Perfuração Intestinal como uma Rara Complicação da Derivação Ventrículo-Peritoneal. Revisão de Literatura

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Transcrição:

46 Perfuração Intestinal como uma Rara Complicação da Derivação Ventrículo-Peritoneal. Revisão de Literatura Ventriculoperitoneal Shunt Catheter Protrusion Through the Anus. A Literature Camila Moura de Sousa 1 Janine Lemos de Melo Lobo Jofili Lopes 2 Francisca das Chagas Sheyla Almeida Gomes Braga 3 Elis Raquel da Silva Araújo 4 Jefferson Fonseca Dias 4 Emerson Brandão Sousa 4 Jose Nazareno Pearce de Oliveira Brito 5 Cléciton Braga Tavares 6 RESUMO Introdução: A derivação ventriculoperitoneal (DVP) é o método de tratamento mais utilizado para o controle da hidrocefalia. Suas complicações mais frequentes são mau funcionamento do sistema e infecções. Já a perfuração intestinal espontânea, provocada pelo deslocamento do cateter distal da DVP, é uma complicação incomum e a exteriorização do cateter distal pelo ânus ainda mais infrequente. Esse trabalho tem como objetivo realizar uma revisão narrativa da literatura indexada sobre esta rara complicação, descrevendo os sinais e sintomas, as formas de diagnóstico e tratamento. Vários mecanismos têm sido propostos para justificar essa complicação, tais como a rejeição do catéter pela parede colônica, a fragilidade das alças entéricas, a perfuração direta por um trocarte durante a inserção do catéter peritoneal, dentre outros. Trata-se de uma complicação geralmente assintomática. Na maioria dos casos é necessário exteriorizar a DVP ou extrair o shunt e, em situações selecionadas, laparotomias e fechamentos das perfurações. Palavras-chave: Hidrocefalia; Shunt ventriculoperitoneal; Perfuração Intestinal ABSTRACT Ventriculoperitoneal shunt (VPS) is the most common treatment to control hydrocephalus. The most common complications of this method are nonfunctioning system and infections. Spontaneous intestinal perforation, on the other hand, caused by displacement of the distal catheter of the VPS, is an uncommon complication, and the externalization of the distal catheter through anus is even rarer. This study aims to perform a narrative review on the indexed literature about this rare complication, describing signs and symptoms, the ways to diagnose and to treat it. In order to justify this complication, several mechanisms have been proposed, like catheter s rejection from colon wall, fragility of bowel, direct perforation by a trocar while inserting peritoneal catheter, and other. This is an important complication, usually asymptomatic, and, most of the times, it is necessary to exteriorize the VPS and to remove the shunt. In selected situations, laparotomy and closure of perforations are indicated. Key words: Hydrocephalus; Ventriculoperitoneal shunt; Bowel perforation Introdução Hidrocefalia é definida como o alargamento dos ventrículos cerebrais devido ao acúmulo patológico de líquido cefalorraquidiano (LCR). Pode ser classificada em dois tipos principais: 1) não-comunicante (obstrutiva), na qual ocorre uma interrupção da circulação liquórica que causa dilatação ventricular proximal à obstrução; e 2) comunicante, decorrente da produção excessiva ou da dificuldade de reabsorção do LCR pelas granulações aracnoideas 1,2. Dentre as diversas cirurgias possíveis, a mais utilizada para o tratamento desta patologia é a derivação ventriculoperitoneal (DVP). Kausch a desenvolveu em 1905 e consiste na colocação de um sistema de cateteres, interpostos por uma válvula 1 Acadêmica de Medicina, Faculdade Integral Diferencial/DeVry, FACID/DeVry Departamento de Medicina, Teresina, Piauí, Brasil 2 Acadêmica de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Departamento de Medicina, Teresina, Piauí, Brasil 3 Mestre, Enfermeira, Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, Departamento de Enfermagem, Teresina, Piauí, Brasil 4 MD, Neurocirurgião, Hospital São Marcos, Departamento de Neurocirurgia, Teresina, Piauí, Brasil 5 MD, PhD, Neurocirurgião, Hospital São Marcos, Departamento de Neurocirurgia, Teresina, Piauí, Brasil 6 MD, MSc, Neurocirurgião, Hospital São Marcos, Departamento de Neurocirurgia, Teresina, Piauí, Brasil Received Apr 21, 2017. Accepted May 3, 2017.

47 unidirecional, que desviam o LCR intraventricular para a cavidade peritoneal 3,4. As principais complicações desta cirurgia são infecção e obstrução do sistema. Perfuração intestinal espontânea, provocada pelo deslocamento do cateter distal da DVP, é uma complicação rara do procedimento. Foi descrita pela primeira vez em 1996 e ocorre em apenas 0,01% a 0,07% dos pacientes 3. Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão narrativa da literatura sobre esta rara complicação, descrevendo os sinais e sintomas, as formas de diagnóstico e tratamento. Método Foi realizada uma revisão narrativa da literatura indexada na base de dados PubMed dos últimos 10 anos com as seguintes palavras chave: hydrocephalus, ventriculo-peritoneal shunt complications, ventriculo-peritoneal shunt cateter protrusion, bowel perforation e trans-anal protrusion of shunt catheter. Discussão As complicações associadas à cirurgia de DVP incluem desconexão dos cateteres ou sua quebra, acotovelamento ou oclusão das extremidades dos tubos, infecção, migração dos cateteres, perfuração de órgãos internos e obstruções intestinais causadas por aderências, pseudocistos inflamatórios e ascite 3,7. Agha et al. 8 revisaram 350 pacientes submetidos a DVP e dividiram as complicações abdominais segundo critérios de imagem em oclusivas/mecânicas (15%), infecciosa (5%), cistos (1-2%), migração de cateter (0,2-0,5%), ascite/metástases (0,3%) e perfuração visceral (0,2-0,3%). Cerca de 45 casos de protrusão retal do cateter de DVP foram relatados na literatura até o ano 2000, sendo 78% das ocorrências em crianças. Dentre estas, 17% tinha até 1 ano, 71% até 5 anos, demonstrando a prevalência aumentada até essa idade. A exteriorização do cateter foi a forma de apresentação mais precoce. Com referência ao desfecho após a exteriorização, em 80% dos casos relatados houve boa recuperação, 18% evoluíram a óbito, sendo que 13,5% foram de causas relatadas, tais como progressão da doença, insuficiência cardíaca congestiva e pneumonia; e os demais de causas não relatadas. Em cerca de 2% dos casos não há referência sobre o desfecho. Os sintomas mais comuns relatados foram febre (44%), queixas abdominais (27%), disfunção do shunt (16%) e meningite (13%). Quarenta e dois por cento eram assintomáticos, embora dor abdominal, vômitos, diarreia e febre tenham sido encontrados em até 40% dos casos. Perfuração de alça intestinal, abscesso abdominal ou peritonite foram as apresentações menos descritas 9. Já uma revisão publicada por Hai et al. 10, em 2011, revelaram um total de 94 pacientes, sendo que 49 casos foram relatados na faixa de etária de 0-10 anos. Dentre os casos, 34 eram do sexo masculino, 26 do sexo feminino e para os demais não foi relatado o sexo. Hidrocefalia congênita foi o diagnóstico mais comum (n=33), seguido por etiologia infecciosa (n=10) e cistos/tumores (n=5), hidrocefalia de pressão normal (n=5). Sintomas como queixas abdominais e meningite foram citados pelo autor em pacientes com a perfuração do shunt de DVP. Uma revisão feita pelo autor, a partir de 2012, relatou 23 casos na literatura de protrusão retal de cateter de DVP, com cerca de 87% acometendo crianças. Nos casos descritos, a maioria foi do sexo masculino (M:F=11:8). Os sintomas mais descritos foram febre, rigidez de nuca, cefaleia e dor abdominal. Nos casos que citam os resultados das culturas, foram encontrados E. coli, infecção fúngica, Enterobacter cloacae, Staphylococcus coagulase negativo, Enterococcus faecalis betalactamase negativo, Klebsiella. Na maioria dos casos encontrados (n=20), os pacientes seguem assintomáticos de acordo com a literatura e os demais perderam o follow-up (Tabela 1). Assim, de acordo com revisões de literatura recentes, como a revisão de Hai et al. 10, que encontrou 94 pacientes e a atual com 23 pacientes com protrusão retal do cateter de DVP, estima-se que há documentado aproximadamente 117 casos dessa complicação.

48 Tabela 1. Característica dos pacientes nos estudos.

49 Tabela 1. Característica dos pacientes nos estudos (cont.) As principais complicações neurológicas secundárias à perfuração intestinal incluem meningite, causada por infecção do shunt por bactérias Gram negativas e organismos anaeróbios entéricos; convulsão, febre e aumento da pressão intracraniana. Estas complicações são as principais responsáveis pela taxa de mortalidade de até 15% relacionadas a perfuração pelo cateter 3,4,11. O período entre a realização da derivação e a perfuração varia entre 2 meses até 7 anos e várias teorias têm sido propostas como responsáveis: rejeição do cateter pela parede colônica, semelhante a um corpo estranho infectado; a fragilidade das alças entéricas devido ao estado geral do paciente ou a cirurgias abdominais prévias; e a perfuração direta por um trocarte durante a inserção do cateter peritoneal. Acredita-se também o LCR possa induzir uma reação inflamatória intestinal adjacente e a fibrose secundária ter um efeito de fixação do cateter, levando a ulceração e perfuração do intestino 5,6,12. Akyuz et al. 13 levantaram a hipótese de que o cateter adere à parede das vísceras e há uma pressão constante junto com reação inflamatória local, o que leva a erosão visceral e a entrada da ponta no lúmen e o peristaltismo do intestino transporta todo o caminho até o ânus, uma vez que a inflamação é normalmente um fenômeno localizado e raramente existe qualquer sinal de peritonite. Devido à fraca musculatura do intestino, as crianças são mais suscetíveis à perfuração, especialmente as portadoras de mielomeningocele. O uso de tubos flexíveis, macios e modernos de silicone pode proporcionar uma menor reação de corpo estranho e diminuir a incidência de tal complicação 14. Além da perfuração intestinal, são descritas perfurações em outras vísceras, como bexiga, vagina, estômago, sacro escrotal, fígado, útero e uretra. Casos de exteriorização de DVP também foram relatados pelo umbigo, ferida de gastrostomia, ferida no pescoço já cicatrizada, joelho e também pela boca 4.

50 válvula na região craniana. É importante a retirada do catéter pelo lado anal prevenindo, assim, a disseminação da infecção para as cavidades abdominais e torácicas. Os antibióticos são recomendados para tratar uma possível ventriculite ou meningite, devido à propagação retrógrada das bactérias da flora intestinal. Apesar da perfuração e dos riscos de infecção, a maioria dos casos evolui bem e sem a necessidade de uma cirurgia abdominal maior. Figure 1. Laparotomia visualizando o cateter peritoneal (seta) perfurando a alça intestinal. Fonte: MATSUOKA, 2008 3. Rinker et al. 15 documentaram um caso de perfuração assintomática de vários órgãos por um mesmo tubo distal de DVP revisão, com evidência radiográfica de progressão cronológica. O autor sugeriu que a perfuração pode ter sido um processo crônico ocorrido ao longo de vários anos. O raio-x simples pode confirmar o diagnóstico de perfuração intestinal, bem como demonstrar a trajetória do cateter peritoneal para a região perineal (Figura 2). A tomografia computadorizada do abdômen é útil para descartar a presença de qualquer abscesso abdominal 16,17. Para Snow et al. 18, nos casos com elevado índice de suspeita de perfuração, um valvograma pode ser utilizado para demonstrar a perfuração. Figure 2. Tomografia de abdômen mostrando perfuração intestinal devido a cateter peritoneal. Fonte: SATHYANARAYANA, 2000 9. Segundo Ghritlaharey et al. 4, há muitas opções para o tratamento de pacientes que apresentam protrusão do cateter pelo ânus: mini-laparotomia e revisão da parte peritoneal do shunt; laparotomia exploradora e reparação da perfuração intestinal, em casos com peritonite; remoção do shunt sem laparotomia, derivação ventricular externa e antibioticoterapia, seguidas por nova DVP ou derivação ventriculoatrial após resolução do quadro infeccioso. A colonoscopia pode ser usada tanto para localização do sítio quanto remoção da derivação. Glatstein et al. 14 também relatam o tratamento ideal para retirada/exteriorização do shunt com administração de antibióticos, seguida por substituição da derivação para o peritônio ou outra cavidade após resolução da infecção, se existente. É importante, antes da remoção do shunt, a desconexão do sistema ao nível da parede torácica ou da

51 Conclusão Trata-se de uma complicação rara, geralmente assintomática, mais comum em crianças e que apresenta um bom prognóstico na maioria dos casos. Seu tratamento basicamente consiste na exteriorização ou retirada do shunt e administração de antiobióticos. Laparotomias com reparação das perfurações são utilizadas apenas em casos de peritonite ou abscesso intraabdominal. Referências 1. Smith ML, Bauman JA, Grady MS. Neurosurgery. In: Brunicardi FC, Andersen DK, Billiar TR, et al., eds. Schwartz s Principles of Surgery, 9th ed. New York: McGraw- Hill; 2010. 2. Nagra G, Wagshul ME, Rashid S, Li J, McAllister JP 2nd, Johnston M. Elevated CSFoutflow resistance associated with impaired lymphatic CSF absorption in a rat model of kaolininduced communicating hydrocephalus. Cerebrospinal Fluid Res. 2010; 7:4. doi: 10.1186/1743-8454-7-4. 3. Matsuoka H, Takegami T, Maruyama D, Hamasaki T, Kakita K, Mineura K. Transanal prolapse of a ventriculoperitoneal shunt catheter - case Report. 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