NÍVEIS DE CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS ESPERADOS DOS ESTUDANTES PARA ACESSO NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA

Documentos relacionados
OS JOGOS DE QUADROS PARA O ENSINO MÉDIO SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM NA CONSTRUÇÃO DE GRÁFICOS

A TRANSIÇÃO ENSINO MÉDIO E SUPERIOR: A NOÇÃO DE RETAS E PLANOS EM IR 2 E IR 3

Palavras-chave: Competências; habilidades; resolução de problemas.

Texto produzido a partir de interações estabelecidas como bolsistas do PIBID/UNIJUÍ 2

PLANO DE ENSINO Disciplina: Matemática 8 a série Professor: Fábio Girão. Competências Habilidades Conteúdos. I Etapa

Planejamento Anual. Componente Curricular: Matemática Ano: 7º ano Ano Letivo: Professor(s): Eni e Patrícia

Eduardo. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

A OPERAÇÃO POTENCIAÇÃO: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS - INEP DIRETORIA DE AVALIAÇÃO PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM 2009

A DIDÁTICA DO ENSINO DO CONCEITO DE ÁREA COMO GRANDEZA NUMA ABORDAGEM VERGNAUDIANA

PLANO DE ENSINO Disciplina: Matemática 8º ano Professor(a): Gracivane Pessoa

M A T E M Á T I C A Desenho Curricular por Área

PANORAMA DE UM ESTUDO SOBRE A FATORAÇÃO

PLANO DE ENSINO. Curso: Pedagogia. Disciplina: Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa. Carga Horária Semestral: 80 Semestre do Curso: 6º

Aspectos Didáticos do Ensino da Resolução de Problemas Usando Proporção em Livros Didáticos Atuais

PADRÕES DE DESEMPENHO ESTUDANTIL. O que são Padrões de Desempenho? ABAIXO DO BÁSICO Até 150 pontos. BÁSICO De 150 até 200 pontos

PLANO DE ENSINO Disciplina: Matemática 8º ano Professor(a): Gracivane Pessoa. Competências Habilidades Conteúdos. I Etapa

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE ENSINO DA TRIGONOMETRIA NO TRIÂNGULO RETÂNGULO

QUESTÕES DO ENEM EM ATIVIDADES DO PIBID: um relato de experiência.

DESCRITORES EVIDENCIADOS NA RESOLUÇÃO DE ESTUDANTES EM QUESTÃO SIMILAR A DA PROVA BRASIL

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE MATEMÁTICA (1º SEMESTRE) 7º ANO. Nome: Nº - Série/Ano. Data: / / Professor(a): Marcello, Eloy e Décio.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COLÉGIO TÉCNICO INDUSTRIAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE ENSINO CURSO TÉCNICO INTEGRADO EM ELETROTÉCNICA 1ºANO

CONCEITO DE VOLUME E O REAL Uma oficina

3ª Eduardo e Ana. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

SISTEMA ANGLO DE ENSINO G A B A R I T O

AGRUPAMENTO de ESCOLAS Nº1 de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2013/2014 PLANIFICAÇÃO ANUAL

Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

Metas Curriculares Conteúdos Aulas Previstas. - Números primos; - Crivo de Eratóstenes;

Matriz de Referência da área de Matemática Ensino Fundamental

ORIENTAÇÃO TÉCNICA DE MATEMÁTICA 1º Encontro Concepção do Ensino de Matemática

ANÁLISE DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ATRAVÉS DE UM LIVRO DIDÁTICO AO TRABALHAR COM AS NOÇÕES DE JUROS A SEREM DESENVOLVIDAS NO ENSINO MÉDIO

MATEMÁTICA 6º ANO A/B. Números e cálculo. Geometria

Prova Brasil: Descritores de Avaliação de Matemática

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. VIEIRA DE CARVALHO

Uma abordagem didática em relação à aprendizagem das equações de reta no estudo de Geometria Analítica no Ensino Médio

MATEMÁTICA 5º ANO UNIDADE 1. 1 NÚMEROS, PROBLEMAS E SOLUÇÕES Sistema de numeração Operações com números grandes

Plano Curricular de Matemática 6ºAno - 2º Ciclo

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

Uma Investigação sobre Função Quadrática com Alunos do 1º Ano do Ensino Médio

OBJETIVOS DE ENSINO- APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA. Docente: Dra. Eduarda Maria Schneider

PLANO DE ESTUDOS DE MATEMÁTICA - 6.º ANO PERFIL DO ALUNO 1.º PERÍODO. DOMÍNIOS SUBDOMÍNIOS/CONTEÚDOS OBJETIVOS n.º de aulas

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA INFORMÁTICA DISCIPLINA: Matemática (6º Ano) METAS CURRICULARES/CONTEÚDOS... 1º PERÍODO - (15 de setembro a 16 de dezembro)

E.E. SENADOR LUIZ NOGUEIRA MARTINS ATPC 11 DE AGOSTO 2017 PC: ANA LUCIA FAZANO PARTE 2

Geometria Analítica e Sistemas de Equações Lineares: Transição Ensino Médio e Superior

NÚMEROS E ÁLGEBRA FUNÇÕES

FOLHAS DE ATIVIDADES PARA O ENSINO DE FUNÇÃO AFIM E QUADRÁTICA: CONCEITO E APLICAÇÕES

1º período. Conhecer os algarismos que compõem o SND (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9). Diferenciar algarismos e números.

Agrupamento de Escolas de Águeda Escola Básica Fernando Caldeira

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. VIEIRA DE CARVALHO

VISÃO GERAL DA DISCIPLINA

Oficina de Apropriação de Resultados de Matemática. Paebes 2013

Avaliação da Educação Básica em Nível Estadual

Planejamento Anual OBJETIVO GERAL

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO SEMESTRAL MATEMÁTICA 7º ANO. Nome: Nº - Série/Ano. Data: / / Professor(a): Eloy/Marcello/Renan

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SAMORA CORREIA ESCOLA BÁSICA PROF. JOÃO FERNANDES PRATAS ESCOLA BÁSICA DE PORTO ALTO

Oficina de divulgação e apropriação. Educacional do Estado de Goiás. Carolina Augusta Assumpção Gouveia Analista de Avaliação do CAEd

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2015/2016 PLANIFICAÇÃO ANUAL. Documento(s) Orientador(es): Programa e Metas de Aprendizagem

3ª Gustavo Lopes. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

Oficina de Apropriação de Resultados PAEBES 2013

ORGANIZAÇÃO E TRATAMENTO DE DADOS

Matemática PROFESSOR: Francisco Monteiro OBJETIVO GERAL

ANEXO I. Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais.

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS CASTRO DAIRE

Oficina de Apropriação de Resultados. Paebes 2013

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 2ª versão A ÁREA DE MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL

MATEMÁTICA PLANEJAMENTO 3º BIMESTRE º B - 11 Anos

Ensino Técnico Integrado ao Médio

MATEMÁTICA PARA A VIDA

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio. Habilitação Profissional: Técnico em informática para Internet Integrado ao Ensino Médio

LETRAMENTO ESTATÍSTICO E O EXAME NACIONAL DE ENSINO MÉDIO. Aluno: Manoel Augusto Sales Disciplina: Análises de Dados Prof: Humberto José Bortolossi

FATORAÇÃO POLINOMIAL: UM ESTUDO SOBRE SUA POTENCIALIDADE EM APLICAÇÕES INTRA E EXTRAMATEMÁTICAS

5º ano do Ensino Fundamental 1º BIMESTRE EIXO: NÚMEROS E OPERAÇÕES

AULÃO ENEM 2015 MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS

ESCOLA SECUNDÁRIA DE AMORA. PLANIFICAÇÃO A LONGO/MÉDIO PRAZO - Ano Letivo 2014 / 2015 CURSOS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO TIPO 2 2.º ANO

MATRIZ DE REFERÊNCIA DE MATEMÁTICA PROVA FLORIPA MATEMÁTICA - 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

PLANO DE ENSINO OBJETIVOS

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO 3 - MATEMÁTICA

P L A N O D E E N S I N O A N O D E ÁREA / DISCIPLINA: CIÊNCIAS DA NATUREZA / MÁTEMÁTICA

G A B A R I T O G A B A R I T O

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM FASES: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE LOGARITMOS

Inglaterra - Sistema Educativo -

UM ESTUDO SOBRE O USO DO SOFTWARE APLUSIX COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA A APRENDIZAGEM DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU COM DUAS VARIÁVEIS.

número racional. apresentados na forma decimal. comparar ou ordenar números números racionais

Competências e Habilidades - Concurso de Bolsas 2015/2016. Ensino Médio e Fundamental. Ensino Fundamental (6º Ano )

AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS DE PEDROUÇOS

O ENSINO E APRENDIZAGEM DA ESTATÍSTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

FLEXIBILIDADE COGNITIVA E NIVEIS DE CONHECIMENTO: a NOÇÃO DE FUNÇÃO AFIM

Palavras-chave: Alfabetização Matemática. Letramento Matemático. Formação inicial de professores.

ORIENTAÇÃO TÉCNICA MATEMÁTICA

ESCOLA SECUNDÁRIA DE AMORA PLANIFICAÇÃO A LONGO/MÉDIO PRAZO

CURRÍCULO DAS ÁREAS DISCIPLINARES / CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2º Ciclo Matemática - 6º Ano. Metas/Objetivos. Instrumentos de Avaliação

ARITMÉTICA E ÁLGEBRA COM O MATERIAL DOURADO

Aulas Previstas. Objectivos Conteúdos Estratégias/Actividades Recursos Avaliação

por Cristiano Fagundes Guimarães Especialista Matemática

Nº de aulas de 45 minutos previstas 66. 1º Período. 1- Isometrias Nº de aulas de 45 minutos previstas 18

A ÁREA DE MATEMÁTICA 131

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FERRAMENTA AUXILIAR NA ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADOS DE CONCEITOS MATEMÁTICOS

Matemática 3º Ciclo. Planificação Anual 7.º ano. N.º de aulas. Objectivos 1.º PERÍODO. Ano Lectivo 2009/2010. Apresentação 1. Teste Diagnóstico 2

RESOLUÇÃO. Parágrafo único. O novo currículo será o 0006-LS e entrará em vigor no 1º semestre letivo de 2018.

Transcrição:

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar NÍVEIS DE CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS ESPERADOS DOS ESTUDANTES PARA ACESSO NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA Lourival Pereira Martins, Carlos Roberto da Silva, Marlene Alves Dias, Tânia Maria Mendonça Campos Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN Brasil lomib@ig.com.br, carlos@diadematematica.com, alvesdias@ig.com.br, aniammcampos@gmail.com Resumo. O objetivo desse trabalho é relatar uma análise buscando identificar os conhecimentos matemáticos institucionalmente esperados pelo sistema educacional brasileiro para os estudantes concluintes do Ensino Médio do ano de 2011 tomando como base a avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio ENEM 2011, que atualmente é utilizada para o acesso pela grande maioria das universidades pública e privada. Para construir nosso instrumento de análise consideramos elementos da Teoria Antropológica do Didático de Chevallard (2001), as abordagens teóricas em termos de quadros segundo definição de Douady (1992) e níveis de conhecimento esperados dos estudantes conforme definição de Robert (1997). Nessa análise, buscamos identificar uma visão geral das relações pessoais institucionalmente esperadas dos estudantes, no que se refere aos conteúdos matemáticos, que tenham sido estudados pelos mesmos durante os 12 anos que compõem a Educação Básica no Brasil. Palavras chave: níveis de conhecimento, quadro, expectativas institucionais Abstract. The aim of this project is to report an analysis in order to identify the mathematical knowledge institutionally expected by the Brazilian educational system for high school students graduating in 2011, based on the results of ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio (2011) a national exam used by several students to enter public and private universities. Our analysis was based on elements of The Anthropological Theory of the Didactic of Chevallard (2001), theoretical approaches in terms of frames as defined by Douady (1992) and levels of knowledge expected of students as defined by Robert (1999). In this analysis, we attempted to identify an overview of students personal relationships institutionally expected in relation to mathematical contents which have been studied by them during the 12 years of the Basic Education in Brazil. Key words: levels of knowledge, framework, institutional expectations Introdução A busca de uma resposta às constantes críticas às deficiências do Ensino Básico no Brasil têm mobilizado as instituições oficiais na busca de uma resposta à sociedade por meio da formulação de políticas que levem à melhoria desse ensino. Várias são as ações que têm sido implementadas nesse sentido, tanto em nível estadual como federal entre elas uma das que têm tido maior repercussão é o Exame Nacional do Ensino Médio ENEM, não só pela importância enquanto avaliação dos estudantes ao final do Ensino Médio, mas também por seu papel enquanto referência para a entrada no Ensino Superior. O ENEM é uma avaliação de âmbito nacional que tem como objetivo, segundo a página oficial do Ministério da Educação e Cultura MEC, democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir à reestruturação dos currículos do Ensino Médio (Brasil, 2012). Isso nos conduziu a considerar essa avaliação como um dos instrumentos por meio do qual as instituições oficiais podem 157

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 considerar o desempenho dos estudantes e também avaliar o funcionamento da estrutura de ensino montada para a formação dos mesmos. Assim, o objetivo desse trabalho é relatar uma análise das questões proposta na prova de matemática do ENEM 2011, tomando como ferramentas de análise elementos da teoria Antropológica de Chevallard (2001), a noção de níveis de conhecimentos esperados dos estudantes conforme definição de Robert (1999) e a noção de quadros segundo definição de Douady (1986, 1992) Referencial teórico A ação oficial, como destacada na introdução, assim como a participação de um grande número de setores da sociedade preocupado com a formação do estudante egresso em nosso sistema de ensino, tanto no aspecto da necessidade de formação de mão de obra cada vez mais especializada, como na formação individual do ser humano é que em última instância define não só os conteúdos como a forma como esses devem ser trabalhados em sala de aula. Assim, se nos referimos a Chevallard (1994, 1997, 1999, 2001), observamos que essas instâncias culturalmente estabelecidas na sociedade constituem a noosfera que segundo Chevallard (1999) é constituída por professores militantes, associações educacionais, formuladores de políticas públicas institucionais entre outros. Isso nos conduziu a considerar que um olhar institucional para o ensino da Matemática no Ensino Médio brasileiro pode ser identificado por meio da avaliação do ENEM, o que fica evidenciado na matriz de referência definida pelo Ministério da Educação e Cultura em que são apresentadas as competências e habilidades que se espera tenham sido desenvolvidas pelos estudantes ao longo de sua vida escolar na Educação Básica. Observamos aqui que o Ensino Médio integra atualmente a Educação Básica e passará a ser obrigatório a partir de 2016. Evidenciamos ainda que na matriz de referência, definida pelo Ministério da Educação e Cultura em 2009 por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira é explicitadas as competências e habilidades, que servem de base para elaboração da avaliação. Podemos assim considerar que esse documento irá direcionar o trabalho de todos aqueles administradores escolares e professores que esperam um bom desempenho dos estudantes de suas respectivas instituições. A título de exemplo citamos a competência III. Enfrentar situações-problema (Brasil, 2009, p.1), mais especificamente para a área de matemática e suas tecnologias sob o título Competência de área 1 - Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais e reais encontramos, por exemplo, a habilidade H1 - Reconhecer, no contexto social, 158

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar diferentes significados e representações dos números e operações - naturais, inteiros, racionais ou reais (Brasil, 2009, p 5). Tomando como base essa informação, os gestores escolares de cada escola, escolhidos pela sociedade para representar seus interesses, terão como expectativa conduzir seus estudantes a um desempenho favorável nessa avaliação. Dessa forma, eles tendem a adequar a situação proposta e trabalhar com seus estudantes de forma que possam responder satisfatoriamente às questões que visam avaliar as competências e habilidades indicadas nos documentos oficiais. O que nos conduz à noção de relação institucional e pessoal com os objetos matemáticos conforme Chevallard (2001). Chevallard (2001) define relação institucional e pessoal ao objeto O quando pelo menos uma pessoa X ou uma instituição I tem relação com esse objeto. Exemplo: A noção de função é um objeto matemático, mas existem também os objetos escola, professor, aprender, saber, dor de dente, etc. Para refinar nossas análises consideramos ainda a noção de níveis de conhecimento esperados dos estudantes conforme definição de Robert (1999). A autora propõe a existência de três níveis de conhecimentos, técnico, mobilizável e disponível, utilizados pelos estudantes durante a execução de uma tarefa. Ainda segundo a autora, na análise de uma atividade é fundamental identificar em qual nível é exigido para que o estudante adapte seus conhecimentos. Este diagnóstico permite identificar se os estudantes são capazes de resolver apenas questões de solução imediata, nível técnico, ou se são capazes de mobilizar seus conhecimentos, ou seja, quando esses são pedidos explicitamente na tarefa ou se os estudantes dispõem de conhecimentos necessários para a solução de uma tarefa, nesse caso eles buscam em um sistema de referência as tarefas mais próximas àquela que devem resolver e por associação identificam o conhecimento em jogo. Para melhor compreender a importância dada aos diferentes domínios matemáticos desenvolvidos na Educação Básica segundo a cultura brasileira, utilizamos a noção de quadro, segundo definição de Douady (1986), a saber: um quadro é constituído pelos objetos de um ramo da matemática, das relações entre esses objetos, e as várias imagens mentais associadas a esse objeto dentro desse quadro (Douady, 1986, p.13). A autora observa que um mesmo objeto visto em dois quadros distintos é descrito de forma diferente, gerando imagens mentais distintas e necessárias para a compreensão desse objeto. 159

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 Metodologia Trata-se de um estudo inserido em um projeto mais amplo sobre a transição entre os Ensinos Fundamental, Médio e Superior. Para o desenvolvimento desse trabalho utilizamos a metodologia da pesquisa documental, que corresponde a uma técnica da pesquisa qualitativa que deve ser realizada a partir de documentos cientificamente autênticos. Ao estudo documental associamos a construção de uma grade de análise que permite identificar o conteúdo matemático em jogo para cada questão, a abordagem proposta, os tipos de tarefas, os tipos de técnicas, o quadro de solução da tarefa, o nível de conhecimento esperado dos estudantes e a identificação do contexto para verificar se o mesmo é ou não artificial. A grade de análise foi construída com base nos documentos oficiais para o Ensino Fundamental e Médio brasileiro, ou seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, Brasil (1997), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Brasil (2002), as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Brasil (2006) e a Matriz de Referência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, Brasil (2009). Nesses documentos são propostos os conteúdos a serem trabalhados e indicações metodológicas para o desenvolvimento dos mesmos. Neles foi possível identificar as relações institucionais esperadas dos estudantes que terminam o Ensino Médio em relação aos elementos da grade elencados acima. Aplicamos ainda a grade nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio ENEM dos anos de 2009, 2010 e 2011, que correspondem aos anos em que essa prova se tornou instrumento para acesso às universidades públicas e obtenção de bolsa em universidades privadas, para identificar as relações pessoais esperadas dos estudantes que terminam o Ensino Médio e terão acesso ao Ensino Superior. Comparamos os resultados obtidos para as relações institucionais e pessoais esperadas para identificar os conhecimentos que podem ser supostos mobilizáveis ou disponíveis para aqueles que iniciam o Ensino Superior. Resultados encontrados Ao se propor uma questão, o formulador da mesma, deve levar em consideração os objetivos, por meio das competências e habilidades definidas, no caso de acordo com a matriz de referência, que pretende atingir e quais os conhecimentos necessários para que uma resposta seja formulada. De acordo com Robert (1999) podemos considerar que a forma de proposição de uma questão pode ou não facilitar o estudante a encontrar uma resposta, pois esta depende do nível de conhecimento exigido na questão. 160

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar Apresentamos a seguir a análise de uma questão em função do nível de conhecimento esperado dos estudantes para a sua solução. Na figura 1 apresentamos um exemplo de uma situação do ENEM 2011cujo nível de conhecimento é o técnico. Figura 1: ENEM 2011, p.20 Nessa questão é pedido ao estudante que efetue a leitura registrada em um relógio medidor de energia elétrica, sendo destacado no enunciado que a mesma é expressa em kwh e que o número obtido na leitura é composto por quatro algarismos. Sendo a posição do número formada pelo último algarismo ultrapassado pelo ponteiro. Para respondê-la o estudante necessita conhecer e utilizar como ferramenta explícita o sistema de representação decimal o que permitirá ler e interpretar o valor indicado nos esquemas que representam os relógios. Não se exige do estudante a mobilização de outros conhecimentos além dos indicados no enunciado. O quadro em jogo é o numérico, mesmo que na questão se faça o uso de figuras que poderiam ser associadas à geometria. Observamos ainda que a habilidade exigida é a leitura de códigos, o que nos conduziu a considerar o contexto utilizado para enunciar a tarefa como artificial. Na figura 2 consideramos o exemplo de uma questão cujo nível esperado dos estudantes é o mobilizável. O prefeito de cidade deseja construir uma rodovia para dar acesso a outro município. Para isso, foi aberta uma licitação na qual concorreram duas empresas. A primeira cobrou R$ 100 000,00 por Km. construído (n), acrescido de um valor fixo de R$ 350 000,00, enquanto que a segunda cobrou R$ 120 000,00 por Km construído (n), acrescido de um valor fixo de R$ 150000,00. As duas empresas apresentaram o mesmo padrão de qualidade dos serviços prestados, mas apenas uma delas poderá ser contratada. Do ponto de vista econômico, qual a equação possibilita encontrar a extensão da rodovia qualquer que seja uma das propostas apresentadas? 161

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 a) 100n + 350 = 120n + 150 b) 100n + 150 = 120n + 350 c) 100(n + 350) = 120(n + 150) d) 100(n + 350 000) = 120( n + 150 000) e) 350(n + 100 000) =150(n + 120 000) Figura 2: ENEM 2011, p.26 Lembrando que o nível mobilizável corresponde a um conhecimento que é explicitamente pedido na questão e cabe ao estudante utilizá-lo de forma correta buscando a ferramenta adequada para a solução da tarefa proposta. Para a questão da figura 2 é solicitado ao estudante escolher entre cinco equações aquela que corresponde à passagem da representação em língua natural para a representação algébrica de uma função afim. Como são dadas cinco equações em que uma delas corresponde a comparar duas funções afins que modelam a situação proposta. Trata-se de uma tarefa usualmente trabalhada no Ensino Médio no estudo das funções afins e basta o estudante identificar os dois casos possíveis para associar cada lado da equação com os dados da situação, o que nos conduziu a considerar que o nível de conhecimento esperado dos estudantes é o mobilizável. Observamos ainda que para a mesma situação se não é dado o conjunto de equações cabe ao estudante identificar o conhecimento em jogo e assim teríamos uma tarefa cujo nível esperado é o disponível, pois cabe ao estudante buscar entre os objetos que domina os conceitos relacionados à dependência funcional, mais especificamente o conceito de função afim. Ressaltamos ainda que o quadro de solução da tarefa é o algébrico e que o contexto apresentado é apropriado para a formulação da situação sobre a noção de função afim proposta. Na figura 3 apresentamos o exemplo de uma questão cujo nível de conhecimento esperado dos estudantes é o disponível. 162

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar Figura 3: ENEM 2011, p.21 Embora seja uma questão aparentemente mais simples ela não faz nenhuma referência ao conhecimento envolvido na sua solução. O estudante deverá, dentro das ferramentas que dispõe buscar aquelas que se referem ao cálculo do perímetro e medida de superfície e ter um domínio mínimo das noções relacionadas à variação funcional. A partir dessas informações o estudante poderá resolver o problema de duas maneiras. Calcular os perímetros e as áreas de cada terreno e por comparação determinar aquele que apresenta perímetro constante e a maior área. Modelar a área em função do comprimento ou largura, obtendo uma função quadrática, que deve ser maximizada por meio da determinação do vértice. Na primeira solução o quadro em jogo é o da aritmética generalizada, quadro em que os objetos matemáticos são tratados pelas propriedades das operações numéricas envolvidas, mas é preciso comparar os resultados encontrados, o que exige um raciocínio associado aos fundamentos da álgebra. Na segunda solução o quadro em jogo é o algébrico, visto que exige que o estudante disponha das noções de função quadrática e determinação do ponto de máximo da mesma, que corresponde ao seu vértice. Para essa tarefa observamos que os conhecimentos em jogo são perímetro e área de um retângulo e para a maximização por meio da segunda técnica exige ainda conhecimentos sobre função quadrática e suas propriedades. Além disso, o contexto utilizado para enunciar a situação é apropriado para o desenvolvimento e aplicação das noções em jogo. 163

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 Após a aplicação da grade às 45 questões de matemática da prova do ENEM 2011 observamos que dezesseis poderiam ser respondidas com aplicação imediata da técnica relacionada ao conhecimento envolvido, isto é, exigiam o nível técnico. Vinte e três levavam à mobilização de algum conhecimento. E apenas seis provocavam o estudante levando-o à necessidade do nível que Robert classifica como disponível, ou seja, aquele em que o estudante deve buscar na sua bagagem de conhecimentos situações de referência que o auxiliem a resolver a situação proposta, pois nenhuma indicação sobre o conhecimento em jogo é dada na situação. Identificamos a presença de seis quadros a saber: aritmética generalizada, aritmética, numérico, algébrico, geométrico e estatístico. Sendo predominante o quadro da aritmética generalizada para o qual encontramos dezoito questões que correspondem a 40% da prova de matemática. Quatro questões envolvem conhecimentos relacionados apenas à leitura e interpretação de números, que classificamos como quadro numérico e seis questões que poderiam ser resolvidas utilizando as operações numéricas básicas, classificadas dentro do quadro da aritmética. Apenas dez questões necessitavam da utilização de estruturas associadas ao quadro algébrico. Seis questões, ou seja, menos que quinze por cento da prova, foram propostas utilizando objetos no quadro da geometria e duas no quadro da estatística. Considerações finais Ressaltamos que os resultados e as considerações aqui apresentadas correspondem apenas às expectativas institucionais sobre as relações institucionais e pessoais esperadas dos estudantes e nem todos os estudantes atingem essas expectativas, mesmo se essas dão pouco destaque aos conhecimentos desenvolvidos no Ensino Médio, como mostram os resultados da macroavaliação ENEM. Assim, a partir da análise desenvolvida observamos que a relação pessoal esperada dos estudantes, por parte dos atores envolvidos na formulação do Exame Nacional do Ensino Médio ENEM, está associada aos conhecimentos desenvolvidos nos nove primeiros anos da escolaridade, pouca ênfase é dada aos conteúdos trabalhados no Ensino Médio (14 17 anos), o que justifica as exigências dos níveis técnico e mobilizável. As questões propostas nos quadros numérico e aritmético constituíram cerca de vinte e dois por cento da avaliação. Esses conhecimentos são anteriores ao momento em que o estudante é introduzido no mundo da álgebra sendo tratado nas séries iniciais do Ensino Fundamental (6 11 anos). Quarenta por cento das questões foram propostas no quadro que denominamos de aritmética generalizada, quadro em que se situa a transição da aritmética para a álgebra, com a 164

Capítulo 1. Análisis del discurso matemático escolar generalização das propriedades das operações numéricas e desenvolvimento de uma linguagem que permitirá o trabalho com a álgebra. Essa etapa da formação escolar é desenvolvida nas séries finais do Ensino Fundamental (11 14 anos). Logo, sessenta e dois por cento das questões exige conhecimentos associados à relação pessoal que se espera tenha sido desenvolvida ao longo do Ensino Fundamental. Quando consideramos o nível de conhecimento esperado dos estudantes em relação às noções matemáticas que compõem a avaliação, observamos que a ênfase é dada ao nível mobilizável, com cerca de cinquenta por cento das questões propostas. Quinze por cento das questões propostas estão no nível técnico, restando apenas cerca de quinze por cento no nível disponível. Podemos considerar, de acordo com as expectativas institucionais em relação ao conhecimento matemático exigido na avaliação de acesso ao Ensino Superior, que aqueles que dispõem das técnicas operatórias e são capazes de aplicar as regras e leis do cálculo algébrico estão preparados para utilizar esses conhecimentos na construção de novos conhecimentos. Referências bibliográficas Brasil (2009). Matriz de referência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Acesso em 14 de setembro de 2012 de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13318&itemid= 310 Brasil (2012). ENEM pagina inicial. Acesso em 14 de setembro de 2012 de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13318&itemid= 310 Brasil (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasilia: MEC, SEF. Brasil (2002). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza Matemática e suas tecnologias. PCN + Ensino Médio. Brasilia: MEC, SEMTEC. Brasil (2006). Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Ciências da Natureza Matemática e suas tecnologias. Brasilia: MEC; SEMTEC. Chevallard, Y. (1994). Enseignement de l algèbre et transposition didactique. En Actes du Seminaire des Mathématiques de l Université de Torino, 52 (2), 175-234. Torino: Seminário de l Associazione Mathesis. Chevallard, Y. (1997). Les savoirs enseignés et leurs formes scolaires de transmission: un point de vue didactique. Skholê 7, 45-64. 165

Acta Latinoamericana de Matemática Educativa 26 Chevallard, Y. (1999). L' analyse des pratiques enseignantes en theorie anthropologique du didactique. Recherches en Didactique des Mathématiques, 19(2), 221-226. Chevallard, Y. (2001). Organiser l étude 1. Structures & Functions. Acesso em 20 de fevereiro de 2012 de http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/article.php3?id_article=52 Chevallard, Y. (2001a). Organiser l étude 3. Ecologie & Regulation. Acesso em 20 de fevereiro de 2012 de http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/article.php3?id_article=53 Douady, R. (1986). Jeux de cadres et dialectique outil-objet. Recherches en didactique des mathématiques 7(2), 5-31. Douady, R. (1992). Des apports de la didactique des mathématiques à l enseignement. Repères IREM 6, 132-158. Robert, A. (1999). L Enseignement de mathématiques au lycée. Un point de vue didactique. Paris: Eclipses Edition Marketing S.A. 166