao modelo artesanal. Era necessário preparar o professor para dominar o conteúdo, um método e também desenvolver características pessoais adequadas ao novo profissional. (VILLELA, 2005, p.86) Voltando-se para o período dos anos 1860 1880, período que abrange a reabertura da Escola Normal de Niterói em 1862, Villela (2005) focaliza o entrecruzamento dos dois modelos. A autora analisa o regulamento de 1862 da escola e observa a ampliação significativa do programa em relação ao programa da primeira fase da Escola Normal, afinal esperava-se elevar a formação intelectual do futuro professor. Por outro lado, segundo Villela (2005), os relatórios de professores mostram que existiam divergências quanto ao aprofundamento dos conteúdos. Entre os professores, políticos e administradores não havia consenso sobre o nível de aprofundamento necessário à formação do professor primário. O trabalho de Schneider (2007) traz os debates sobre o nível de aprofundamento para formar o professor travados para organizar a Escola de São Paulo, no ano de 1880. Segundo Schneider (2007), existiam duas formas concorrentes, uma baseada no modelo alemão e outra nas experiências desenvolvidas nos Estados Unidos da América. As duas formas não divergiam sobre a necessidade da formação do professor ocorrer na escola normal, mas divergiam quanto as matérias/ saberes necessários e o tempo para capacitar os professores (SCHNEIDER (2007, p. 148)). Debatia-se entre oferecer uma formação ampla, compreendendo saberes variados ou uma formação que considerasse apenas os saberes que seriam objeto de ensino futuro nas classes primárias (VALENTE, 2011). Segundo Valente (2016), a presença dos modelos de escolas estrangeiras, como as americanas por exemplo, é constante nos debates sobre questões educacionais travados durante o século XIX. O modelo adotado nos Estados Unidos foi aplicado na Escola Americana, instituição escolar paulista fundada na década de 1870 por protestantes estadunidenses. A instituição foi referência para as reformas no ensino em São Paulo e influenciou o ensino brasileiro com os livros que adotava e também com currículos dos cursos de formação de professores que oferecia. (VALENTE, 2011; PINHEIRO, 2013). As influências do modelo estadunidense também podem ser observadas nas apropriações que o Brasil fez dos encaminhamentos curriculares em debate nos EUA,

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 5 como por exemplo, o Report of the Committee of Fifteen on Elementary Education. 3 (VALENTE, 2016). Uma menção ao relatório aparece por exemplo, no prefácio do livro didático intitulado Álgebra Primeiros Passos de autoria do professor do colégio Pedro II, Othello de Souza Reis, e lançado em 1919: Não será, de certo, necessário dizer-vos que o Relatório da Comissão dos Quinze, a propósito da educação primária, é o grande compêndio, a bíblia da pedagogia moderna americana. (...) Todos os problemas importantes aqui encontrareis por eles abordados e, sem superfetação de doutrinas, abstrações e filosofias, sem verbiagem nem preconceitos, referidas em termos claros e positivos as soluções que parecem mais práticas. (REIS, 1919, p. VI). Considerando o contexto de debates sobre os rumos da formação do professor, sobre privilegiar saberes mais articulados à prática; de cultura geral, ou saberes de caráter mais amplo e propedêutico com vista a uma formação de nível superior, o projeto de pesquisa aqui apresentado busca analisar o papel destinado a Álgebra na formação dos professores que ensinam matemática no primário. ÁLGEBRA NOS REGULAMENTOS DAS ESCOLAS NORMAIS Ao examinar os regulamentos de algumas escolas normais verifica-se que: a Álgebra - até equações de 2º grau - foi incluída na Escola Normal de Niterói, em 1862 (FARIAS, 2014); no decreto 6379 de 30 de novembro 1876, que cria a Escola Normal da Corte, a Álgebra aparece entre as matérias (BRASIL. Decreto n. 6379, p. 1144-1151); na Escola Normal de São Paulo ela foi incluída em 1890. (REGULAMENTO...,1890). Os estudos de Oliveira (2016) apontam que a Álgebra aparece na formação de normalistas dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul. De acordo com Valente (2016), na década de 1880, a formação de futuros professores do ensino primário na Escola Americana apresenta um currículo com um ano de Álgebra. 3 Este relatório, apresentado em 1895, foi elaborado por uma comissão proposta por Francis W. Parker interessada nos estudos dos programas de ensino com pretensões de unificar o currículo nos EUA

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 6 Diante do exposto anteriormente, pode-se levantar algumas questões como: qual a justificativa da álgebra na formação dos normalistas? Influência dos modelos estrangeiros? Influência dos cursos secundários, objetivando uma formação mais ampla do futuro professor? Ou a álgebra articulada aos saberes que seriam objeto de ensino futuro nas classes primárias? Quanto a presenta da Álgebra no ensino primário, o Report of the Committee of Fifteen on Elementary Education motiva sua introdução, não numa perspectiva de inclusão de rubrica escolar, mas como a inserção de rudimentos algébricos para facilitar a resolução de problemas aritméticos avançados (REPORT, 1895, p.58). A proposta de utilizar a Álgebra no ensino primário como ferramenta para resolver problemas aritméticos mais sofisticados foi acolhida por Antônio Trajano, como se pode ver no prefácio 4 de sua obra Álgebra Elementar, por exemplo no trecho onde cita a inclusão já realizada por Alemanha, França e Estados Unidos: a Álgebra foi incluída como parte do ensino obrigatório nas escolas primárias, onde agora os meninos e meninas aprendem a converter facilmente os dados de um problema em um equação algébrica (TRAJANO, 1932, p.3). E a proposta de inclusão da Álgebra no ensino primário prossegue nas primeiras décadas do século XX, como mostra o artigo Álgebra no Ensino Primário, escrito por Francisco Cabrita e publicado na revista Escola Primária 5 em 1917. De acordo com Cabrita, (2017), a tendência para a introdução de equações no ensino primário é antiga. A afirmação é seguida por trechos de uma obra de 1861 do economista francês Joseph Garnier que defende a inclusão da álgebra no ensino primário. Os trechos revelam a mesma atribuição da álgebra apresentada no Relatório do Comitê dos Quinze. Além de Garnier, Cabrita traz exemplos de vários autores afinados com esta proposta: Leyssenne, Bourlet, Élie Perrin e faz a defesa: 4 Prefácio, que é mantido idêntico nas dezenas de edições posteriores da obra (VALENTE,2016). 5 Francisco Cabrita escreveu dois artigos sobre o tema na revista Escola Primária: um no volume 10 e outro no volume 12.

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 7 É claro que a Álgebra que se pretende inculcar ao professor primário como subsidio de alto valor para o seu ensino de Arithmetica é limitada ao estudo elementar das equações numéricas, independentemente do conhecimento de monômios, binômios, trinômios, polynomios e do calculo correlativo. (CABRITA, 1917, p. 2) Em 1919, Othello de Souza Reis, que se dedicou a estudar as propostas do Comitê dos Quinze, lança o livro didático intitulado Álgebra Primeiros Passos; e o professor Tito Cardoso de Oliveira, lança a 4ª edição do seu livro Aritmética Complementar para os cursos primário complementar, normal e comercial que contém um capítulo adicional referente a inclusão de elementos algébricos. Para Valente (2016) esta obra indica que a proposta de incluir a Álgebra no curso primário está em circulação, visto que tem acolhimento até em aritméticas já constituídas na sua forma a mais tradicional, como a do professor Tito Cardoso de Oliveira (VALENTE, 2016, p. 8). QUESTÃO INICIAL DE PESQUISA, FONTES E REFERÊNCIAS TEÓRICOS METODOLÓGICOS A partir dos itens destacados acima: modelos de formação de professores, influências estrangeiras e posicionamentos de professores e autores de livros didáticos sobre a inclusão da Álgebra no ensino primário tem-se a atual questão de pesquisa: Qual a atribuição da Álgebra na formação de professores dos primeiros anos escolares no período entre 1890 e 1970? Para mobilizar essa questão, tem-se o seguinte objetivo geral: Analisar a atribuição da Álgebra, no período entre 1890 e 1970, na formação de professores dos primeiros anos escolares. E objetivos Específicos: Inventariar documentação relativa à escola americana no período 1890 a 1930 partir do trabalho de Pinheiro (2013);

Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889 8 Estabelecer uma cronologia de documentos oficiais que abordem currículos de formação de professores e a matemática presente nessas orientações e determinações oficiais; Organizar uma base de dados de discursos de autoridade educacionais que se manifestam sobre currículos de formação de professores no período 1890-1970; Inventariar livros didáticos e manuais pedagógicos contidos no Repositório de Conteúdo Digital de História da Educação que tratem da Álgebra para o ensino e na formação de professores; Inventariar revistas pedagógicas do repositório que tenham artigos relacionados à matemática (Álgebra) na formação de professores. Sobre As Fontes Para A Pesquisa: A documentação a ser transformada em fontes nesta pesquisa história envolve manuais e livros didáticos, revistas pedagógicas, bem como as diretrizes oficiais de ensino (leis, decretos, programas, etc.). Parte dessa documentação se encontra digitalizada no Repositório de Conteúdo Digital de História da Educação Matemática, alocado no sítio da Universidade Federal de Santa Catarina. Sobre os Referenciais teóricos e metodológicos Este projeto de caráter histórico será desenvolvido utilizando os referenciais da História Cultural (Michel de Certeau, Roger Chartier); História das Disciplinas Escolares (André Chervel, Dominique Julia) e e ainda os trabalhos de Rita Hofstetter e Bernard Schneuwly na caracterização dos saberes para ensinar e a ensinar. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 6379 de 30 de novembro de 1876. Cria, no Município da Corte, duas escolas normais primárias. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1876 Tomo XXXIX. Parte II vol I. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876, p. 1144-1151 CERTEAU, M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

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