UM PEIXE SE TRANSPOR GALO DE BAR

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Transcrição:

26-03-2018 Bacalhau UM PEIXE SE TRANSPOR GALO DE BAR t. fr %,,10 11.-. " : _ ; 111Z 4 " " akk ~tº, j1 r"." ' ' "" h,. "..,, MIL. t t,, % ;.;...a*. # ',... '.s. 1 e, -È.. -,f..?.:,:t. ' ' 4.* 4ir 4" dei.# ai' 4 y. :. '...,... '"?' dr ' *'14 ".z.4` goz «. iir - ri.. 4

Seguimos o bacalhau dos mares da Islândia até à travessa, passando pela história de Portugal. Um percurso com azeite e batatas a murro TExTos Ntriu) Ramos de.illm,eida s.1 o_ 111 '. - o 0 -, ` '""`11e: )1 - ' ', -'..,,,,,,:-, x..-. --...7',.; ' '.. i '....\ t "P 4* -- - :..,.. ".4h" Or.::,, -''..s-.4,- \ ":,.. 4 r..!it ;_.,. ". ;.,",( ' - S'0,1*. 40# -40ur 47 - - ;1;* Menti

Zoom // Bacalhau Islândia. O combate pela sustentabilidade do "fiel amigo" pescado nos mares Os portugueses consomem 20% do bacalhau mundial. Na Islândia pesca-se o melhor bacalhau do mundo. Aqui, as capturas são certificadas pela MSC, uma organização que pretende conseguir pescas sustentadas e salvar o bacalhau e outras espécies de peixe da extinção NUNO RAMOS DE ALMEIDA (Na Islândia) nuno.abneida@ionline.pt Passam poucos minutos das sete da manhã Na Islândia. ainda o negro do céu domina. A poucas dezenas de quilómetros da capital, muito perto do aeroporto que serve Reiquiavique, entramos num bacalhoeiro com menos de 20 metros e uma tripulação de uma dezena de homens. O Erling é capitaneado por Halldóv Gudjon Halldorsson. O homem é capitão há dez anos. O objetivo da jornada de trabalho é recolher oito redes e espera-se pescar cerca de 20 toneladas de bacalhau. Para nossa sorte, o mar está calmo e a temperatura ultrapassa ligeiramente os zero graus. As redes que vamos recolher estão a cerca de oito milhas do porto. Dentro do barco, nesta viagem organizada pelo Lidl, para além dos jornalistas vão, entre outros, Gisli Gislason, diretor do Programa do Marine Stewardship Council (MSC) Islândia. organização que certifica a sustentabilidade de 14% da pesca mundial; Pedro Monteiro, diretor-geral de compras da Lidl Portugal; e Ricardo Alves, administrador da Riberalves, uma das duas maiores empresas portuguesas que pescam, importam, tratam e comercializam o bacalhau. Toda a pesca neste navio é sustentável, o que implica não só o cumprimento rigoroso das quotas de pesca, para impedir a repetição do colapso dos bancos de pesca por sobrepeses, como se deu em 1992, como garantir um determinado tamanho da malha das redes, fazendo com que apenas sejam apanhados os peixes maiores. Os melhores meses de pesca para o bacalhau são janeiro, fevereiro e março. Aqui na Islândia, há mais calma para pescar do que na Terra Nova, porque o peixe demora mais tempo a desovar à volta da ilha. Apesar disso, há condicionalismos naturais e humanos: o capitão da embarcação diz que na semana anterior só saíram dois dias ao mar devido ao mau tempo e que em 2017 tiveram dificuldades em cumprir a quota de pesca do navio. dado que os pescadores da Islândia estiveram em greve para conseguir aumentos salariais e melhores condições de trabalho, depois das baixas salariais a que os islandeses foram sujeitos quando da falência generalizada dos bancos no país. Os 320 mil islandeses são um povo com tradições na pevin Atualmente serão, segundo nos dizem no barco, mais de 10 mil os islandeses que estão ligados à pesca. Chegamos à primeira rede. Lentamente, começa a ser içada. Não é uma rede

de arrasto, o peixe não vem todo de uma vez. Vai chegando como se fosse organizado numa fila de um ou dois peixes. Na rede, no meio do bacalhau, só aparecem algumas raias maiorzinhas. À medida que vai entrando no barco, o peixe é imediatamente tratado. No navio há uma espécie de fabriqueta com uma linha de montagem em que os pescadores vão tirando as tripas e miudezas aos peixes. Sinal dessa operação é o enorme ajuntamento de gaivotas junto à embarcação que disputam, sob a ondulação, o despejar das miudezas do bacalhau no mar. À medida que o peixe vai entrando na linha de montagem, o capitão da embarcação, que tem acesso a imagens do peixe. vai contando. Neste momento, a contagem está em 146 peixes, mas esta nova rede chegará quase aos 600. "Faço isto porque tenho a responsabilidade de lançar as redes, preciso de saber quais os sítios que tem mais peixe". diz-nos. O peixe, como é pescado com redes e métodos certos, e imediatamente tratado, sai do barco sem hematomas e em excelente condição, faz-nos notar o administrador da Riberalves. É um trabalho duro, mas não comparável ao que faziam no passado os pes- 01 A primeira rede de oito para a pesca do bacalhau é içada para o barco. O Erling espera pescar cerca de 20 toneladas neste dia 02 Amontoam-se as gaivotas junto à embarcação, disputando as vísceras dos bacalhaus que são tratados no barco 03 O capitão do navio explica onde estão as redes no radar, se se veem cardumes de bacalhau e as dificuldades com que podemos deparar-nos I-1,1 0S FR continua na página seguinte»

Zoom // Bacalhau Vista de localidade costeira junto ao aeroporto da capital islandesa. A Ilha está repleta de fiordes de onde saem as embarcações de pesca DR Zr If e...411111~.» continuaçáo da página anterior cadores da chamada frota branca da campanha do bacalhau portuguesa. Na altura, como se relata no livro recentemente editado "A Campanha do Argus", os portugueses pescavam o bacalhau à linha. Dos grandes pesqueiros saiam dezenas de pequenos dóris, com um pescador cada um, que iam tentando a sua sorte nos mares gelados. Não raro, essas pequenas e frágeis embarcações eram presa das mudanças do mar. Uma forma de vida muito dura. No início da tarde, regressamos ao porto. O bacalhau, colocado em caixas, é levado para uma pequena fábrica em Saltver. Quando chegamos ao posto de comando desta pequena unidade industrial, um dos sítio onde é tratado o bacalhau da Riberalves que é comprado pelo Lidl, deparamo-nos com um cenário descontraído e uma dissidência desportiva. O jovem encarregado tem de um lado da sala uma bateria, guitarras elétricas e amplificadores, que compõem uma verdadeira sala de ensaios de uma banda de rock. Do outro lado, a ocupar a parede inteira está a bandeira do Manchester United, colocada lá pelo patrão. O jovem encarregado confessa-se do Arsenal e ironiza: "Estou sempre a dizer ao meu patrão que se fosse para ser do Manchester, era do City, que ao menos ganha." Chegamos durante a pausa para café. Quinze minutos depois, regressam os trabalhadores. Aqui, tudo se aproveita: as cabeças de bacalhau vão para Portugal, o grande mercado para essa iguaria, assim como as línguas e as bochechas; a espinha vai para a Nigéria, onde é considerada um petisco. Esta relação entre Portugal e Islândia, mediada pelo bacalhau, é quase simbó- lica. Os dois países têm grande parte da sua identidade cultural ligada a este peixe. Na velha e mais célebre igreja da capital islandesa, o brasão é um bacalhau. Entre o final dos anos 50 e o início dos anos 70 deram-se as chamadas guerras do bacalhau, em que os islandeses guerrearam literalmente com os ingleses pelo seu direito a terem soberania sobre as suas águas. Apesar do desequilíbrio entre um país que não Pour ".1 3 o. direl r de cornpr.:p. dd Lidl Portugal Portugueses consumiram 33 596 toneladas de bacalhau até outubro de 201-7, menos 3,6 que em 2016 O Lidl tem 23 referências de pescado certificadas pela pesca sustentável, fiscalizada pela MSC tem exército e uma das maiores potências marítimas do mundo, os irlandeses levaram as suas reivindicações avante. Conta-se que na segunda guerra do bacalhau, que começou a 1 de setembro de 1972 e acabou com um acordo a 8 de novembro de 1973, o primeiro- -ministro do Reino Unido, para perceber os seus oponentes, pediu para lhe comprarem um livro do escritor mais célebre da Islândia. Trouxeram-lhe o "Independent People", do vencedor do Nobel da Literatura de 1955, Halldór Laxness. Lendo o livro, o líder do governo do Reino Unido claudicou: "Os islandeses são um povo demasiado orgulhoso e teimoso para cederem." E o acordo foi assinado. Com efeito, os primeiros habitantes da ilha foram vikings fugidos da Nomega a quem não agradavam os impostos nem a submissão aos reis locais. Deve- -se a eles um dos primeiros "parlamentos" do mundo. As tribos reuniam-se para discutir questões importantes num local a meio caminho em que, por coincidência, se juntam e neste momento se separam as placas tectónicas da Ásia e da Europa com a Americana. Tal como a Islândia, Portugal está muito ligado ao bacalhau. Os portugueses são os maiores consumidores deste peixe: consumiram 33 596 toneladas de bacalhau até outubro de 2017, menos 3,4% do que em 2016, segundo o Conselho Norueguês das Pescas (Norges). O país é responsável pelo consumo de cerca de 20% do bacalhau pescado anualmente. Em 1968, a sobrepeses atingiu cerca de um milhão e oitocentas mil toneladas, pondo em causa a continuidade da espécie. A certificação é fundamental para garantir uma pesca racional que permita a reposição do pescado e a qualidade do que é capturado. O Lidl é a primeira grande empresa mundial que aderiu à certificação MSC, em 2006. Essa certificação é feita tendo em conta 30 indicadores. A cadeia de supermercados tem 23 referências com o selo MSC da pesca sustentável, das quais 11 referências são de bacalhau. "Para nós, o tema da sustentabilidade. que está associado ao tema da gestão de recursos, é essencial, e na área do pescado ainda mais. Sabendo que os oceanos atualmente produzem cerca de 200 milhões de toneladas de pescado, a maior fonte de proteínas que temos no mundo, cada vez mais temos de pensar que é preciso ter pesca sustentada para garantir que o peixe vai chegar aos nossos netos", explica Pedro Monteiro, diretor-geral de compras da Lidl Portugal. A opinião é partilhada por Ricardo Alves, administrador da Riberalves, que sublinha que a sustentabilidade é também uma garantia de qualidade para o consumidor. "O melhor bacalhau é este [o da Islândia]: é pescado, passado duas horas está a ser tratado, como vimos, é salgado. Não é fácil conseguir um bacalhau melhor. É o peixe mais caro do mercado, salgado verde, maturado e com cura tradicional portuguesa de oito meses. E isso é muito utilizado para a marca Deluxe do Lidl e a da Riberalves." O responsável da empresa responsável por cerca de 12% do bacalhau mundial acha que este combate pela sustentabilidade do bacalhau garante que os portugueses terão o chamado fiel amigo no futuro. Como dizia Eça de Queiroz sobre ele próprio, numa carta ao historiador Oliveira Martins, ele escrevia romances franceses e até seria um afrancesado, não fosse um gosto especial por bacalhau de cebolada e mais umas minudências.

Virgílio Oliveira o chef e dono do Zé da Mouraria MIGUla. SILVA Uma sala cheia, todos os dias, de estrangeiros e nacionais Zé da Mouraria. Uma lenda do bacalhau na travessa Um pequeno restaurante de Lisboa que compra todos os anos muitos milhares de quilos de bacalhau. Uma aventura que começa na Islândia e acaba aqui no prato NUNO RAMOS DE ALMEIDA num. ulmeida(dionline.pt Chegam por volta das sete da manhã para preparar os almoços. São seis e afadigam- -se organizadamente a trabalhar. Já não são precisas palavras: todos, as duas mulheres e os quatro homens, sabem o que têm de fazer. Muita coisa começou a ser trabalhada de véspera, mas muito mais 'é feito de manhã. O grão é posto a cozer a esta hora; só assim estará pronto para acompanhar o bacalhau com batatas a murro assim que chegarem os primeiros clientes, por volta das 12 horas. No Zé da Mouraria, a casa está sempre cheia para comer petiscos como o bacalhau e as imas Virgílio Oliveira é o dono. Trabalha na hotelaria e restauração desde criança "Para mim não foi uma escolha os meus pais morreram quando tinha nove anos e a hotelaria. antigamente, não só dava trabalho como alojamento", relembra. Até aos 39 anos andou a aprender, até que decidiu abrir o Zé da Mouraria, numa antiga carvoaria. Por isso há gente que o vê e lhe chama, naturalmente. "sr. Zé", apesar de se chamar Virgfiia Este minhoto criado no Casal Ventoso fez carreira como chefe no Algarve, onde abriu diversos restaurantes de hotel. Também cozinhou em Angola, antes de voltar a Lisboa e comprar o antigo Zé dos Grelhados. O Zé do nome ficou no novo restaurante para assinalar o galego que abriu a carvoaria original no mesmo local, há mais de cem anos. O negócio e a afluência foram crescendo de tal forma que teve de arranjar uma sala num prédio ao lado. "Esta ligação que vê era ilegal, tive de falar com um cliente meu, o Pedro Santana Lopes, que na altura era primeiro-ministro, para a fazer. Foi ele que me disse que podia avançar com a obra", garante Virgílio. Inicialmente, a clientela era sobretudo portuguesa; hoje, os turistas fazem mais de meia sala todos os dias. "É um bocado boca a boca, saem notícias sobre nós na Croácia. foi feito um documentário no Japão e as pessoas vêm vindo, gostando e recomendando", explica o dono. De tal maneira cresceu a popularidade que agora tem dois restaurantes com o mesmo nome, um que só serve almoços e outro que só serve jantares. A sala tem azulejos e a declaração está completa com dezenas de foto- grafias dos clientes mais conhecidos e típicos. Virgílio vai-nos apontando a sua pluralidade: tanto tem Santana Lopes como António Costa, entremeado "pelo filho de Mário Soares", como nos descreve. Podemos usar como medida do sucesso a quantidade de bacalhau que compra: "Vê estas postas? São cortálas especialmente para nós". mostra-nos com orgulho. "Compro todo o bacalhau à Riberalves, eles têm na fábrica uma piscina só para nós. São cerca de duas toneladas por mês", diz. Chegam os primeiros clientes, entre os quais um turista sem marcação, a quem dizem inicialmente que está tudo reservado mas. a meio da conversa. o sr. Luís, responsável pelas marcações, lá consegue arranjar-lhe um lugar. Explicam-lhe Há reportagens na Croácia, documentários no Japão sobre a antiga carvoaria. Um sucesso mundial que deve pedir uma meia dose, que aqui as doses são muito grandes. Na outra ponta da sala instala-se um grupo de polícias da PSP que tinham marcado previamente. As grande postas de bacalhau são assadas, partidas. retiradas as espinhas e servidas com grão, grelos e couve galega, batata a murro e azeite. Uma dose custa 17,50 euros e dá. se comer bastante, para dois. O sucesso dos pratos confecionados no Zé da Mouraria está muito na arte de escolher bons produtos, de modo a que o peixe saiba a peixe, e a carne a carne. Nada é deixado ao acaso, desde o pão alentejano aos queijos encomendados. "Temos aqui o nosso vinho verde. que é feito especificamente para nós, com o rótulo 'O Elétrico-. diz Virgílio com orgulho, num duro trabalho "em que a maioria dos dias começamos às sete horas e podemos sair daqui quase às 22". Sobre a importáncia da pesca sustentada do bacalhau não fala muito, apenas diz que escolheu o fornecedor por ser de confiança. "Nunca nos faltou e garante que o produto é de qualidade", afiança, apontando para as grandes postas de bacalhau demolhado, provavelmente pescadas na Islândia.

of Bacalhau Álvaro Ganido. "O bacalhau foi objeto de uma nacionalização cultural" De onde vem a ideia de "fiel amigo"? Como é que um peixe pescado pelos vikings se tornou o alimento preferido dos portugueses? NUNO RAMOS DE ALMEIDA nono. almeicia(djonli ne pt Álvaro Garrido é professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e profundo conhecedor da história marítima portuguesa e da pesca. É autor, entre outras obras, da biografia de um dos cultores salazaristas da campanha do bacalhau, o almirante Henrique Tenreiro. A conversa surgiu a partir da leitura do prefácio que Garrido fez da reedição de "A Campanha do Argus", de Alan Villiers, tentando perceber aquilo que liga os portugueses a um peixe que é pescado a milhares de quilómetros da terra onde vivem, mas que se tornou uma companhia habitual no seu prato, sendo parte da sua identidade. Quais são as circunstâncias históricas que levam os portugueses a encontrar se com um peixe tão distante como é geograficamente o bacalhau? Tanto quando se sabe, já havia negócio de importação de bacalhau desde a Idade Média, sobretudo a partir do séc mit implicando permutas de sal com os países nórdicos, nomeadamente com a Noruega. Também havia abastecimento do mercado português através de negócio com os ingleses. Por conseguinte, o negócio de importação seria anterior à época moderna e às nossas primeiras viagens de descobrimento à Terra Nova, que foram realizadas pelos navegadores João Álvaro Fagundes e os Corte Reais, já na viragem do séc. xv para o xvi. A partir daí, sim, há expedições de pesca e de caça da baleia: os navios eram polivalentes, tanto caçavam como pescavam. Em 1506 já há um imposto sobre o bacalhau que entrava nos portos entre o Douro e o Minho, presume-se que não apenas sobre o que era importado, mas também sobre o que era pescado pelos navios e tripulações portugueses. O bacalhau já era objeto de um grande consumo no início do séc. Não era inicialmente um consumo mais vocacionado para as classes mais pobres? Há representações até na arte. No Gil Vicente, nas "Cortes de Júpiter", há uma representação do bacalhau, e depois aparece, no início do séc. xvu, uma representação pictórica extraordinária da Josefa de Óbidos de um bacalhau seco da Noruega, igual ao que é ainda muito consumido atualmente na Sicília e no sul da Itália, que era um alimento para pobres, de baixa qualidade mas muito fácil de conservar, que não era igual ao salgado seco. Sabe-se que se consumia das duas maneiras: salgado seco, para as populações mais abastadas; e seco seco, para as populações mais pobres que conseguiam chegar a ele, sobretudo através das instituições religiosas. No séc. xvii. o consumo é generalizado, sobretudo através do negócios dos brokers ingleses em Lisboa e no Porto. É generalizado o consumo do "bacalhau inglês", uma expressão popular que perdura até ao séc. xx, de um bacalhau que não era. de facto, inglês. Havia uma importação massiva de bacalhau salgado seco; já a pesca por navios portugueses foi muito intermitente e no final do séc. wi terá sido interrompida por completo. Por ordem dos Filipes de Espanha. Exatamente. Portugal só retorna a atividade de armar navios para a Terra Nova no séc.,ax, em 1835, pela Companhia de Pescarias Lisbonense. Não é, portanto, de admirar que numa conhecida passagem ao seu amigo Oliveira Martins, Eça de Queiroz tenha afirmado: "Os meus romances no fundo são franceses, como eu sou em quase tudo francês - exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica, que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho, e no justo amor do bacalhau de cebolada" Essa boutade do Eça é muito conhecida O mito cultural do "fiel amigo" e toda essa caricaturização é quase toda do séc. iax, porque é uma era de massas em que a imprensa satírica é muito forte e há toda urna glosa satírica e caricatural que associa a fome do povo, as dificuldades de abastecimento e a escassez dos géneros alimentícios à falta do bacalhau. Tudo isso é do séc. iax A fábula do bacalhau a pataco veiculada pela propaganda republicana é do séc. xx, mas também se verificam formas equivalentes nos anos 80 e 90 do "O bacalhau já era objeto de grande consumo no séc. )(VI e começou a ser consumido no séc. XIII" séc. xix. A expressão "fiel amigo" aparece em 1820. isso depois tem uma continuação durante o salazarismo na ideia de que a cada português deve corresponder o seu bacalhau e da organização das campanhas do bacalhau. O Estado Novo pega no mito do bacalhau e na inea[widade da República para resolver a questão dos abastecimentos, que foi uma questão muito candente sobretudo durante a i Guerra Mundial, para reelaborar urna solução autoritária e corporativa da questão do bacalhau, substituindo as importações por produção nacional, através de um programa nacionalista gigantesco a que eu chamei, nos meus estudos, a campanha do bacalhau, por analogia com a campanha do trigo. É muito interessante esse programa. Ele é arquitetado pelo Pedro Teotónio Pereira nos anos 30 - por Salazar, do ponto de vista das ideias económicas, até um pouco antes. E depois é regulado o negócio importador, controlado o abastecimento através da Comissão Reguladora do Bacalhau, que é criada em 1934, e do Grémio dos Pescadores, que é dominado pelo almirante Tenreiro, tal como são dominadas todas as mútuas e cooperativas, e é criado um império administrativo e burocrático de organizações corporativistas e organismos económicos para regular um setor que historicamente era deficitário, no qual dependíamos do exterior. O certo é que a

01 Fábrica de bacalhau onde é produzido o Bacalhau Três Velas do Lidl, segundo os métodos tradicionais portugueses 02 Álvaro Ganido, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra FOTOS DR campanha do bacalhau do Estado Novo dá resultados económicos porque Portugal, em 1934, produzia 11% do bacalhau que consumia; e nos anos 60 produzíamos 70%. Há uma efetiva substituição de importações, numa altura que não havia problemas de acesso aos recursos, havia abundância, não havia restrições no direito do mar e o Estado subsidiava os fatores de produção, nomeadamente os navios e os seguros. Isso correspondia, tal como a campanha do trigo e do congelamento das rendas, a uma política de manter barata a alimentação e a habitação, para assim manter baixos os salários? Exatamente. O objetivo, do ponto de vista económico, era tornar barata a subsistência através de uma proteína de largo consumo que fosse um fator de bloqueio dos salários e de financiamento da paz social, que é uma questão muito importante para a lógica autoritária do Estado Novo. É curiosa a gestão política da tabela de preços, eu estudei tudo isso: depois da a Guerra Mundial, quando é instituído o fundo de abastecimentos, que era o mecanismo que financiava os preços, de 1948 até 1964, não se mexe nos preços, que o Salaiar não deixava, ou seja, a tabela é congelada para que a paz social do pós-guerra fosse garantida. Só com a liberalização do comércio é que a tabela cai, em 1967. Nos anos 60 produzíamos 70% do que consumíamos e é em 1962 que se dá o pico das capturas de bacalhau, um milhão e 800 mil toneladas. Exatamente. Portugal, em 1958, torna- -se o primeiro produtor de bacalhau salgado seco. Há toda uma propaganda do êxito da campanha do bacalhau, dessa afirmação do mercado internacional, do qual Portugal era historicamente muito dependente. No início dos anos 60 há continuação dessa afirmação, mas a partir daí começam os problemas de ordem externa, como a mudança do direito do mar, e a dificuldade interna para arranjar tripulações para os navios de pesca à linha, que era uma técnica de pesca arcaica e muito violenta do ponto de vista do trabalho a bordo. E é muito interessante que este setor caia abraçado ao Estado Novo: os últimos três grandes navios de pesca à linha, que eram o símbolo épico da frota branca, vão pela última vez ao mar para pescar o bacalhau em 1974. Há uma coincidência absoluta. Penso que a campanha do bacalhau, mais até que a do trigo, é o projeto mais emblemático e com maior sucesso do regime na sua lógica, porque ela perdura até ao fim. A campanha do trigo são sete ou oito anos. Os portugueses continuam a consumir cerca de 20% da produção mundial de bacalhau. De alguma forma, a nossa identidade tem muito a ver com o bacalhau. Acho que temos muito. Se fizermos um estudo ídentitário, o bacalhau será provavelmente o produto mais identificativo dos portugueses e da forma como até nos veem de fora. Isso é muito interessante: é quase caricatural que um peixe que não habita nas nossas águas tenha sido objeto de um processo de nacionalização cultural e de apropriação e é profundamente identificativo da cultura portuguesa, sobretudo uma cultura alimentar, que tem este fenómeno bizarro de um consumo elevadíssimo de peixe por causa do consumo do bacalhau - são cerca de 30 quilos per capita ao ano. É um consumo muito elevado do bacalhau salgado seco, um consumo que foi até reanimado por causa do aumento do turismo, precisamente por causa dessa associação simbólica, e é um fenómeno muito singular, à escala internacional, de apropriação e persistência no tempo. Quando houve programas de substituição de importações de bacalhau por peixe congelado, eles nunca foram eficazes porque resultaram sempre numa sobreposição de consumos, e não numa substituição. Basta lembrar daquela campanha de televisão dos anos 70 da "menina pescadinha", que foi uma campanha fantástica cujo o rosto era o Artur Agostinho e que tinha como objetivo, no contexto da liberalização do bacalhau em que os preços subiam, substituir consumos por pescada Isso não resultou. É muito interessante que a resiliência do fator cultural seja aqui muito forte, neste caso.

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