RIBIT E O DELEITE DA LEITURA VISUAL

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RIBIT E O DELEITE DA LEITURA VISUAL Rodrigo da Costa Araujo 1 Maria Lúcia Vacari 2 GEDOVIUS, Juan. Ribit. São Paulo. Comboio de Corda. 2009. O título Ribit, ou paratexto curto e essencial, sugere ser o nome da rã, relacionado à sua voz, seu coaxar e características do personagem protagonista. Assemelha-se, também, a uma música infantil americana, ou ao estribilho dela, que conta a história de uma rã que se chama Ribit 3. A linguagem do livro predominantemente visual e apresenta, nesse jogo, certo dinamismo com as cores e formas dos personagens. A imagem visual não tem compromisso em representar com fidelidade os seres e coisas existentes na realidade visível, mas, objetiva-se criar, inventar para eles novas possibilidades, conforme a verossimilhança. Esse tipo de linguagem assume uma representação da representação. Cada página do livro apresenta uma surpresa para a rã protagonista, seja nos tipos dos personagens, seja no tamanho deles, nas cores. Tudo isso surpreende o leitor, que tudo vê e presencia, como se estivesse muito próximo da cena, tornando-se, a partir de seu olhar, cúmplice dos personagens e de suas ações. A proximidade 1 Rodrigo da Costa Araujo é professor de Estágio Supervisionado III, Literatura Infantojuvenil e Arte Educação na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Doutorando em Literatura Comparada e Mestre em Ciência da Arte pela UFF. Coordenador de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio da Secretaria Municipal de Educação de Macaé/SEMED. Coautor das Coletâneas Leituras em Educação (2011), Literatura e Interfaces (2011) e Literatura Infantojuvenil: diabruras, imaginação e deleite (2012) lançadas pela editora Opção. 2 Aluna do 7º Período de Letras/FAFIMA. 3 Trata-se de um livro de imagem. 1

permitida ao leitor não é casual, busca exatamente o momento de intimidade entre leitor e personagens. Juan Gedovius defende o uso da linguagem mais universal possível, considerando como questão prioritária a clareza da ação, sem muitos traços e rebuscamentos de imagens e cores. Dessa forma, utiliza uma imagem visual limpa, sem muitos detalhes em uma mesma imagem. A informação visual é apreendida de muitas maneiras, entre elas, neste livro, a percepção e a sinestesia, a personificação constante dos seres do livro, além da própria metalinguagem presente em todos os passos da rã. O autor consegue expandir o acesso à arte pela criação do interesse da leitura pelo lúdico, por meio do prazer, do divertimento e do elemento fantástico. É pela percepção e pela imaginação que o leitor de imagens vai construir e formular os sentidos que o texto visual faculta. Ele olha, interpreta, avalia, e descobre sentidos, tanto na leitura individual, quanto na partilha dessas experiências. Essas imagens são representações que precisam ser consideradas, também, a partir da sua função geradora de conhecimento, isto é, capazes de modificar nossa maneira de pensar e ver o mundo. O único momento de linguagem verbal é a capa do livro que contem o título. Através da forma como o livro se apresenta, percebe-se a produção de sentido que a organização plástica sugere. Observa-se que o seu formato retangular apresenta um tamanho quando fechado, mas ao ser aberto duplica a visão da amplitude horizontal da cena apresentada a cada página. Essa duplicação, ao ocupar o espaço das páginas, possibilita que tenhamos uma visão panorâmica de cada cena. É assim que percebemos e construímos o diálogo imaginário de cada personagem. O enquadramento é totalmente linear, tendo como objetivo a expansão visual, sugerindo sempre que a rã é pequena, em relação à página em branco - apesar de sua cor ser vermelha, o que indica vida e instiga a atenção do leitor - e aos outros personagens, que são grandes, altos e com cores que se 2

diferenciam da rãzinha, mas traduz o porquê de seus simbolismos. O enquadramento bem feito dá ao plano o máximo de eficiência dramática e estética da narrativa. É ele que vai definir a relação do centro de interesse e as margens da imagem. Ao enquadrar chama-se a atenção para algo, certo detalhe. Além disso, dentro desse enquadramento, observa-se o movimento dos personagens. Exemplo claro é o momento em que a rã recebe o mapa, e através de como é enquadrada, nota-se que ela o acha pesado, demonstrando pelo seu movimento de pernas e como o mapa do tesouro está tombando para um lado. O leitor aprende, inconscientemente, ler essas convenções, esses códigos secretos dos gestos. Por ele, o leitor observa mensagens subliminares com o espaço, a profundidade, os personagens, as cores, os movimentos. O fundo branco demonstra a intencionalidade de remeter à pureza, associada ao aspecto intemporal, ao ar, ao etéreo. As relações simbólicas, ainda que sutis, são constantes em todas as páginas. O enredo conta a história da amizade, onde Ribit é uma simpática rã que adora trocar objetos por esporte com outros animais e seres, como pingentes, conchas, papel, penas e meia. Esta troca de objetos, além de ser divertida, cultiva algo mais valioso que é a amizade. O enredo é altamente mimético, relembrando em cada passagem a transformação, a metamorfose que ocorre até mesmo nas trocas, onde os objetos apresentam outro valor diferente do que realmente são ou para que se destinam. Um exemplo é quando a rã troca o mapa do tesouro pela pluma, onde o mapa se torna um barquinho de papel. O tempo predominante é o psicológico que não é material nem mensurável, flui na mente das personagens. Nesse caso, transmite-se a sensação experimentada durante o tempo em que o fato ocorreu: a personagem pode ter passado por situações que pareceram extremamente longas, mas que, na realidade, duraram apenas alguns minutos. O tempo 3

psicológico é produto de uma experiência interior que a rã vive, pois traduzse através da intensidade emocional que a acompanha. A protagonista da história é a rã que a cada troca, em cada aparição de outros personagens, ela se assusta, ou se impressiona, mas afirma sua presença através dos movimentos de suas patinhas. Observando a mudança ou transição desse animal, a rã no seu ciclo de crescimento é extremamente significativo, eivando esse animal de um simbolismo forte. Ela - a rã -, assim como os seres humanos, sofre transformações incríveis para chegar ao destino da vida adulta completa. A rã compreende como é sofrer algumas graves dores de crescimento - e por isso é um animal-símbolo fantástico para adolescentes, eles às vezes se esforçam para encontrar o seu lugar (adolescentes e jovens em idade adulta) na sociedade. Para os egípcios, o sapo era um símbolo de vida e fertilidade, já que milhões deles nasceram depois da anual inundação do Nilo, que trazia fertilidade à terra estéril. Seu principal simbolismo está associado ao seu elemento primordial, que é a água, indispensável a qualquer ser vivo. Em muitas outras culturas, o principal significado simbólico dos sapos e rãs trata de fertilidade. Isso porque observavam que sapos colocam enormes quantidades de ovos, portanto, tornando-se um símbolo de fertilidade, bem como um símbolo de abundância. E a rãzinha do livro demonstra abundância de sentimento, de trocas e de paciência. Sua cor vermelha remete à vida real, a vontade de viver, em contraposição aos outros seres que aparecem com outras cores, algumas até pálidas. Seus olhos negros podem lembrar a cor da noite - pois a rã é mais vista à noite - do mistério. Cada personagem do livro se apresenta com uma cor e características próprias que remetem a uma linguagem de signos, completando-se com suas formas e suas cores. Os leitores têm de ficar atentos ao traço vigoroso de Juan Gedovius, pois cada reação do personagem diz 4

muito sobre este, mesmo na ausência da palavra escrita (é o caso da bruxa carrancuda que ganha uma pena e cede um gato desmilinguido). Um dos antagonistas da história é a inquietude da rã pela rapidez em que se dão as trocas, onde cada um leva um pouco do outro. O estranhamento da rapidez com que as coisas se sucedem contrapõe-se com o desejo dela de parar e relaxar, quando acontece isso em seu contato com a Lua. A ausência de cenário - todos os personagens aparecem no fundo branco - ajuda a destacar as reações de cada um ao trocar seus pertences com a rã vermelha do título. Observa-se que além de ser símbolo de mudança, a rã protagonista é, também, um signo relacionado à pureza, às transições e ao onírico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: GEDOVIUS, Juan. Ribit. São Paulo. Comboio de Corda. 2009. 5