Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique

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Transcrição:

Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique Documento de trabalho para Rights and Resources Initiative Janeiro 2010 Paul De Wit Simon Norfolk

The Rights and Resources Initiative A Iniciativa para os Dereitos e Recursos é uma coalizão global para promover a posse da floresta, e as política sobre reformas de mercado. RRI é formada por organizações internacionais, regionais e organizações das comunidades envolvidas na conservação, pesquisa e desenvolvimento. A missão da Iniciativa para os Direitos e Recursos é promover uma maior ação global sobre a política florestal e as reformas de mercado para aumentar os dereitos de propriedade das comunidades, de controle e benefícios das florestas e árvores. RRI é coordenado pelo Grupo de Direitos e Recursos, uma organização não governamental sem fins lucrativos baseada em Washington DC. Por favor, visite http://www.rightsandresources.org para mais informações. Parceiros Donantes Esta publicação foi possível com o apoio da Fundação Ford, Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, a Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento, a Agência Sueca para o Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Agência Suíça para o Desenvolvimento ea Cooperação, e o Departamento de Desenvolvimento Internacional da UK. As opiniões apresentadas aqui são de responsabilidade dos autores e não são necessariamente compartilhadas por as agências que generosamente apoiaram este trabalho, nem todos os parceiros da coligação.

Tabela de Conteúdos Comunidades, terra e recursos florestais o quadro Moçambicano... 5 A política e o contexto jurídico... 5 Tabela 1 Elementos fundamentais das leis seleccionadas... 5 A dinâmica de reconhecer os direitos comunitários sobre a terra e os recursos naturais... 7 A terra e os recursos florestais... 8 Figura 1 Aptidão potencial da terra para a agricultura de sequeiro... 9 Figura 2 Cobertura da vegetação em Moçambique... 10 Figura 3 - Parque, Reservas & Concessões de Florestas em Moçambique... 11 Tabela 2 Panorama quantitativo da ocorrência de florestas, dos direitos de exploração de florestas e das tendências de degradação das florestas... 12 Procedimentos e metodologias para delimitar as terras comunitárias... 12 Figura 4 Metodologia de Delimitação... 15 Situação da implementação... 16 Realizações... 16 Tabela 3 Progressos realizados nas delimitações de terras comunitárias... 16 Tabela 4 - Áreas de terras comunitárias delimitadas... 18 Custos... 18 Facilitação, prestação de serviços e financiamento... 19 Quem paga a delimitação?... 20 Caracterização das áreas delimitadas... 20 Figura 5 Delimitações de terras comunitárias projectadas face ao uso potencial de terra... 21 Figura 6 - Delimitações de terras comunitárias projectadas face à cobertura florestal e à varios direitos sobre os recursos florestais... 22 Figura 7 Direitos sobre os recursos florestais e terras comunitárias delimitadas na província de Sofala... 23 Desafios por enfrentar... 24 O uso do AT... 24 Questões conceituais... 25 Comunidade local... 25 Representação da Comunidade... 25 Natureza do direito registado... 26 Direitos sobre direitos... 27 Direitos da comunidade, da família e individuais... 27 Alargar a delimitação e fazer estratégias para a delimitação... 27 Riscos associados à delimitação de terras comunitárias... 28 Papel das autoridades tradicionais... 28 Direitos da mulher incluídos na posse comunitária formalizada... 29 Riscos associados à delimitação de fronteiras... 29 Riscos de exclusão... 29 Impactos... 30 Impactos nas comunidades... 30 Caixa 1 - Chipanju Chetu, Niassa... 30 3

Caixa 2 Capital social... 31 Caixa 3 Comunidade de Canhane... 32 Pagamento de benefícios ao abrigo da Legislação de Florestas & Fauna Bravia... 33 Tabela 5 Pagamento da parte comunitária de 20% das receitas florestais e da fauna bravia, 2006 2008... 33 Figura 8 Comunidades delimitadas, concessões florestais & áreas de conservação... 34 Figura 9 Número de comunidades que recebem benefícios e proporção dos pagamentos de 20% já efectuados, 2006-8... 35 Diferenças & Sinergias... 36 Impactos no governo... 37 Impactos na base dos recursos... 38 Caixa 4 Reserva de Mareja... 38 Tabela 6 Benefícios de comunidade gerados pelo projecto de Nhambita para o período 2004-2007... 39 Impactos nos parceiros doadores... 40 Lições para outros países... 40 Referências... 44 Notas... 46 4

Comunidades, terra e recursos florestais o quadro Moçambicano A política e o contexto jurídico Após uma série de emendas constitucionais em 1990 terem introduzido a necessidade de rever o quadro jurídico da terra e dos recursos naturais i, o governo de Moçambique iniciou um processo bastante fragmentado para o desenvolvimento dum novo quadro político e institucional de gestão dos recursos naturais. Os principais pilares deste quadro consistem em várias leis específicos, tais como a Lei de Terras, a Lei de Florestas e Fauna Bravia, a Lei de Minas, e os seus respectivos regulamentos e anexos. Tem havido tendência para desenvolver estes pacotes sectoriais isolados uns dos outros e com base nos objectivos específicos de cada sector. Algumas análises, por exemplo, sublinharam as abordagens filosóficas fundamentalmente diferentes na legislação da terra e de florestas. A Lei de Terras reconhece os direitos consuetudinários e dá-lhes o valor de direitos legais formais e, ao mesmo tempo, estimula o sector privado a obter direitos de uso da terra. O ambiente propício que foi criado pela Lei de Terras, tem por finalidade permitir às comunidades locais e aos investidores do sector privado, a negociação de acordos ligados aos direitos de uso da terra, limitando-se o papel do Estado a garantir a aplicação de certas normas mínimas no âmbito destas negociações, a permitir que o registo dos direitos cumpra os padrões técnicos e que o sistema de tributação funcione de modo efectivo. Prevê-se que os benefícios das comunidades locais se encontrem na forma de pagamentos ou benefícios, em resultado da negociação do uso do seu capital natural por terceiros (SLSA, 2001). Em contrapartida, a legislação de Florestas e Fauna Bravia cria um ambiente favorável que tem por objectivo atrair as comunidades locais e o sector privado para fóruns decisores com poderes de gestão sobre os recursos. No entanto, estes recursos mantêm-se propriedade do Estado, que não reconhece nenhum direito consuetudinário ou inerente aos mesmos, excepto sob certas formas limitadas (por exemplo, o direito à utilização ao nível da subsistência). Portanto aqui prevê-se que os benefícios para as comunidades locais se traduzam numa taxa paga pelo Estado, a partir das receitas que obtém pela utilização dos recursos, e nalgum poder de decisão quanto à forma como se gerem os recursos (ibid). Durante o mesmo período de tempo, houve outras emendas legislativas que introduziram novas abordagens ao planeamento, à tomada de decisão, à allocação de recursos e ao controlo democrático, ii ou que procuraram introduzir novas formas de controlo e monitorização ambientais, tendo todas elas tido um impacto nas leis específicas dos recursos natirais, e sido afectadas pelas mesmas. Enquanto observadores costumavam interrogar-se acerca de qual destas abordagens ia ter o impacto mais positivo sobre os meios de sustento das populações rurais mais pobres, o enfoque desviou-se para o potencial dum aproveitamento simultâneo destas diferentes abordagens. Depois de várias experiências de implementação de projectos agrícolas, florestais ou outros projectos relacionados com a gestão dos recursos naturais em todo o país, parece agora que estas leis podem, de facto, ter potencial para funcionarem muito bem em conjunto, não obstante as preocupações anteriores quanto ao seu desenvolvimento em separado e aos seus diferentes fundamentos filosóficos. A Tabela 1 apresenta alguns elementos fundamentais das leis. Tabela 1 Elementos fundamentais das leis seleccionadas Legislação da terra Mantém o estado como proprietário da terra e dos recursos naturais; Reconhece os direitos das comunidades locais sobre as terras que ocupam segunda as normas e práticas costumeiras a partir da ocupação, bem como os direitos para delimitar e registrar as suas terras, para gerir e atribuír 5

Legislação das florestas Legislação das instituições governamentais locais Legislação do ordenamento territorial terras dentro dessas áreas delimitadas, e para resolver conflitos; Introduz o conceito de delimitação de terras comunitárias, através dum Diagnóstico Rural Participativa legislado - o Anexo Técnico; Introduz um órgão representativo para supervisionar o processo de delimitação - o G9 ; Sujeita e obriga todos os pedidos externos da terra a processos de consulta as comunidades locais e as partes afectadas; estabelece os procedimentos para este efeito; Introduz o conceito de planos do uso da terra comunitária (através dum memorando departamental); Determina o contexto geral para o estabelecimento de parcerias por parte de terceiros do sector privado, baseadas na exploração e uso comerciais de terras delimitadas pelas comunidades; Permite às comunidades declararem sítios florestais como histórica e culturalmente importantes. Garante às comunidades os direitos de acesso para o uso de subsistência dos recursos florestais e faunísticos; Garante a necessidade dos pedidos de Licença Simples especificarem os postos de trabalho e outros benefícios para a comunidade local; Estipula que as aprovações de Concessão só podem ser concedidas quando os resultados dos processos de consulta local forem favoráveis; Define os procedimentos dos processos de consulta a comunidade; Garante os direitos de caça das comunidades e a isenção de impostos sobre as práticas de caça de subsistência ou cerimonial; Estabelece a participação da comunidade nas estruturas de gestão conjunta - COGEP; Atribui 20% das taxas recolhidas na exploração dos recursos florestais às comunidades locais; Oferece até 50% do valor das multas aplicadas pela transgressão da legislação, aos agentes e membros da comunidade que participam em acções de aplicação ou de denúncia. Institucionaliza a representação das comunidades nos processos locais de tomada de decisões e de planeamento; Institui os Fundos de Desenvolvimento Comunitária; Assegura a participação das comunidades no planeamento e na identificação das oportunidades de desenvolvimento local; Reconhece que o ordenamento do território precisa de respeitar os direitos existentes sobre as terras e os recursos naturais; Estabelece o princípio de que a allocação de recursos deve reflectir as necessidades locais, e encoraja as parcerias que buscam a partilha dos benefïcios.. 6

A dinâmica de reconhecer os direitos comunitários sobre a terra e os recursos naturais A delimitação de terras comunitárias em Moçambique continua a ser um mecanismo que responde a uma série de situações e forças motrizes diferentes que obrigam as comunidades a estabelecer direitos fortes sobre a sua terra. Estas situações e forças motrizes têm variado ao longo do tempo, desde o fim do conflito armado em 1992, passando por fase de pós emergencia e recuperação, para uma fase actual de desenvolvimento com um crescimento económico considerável. Elas mostram como o conceito de terras comunitárias tem conseguido responder a uma vasta gama de diferentes exigências: No início do período pós-conflito, usou-se o processo de delimitação de terras comunitárias como forma de defesa preventivo, para proteger os direitos da comunidade perante um comportamento de especulação geral e para estabelecer uma rede de segurança de posse da terra. Esta foi a força maior para iniciar os primeiros programas de delimitação, financiados por doadores nas províncias da Zambézia e Nampula, por exemplo. A partir dos finais dos anos 90, a delimitação tornou-se uma parte mais comum das estratégias de implementação de uma série de iniciativas de Gestão de Recursos Naturais em Parceria com a Comunidade CBNRM- (Tchuma Tchato, Chipanju Chetu, Goba). Isto respondeu, em parte, à alegada incapacidade da legislação de Florestas e Fauna Bravia para responder à necessidade de desenvolver direitos fortes sobre os recursos florestais e faunísticos; a lei de terras utilizou-se, por isso, para tentar devolver um conjunto diferente de direitos através dum outro mecanismo legal e para sustentar as reivindicações locais para legitimar os poderes. A partir de meados da década de 2000 em diante, a delimitação passou a ter uma aceitação mais ampla enquanto mecanismo potencial para atrair investimentos legítimos nas zonas rurais e como pré-condição para viabilizar parcerias de investimento privado mais equilibradas. Este processo, conduzido em grande parte pelos doadores, assistiu à criação da ITC (Iniciativa Terras Comunitárias), como meio de financiar e apoiar o registo de direitos, e destaca a ligação às oportunidades de desenvolvimento económico local, e o potencial para o estabelecimento de parcerias entre os investidores e as comunidades. Esta abordagem também está implícita nos princípios subjacentes que constam da Estratégia de Desenvolvimento Rural. Mais recentemente, a delimitação de terras comunitárias começa a ser considerada como parte essencial na implementação do mecanismo de pagamento de 20% ao abrigo do regime de exploração florestal, oferecendo informação essencial acerca dos territórios ocupados respectivamente por comunidades diferentes, e acerca das suas quotas de benefícios correspondentes. Os pioneiros deste abordagem foram alguns doadores e agências de assistêncieta, particularmente nalgumas áreas protegidas, tal como Gorongosa. Finalmente, a delimitação está a ser abordada como um mecanismo para aumentar a responsabilização local pela protecção dos ecossistemas e recursos frágeis (parques, áreas protegidas, áreas de conservação), e estão-se a delimitar as terras comunitárias nas zonas tampão e centrais destas áreas (Gorongosa, Quirimbas). Este é o caso do projecto Nhambita, por exemplo (veja p. 34 abaixo). 7

A terra e os recursos florestais A base dos recursos naturais em Moçambique está distribuída de forma irregular; a parte norte do país (Niassa, Zambézia, Nampula) está melhor dotada de terras aptas para a agricultura do que as províncias mais secas do sul (Maputo, Gaza, Inhambane) e o extremo ocidental (Tete ). A Figura 1 apresenta um panorama geral da aptidão das terras para a agricultura de sequeiro, um sistema agrário que é praticado pela maioria das famílias rurais. A maior parte dos legisladores continuam a acreditar que a base de recursos de terras é sem limites e abundante para todos, inclusive para as comunidades, agentes do sector privado nacional e grandes investimentos estrangeiros que pressionam o governo com os seus ambiciosos projectos de biocombustível. Afirma-se frequentemente que Moçambique é um país vasto, com grandes espaços que não estão a ser utilizados (ou melhor, que não são utilizados dum modo claramente visível) e que estão, portanto, sujeitos a serem atribuídos pelo Estado a actores que tenham a capacidade para tal. No entanto, uma avaliação recente da disponibilidade de terra contradiz esta visão predominante e conclui que apenas 6,5 milhões de hectares se mantêm disponíveis para actividades agrícolas sob determinadas condições. Isto é muito menos do que alguns esperavam e nem sequer tem em consideração os direitos das comunidades à terra, que ainda não tenham sido delimitados. Do mesmo modo, os recursos florestais são mais abundantes na parte central e norte do país, em comparação com o sul (Figura 2 e Figura 3). Ilustra-se também claramente a importância dos diferentes tipos de floresta e coberturas lenhosas (tons verdes) em comparação com a agricultura (tons acastanhados). Desde os acordos de paz, o sector florestal tem sofrido grandes mudanças que resultam, em geral, na drástica redução e degradação da base de recursos. Ao mesmo tempo, houve um forte aumento dos pedidos de novas concessões florestais (veja a Figura 3), e em particular das 'licenças simples, que se encontram muito menos regulamentadas do que as concessões. Mais recentemente, tem havido uma grande procura de acesso a grandes áreas (superiores a 150.000 hectares), por parte de empresas estrangeiras, para criarem novas plantações florestais. Houve um caso em que cerca de 10.000 famílias foram identificadas como ocupantes duma parte das áreas solicitadas; as promessas subsequentes de dar oportunidades de trabalho a esses moradores, como forma de evitar possíveis grandes conflitos ligados ao acesso à terra nas plantações, parecem meio simplistas. A Tabela 2 fornece dados quantitativos sobre a existência de diferentes tipos de floresta e de direitos de exploração florestal. 8

Figura 1 Aptidão potencial da terra para a agricultura de sequeiro Fonte: IIAM-DARN, 2008 9

Figura 2 Cobertura da vegetação em Moçambique Fonte: DNTF, 2007 10

Figura 3 - Parque, Reservas & Concessões de Florestas em Moçambique Fonte: DNTF,2007 11

Tabela 2 Panorama quantitativo da ocorrência de florestas, dos direitos de exploração de florestas e das tendências de degradação das florestas Província Floresta Produtiva 2007 (a) Floresta de Conservação e de protecção 2007 (a) Concessões florestais (N o ) 2008 (b) Titulares de Licenças Simples (N o ) -2008 (b) Taxa de Desflorestação 1972-1990 (a) Taxa de Desflorestação 1990-2002 (a) Plantações florestais 2008 (b) Maputo 683 138 0 9 17 16 0,004 Gaza 2,422 1,357 3 66 3 13 0,012 Inhambane 1,437 982 12 77 14 11 0,093 Sofala 1,419 1,886 27 121 12 20 0,516 Manica 1,951 1,505 10 46 10 23 1,306 Tete 3,340 882 6 54 16 27 0,019 Zambézia 4,113 951 43 98 26 31 1,186 Nampula 2,317 455 18 61 28 33 0,062 C. Delgado 3,176 1,628 31 65 11 25 0,203 Niassa 6,050 3,379 6 19 8 21 6,404 TOTAL 26,908 13,163 156 616 145 220 Fontes: (a) Inventário Florestal Nacional, DNTF, 2007 (b) Relatório Anual da DNTF de 2008. Os números das áreas são em 000 hectares e 000 ha/ano. As variações nas taxas de desflorestação das diferentes províncias resultam do impacto da guerra civil e, posteriormente, da estabilidade pós conflito, e da pressão da população sobre a base dos recursos naturais, na ausência dum sector florestal bem regulamentado. Um inventário nacional de gases com efeito de estufa, realizado em 1994, estimou o total das emissões directas para Moçambique em 9,265 Gg de CO2. Estimou-se que a contribuição dada pela alteração do uso da terra e pela silvicultura correspondia a 8% do total. Tendo em conta que, desde o último inventário, é quase certo que tenham ocorrido grandes alterações na cobertura da terra, prevê-se que tenha havido um aumento significativo das emissões provenientes da alteração do uso da terra e da desflorestação. Está neste momento a decorrer um novo inventário nacional de gases com efeito de estufa para o período 1995-2004 (GoM, 2009). Procedimentos e metodologias para delimitar as terras comunitárias Existem várias metodologias para garantir os direitos da comunidade à terra, embora os princípios básicos sejam semelhantes. A abordagem do Plan Foncier Rural, bem conhecida em vários países da África ocidental, incluindo o Benim, a Costa do Marfim e o Burkina Faso, é um dos exemplos. O seu desenvolvimento ocorreu num contexto de paz, antecipando porém conflitos seríos de terra, principalmente entre agricultores estabelecidos e novos colonos, incluindo criadores de gado e pastores. A metodologia utilizada em Moçambique foi desenvolvida numa situação pós-conflito, dentro dum contexto específico em que era preciso responder a uma série de ameaças. As primeiras investigações foram feitas já em 1993 iii ; as abordagens e técnicas foram posteriormente afinadas noutros países, incluindo a Guiné- Bissau e Angola. Finalmente, isto resultou naquilo que se pode chamar a Metodologia de Moçambique para a delimitação de terras comunitárias iv, a qual está prescrita na lei pelo Anexo Técnico (AT), um complemento aos Regulamentos da Lei de Terras v. O processo encontra-se ilustrado esquematicamente na Figura 4 e inclui os seguintes passos: 12

1. Fase de sensibilização, transmitindo a informação e organizando o processo O primeiro passo envolve informar a população local sobre a legislação da terra e doutros recursos naturais, e sobre assuntos de desenvolvimento local, centrando-se nas possibilidades oferecidas por estas plataformas, para garantir os direitos à terra e aos recursos naturais e para uma melhor gestão das mesmas. O AT sugere uma série de eventos e de encontros ao longo do tempo, para conseguir isto. A comunidade também selecciona entre 3 e 9 membros para a representarem nos assuntos da terra, e para assinarem documentos de delimitação. 2. Fase de diagnóstico, utilizando o Diagnóstico Rural Participativa (DRP) Os objectivos da DRP são dois: (i) provar que a comunidade tem um direito adquirido à terra, obtido através da ocupação, de acordo com as normas e práticas costumeiras, e (ii) estabelecer os limites territoriais sobre os quais estes direitos se aplicam. Utilizam-se uma variedade de técnicas, incluindo diagramas de Venn para estabelecer as responsabilidades institucionais pela gestão de terra, transectos, entrevistas semi-estruturadas para esclarecer o funcionamento das instituições locais ligadas à terra e à gestão, uma série de técnicas visuais para estabelecer o funcionamento da gestão da terra e dos sistemas de produção, incluindo a sua expansão territorial e técnicas para estabelecer a dinâmica da ocupação do espaço ao longo do tempo. 3. Mapeamento Participativo Durante a DRP, os diferentes grupos de interesse produzem uma série de mapas participativos, podendo cada um dele ter opiniões particulares sobre a forma como a comunidade ocupa e utiliza o espaço. Estes mapas apresentam os alegados limites do território da comunidade, identificam as comunidades vizinhas por nome e localização e dão uma ideia da presença e distribuição da terra e dos recursos naturais no território. Recomenda-se fortemente a utilização de fotografias aéreas ou de imagens de satélite com uma resolução razoável, mas esta muitas vezes não é aplicada. 4. Cruzamento de referências e confirmação de informações Ao comparar os diferentes mapas participativos e completando-os com outras informações acerca da história, dos sítios sociais e religiosos, dos sistemas de produção e do uso dos recursos naturais e da gestão da terra, produz-se um mapa composto com base no consenso, chamado o cartograma. Este mapa não tem escala, não é o produto de trabalho de agrimensura, mas apresenta distâncias e áreas proporcionais do território da comunidade e dos seus recursos naturais. 5. Validação da informação com os vizinhos O cartograma é confirmado junto das comunidades vizinhas, que foram identificadas durante o DRP. Efectua-se uma visita a cada comunidade (uma comunidade alvo pode ter até 4-5 comunidades vizinhas) e o mapa de consenso é analisado numa série de reuniões. O processo de delimitação de terras comunitárias não pode continuar na ausência dum acordo entre as diferentes comunidades. 6. Processamento cadastral As actividades seguintes fazem parte do processamento cadastral feito Serviços Provinciais do Cadastro (SPGC): 13

Transferência do cartograma para um mapa topográfico, normalmente com uma escala de 1:50.000. Georeferenciamento dos pontos de limite quando necessário, utilizando equipamento simples de GPS. Produção duma memoria descritiva, que é uma narrativa que descreve a natureza e a localização de cada ponto e linha de limite identificado e numerado. Verificação local do mapa final junto da comunidade e dos seus vizinhos, numa única reunião; após chegar a um acordo final, os mapas e documentos são assinados pela comunidade e pelos representantes das comunidades vizinhas. Despacho do processo pelo Estado, na sua função de proprietário de toda a terra em Moçambique; Registo nos registos cadastrais, sendo toda a documentação registada no cadastro provincial. Após obtenção do despacho formal, os SPGC emitem um Certificado de Terra Comunitária, cujo original é enviado para a comunidade. A delimitação de terras comunitárias encontra-se, portanto, totalmente sustentada pela lei, é juridicamente completa e sujeita à aplicação da lei. O AT também inclui um conjunto de formulários padrão que se devem preencher antes de se poder aceitar legalmente o processo e de se poderem registar as terras comunitárias no cadastro. A metodologia em si resulta das boas práticas aprendidas com uma série de 21 experiências piloto implementadas em todas as 10 províncias do país, sob diferentes condições sócio-ambientais. Estas foram facilitadas por diferentes ONGs prestadores de serviços, com o envolvimento de todos os dez SPGC. O AT resultante é, portanto, o produto duma rede ampla e diferenciada de prestadores de serviços, incluindo agentes e instituições públicas e privadas, e obteve um elevado nível de legitimidade desde a sua origem. 14

Figura 4 Metodologia de Delimitação 1 FASE DE SENSIBILIZAÇÃO, TRANSMITINDO INFORMAÇÃO E 2 FASE DE DIAGNÓSTICO, UTILIZANDO TÉCNICAS DE DRP 3 MAPAS PARTICIPATIVOS, PRODUZIDOS POR GRUPOS DIFERENTES 4 CRUZAMENTO DE REFERÊNCIAS E CONFIRMAÇÃO DA INFORMAÇÃO DOS 5 VALIDAÇÃO DA INFORMAÇÃO JUNTO DOS VIZINHOS 6 TRANSFERÊNCA DE INFORMAÇÃO E REGISTO CADASTRAL 15

Situação da implementação Realizações Após dez anos de delimitação de terras comunitárias, continua a ser difícil descrever qual é a situação exacta em que se encontra a sua implementação, devido a uma série de razões, incluindo: Nem todos os dados que estão disponíveis a nível provincial nos SPGC são transferidos para a DNTF Os dados disponíveis nos SPGC nem sempre estão actualizados; muitas vezes não se mantêm registos específicos sobre as delimitações de terras comunitárias Tanto as ONGs que estavam envolvidas na delimitação das terras comunitárias como os SPGC mantêm registos de dados, mas estes podem diferir significativamente Em 2007 houve uma alteração das regras jurídicas para registar as terras comunitárias, e isto introduziu uma insegurança jurídica e teve um impacto na forma como os SPGC lidam com as comunidades que já foram delimitadas antes desta alteração (uma interpretação retroactiva desta alteração, que é juridicamente incorrecta), e com os processos que estavam em vias de serem registados; A Tabela 3 apresenta um panorama das delimitações das terras comunitárias, baseadas em várias fontes de informação. Assim que o AT foi aprovado em Março de 2000, houve várias províncias que fizeram rápidos progressos, tal como o indica o inventário de 2003. No início de 2009, fez-se um inventário com base nas informações cadastrais mantidas pela Direcção Nacional de Terras e Florestas. Um inventário posterior (Novembro de 2009) utiliza os dados cadastrais das próprias províncias, que parecem estar mais actualizados. Tabela 3 Progressos realizados nas delimitações de terras comunitárias Província Número de comunidades Área delimitada 2003 (a) 02/2009 (b) 11/2009 (c) 02/2009 (hectares)(b) Certificado Em curso Certificado Em curso Certificado Em curso Certificado Em curso Niassa 3 3 9 0 7 0 357,231 0 Cabo Delgado 0 11 0 0 0 4 0 0 Nampula 43 13 93 2 103 19 743,418 4,518 Zambézia 28 20 73 18 65 52 3,637,001 568,011 Tete 0 2 0 27 0 27 0 3,928,912 Manica 4 14 7 7 10 8 226,374 553,656 Sofala 5 12 11 3 11 35 648,288 778,699 Inhambane 0 5 8 3 13 0 575,407 10,400 Gaza 8 1 17 3 17 7 447,782 24,702 Maputo 7 2 11 11 4 14 98,786 55,337 Total 98 83 229 74 230 166 6,734,287 5,924,235 Fontes: (a) Relatório do CTC, 2003 (b) Cossa & De Wit, 2009, baseando-se em dados da DNTF (c) Dados de Novembro de 2009, dos SPGC 16

Podem-se retirar uma série de lições desta avaliação quantitativa: Há uma número reduzido de comunidades que foram delimitadas e que obtiveram um certificado, correspondendo, provavelmente, a menos de 10% das comunidades rurais Moçambicanas e que cobrindo também menos de 10% do território nacional. As principais razões desta situação são múltiplas. Em primeiro lugar, a delimitação de terras comunitárias, bem como o registo doutros direitos de uso da terra, continua a ser implementada na base da procura, o que resulta numa titulação esporádica. Isto tem, obviamente, implicações importantes nos custos associados ao processo, bem como no desempenho que se pode esperar dos prestadores de serviços. Em segundo lugar, a delimitação de terras comunitárias é impulsionada principalmente pelo sector das ONGs, e nunca foi uma grande prioridade do governo. Este ponto reflecte-se claramente no baixo volume de atribuições do orçamento do estado para a delimitação vi. Em reacção a esta situação, uma série de doadores internacionais criaram um fundo, conhecido como a Iniciativa Terras Comunitárias (ITC), que disponibiliza recursos para actividades na área de gestão da terra e dos recursos naturais no nível local, com um maior enfoque na delimitação de terras comunitárias. Este mecanismo tem demorado a tornar-se plenamente operacional. Em terceiro lugar, a capacidade para implementar as delimitações continua a ser fraca, tanto no sector público como no das ONGs. O sector público nunca fez realmente esforços para criar uma capacidade de resposta a este desafio e, embora o sector das ONGs tenha estado inicialmente muito activo na linha da frente das terras, neste momento há várias ONGs líder que estão a diversificar as suas actividades e a deixar a delimitação de terras comunitárias um pouco de lado. Há uma número cada vez maior de casos de processos de delimitação, que não resultaram na emissão dum certificado. A alteração do Artigo 35 dos Regulamentos da Lei de Terras [que refere o despacho das delimitações de maiores dimensões ao nível do ministro (1.000-10.000 ha) ou do Conselho de Ministros (> 10.000 ha)] parece ter um grave impacto nisto. A Tabela 4 4 mostra que a grande maioria das delimitações ultrapassa a responsabilidade dos 1.000 hectares do governador provincial. Há também grandes atrasos na tramitação dos processos, principalmente por causa duma série de incertezas e inconsistências existentes, que se discutem abaixo. Importa notar que a DNTF, no seu papel de coordenação enquanto serviço nacional, não tem consolidado esforços com os serviços provinciais para responder às dúvidas processuais, o que resulta em atrasos administrativos vii. Podem-se observar grandes diferenças provinciais, incluindo duas províncias sem quaisquer certificados comunitários. Em geral, os processos são dirigidos pela procura, por parte das ONGs, no seu papel de prestador de serviços. As províncias que contam com a liderança duma ONG forte, ou com projectos que responderam à delimitação comunitária em particular, fizeram progressos importantes (províncias de Nampula e Zambézia). A sensibilidade e a motivação política dos governos locais e das pessoas proeminentes, incluindo os homens de negócios, desempenham um papel crucial. Alguns governos provinciais não suportam realmente a delimitação de terras comunitárias, e levantam entraves administrativos e burocráticos. Não se deve subestimar a sensibilidade e as interpretações pessoais da lei de terras ao nível dos serviços viii provinciais de cadastro. O tamanho das áreas comunitárias que estão delimitadas, varia consideravelmente (menos de 10 hectares, e mais de 200.000 hectares e nalguns casos mesmo 500.000 hectares). No entanto isto sublinha, mais uma vez, a existência duma série de desafios pendentes ligados a questões conceituais que são actualmente interpretadas de diferentes maneiras pelos diferentes actores. Uma das principais razões é o facto dos territórios sob a jurisdição da liderança tradicional serem 17

indevidamente considerados como representando a 'terra da comunidade e de estarem delimitados em diferentes níveis de liderança. Na província do Niassa, por exemplo, várias delimitações de terras comunitárias resultaram em áreas superiores a 400.000 hectares, com cerca de 30 aldeias incluídas em cada uma, com populações totais de 20.000-46.000 residentes (Akesson et al, 2008). Estes territórios não correspondem, no entanto, aos territórios de gestão da terra, mas sim às jurisdições de líderes tradicionais de alto nível, tais como régulos e sultões. Existe também uma ligação aparente entre o tamanho das terras comunitárias e os actuais sistemas de produção agraria dos membros da comunidade. As maiores áreas delimitadas correspondem geralmente a sistemas de base florestal, em que as comunidades combinam o uso extensivo das florestas (produção de carvão vegetal, caça) com a agricultura itinerante. Estas áreas maiores ocorrem principalmente nas províncias de Sofala, Tete, Niassa e Zambézia. A província de Nampula é uma província essencialmente agrícola (algodão, castanha de caju), com uma densidade populacional relativamente elevada, daí resultando que as comunidades delimitadas sejam mais pequenas. Tabela 4 - Áreas de terras comunitárias delimitadas Área das Terras Comunitárias (hectares) Províncias <1,000 1,000-10,000ha 10,000-20,000ha 20,000-50,000ha 50,000-100,000ha >100,000ha Maputo 1 16 3 2 0 0 Gaza 1 8 4 6 0 1 Inhambane 2 6 1 0 0 2 Sofala 0 1 0 5 5 3 Manica 0 2 0 7 2 3 Tete 0 0 1 3 5 18 Zambézia 0 45 19 12 11 4 Nampula 10 67 6 11 1 0 C. Delgado 0 0 0 0 0 0 Niassa 0 0 2 3 2 1 Total 14 145 36 49 26 32 Fonte: Arquivos de dados cadastrais da DNTF e dos SPGC Custos Há poucos esforços para calcular os custos das delimitações de terras comunitárias. A ORAM, uma ONG nacional, providenciou uma análise detalhada dos custos, baseada em cerca de 20 delimitações implementadas no início dos anos 2000, e comunicadas na avaliação do CTC (2003). Os custos da delimitação e registo de terra comunitária variam consideravelmente, conforme os diferentes prestadores de serviços, a abordagem utilizada e os factores técnicos. A ORAM calcula as delimitações com base em custos variáveis (trabalho de campo) e em custos fixos (incluindo os custos de suporte institucional). Os custos variáveis de US$ 1.596 representam provavelmente uma subestimação dos custos reais dum processo médio de delimitação e registo de terra comunitária, principalmente porque estes não incluem os salários dos prestadores de serviços. Por outro lado, os custos totais de US$ 8.714 dão uma estimativa elevada e incluem despesas gerais, resultantes das despesas gerais de apoio institucional do prestador do serviço. Outras estimativas podem derivar de 21 casos-piloto realizados pela Secretaria Técnica da Comissão de Terra, para consolidar o AT em 1999. 18

Em média, os custos destas delimitações variaram entre US$2.200 - US$5.500, excluindo os custos salariais da facilitação. Alguns actores parecem considerar que este é um valor elevado. No entanto, em comparação com a titulação de parcelas individuais, a delimitação de terras comunitárias parece ser uma forma eficaz em termos de custos de assegurar o acesso a terra dum grande número da população rural ix. Em suma, pode-se concluir que um processo de delimitação duma terra comunitária de tamanho médio, implementado de forma isolada, incorre num custo de US$2.000 - US$8.000. Isto abrange uma área de 1.000-20.000 hectares e protege a terra de milhares de populações rurais. Há também várias possibilidades de reduzir os custos. Considerando uma abordagem de agrupamento, a delimitação simultânea de várias comunidades adjacentes e a promoção como tal duma abordagem mais sistemática da delimitação de terras comunitárias, é uma maneira de reduzir os custos globais. A delimitação de áreas de maior dimensão não significa necessariamente um aumento proporcional dos custos. Destaca-se que o certificado da comunidade não é um documento de título de terra equivalente ao registo completo dum direito à terra. Este requer um procedimento de levantamento mais rigoroso e com maior precisão, bem como a demarcação física com marcadores em cimento, duma série de pontos de limite. Isto implica naturalmente custos adicionais significativos. Os pilotos implementados pela ONG Kulima na província de Nampula, indicam um custo total pela delimitação de terras comunitárias e, consequentemente, pela demarcação, de cerca de US$14.000 (área total de 2.000 ha). A ausência dum título (em vez de um certificado) não põe em causa os direitos de que gozam as comunidades sobre a terra e os recursos naturais. O certificado da terra comunitária estabelece uma evidência sólida do direito à terra, sem a necessidade de passar pelo processo muito mais dispendioso de titulação de terra. Facilitação, prestação de serviços e financiamento O AT indica as responsabilidades dos diferentes prestadores de serviços no processo. Os passos 1 a 5 são implementados por ONGs que receberam formação específica para esta actividade, eventualmente com algum envolvimento do pessoal dos SPGC. O processamento Cadastral é da responsabilidade dos SPGC. A eficiência e a qualidade da delimitação dependem, em grande medida, das relações de trabalho que se podem estabelecer entre os SPGC e a ONG. Na maior parte dos casos as ONGs, em resposta a um pedido verdadeiro ou induzido da parte da comunidade, iniciam a delimitação das terras comunitárias, em vez do governo ou dos serviços cadastrais. Existe uma frustração crescente no seio dos observadores porque, em todos os casos, o que é mais negativo é a ausência do Estado que deixa a condução do processo e o estabelecimento das prioridades entregues às ONGs (Calengo, 2009). A ONG que está a comandar o processo contacta a certa altura os SPGC, para solicitar a sua participação. Este processo realça o carácter passivo da administração das terras públicas, em que os SPGC respondem aos pedidos das comunidades e das ONGs, em vez de tomarem a iniciativa e de terem um programa próprio para a delimitação. A capacidade da prestação de serviços continua a ser fraca em todo o país. O relatório do CTC declarou em 2003 que Não há uma única agência estatal que esteja devidamente treinada e equipada para realizar o procedimento ela própria. À excepção dos 21 casos de ensaio, executados pela Comissão de Terra para testar e desenvolver a metodologia, praticamente todas as delimitações feitas até agora têm sido realizados com o apoio técnico e material das ONGs. Tanto quanto pode ser determinado, não existem actualmente quaisquer fornecedores do sector privado, ou outros, a operarem neste mercado. Esta situação não se alterou significativamente; pelo contrário, vários funcionários dos SPGC que tinham sido treinados na delimitação de terras comunitárias, desde essa altura já deixaram o serviço e os novos quadros não recebem treinos específicos. Há também indícios de que a qualidade dos serviços prestadospelas ONGs precisa de ser seriamente melhorada; se isto não se fizer, o resultado podem ser delimitações mal implementadas que provocam 19

conflitos em vez trazerem benefícios. Isto está claramente demonstrado numa série de delimitações recentes no Niassa (Akesson et al, 2008). Outro desafio é o facto das ONGs estabelecidas como prestadoras de serviços, terem diversificado as suas actividades e ficado com uma capacidade limitada para se envolverem nas delimitações. Calengo (2009) observa que a ORAM é, na realidade, a ONG mais envolvida nos processos de delimitação. A agenda da ORAM nas províncias, aonde a itc opera, está altamente sobrecarregada com muitos pedidos diferentes, o que faz com que esta ONG se torne num intermediário dos intermediários. Quando se canalizam fundos da itc para uma ONG que tem um fraco entendimento do processo de delimitação, esta ONG solicita à ORAM um sub-contrato para esta a ajudar a fazer o trabalho. Na província de Cabo Delgado, aonde a ORAM não tem representação, o pedido para ajudar as organizações locais que estão envolvidas no processo de delimitação através da itc, é feito através da província vizinha. x Em resposta a isto, ambos os projectos da itc, que cobrem seis das dez províncias, incluem a formação de prestadores de serviços locais, como fazendo parte das suas actividades. Quem paga a delimitação? As disposições legais para o pagamento das delimitações de terras comunitárias, não se aplicam na prática. No caso duma delimitação relacionada com um conflito, devia ser o Estado a financiar o processo, enquanto nos casos em que a delimitação é feita devido a novas actividades económicas, deviam ser os investidores a suportarem as despesas. Neste momento existem quatro mecanismos possíveis de financiamento: Pagamento de custos através das iniciativas da itc, mas apenas nas seis províncias alvo; Atribuição directa ao orçamento da ONG, tal como a ORAM em várias províncias; Orçamentos de projectos específicos, tal como o programa de apoio aos Parques Transfronteiriços, financiado pelo Banco Mundial, que atribuem recursos às ONGs para a delimitação de terras; Rubricas do orçamento público, tal como o programa de apoio orçamental ao sector agrícola - ProAgri, que podem ser disponibilizadas ao nível central (nos últimos anos, a DNTF nunca pediu um orçamento específico para a delimitação de terras comunitárias), ou ao nível provincial (SPGC). Em princípio, cada SPGC inclui no seu financiamento anual o pedido duma série de delimitações comunitárias à ProAgri. Isto é uma resposta directa à meta exigida de 50 delimitações/ano, incluída como indicador do programa ProAgri apoiado pelo sector. Caracterização das áreas delimitadas Até agora, são menos de metade as terras comunitárias que foram digitalizadas, e a avaliação que se segue só pode ser usada para indicar tendências. A Figura 5 apresenta as delimitações num contexto da aptidão potencial das terras para diferentes sistemas de uso da terra, incluindo a agricultura. Torna-se evidente que as terras comunitárias são delimitadas sobre um vasto leque de potenciais de terra, que vão desde as terras agrícolas de elevado potencial até às terras com menor potencial, nas quais se deve praticar apenas a pastagem. As delimitações também abrangem áreas que mostram um uso potencial limitado, devido a limitações importantes (solos delgados, por exemplo), bem como terras que foram classificadas como frágeis, devido a riscos de erosão ou a outras ameaças ambientais. É evidente que um elevado potencial agrícola não é necessariamente uma força motriz para as comunidades ou para as ONGs que facilitam o processo, dirigirem as delimitações de terra. Existem casos isolados em que as comunidades tentaram registar os 20

direitos sobre terras irrigadas (abandonadas, que não estão a ser utilizadas, ou que precisam de reabilitação), mas estas tentativas não tiveram êxito até agora. Figura 5 Delimitações de terras comunitárias projectadas face ao uso potencial de terra Fonte: Base map IIAM-DARN, 2008 21

Figura 6 - Delimitações de terras comunitárias projectadas face à cobertura florestal e à varios direitos sobre os recursos florestais Fonte: Base map DNTF, 2007 A Figura 6 ilustra as delimitações face à base dos recursos florestais, incluindo as florestas existentes e as concessões de caça, bem como às áreas de conservação. Parece existir uma certa correlação entre a presença de recursos florestais e as áreas que foram delimitadas, embora esta hipótese não seja conclusiva a esta escala de apresentação. É interessante o número significativo de comunidades cujas terras foram delimitadas na proximidade de áreas de conservação, reservas de caça e florestais. Isto é particularmente notável para a parte sul da província de Gaza, adjacente à área de conservação de fauna bravia Transfronteiriça do Limpopo (extensão do Parque Kruger). A Figura 7 ilustra, a uma escala mais detalhada, a situação na província de Sofala, localizada no centro do país, e abundantemente dotada de recursos florestais. Aqui, existe uma correlação significativa entre as áreas que as comunidades delimitaram como terra sua e a presença de recursos florestais que 22

possuem um estatuto jurídico de concessão florestal, reserva florestal, parque nacional (Parques Nacionais de Gorongosa e Marromeu,) ou concessão de fauna bravia. Figura 7 Direitos sobre os recursos florestais e terras comunitárias delimitadas na província de Sofala Fonte: Base map DNTF, 2009 Há direitos de terra comunitária delimitados numa parte significativa do Parque Nacional da Gorongosa, bem como nas zonas tampão. Este cenário é útil para gerar alguma forma de responsabilização da parte da comunidade local e, eventualmente, a participação activa na conservação da base de recursos naturais do parque. A delimitação dos vários direitos da comunidade ao longo da área do parque, é uma boa ferramenta para canalizar para as respectivas comunidades os benefícios directos proporcionais, derivados da gestão do parque (taxas de entrada). De igual modo, há várias comunidades que têm direito ao benefício da taxa anual de 20% das concessões florestais que foram delimitadas, o que facilita em grande medida o seu desembolso. 23

Importa observar que é menos evidente a sobreposição entre os DUATs (Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra) agrícolas superiores a 500 hectares e as terras comunitárias delimitadas. Isto pode explicar, até certo ponto, as dificuldades enfrentadas pelas comunidades que estabeleceram direitos sobre estas terras através da ocupação histórica, para obterem alguns benefícios derivados da emissão destes DUATs agricolas a longo prazo. Desafios por enfrentar O uso do AT A compreensão dos objectivos da delimitação de terras comunitárias, bem como os benefícios que esta pode acarretar, continuam a ser problemáticos. Em combinação com uma abordagem contínua orientada pela oferta das ONGs prestadoras de serviços, isto leva alguns observadores a concluir que provavelmente, a maior parte das delimitações ocorreram aonde não deviam, e não ocorreram aonde eram, de facto, necessárias (Calengo, 2009 xi ). Não há dúvida de que a fase de sensibilização exige muito mais atenção. A aplicação adequada da ARP por parte das ONGs também se mantém um grande obstáculo, e precisa de mais capacitação e educação no seio dos prestadores de serviços. Pijnenburg (2004) concluiu, após o seu trabalho de campo, que: A ARP parecia ser fortemente percebida como um passo burocrático necessário no processo de delimitação de terras comunitárias. A ARP foi considerada como um exercício extractivo de recolha de dados; na ARP só precisamos da comunidade para responder às perguntas. Os dados foram necessários para acompanhar o mapa para o registo da terra, conforme prescrito pela AT da Comissão de Terra. Isto fez com que os métodos tenham sido utilizados de forma bastante extractiva e mecanicista. O pessoal da facilitação considerou ARP como um mal necessário. Uma atitude destas face ao método pode ser parcialmente a causa da atitude acrítica em relação à qualidade dos dados; não houve quase nenhuma verificação e/ou triangulação. Qualquer resposta dada às perguntas do longo questionário era suficiente. Não houve partilha ou triangulação dos resultados. Não houve momentos de reflexão crítica, e os facilitadores muitas das vezes não sabiam o motivo daquilo que estavam a fazer. Na maior parte dos casos, o trabalho era mal introduzido e a tendência era para o terminar o mais rápido possível. Também se caracterizou pela ausência de diálogo e, muitas vezes, pela ausência duma empatia genuína por parte dos funcionários da ONG. As técnicas visuais, destinadas a permitir a participação plena, foram utilizados duma forma que minimizou a participação, o entusiasmo e a apropriação. O tratamento da parte administrativa cadastral da delimitação apresenta defeitos, e estes são a razão principal dos atrasos que ocorrem na emissão do certificado assim que uma comunidade é delimitada. Identificaram-se os seguintes obstáculos importantes: Transferência dum cartograma para um mapa topográfico; a qualidade de cartogramas pode ser fraca e subsistem dúvidas relativamente às fronteiras; Relutância dos inspectores em aceitar o conceito e os resultados do mapeamento participativo, incluindo os limites naturais; Problemas com o geo-referenciamento, muitas vezes excessivo e com maior precisão do que a necessária; problemas com a transferência dos pontos verificados para mapear polígonos incluindo a digitalização; subsistem dúvidas relativamente à utilização de diferentes sistemas de projecção do mapa; 24

Inconsistências no preenchimento da documentação exigida, que podem resultar em trabalho de campo adicional, custos mais elevados e atrasos; subjectividades na interpretação do conteúdo do processo por diferentes serviços aos níveis nacional e provincial; Falta de clareza, incoerências e subjectividade do processo de apuramento aos diferentes níveis. Há alguns indícios de que alguns governadores provinciais não são susceptíveis de assinar documentos, mesmo quando estes estão em total conformidade com a legislação de terra. Esta situação agrava-se agora com a alteração do Artigo 35. Há dados que indicam que a conclusão dum processo demora, em média, 2-3 anos, o que está em nítido contraste com o processo de 90 dias de tramitação administrativa para os DUATs privados xii. A maior parte destes obstáculos são originados pela falta de (i) directrizes processuais claras, a serem emitidas pela DNTF, (ii) modus operandi acordado entre a DNTF, os SPGCs e as ONGs prestadoras de serviços, (iii) uma falta geral de atenção profissional, e (iv) a resistência das instituições públicas e dos governos locais à aplicação da lei. Sem dúvida, a TA requer directrizes processuais adicionais para aumentar a eficácia da sua utilização. Também é necessário que haja mais entendimento e compreensão inter-institucional, e uma melhor parceria, com responsabilidades claramente definidas, entre os serviços do cadastro e as ONGs. Questões conceituais Alguns conceitos da lei de terra não são assim tão fáceis de deslindar e interpretar objectivamente, e muito menos de traduzir em orientações e procedimentos simples e práticos que sirvam para instruir os prestadores de serviços sobre a forma de fazerem o seu trabalho. Os problemas seguintes requerem maior atenção a todos os níveis, devem ser objecto de mais investigação e podem resultar na consolidação adicional da regulamentação e de procedimentos. Comunidade local O conceito da comunidade local foi amplamente discutido durante o processo de desenvolvimento da lei de terras, mas o único resultado prático foi uma vaga definição que está incluída nos Regulamentos da Lei de Terras e que se mantém aberta ao debate e à interpretação. Existem interpretações diferentes sobre a natureza duma comunidade local e que compreendem desde um número de definições diferentes na lei até a uma possivel interpretação diferente de cada uma destas definições por parte dos diversos intervenientes. Os debates tendem a ser bastante académicos, com interesses diferentes a defenderem, cada um, posições diferentes e a justificarem as suas contribuições com fundamentos diferentes. Não é surpresa nenhuma o facto de, na ausência de qualquer outra orientação concreta e simples, a identificação duma comunidade por parte duma vasta gama de prestadores de serviços, resultar em realidades diferentes, conforme se ilustra na Tabela 3. Representação da Comunidade As tentativas do GdM para introduzir formas institucionais diferentes ao nível comunitário e para manter um nível de comando e controlo sobre as regiões rurais e a população rural, tem confundido a questão fundamental das formas de representação. Consequentemente, conduziu a uma situação em que se tornaram confusas as distinções entre os direitos e as obrigações privadas e públicas, muitas vezes em detrimento daqueles que operam na esfera privada. Os grupos comunitários, enquanto entidades privadas e titulares de direitos privados ao abrigo da Lei de Terras, deviam ser capazes de exercer estes direitos através de um ou outro tipo de órgão representativo, nomeado livremente pelos membros da comunidade enquanto co-titulares dos direitos. A Lei de Terras de certo modo prevê isto, através da introdução dum órgão eleito para supervisionar e assinar o processo de delimitação ( o grupo dos nove, que se tornou conhecido como o G9 ). Infelizmente, a Lei de Terra não prevê que o G9 tenha quaisquer 25