Saberes Pedagógicos para Ensinar Lidos nos Manuais do Final do Século XIX. GD5 História da educação matemática
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- Natália Graça Coelho
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1 Saberes Pedagógicos para Ensinar Lidos nos Manuais do Final do Século XIX Viviane Barros Maciel 1 GD5 História da educação matemática Os manuais para o ensino apresentam orientações didático-pedagógicas aos professores. Interessa-nos aqueles que tratam da aritmética nos primeiros anos escolares. Que saberes pedagógicos para ensinar matemática no curso primário se decantam a partir da análise de manuais do período compreendido entre 1880 a 1970? A pesquisa de doutorado em andamento busca caracterizar neste texto, de modo mais restrito, os saberes pedagógicos para ensinar aritmética lidos nos manuais do final do século XIX. Para tanto, se contou com o aporte teórico-metodológico de autores da história cultural, história das disciplinas escolares e com autores que colocam os saberes no centro das discussões das profissões de ensino e de formação. As análises preliminares apontam que mesmo que definições e noções introdutórias ao ensino de aritmética se aproximem, pode se perceber de forma bem sutil, encaminhamentos didáticos diversos para o ensino destes saberes. Estes encaminhamentos se referem desde a forma de introduzir e apresentar um tema, ou uma noção, nas ilustrações presentes nas explicações, nos usos de esquemas para exemplificar uma definição, ou mesmo em notas explícitas aos professores e como ensinar. Objetiva-se que na analise de vários manuais saberes pedagógicos para o ensino de aritmética se estabilizem, enunciando deste modo diferentes vulgatas de saberes para ensinar matemática. Palavras-chave: manuais; saberes para ensinar; saberes pedagógicos; aritmética; ensino primário. Considerações Iniciais Este texto traz resultados parciais de uma pesquisa de doutorado em andamento. O texto tem por objetivo caracterizar saberes pedagógicos para ensinar aritmética lidos nos manuais do final do século XIX. Num primeiro olhar percebe-se que nas definições e noções que precedem o ensino da aritmética muitos manuais dizem mais ou menos a mesma coisa. No entanto, quando se coloca os saberes nos centros da análise diferenças podem ser percebidas. Estas marcam presença principalmente no modo como os autores 1 Universidade Federal de São Paulo, barrosmaciel@gmail.com, orientador: Dr. Wagner Rodrigues Valente.
2 apresentam tais definições, noções, temas, conceitos para serem ensinados no curso primário. Desse modo, pensando em como foram se decantando historicamente saberes pedagógicos para ensinar aritmética no curso primário é que a análise deste estudo se ancorará. Para a leitura e análise dos manuais a análise contará com o aporte teóricometodológico de Roger Chartier (1990), no entendimento da noção de representações, trazendo também como referência textos do grupo suíço, como o de Rita Hofstetter e Bernard Schneuwly (2009), na caracterização dos saberes para ensinar e a ensinar, muito caro a este estudo; e a noção de vulgata ensinada por André Chervel (1990) que auxilia na análise destas permanências e mutações destes saberes pedagógicos. O estudo buscou, desse modo, analisar os manuais presentes na base de dados criada e alocada pelo repositório 2 institucional virtual da Universidade Federal de Santa Catarina (fruto de um dos objetivos alcançados por um dos projetos do Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática no Brasil GHEMAT). Um primeiro objetivo específico da pesquisa de doutorado em andamento que se busca alcançar é analisar os encaminhamentos didáticos para o ensino de aritmética nos manuais pedagógicos brasileiros do período compreendido entre 1880 até Assim, foi preciso dividir tal período em décadas, devido à quantidade de manuais no repositório, 324 até o momento. Assim, se fixou o período inicial para as análises dos manuais do repositório de 1880 até o último manual de aritmética do século XIX que lá foi inserido, de Do total de 324 manuais, o número passou a 21, pois se retirou aqueles referentes aos anos anteriores a 1880 num total de treze manuais. Destes 21 se retirou aqueles que versavam sobre Desenho, Geometria e manuais voltados para o ensino secundário. Restando apenas quatro manuais. Assim serão analisados os manuais: Arithmetica Pratica, 1888, D Felipe Nery Collaço, da Livraria Franceza; Arithmetica da Infancia, 2 Essa base de dados tem acesso aberto e encontra-se alocada no repositório da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Florianópolis, bastando acessá-lo pelo link: Convém destacar aqui que a criação de repositórios para compartilhamento e reutilização de dados, bem como reprodução de experimentos, tem sido uma tendência nas pesquisas científicas, segundo artigo publicado na revista Fapesp 2 (2014), nestes ambientes os dados ficam abertos para uso de pesquisadores o que possibilita acelerar o desenvolvimento de projetos de pesquisa científica, dando maior transparência a essa produção. 3 O período acima é marcado pela reabertura da Escola Normal de São Paulo, em 1880, até 1970, período que antecede à reorganização do ensino primário obrigatório de quatro para oito anos.
3 1890, de Joaquim Maria Lacerda; Arithmetica Primaria, em sua 12a. Edição, , de Antônio Trajano, da Companhia Typográfica do Brasil. Foi analisando estes três manuais e com o aporte teórico mencionado que a resposta à questão que saberes pedagógicos no curso primário se constituem e se configuram em saberes a e para ensinar aritmética a partir da leitura dos manuais do final do século XIX? será buscada. A noção de representação e de vulgata e os saberes a e para ensinar Para responder a esta questão foi necessário analisar manuais, mas como lê-los? Segundo Chartier (1990), para atribuir sentido a uma realidade social e entendê-la o sujeito faz uso de esquemas. Por meio destes esquemas tenta organizar o que percebe desta realidade. Para isto faz uso de classificações, divisões e delimitações. Trata-se, assim, da construção de representações deste sujeito do mundo social que percebe. O autor esclarece que tais representações não são neutras, apresentam, em certa medida, uma intencionalidade, pois carregam em si características das pessoas que as percebem e do discurso que proferem. Isto implica, nesta interpretação, que dependendo do discurso que um sujeito utiliza, segundo a sua percepção do social, do real, tentam defender um determinado ponto de vista, caminho a seguir, ou uma determinada decisão. Tal leitura então tem uma intenção, caracterizar os saberes pedagógicos para ensinar aritmética no curso primário no final do século XIX. Para tanto, muito caro a esta pesquisa é utilizar a base teórica suíça, especialmente o texto de Hofstetter e Schneuwly (2009), Saberes um tema central para as profissões do ensino e da formação 5. Os autores postulam que os pontos comuns existentes entre as profissões do ensino e da formação são suficientes para problematizar os saberes aos quais se referem e ainda fundamentam as expertises (os autores trabalham esta noção em um dos seus textos) de cada profissional, especialmente com relação às instituições formadoras de suas profissões. 4 De acordo com Oliveira (2016), a primeira edição desta Arithmética é datada de 1883 e em 1895, a Aritmética Primária de Trajano já estava na sua 12ª edição. O autor afirma que até 1898 o livro alcançou a 19ª edição. O autor informa que a Aritmética Primária em 1947 atinge sua 118ª edição. 5 Este texto integra o primeiro capítulo do texto: Savoirs en (trans)formation Au coeur des profissions de l enseignement et la formation IN: Rita Hofstetter e Bernard Schneuwly (2009). Bruxelles: Éditions de Boeck Université, 2009, traduzido e adaptado por Viviane Barros Maciel e Wagner Rodrigues Valente.
4 No cerne da discussão do texto dos autores supracitados, estão os saberes, vistos como tema central nas profissões do ensino e da formação. Estes autores definem dois tipos constituintes de saberes ligados às profissões do ensino e da formação: os saberes a ensinar que são objetos do trabalho do formador e os saberes para ensinar, ferramentas de seu trabalho. De acordo com os autores, quem ensina, ensina saberes (no sentido amplo do termo), saberes aos quais formar. O que o professor deve ensinar, geralmente exposto nos planos de estudos, nos currículos e nos manuais é o que os autores denominam saberes a ensinar. De acordo com estes autores Parece-nos possível definir dois tipos constitutivos de saberes aos quais estas profissões [do ensino e da formação] estão referidas: os saberes a ensinar, isto é, os saberes que são objetos do trabalho no exercício destas profissões; e os saberes para ensinar, dito de outro modo, os saberes que são instrumentos de trabalho do ensino e da formação. (HOFSTETTER; SCHNEUWLY, 2009, p.17-18) Segundo eles, ensinar saberes num sentido amplo engloba o saber propriamente dito, aqui representado pelo saber matemático, e o savoir-faire, no caso, o saber ensinar, saber ensinar matemática. Desse modo, caberá ao professor-formador escolher os saberes e transformá-los em saberes a ensinar, resultado de processos complexos que transformam fundamentalmente os saberes a fim de torná-los ensináveis (HOFSTETTER E SCHNEUWLY, 2009, p. 18), com enunciados comunicáveis e socialmente reconhecidos, ou ainda: através de saberes didatizados (idem), também denominados pelos autores como saberes objetivados, organizados em matérias, ou disciplinas. Estes saberes são aqueles que especificam a instituição de formação ou de ensino. Os saberes a ensinar são os saberes que distinguem as profissões. Por outro lado, para formar, de acordo com os autores, o formador precisa dispor de saberes. Os saberes neste caso são ferramentas de seu trabalho, saberes para formar, que os autores denominam saberes para ensinar. Para estes autores estes saberes englobam: os sobre o objeto de trabalho de ensino e de formação (ligados aos sujeitos que aprendem, se adulto, se jovem, seus modo de aprender, seu desenvolvimento, etc.); saberes sobre as práticas (quais métodos, recursos, dispositivos, saberes a ensinar, aos modos de organização e gestão irei escolher); e saberes sobre a instituição que define o seu campo de atividade profissional (o que prescrevem os planos, as finalidades, os regimentos, etc.)
5 (HOFSTETTER E SCHNEUWLY, 2009, p.19). Os saberes para ensinar são os saberes que aproximam as profissões. Assim, analisar como se caracterizam saberes pedagógicos pelas leituras dos manuais, vai além de analisar metodologias ou modos de ensino, engloba também para quem, onde e quais saberes priorizar. Estes saberes só podem ser visualizados a partir da leitura de grupos de manuais e da análise da leitura e organização do que estes trazem. Objetiva-se que ao analisar encaminhamentos didáticos para o ensino de aritmética nos manuais, seja possível notar alguns saberes pedagógicos que se estabilizam e vão se configurando como saberes para ensinar aritmética, daí a importância da noção de vulgata dada por André Chervel (1990). Encaminhamentos Didáticos para o Ensino de Aritmética A análise dos encaminhamentos didáticos propostos nos manuais de aritmética do curso primário nos manuais pedagógicos do período de 1880 a 1900 se deu de acordo com as seguintes etapas. Primeiramente a criação de fichas-apresentação de cada manual ( ), como a abaixo especificada (Tabela 1), que há o endereço eletrônico para o manual e a descrição do mesmo. Tabela 1: Fichas de apresentação dos manuais ( ) Título Principal Ficha-apresentação Arithmetica Pratica, Collaço, Aritmética prática para uso nas escolas de ambos os sexos. O livro possui seis partes, sendo: a primeira sobre numeração, operações e problemas; a segunda Pernambuco PE sobre frações gerais e problemas; a terceira sobre frações decimais e problemas; a quarta sobre operações com números complexos e problemas; quinta sobre razões e proporções; e sexta sobre sistemas de pesos e medidas. As imagens deste livro foram obtidas por meio de cópias do original depositado na BnF - Bibliothèque nationale de France. Fonte: Dados extraídos do Repositório da UFSC (História da Educação Matemática) e complementados pela pesquisadora. Após a construção das fichas-apresentação iniciou-se uma análise mais minuciosa das informações contidas nestes manuais, a construção de fichas-sínteses. Cada manual será analisado e serão registradas as impressões, aproximações e distanciamentos entre os encaminhamentos didáticos lidos nos manuais. É a leitura destes dados que culminará (ou não) em características comuns, decantando saberes pedagógicos para o ensino de
6 aritmética. Ao analisar estes pontos de convergência ou divergências dos encaminhamentos didáticos, poderão sinalizar vulgatas de saberes pedagógicos para o ensino de matemática e ainda por meio deles poderão ser lidas as finalidades deste ensino. A busca será realizada conforme cronograma, o qual foi elaborado tendo em vista o cumprimento dos objetivos de pesquisa e dialogando com os referenciais teóricos.. Indicações prefácio Formato geral Ordem de apresentação dos conteúdos Detalhamento do que é proposto a ensinar Uso de ilustrações Uso de dispositivos didáticos Tabela 2: Ficha-síntese Arithmetica Pratica Collaço 1888 Indicada para escolas primárias de ambos os sexos (não há prefácio) Apresentação em perguntas (interrogações) simbolizadas por P e respostas, simbolizadas por R e alguns exemplos depois de uma série de perguntas e respostas. Arithmetica; Número; Grandeza ou Quantidade (contínua e discreta); Unidade (natural e convencional (medida)); Número inteiro e fraccionário; Número concreto e abstrato; Número complexo e incomplexo; Número simples e composto; Numeração; Numeração fallada e escrita; Somente então passa-se às operações. Primeiramente pergunta P: Que se entende por Arithmetica? R: A sciencia que trata dos números [sic]. Assim, o autor prossegue com a definição de número. Somente então traz um exemplo do Brasil e suas províncias. Afirmando ter o Brasil 20 províncias. (p.1) Na sequência ao explicar grandeza ou quantidade cita como exemplo tudo que pode aumentar ou diminuir como uma boiada, uma casa, uma pedra, dá como exemplo discreta e contínua dando exemplos: grandeza contínua: uma taboa ou um tijolo e grandeza discreta uma boiada ou um batalhão. (p.2) Assim procede exemplificando no decorrer das respostas. No que o autor denomina exemplo este o traz de modo separado de suas perguntas e respostas. Em uma de suas perguntas, no final da página 4, Qual é a maneira mais natural de formar os números? e responde: Ajuntar uma unidade com outra, depois outra com a reunião das precedentes e assim por diante. Não há. No ensino da escrita dos números o autor faz uso de dispositivos didáticos. Aqui será mostrado apenas um para ilustrar, mas há outros. Número escrito por algarismos: Direcionamentos explícitos ao professor no corpo do texto Indicações prefácio O manual todo em forma de perguntas e respostas lembra estar o professor na sala de aula com seus alunos. Infere-se daí o título Prática. Fonte: Elaborado pela pesquisadora Tabela 3: Ficha-síntese Arithmetica da Infancia Lacerda 1890 Indicada para infância No interior o autor denomina seu manual de Pequeno Tratado de Arithmetica isto vem no primeiro subtítulo e impresso no cabeçalho, no verso de cada uma das páginas. (não há prefácio)
7 Formato geral Ordem de apresentação dos conteúdos Detalhamento do que é proposto a ensinar Uso de ilustrações Uso de dispositivos didáticos O autor pontua definições, por exemplo: 1. Arithmetica é...; 2. Número é...; e assim por diante. O autor também traz no seu texto taboada da unidade (trabalha com taboadas em forma de tabelas, no conteúdo de operações), também traz alguns pontos como Regras. Arithmetica; Número; Quantidade; Unidade; Número inteiro e fraccionario; Número concreto e abstrato; Número complexo e incomplexo; Número simples e composto; Numeração (o zero ou cifra; algarismos significativos; valor absoluto e relativo); Contagem de números, então traz o exemplo da tabela com o número, algarismo arábico e romano. Somente depois de trazer a regra para escrita é que passa-se às taboadas e em seguida às operações fundamentais. Este tema é exposto em apenas quatro páginas. Define sucintamente sem exemplos, arithmetica, número, quantidade, etc., somente então passa-se à numeração. Ao explicar na parte de numeração sobre a contagem de números, então apresenta seu primeiro exemplo que traz antes disso as iniciais v.g. noventa e nove 99. Apenas nas tabelas do ensino da escrita, taboada das unidades e regra é que trará mais exemplos. Não há. O autor também utiliza como dispositivo didático além das tabuadas as regras (p.6) Direcionamentos explícitos ao professor no corpo do texto Indicações prefácio Na nota logo abaixo da regra, o autor tem a preocupação com a escrita das unidades monetárias: (1) Quando se quer exprimir uma quantia em réis, usa-se do termo conto em vez de milhão. Assim dizemos: dez contos de réis e não dez milhões de réis. (p.6) Não há direcionamento explícito ao professor. Ao ler seu manual infere-se que esteja conversando diretamente com aquele que fosse ensinar as crianças, mas nada é colocado explicitamente, neste tema analisado. Fonte: Elaborado pela pesquisadora Tabela 4: Ficha-síntese Arithmetica Primaria Trajano 1895 Indicada para meninos e meninas. Traz na capa uma figura que com uma casa com várias janelas, chaminés, etc.. Na figura há árvores em volta da casa e na área externa. Nesta área há três árvores, crianças próximas à casa brincando, várias galinhas andando, também há vários homens e mulheres, que se apresentam conversando em duplas ou trios, outros quatro negociando em torno de uma mesa, várias galinhas, um rio com vários barquinhos e no céu vários pássaros, todos possíveis de ser contados. Infere-se que ao colocar a imagem o autor queira mostrar o que coloca no prefácio um ensino prático, ou que a aritmética fosse essencial para o cotidiano do discípulo.
8 Formato geral Ordem de apresentação dos conteúdos Detalhamento do que é proposto a ensinar Vinculada a esta interpretação, ainda no prefácio, o autor apresenta que seu manual possui os pontos (conteúdos de ensino de aritmética) sufficientemente desenvolvidos e acompanhados de numerosos exercícios e problemas para o ensino prático. O autor aponta em seu prefácio as vantagens do seu compêndio, realçando pontos que este julga negativos em outros. Critica o trabalho do professor ao fazer o aluno decorar e trabalhar com exemplos já resolvidos do livro ou ainda com um só exemplo. Chamando o professor para um novo systema de ensino. Ao final do prefácio afirma que esta aritmética é dada aos principiantes, e que pra completar o estudo em aritmética haveria outras duas, a sua Arithmetica Elementar (indicada para alunos mais adiantados) e Arithmetica Progressiva (para o ensino secundário e superior). Diz-se que estes três manuais atendem às exigências do ensino preceituadas pela pedagogia. O autor aborda as principais definições por pontos. Em meio às definições o autor coloca exemplos (exercícios) de escrita e leitura de números. Nos 19 pontos que o autor utiliza para introduzir o tema, ele inicia por: definição de aritmética; apresentação de algarismos, arábicos e romanos. Depois traz outras definições para entrar no estudo de numeração, assim justifica o autor (p.6), quantidade, unidade e número (abstrato e concreto, pares e ímpares, primos e múltiplos). Primeiro a definição de aritmética, depois os tipos de algarismos (arábicos e romanos), depois a escrita destes números, relacionando escrita e algarismos (arábico e romano), a seguir o professor traz um exemplo de exercício para os alunos (discípulos) escreverem na pedra. Na definição de quantidade, unidade e número o autor ao final utiliza exemplos do cotidiano. A definição de quantidade utiliza-se de exemplos de quantidades de peso (café); vinho (litro); pano (metro), etc. Também vai ensinar número trazendo exemplos como barricas de farinhas, ou ainda número concreto como 5 penas, 20 pennas ou 35 casas, etc. Depois passa-se à numeração. Define numeração logo em seguida base de numeração decimal, trazendo a primeira figura de um prato com 10 frutinhas. O conteúdo de numeração é detalhadamente explanado, explica ordens e classes de um número por meio de um exemplo, um esquema. Depois explica o que vem a ser cada uma dessas ordens. Do lado da explicação uma figura de uma menina com uma boneca. Em seguida define valor absoluto e valor relativo. Tem a preocupação de mostrar o exemplo para quantias, se referindo assim ao sistema monetário. Traz detalhadamente como deve ser realizada a leitura de um número em função de suas classes e ordens que os algarismos deste ocupam. Explica o autor em seu ponto 15 que dividindo-se um número em classes de três algarismos, começando pela direita, em cada classe haverá unidades, dezenas e centenas. Na primeira classe, as unidades são simples; na segunda, as unidades são os milhares; na terceira, as unidades são os milhões; na quarta, as unidades são os bilhões, etc. A última classe nem sempre tem dezenas e centenas. Abaixo explica um
9 exemplo do número 686, trazendo um dispositivo apontado nesta ficha. A seguir o autor traz um exemplo de exercício para dividir o número em classes da ordem dos trilhões. Logo a seguir o autor coloca um regra. Uso de ilustrações Uso de dispositivos didáticos O autor também acrescenta a numeração em quantias para se referir às sommas de dinheiro, e não à quantidade de objeto. Assim, apresenta como se lê 4$500, ou seja quatro mil e quinhentos réis. Depois mostra como se escreve um real, mil réis e cento de réis exemplificando a quantia numérica de cada um deles. Além destas unidades que o autor denomina fundamentaes da nossa moeda há ainda uma listagem de 30 quantias em que utiliza unidades inferiores da moeda como vintém, tostão, pataca e cruzado, afirmando serem estas muito usadas no commercio miúdo (p.9) Para as quantias também traz uma nota com regra e atividade. O livro traz ilustrações na capa e no corpo do texto durante as explicações. Algumas aparentemente sem nenhuma relação com o conteúdo proposto. O último ponto, 19, desta introdução fala sobre algumas quantias e um exercício para leituras de quantias. Um dos dispositivos que o autor utiliza é o modo como ilustra o posicionamento das classes de um número com três casas cada uma Para explicar a leitura de número traz como exemplo o seguinte dispositivo (p.8):
10 Direcionamentos explícitos ao professor no corpo do texto Há notas direcionadas à ação do professor perante seus alunos (denominados pelo autor de discípulos ). 6) diz que Os discípulos tendo lido os seguintes numeros, o professor dictará estes ou ndo a 100, para elles escreverem na pedra (a pedra se refere à ardósia, uma pedrinha os em sala para escrita.) Fonte: Elaborado pela pesquisadora As fichas-sínteses contribuíram para uma melhor visualização dos saberes para ensinar. Uma primeira análise foi relativa aos saberes a ensinar, ou seja, o professor precisa de saberes para ensinar, mas que saberes? Saberes a ensinar. Assim, foi feita uma tabela comparativa das principais definições: aritmética, grandeza, quantidade, unidade, número, algarismo, numeração e divisão do número em classes. Aqui neste texto será mostrado apenas a definição de quantidade para exemplificar. Tabela 5: Convergência de Definições
11 Grandeza ou Quantidade tudo que tem a propriedade de poder augmentar ou diminuir, bem como uma boiada, uma casa, uma pedra. (COLLAÇO, 1888) É tudo o que é capaz de augmento ou diminuição: v.g. o volume, o peso, o valor, o tempo, etc. (LACERDA, 1890) Fonte: Elaborado pela pesquisadora 3) Quantidade uma porção de alguma cousa que se pode pesar, medir ou contar. Uma quantidade de café pode ser pesada; uma quantidade de vinho pode ser medida com o litro; uma quantidade de panno pode ser medida com metro, e uma quantidade de laranjas pode ser contada. (TRAJANO, 1895) Como se pode notar há diferenças nestas definições. Enquanto o manual de Collaço e de Lacerda, falam que quantidade é algo que aumenta e diminui, o de Trajano vem com uma definição diferente, dizendo tratar de uma porção que se pode pesar, medir ou contar. No exemplo dado no manual de Collaço (uma boiada, uma casa, uma pedra) parece ter ligação com a quantidade; já o manual de Lacerda utiliza-se de exemplo mais geral, o tempo, o valor, o peso, o volume; no manual de Trajano este traz após a definição que já infere, contar, pesar e medir, exemplos práticos como: café que pode ser pesado, tecido que pode ser medido, vinho que pode ser medido com litro (ainda coloca a unidade), laranjas que se pode contar. Assim como esta definição de cada uma delas pode-se extrair esta pré-análise, fase em que o trabalho está. Ainda não se tem conclusões, mas algumas considerações sobre o que já foi levantado. Os manuais de Collaço e Lacerda possuem algumas definições que se aproximam. O de Lacerda geralmente traz definições um pouco mais explicativas do que a de Collaço. Já o de Trajano a definição ainda se dá de forma ainda mais explanada que o manual de Collaço. Com relação à linguagem utilizada nota-se pelo uso da primeira pessoa do plural em Trajano uma proximidade maior com quem fosse utilizar o manual, algo que não se vê nos demais manuais. As ilustrações presentes no manual de Trajano trazem algo inovador para os manuais daquele tempo. Nos outros manuais apenas há esquemas na explicação da leitura e escrita de números, geralmente trazendo exemplos da classe dos trilhões ou quatrilhões. Infere-se que os autores ao apresentar um número grande o professor fosse capaz ler e escrever os números menores. Os manuais apresentam de forma bastante aproximada tal esquema que pode ser visto nas fichas-sínteses.
12 Há diferenças na ordem de apresentação dos conteúdos. Por exemplo, enquanto nos dois primeiros a definição de número, unidade e algarismo, antecedem a definição de numeração, nesta ordem, no manual de Trajano primeiramente temos a definição e exemplificação da numeração para depois abordar número e algarismo, pois defendia que partiria do que fizesse sentido para a criança e a partir daí ia analisando as partes. Ainda há outros pontos que estão sendo analisados e ainda há outros que deverão surgir na continuação desta pesquisa. Considerações finais Como a análise ainda é inicial, é difícil adiantar conclusões. É possível que um maior número de manuais analisados possa fornecer mais subsídios para análise. O que se pode analisar num primeiro olhar é que apesar de se ter a impressão que os manuais de um mesmo tempo dizem mais ou menos a mesma coisa, diferenças sutis podem ser verificadas quando se coloca os saberes no centro das análises. Dessa maneira, ao construir as fichas de cada manual isto dá ao pesquisador uma maior visibilidade dos saberes ali presentes. Espera-se que ao analisar tais saberes pedagógicos nos manuais alguns deles vão se sedimentando ao longo do tempo, constituindo assim, uma vulgata de saberes para ensinar aritmética. Referências CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990 CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, HOFSTETTER, R; SCHNEUWLY, B.Savoirs en (trans) formation: Au coeur des professions de l enseignement et de la formation. IN: Rita Hofstetteret al.savoirs en (trans) formation. Bruxelles: Éditions De Boeck Université, De Boeck Supérieur. Raisons éducatives Manuais analisados e respectivos links COLLAÇO, D Felipe Nery, Arithmetica Pratica.16ª ed. Pernambuco: Livraria Franceza, 1888 LACERDA, Joaquim Maria, Arithmetica da Infancia, Rio de Janeiro: B.L. Garnier, Livreiro Editor, 1890; TRAJANO, Antônio, Arithmetica Primaria, em sua 12ª ed. Rio de Janeiro: Companhia Typográfica do Brasil. 1895
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