A IDENTIDADE FEMININA NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF PELO PRISMA DE BLOOMSBURY

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A IDENTIDADE FEMININA NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF PELO PRISMA DE BLOOMSBURY Rosana de Fátima Gelinski (mestranda) - UEPG Resumo: Esse trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da construção da identidade feminina e a forte influência do grupo de Bloomsbury nos romances de Virginia Woolf, destacando a busca do autoconhecimento das mulheres diante de uma sociedade que se revela estar, constantemente em processo de construção identitária. Palavras-Chave: Bloomsbury. Feminismo. Identidade. Sociedade. Virginia Woolf 1. INTRODUÇÃO A mesma concepção de que é necessário a mulher ter uma identidade, um espaço no qual seus pensamentos pudessem ser ouvidos é aplicado à literatura, tal como preconizava a escritora Virginia Woolf, mas também à vida social, como podemos deduzir dos estudos de Stuart Hall (2002) acerca da identidade. Por muito tempo as mulheres lutam por igualdades e direitos. Essa busca por um reconhecimento perante a sociedade tem se intensificado ainda mais com o advento da globalização. Segundo Hall (2002), a modernidade tardia, período no qual estamos inseridos, está passando por um momento de transformações, pois as identidades tidas como fixas, começam a passar por um processo de mudança. Esse processo de fragmentação do sujeito fica bem evidente no discurso woolfiano, quando rogelinski@gmail.com

são enfatizadas as relações entre o eu e o outro, especificamente a relação entre o homem e a mulher. Hall, em seu livro intitulado A identidade cultural na pós-modernidade (2002), quando aborda as questões sobre o descentramento do sujeito e por consequência a identidade, inclui o feminismo como movimento impactante, tanto como uma crítica teórica quanto um movimento social. Partindo dessa premissa, esse trabalho objetiva mostrar como as buscas pela liberdade e por uma identidade feminina ganharam voz na escrita de Virginia Woolf. Não obstante, o trabalho enfatiza o viés feminista presente no Grupo de Bloomsbury e algumas abordagens prévias sobre o processo de construção do sujeito nos tempos modernos. 2. OS IDEIAIS FEMINISTAS DE BLOOMSBURY É digno de afirmação que a esfera feminina foi fundamental na escrita woolfiana, e na constante associação da escritora à estética de Bloomsbury. Na visão de Quentin Bell (1993), Bloomsbury era feminista, e era também libertário e, ao mesmo tempo desafiava a ética de uma sociedade que encontrava no homem a fonte natural de poder e autoridade, desafiava também todo o sistema de moralidade no qual tal poder se baseava. E por esse motivo o círculo permaneceu por muito tempo como uma sociedade enclausurada. O círculo era uma fuga daquele mundo hostil, principalmente para as mulheres. Bloomsbury, na versão de Virginia Woolf poderia ser descrito como sendo capaz de produzir não aquelas ásperas faíscas elétricas a que chamamos de brilho enquanto estalam em nossos lábios, mas o clarão mais profundo, sutil e subterrâneo que é a rica chama amarela da intercomunicação racional 1. Ou seja, dentro do Grupo Bloomsbury, a escritora tinha espaço para comunicar seus ideais, e 1 BELL, 1986, P. 49-50.

sua visão da sociedade, uma vez que tinha acesso ao convívio com outros escritores, intelectuais e diferentes artistas, os quais sempre estavam em busca de manifestações contra alguns dos princípios tradicionais da sociedade. Não era característico dessas manifestações o uso da violência, mas sim do intelecto. O Grupo através de articulações sociais abalava as esferas do poder britânico, reivindicando a não opressão de classe, gênero e etnia em prol da emancipação da mulher. Questões como essas, são notáveis em muitas produções dos integrantes, principalmente Virginia Woolf. Muitas obras da escritora possibilitam ao leitor deduzir os ideais do Grupo Bloomsbury, entre as obras estão Mrs. Dalloway (1925), Orlando: Uma Biografia (1928) e Um Teto Todo Seu (1929), as quais mostram claramente a critica que vigorava a favor dos ideais feministas, e, portanto, ideais de Bloomsbury e de Virginia Woolf. A intenção de Virginia Woolf era provocar reflexões a respeito da vida e da sociedade, recorrendo na maioria das vezes aos fatos sociais. Dessa forma, ela discute em seus textos questões polêmicas e decisivas de sua época, exemplificando os assuntos triviais do cotidiano bem como o existencialismo através dos sujeitos inventados. Através das personagens criadas, percebemos como a realidade ambiente é bem definida e como a consciência individual flui. Virginia Woolf, através de seus textos, dá voz aos problemas de sua época, mostrando uma sociedade que sofria com as consequências da Guerra, bem como aborda problemas de senso comum, como o cotidiano, as relações afetivas, os problemas econômicos e sociopolíticos, destacando a posição secundária do sexo feminino na sociedade, as quais exerciam o papel de guardiãs do lar, ou seja, o universo feminino era restrito ao ambiente doméstico e a procriação alheia à esfera pública, num período, século XX, em que ocorria o processo de urbanização das metrópoles. E uma das criticas da escritora era justamente de que a mulher deveria caminhar junto com essa sociedade que se desenvolvia.

Outro aspecto abordado em muitos de seus romances refere-se à relação patriarcal vigente na sociedade britânica no início do século XX, na qual a mulher dependia economicamente do homem, no caso, seu pai ou esposo. E quão difícil era para o então sexo frágil conquistar seu espaço em um ambiente predominantemente dominado pelas imposições do pensamento masculino. Essa situação está maravilhosamente presente em Mrs. Dalloway (1925). A obra centra-se na condição feminina quando põe em destaque a identidade da Sra. Dalloway. Casada com Richard, Sra. Dalloway demonstra extrema preocupação de como ela era vista na esfera social. Fato esse bem evidenciado em seus preparativos para a festa, tudo tinha de estar perfeito. Isso pressupõe dizer que a protagonista passa a ser definida pelo Outro, leia-se marido e pela própria sociedade, pois ela é sempre reconhecida como a Sra. Dalloway, casada com Richard Dalloway, e não somente Clarissa. Segundo Anthony Giddens (1993) num casamento o sentido de identidade de cada indivíduo se torna unido ao da outra pessoa e, de fato, ao próprio casamento. 2 Tais limitações se restringiam desde o não acesso a educação a não participação na vida econômica. Esse ressentimento partia da própria escritora, que concebia a sociedade como uma entidade repressora no que se refere às mulheres. De acordo com Anthony Giddens (1993) sempre houve um abismo entre os sexos em termos da experiência, da criação e da educação. 3 Essa afirmação torna-se mais evidente quando se analisa a obra Um Teto Todo Seu (1929), nela Woolf estabelece claramente os princípios da exclusão feminina, ao enfatizar a importância da mulher ter um lugar somente seu no qual pudesse exercer o papel de escritora. É com um tom de revolta, que Virginia Woolf critica duramente a exclusão das mulheres, principalmente no que se restringe a educação, pois exigia um tratamento igualitário para estudantes do sexo feminino e o direito de se desenvolveram intelectualmente. No romance 2 Anthony Giddens. Modernidade e Identidade, tradução: Plínio Dentzen, Rio Janeiro: Jorge Zahar, 2002, P. 18. 3 GIDDENS, Anthony, 1993, P. 71.

Orlando: Uma Biografia (1928) Virginia Woolf não deixa de elucidar essa crítica através dos pensamentos de seu protagonista Orlando. Resgatando as concepções de identidade, sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno, definidas por Stuart Hall (2002), pode-se afirmar que em Mrs. Dalloway a personalidade individual vive em constante conflito com a sua persona social. A protagonista pode ser inserida no contexto de sujeito sociológico, ou seja, apesar de a personagem ter o seu eu interior, ela precisa interagir com a sociedade para ter sua identidade consolidada. Sendo assim, essa concepção de identidade enfatiza a formação subjetiva dos indivíduos por meio das suas participações na sociedade. Uma vez que, segundo as fundamentações do sociólogo Bauman (2005), a identidade é algo que está sempre em processo, ou seja, ela não é imutável, a exemplo da personagem Clarissa Dalloway que em sua juventude tinha uma determinada identidade e que após o casamento anula seus sonhos e desejos em detrimento de sua condição de esposa, gerando então, um estado de crise existencial. Partindo da premissa de que as identidades não são fixas e estáveis, o romance Orlando: Uma Biografia (1928) antecipa muitas questões sobre a identidade bastante discutidas hoje por sociólogos como Bauman (1993) e Hall (2002), a exemplo das relações entre gênero e sexualidade. A obra é tida como a mais divertida e otimista dos romances de Woolf. E existe nessa obra muito dos ideais do circulo de Bloomsbury. O personagem e biógrafo Orlando vive por quatro séculos, inserido em vários contextos históricos que envolveram a monarquia inglesa; e quando a revolução explode a sua volta, Orlando dorme por sete dias e quando acorda, descobre que havia se tornado mulher. No momento em que Orlando transforma-se em mulher, observamos que sua caracterização em relação à identidade não é determinada apenas em função de seu corpo, mas sim, pelo papel que ocupa na sociedade. Pois inicialmente, na narrativa, a transformação ocorrida com a personagem aparentemente não lhe traz grandes interferências, apesar, de agora ser mulher, Orlando continuava sendo o que sempre havia sido, a mudança de sexo embora tenha alterado o seu futuro, nada alterava da

sua identidade 4. Assim, como narra Virginia Woolf, a própria personagem parecia não estranhar essa situação. Ou seja, nascer mulher não é suficiente para nos tornar mulher. Beauvoir (1976) parafraseando Jean-Paul Sartre expande esse conceito ao enfatizar que não basta ter um corpo feminino é preciso ir além, pensar e agir como mulher. Não é a fisiologia que pode criar valores (...) o corpo da mulher só tem realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio de uma sociedade (BEAUVOIR, 1976, p. 62-63). CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho, a partir de uma análise literária fez uma breve análise sobre a construção da identidade de dois dos mais importantes sujeitos inventados por Virginia Woolf, as personagens Sra. Dalloway e Orlando. Durante a análise foi considerado a forte influência do Grupo de Bloomsbury na escrita woolfiana. O que nos possibilita afirmar que a escritora tende em seus romances a discorrer sobre a identidade feminina preocupando-se com o espaço onde se inserem. E de fato, conforme enfatiza Quentin Bell (1993) não apenas nos termos de sua fantasia, mas também, da vida real, a escritora pensa numa solução para os problemas surgidos nas relações entre homem, mulher e sociedade. Virginia Woolf e o Círculo de Bloomsbury tinham ciência de que a sociedade organiza-se em torno das noções rígidas do gênero. E na modernidade tardia, as questões andrógenas são bastante problematizadas, uma vez que o gênero passa não mais a ser visto apenas como uma equivalência do sexo, ou seja, da caracterização física dos sujeitos em homem ou mulher, mas sim como uma construção. Não obstante, é através do dualismo entre os sexos que a linguagem woolfiana questiona as fronteiras entre o homem e a mulher, o eu e o outro, abrindo para a contestação outras maneiras de se discutir e problematizar a identidade e as relações 4 WOOLF, 1976, P.77.

sociais. Em suma, o que está em jogo nessa discussão é a sujeição e a inferioridade das mulheres no âmbito da modernidade tardia, ainda caracterizado como um sistema de relações desiguais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. A Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BEAUVOIR, Simone de. O segundo Sexo: Fatos e Mitos. São Paulo: Círculo do Livro, 1976. BELL, Quentin, Bloomsbury. Tradução: Suely Cavendish. Rio de Janeiro: Edioro S.A., 1986. GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor & Erotismo nas Sociedades Modernas. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1993. HALL, Stuart, A Identidade na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Guaracira Lopes Louro, 7 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2002. WOOLF, Virginia, Orlando a Biography. Tradução: Cecilia Meireles. São Paulo: Circulo do Livro, 1976. WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Tradução: Mário Quintana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. WOOLF, Virginia. A room of one`s own. Tradução: Vera Ribeiro. São Paulo: Circulo do Livro, 1990.