O BRINCAR COMO UMA AÇÃO EXPERIENCIAL NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL Resumo Marilete Calegari Cardoso 1 O presente texto tem como objetivo refletir sobre a importância do brincar no cotidiano da educação infantil, reconhecendo esse brincar como uma ação experiencial e caminho para o trabalho pedagógico. Temos como referências neste trabalho: Brougère (1998, 2004, 2006), Luckesi (2000, 2005), Dewey (1967), Czszentmihalyi (1999), Kishimoto (2001b, 2007), Formosinho (2007), Malaguzzi (1999), autores que defendem o brincar como uma dimensão importante para o desenvolvimento integral dos sujeitos. A conclusão é que o lúdico deve ser inserido como dimensão fundamental à prática pedagógica da educação infantil. Palavras-Chave: Brincar; Educação Infantil; Fluxo de Experiência Introdução No cotidiano da educação infantil, o brincar tem papel vital para o desenvolvimento integral das crianças. É por meio do brincar que elas adquirem experiências e desenvolvem seu conceito sobre o mundo, pois se trata de uma ação que as motiva a explorar, experimentar e a recriar. As ações do jogo e da brincadeira geram um ambiente especial para a aprendizagem, sejam os aprendizes crianças ou adultos. Além disso, percebe-se que o dia-a-dia da educação infantil é eivado de relações educativas entre crianças-crianças-adultos, vividas através da expressão, afeto, jogos, brincadeiras, linguagens, movimento corporal, fantasia, cuidados, projetos de estudos em um espaço de convívio coletivo, no qual deve haver respeito pelas relações culturais, sociais e familiares. (BARBOSA, 2007). Em outras palavras, trata-se de artes de fazer 2 (CERTEAU, 1994), uma educação de infância que estabeleça uma (re) apropriação do espaço e do uso ao jeito de cada um. Dessa forma, a arte de brincar no espaço da 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduada em Psicomotricidade Relacional (UNILASALLE/RS). Professora de Educação Infantil do Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL), da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: calegari@uesb.br 2 Termo utilizado por Certeau (1994, p.31) para definir cotidiano. Para ele, o cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. [...] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. [...] É uma história a caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. [...].
educação infantil proporciona à criança vivenciar seus direitos como sujeito ativo, compreende a sua competência e escuta a sua voz para transformar a ação pedagógica em uma atividade compartilhada. Entretanto, estudiosos que investigam o lúdico na educação infantil, como, Kishimoto (2001b), Angotti (2008), Cardoso (2008), confirmam o descrédito por parte de professores, em relação ao potencial do brincar. Estudos revelam que grande parte dos educadores no nosso País não valorizam as brincadeiras, as fantasias e os jogos do faz-de-conta no trabalho de sala de aula, limitando-se a desenvolver atividades de recreação orientada e atividades de escritas padronizadas. (KISHIMOTO, 2001b; CARDOSO, 2008). Isto é, os mesmos ainda não reconhecem a possibilidade de trabalho com o conhecimento e desenvolvimento por meio desta atividade. (ANGOTTI, 2008, p.491). Conforme Luckesi (2005, s/p.) 3, frequentemente o espaço ocupado pela criança não é levado muito a sério pelos adultos, pela família e pela escola, porquanto: para os mesmos, o brincar é pensado como uma forma de manter as crianças entretidas ou ocupadas, ou, então, como descarga de energia. Percebe-se que esses ditados fazem referência a uma desvalorização da própria ação do brincar e do ser infantil. Para Luckesi (Idem), esses pensamentos emitem um juízo moralista cotidiano que infantiliza o ato humano de brincar, tipicamente criativo, ao mesmo tempo em que desqualifica a infância, no sentido de dizer que a ação da criança em suas primeiras etapas de vida não tem uma importância significativa, mas, com certeza, a tem. Assim, na tentativa de reconstruir o brincar sob ação experiencial, integradora e plena na vida cotidiana da educação infantil, estudiosos, como, (DEWEY, 1967; 2007; CZSZENTMIHALYI, 1999; LUCKESI, 2000, 2005; BROUGÈRE, 1998, 2004, 2006; KISHIMOTO 2001b, 2007; FORMOSINHO, 2007; MALAGUZZI, 1999; e outros), vêm difundindo suas idéias para o educador refletir sobre o papel do lúdico na educação, igualmente, a maneira como o brincar interfere no desenvolvimento integral da criança. 3 Disponível em www.luckesi.com.br. Acesso em 12 abril, 2008. 2
O presente texto tem como objetivo abordar pontos relevantes acerca do brincar como uma ação experiencial na educação infantil, reconhecendo-o como ponto de partida para o trabalho pedagógico da criança e do professor, à luz dos teóricos anteriormente citados. Inicialmente, é feita uma breve análise do brincar à luz de alguns teóricos, que mesmo tendo idéias divergentes acerca do brincar, eles defendem essa atividade como uma ação que potencializa a aprendizagem. Em seguida, procede-se a uma abordagem acerca do brincar como ação experiencial na educação infantil. Na terceira parte, discute-se a importância do projeto de trabalho e a organização do ambiente para sustentar a prática de brincar na educação infantil. 1. A ação do brincar à luz de alguns teóricos A ação do brincar tem uma importância significativa, porque ela é concebida como atividade potencializadora e interativa para que a criança possa descobrir, criar e pensar. É através da brincadeira que as crianças adquirem experiências internas e externas, ou seja, o brincar é o elo integrador entre a relação da criança com a realidade interior e a sua relação com a realidade externa ou compartilhada. Enquanto ação interna, o brincar deve expressar uma experiência de satisfação e plenitude no que se faz. Enquanto ação externa o brincar é visto como atividades dotadas de significação social e promotora de cultura. Acredita-se que seja enriquecedor, para este estudo, trazer uma e outra concepção, segundo o pensamento de alguns teóricos, com o objetivo de, através desses, compreender o núcleo comum do brincar na educação infantil. Sob olhar sociocultural, em seu livro Homo ludens - Huizinga (2004, p.2-6), defende que o jogo é uma produção do meio social e que ele é fato mais antigo que a cultura. Para esse autor, o brincar é uma forma específica de atividade, como significante e como função social, sendo ainda, considerado como totalidade. Essa definição mostra que o brincar é mais do que uma atividade puramente física ou biológica, ele é uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. 3
Para Huizinga, o conceito de brincar deve continuar a ser distinto de todas as outras formas de pensamento através das quais se prime pela construção da vida espiritual e social, assim sendo, ele relaciona as características do brincar: prazer, o caráter não sério, a liberdade, a separação dos fenômenos do cotidiano, as regras, o caráter fictício e a sua limitação de tempo e espaço. Huizinga (p. 11) assevera: "A criança joga e brinca dentro da mais perfeita seriedade, que a justo título podemos considerar sagrado." Sendo o jogo intrínseco à criança, é exteriorizado pelas características extrínsecas que os jogos possuem. Fazendo parte do crescimento e desenvolvimento do indivíduo, o jogo é inerente ao ser humano, sendo considerado, pelo autor, uma nova designação para a espécie humana. É, por isso, que o brincar é considerado de fundamental importância, por favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem da criança de forma significante e integral. Outro pensador que vê o brincar sob enfoque social é Brougère (2006, p.196), que defende o brincar como uma atividade impregnada de valores e concepções do mundo de determinada cultura. Ele entende a brincadeira como o lugar em que a criança traduz e recria as imagens daquilo que ela vive a partir das suas interações com o mundo. Para ele, o brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas, uma atividade dotada de uma significação social precisa que necessita de aprendizagem, ou seja, do mesmo modo que a linguagem, o brincar é construído socialmente. Brougère (idem) ratifica seu pensamento quando diz: o brincar é lugar de experiência específica quanto à linguagem e, neste sentido, suporte de aprendizagem. O ambiente e os objetos (brinquedos) com os quais a criança brinca têm um papel importante para sua aprendizagem. Isso significa dizer que a criança usa os brinquedos como reveladores das culturas infantis e das formas de relações entre adultos e crianças. Portanto, o uso do brinquedo é um reflexo quanto da própria criança, do lugar que ela ocupa e da relação que ela mantém com o mundo. (BROUGÈRE, 2004, p.14). 4
Sob o enfoque de cunho interno, encontra-se em Luckesi 4 (2000 e 2005), a idéia do lúdico sob o ponto de vista interno e integral do sujeito. Para o autor (2000, p.21), brincar, jogar e agir ludicamente exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. O ato de brincar não admite divisão, e os próprios atos lúdicos, por si mesmos, nos conduzem para esse estado de consciência. Para ele, o que caracteriza o lúdico é a experiência de plenitude que ele possibilita a quem o vivencia em seus atos. Recentemente, Luckesi 5 (2005, s/p.) procura esclarecer melhor a sua definição para esse fenômeno colocando, [...] quando o sujeito está vivenciando essa experiência com outros, a ludicidade é interna [...]. Maturana e Verden-Zöller (2004) criam um conceito de brincar muito próximo ao conceito de ludicidade de Luckesi: Brincar é uma atividade realizada como de todo válida em si mesmo. [...] no cotidiano marcamos como brincadeira qualquer ação vivida no presente de sua realização e desempenhada de modo emocional, sem nenhum propósito que lhe seja exterior. (MATURANA E VERDEN-ZÖLLER, 2004, P.144). Compreende-se que o brincar defendido pelos teóricos anteriormente citados, das experiências externa e interna, é um ato rico de experiências e que ambas potencializam aprendizagem. Nesse sentido, as idéias abordadas até aqui sobre o brincar, se integram, na sua essência, por uma concepção teórica profunda que defende o brincar como elo integrador dessas experiências. Ou seja, uma ação que envolve relação - individual ou coletiva, que não contraria sua natureza, que requer a experimentação, a exploração livre, o imaginário, todas as formas de linguagem, o prazer e a alegria, elementos indispensáveis à conduta lúdica. Admitindo que o brincar é um elo integrador e possibilita à criança fazer conexão entre suas experiências internas e externas, Dewey (1967, p. 103), defende o trabalho e o brincar como ações que não podem ser diferenciadas ou distinguidas um do outro pela presença ou pela ausência de interesse direto no que se está fazendo. Além disso, adverte que não há fundamento para a suposição de que as crianças de jardins de 4 Professor e Pesquisador da Universidade Federal da Bahia. Coordenou, por muitos anos, o Grupo de Pesquisa em Educação e Ludicidade (GEPEL). Atualmente, aposentado, porém ainda permanece vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, orientando alguns mestrandos e doutorandos. 5 Disponível em www.luckesi.com.br. Acesso em 19 set.2007. 5
infância são identificadas pelo interesse em jogos e brinquedos como atividades que originam prazer. E afirma: Já se disse que o homem só é homem quando joga ou brinca, isso só pode ser verdade se concebermos os jogos como qualquer coisa diferente da diversão trivial (Idem, p.104). Assim, todas as formas de expressão e de construção com instrumentos e materiais, todas as atividades manuais e artísticas que promovam esforço consciente ou refletido para que se realizem constituem trabalho. Portanto, o brincar não está isolado do trabalho pedagógico. E, de acordo com Dewey (1967), a relação entre os sujeitos envolvidos no trabalho pedagógico e o ambiente educativo tem um papel importante para promover e favorecer a construção, a criação e a investigação. Essas experiências podem ser favoráveis, se eventualmente nelas operarem as forças internas e externas, possibilitando, assim, investir no fluxo do processo de desenvolvimento da criança. Kishimoto (2007) defende o brincar como auto-atividade, com caráter livre e regado de interação social. Isso é evidenciado quando ela assinala que as crianças necessitam interagir com pares e parceiros de brincadeiras, participando em grupos organizados de brinquedos, para que as mesmas possam produzir, conjuntamente, a cultura de pares. A utilização do brincar nas instituições de Educação Infantil potencializa a aprendizagem, o prazer, a capacidade de iniciação e a ação ativa e motivadora. Para aquela autora, tais experiências permitem que as crianças aprendam a se movimentar, falar e desenvolver estratégias para solucionar problemas, e isso ocorre, porque a brincadeira tem papel preponderante no ponto de vista de uma aprendizagem exploratória, ao favorecer a conduta divergente, na busca de alternativas não usuais, integrando o pensamento intuitivo. (KISHIMOTO, 2002, p.151). O brincar como ação experiencial Na ação do brincar, observa-se o prazer de aprender e de experimentar da criança, o que se leva a pensar que essa ação, por si só, já basta. Ou então, como diz Winnicott 6
(1975, p.77) essencialmente satisfaz. O brincar envolve o corpo, a linguagem, a emoção a interação, a continuidade e as relações, e é com base no brincar, que se constrói a totalidade da existência experiencial do sujeito (Idem, p.93). Trata-se, portanto, de uma educação de crianças pequenas, que seja ativa, em movimento uma dança dialética entre focalização e ampliação do olhar. (D ÁVILA, 2007, p.27). Nessa perspectiva, o brincar é concebido como uma ação experiencial ou como fluxo de experiência. Mas, o que significa fluxo? Como funciona esse movimento, essa dança? Como é esse brincar? Entende-se que a idéia de experiência ou fluxo de experiência amparada por Dewey (1967) está embasada na perspectiva do processo científico do conhecimento, e, que pode ser colocada em prática na educação infantil. Ele defende a existência de um fluxo de consciência e de pensamento, ou seja, o pensamento não se compõe de associação de sensações e idéias isoladas, mas, como parte de uma consciência pessoal [...] entende-se fluxo permanente de mudanças, um processo dinâmico. (cf. PINAZZA, 2007, p.77). Nesse sentido, a ação do brincar da criança parte de uma experiência primária como ponto de partida (ação), para uma experiência reflexiva, resultante de uma compreensão científica (reflexão e ação). Csikszentmihalyi (1999, p.17) apresenta o conceito de experiência de fluxo, como um estado de envolvimento total com a atividade realizada. Para o autor, viver significa experimentar. As experiências ocorrem o tempo todo, mas esses momentos excepcionais são o que ele chama de experiências de fluxo. A metáfora do fluxo foi utilizada por muitas pessoas ao descreverem a sensação de ação sem esforço experimentada em momentos que se destacaram como os melhores de suas vidas (p.36). Para Csikszentmihalyi, a experiência do fluxo é o estado de profunda concentração durante o fluir, a consciência está extraordinariamente bem organizada, ou seja, pensamentos, intenções, sentimentos e todos os sentidos estão concentrados na mesma meta. Assim, quando cessa a sensação do fluir, ocorre a sensação de bem estar. 7
Ao rever a definição de brincar sob, enfoque interno, defendida por Luckesi (2000), como plenitude da experiência, pode-se dizer que ela talvez esteja muito próxima da idéia de experiência do fluxo. Segundo esse autor, o que mais caracteriza o brincar como experiência de plenitude é que essa ação possibilita, a quem a vivencia, se entregar totalmente, ou seja, brincar dá prazer a quem se dispõe a vivenciar (a brincadeira) [...] é a plenitude da experiência. (LUCKESI, 2000, p.96-97). O brincar, no enfoque externo, também é compreendido como uma ação experiencial, pois tem um importante papel no cotidiano da educação infantil, por possibilitar a liberdade, inteireza, auto-atividade e experiência. Para Csikszentmihalyi (Idem, p.37), as atividades que induzem ao fluxo são chamadas de atividades de fluxo porque tornam mais provável a ocorrência da experiência. O brincar foi apontado como uma ação que potencializa a experiência do fluxo, porque essa prática compreende regras e metas para ação, que tornam possível à criança envolver-se com o que deve ser feito e com a forma de fazê-lo. Sob a ótica externa, o brincar como fluxo de experiência é percebido como atividade potencializadora. Além disso, Brougère (2006) diz que não existe brincadeira sem regra, porém, é preciso ver essa regra não como lei, mas, sim, se foi aceita por aqueles que brincam. Assim, a regra permite criar outra situação que libera os limites do real, quando ele diz que a brincadeira é a situação de uma experiência sem consequência, na qual, em função do desejo presente, podem-se experimentar múltiplos papéis sem compromisso (BROUGÈRE, 2004, p.112). Brougère (2006) afirma que a criança não brinca numa ilha deserta, ela brinca com as substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas [...] os brinquedos orientam a brincadeira, trazem-lhe a matéria. Porém, a disponibilidade de brinquedos não é suficiente para que ocorra a construção do conhecimento pela criança. É necessário que se tenha um espaço qualificado, um contexto social e pedagógico que sustente, promova, facilite e celebre a participação e a construção da participação. Projeto de trabalho e a organização do ambiente: ações que sustentam o brincar como ação experiencial no cotidiano da educação infantil 8
Segundo Csikszentmihalyi (1999, p.22), a vida cotidiana não é definida apenas pelo que fazemos, mas, também, por aqueles com quem estamos, nossos atos e sentimentos são sempre influenciados por outras pessoas. As interrelações se fazem presentes. Aprende-se na troca de saberes, numa relação a dois, a três, ou seja, as crianças em suas relações com o professor, ou entre seus pares, constroem conhecimentos construindo-se subjetivamente ao mesmo tempo. Assim sendo, o ato de brincar proporciona, tanto às crianças quanto aos adultos, que esses interliguem as coisas entre si, e, ao relacioná-las, construam o conhecimento. Toda e qualquer construção do conhecimento inicia e continua no campo da linguagem. Como nos expressa Maturana e Verden-Zöller (2004, p.249), o amor e a brincadeira são modos de vida e relação, enfim, compreende-se que ao brincar a criança aprende através de suas relações com outros, utilizando-se de diversas linguagens como: a fala, a escrita, o desenho, o cantar e o dramatizar. Portanto, pode-se observar que brincar não significa, simplesmente, uma recreação nos tempos livres, isso porque o brincar é a forma mais completa que todos têm de comunicarem-se consigo mesmos e com o mundo. Nessa perspectiva, compreende-se que é no espaço físico que as crianças conseguem instituir relações entre mundo e as pessoas, transformando-se em um pano de fundo no quais se inserem as emoções. Segundo Horn (2004, p, 28) essa qualificação do espaço físico é que o transforma em um ambiente. Para compreendermos melhor essa questão, a autora distingue os termos espaço e ambiente: espaço se refere aos locais onde as atividades são realizadas, caracterizadas por objetos, móveis, materiais didáticos [...] ambiente diz respeito ao conjunto desse espaço físico, às relações que nele se estabelecem os adultos e as crianças. (p. 35). Compreende-se, portanto, que a maneira como é organizado o espaço físico, a sala de atividade e o espaço de brincar, têm um papel significante para a aprendizagem da criança, pois são elementos importantes para criar outra visão da criança e do professor, do ensinar e aprender. Entende-se, também, que, além da importância da organização do ambiente são necessários outros elementos para se colocar em prática o brincar como fluxo de experiência. Esses elementos se manifestam em metodologias de projetos e nos 9
ambientes construídos coletivamente por seus atores. Para Kishimoto (2001b, p.238), Se o brincar é uma atividade social e cultural, seu espaço deve ser construído pela criança. O equipamento por si só não constrói o espaço do brincar, é a criança, com o auxílio de elementos de materiais, que deve construí-lo. Assim, quando as crianças se envolvem numa atividade que lhes traz prazer, elas assumem um papel ativo na construção, compreensão e aquisição da aprendizagem. Assim, aprender é uma experiência e, também, pesquisa. Desse modo, se o professor envolver o brincar em seus projetos de pesquisa enfocando o desenvolvimento ou as experiências das crianças, estará contribuindo com sua formação e sua experiência. Vale lembrar que trabalhar com pedagogia de projetos é uma das mais fortes expressões da proposta de educação pela experimentação e pela investigação. Para Dewey (cf. PINAZZA, 2007, p.86), trabalhar em projetos significa planejar um trabalho inteligente e consecutivo que propicie uma familiaridade da criança com os métodos investigativos e com a experimentação. Na atual literatura, o brincar como ação experiencial na educação infantil tem sido defendido por Malaguzzi (1999), Formosinho (2007), Kishimoto (2001, 2007), dentre outros, como uma ação que auxilia a criança na sua totalidade, através de experiências significativas e de relações que fazem parte do seu contexto cultural e social. Essa proposta tem a finalidade de ratificar que a educação infantil não é uma imitação da escola de ensino fundamental e, muito menos, um depósito de crianças, mas, sim, um espaço que exerce função importante para o desenvolvimento global da criança. Malaguzzi (1999) defende a pedagogia de Reggio Emílio 6, essa proposta compreende que as crianças aprendem não como um resultado automático do que lhes é ensinado, mas, sim, através de uma consequência das atividades produzidas por elas e de recursos produzidos coletivamente (crianças e adultos). Assim sendo, o ambiente deve ser preparado para interligar o campo cognitivo com os campos do relacionamento 6 Segundo Malaguzzi (2007), após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, num pequeno vilarejo chamado Villa Cella, poucas milhas da cidade de Reggio Emilia, as pessoas se reuniram e decidiram construir e operar uma escola para crianças pequenas. Em oito meses depois, sete outras escolas foram abertas nos arredores da cidade, e todas criadas e operadas por pais. Em 1963, nasce, na Itália, a primeira escola municipal para crianças pequenas, o que significava uma ruptura do monopólio da Igreja Católica. De 1960 a 1968, as escolas administradas pelos pais ficaram sob a administração da municipalidade de Reggio Emilia, em 1980, já havia 22 escolas. Hoje, os pais optam entre três tipos de instituições infantis: federais, municipais e privadas. 10
e da afetividade, para que haja a conexão entre o desenvolvimento e a aprendizagem, entre as diferentes linguagens simbólicas, entre o pensamento e a ação e entre a autonomia individual e interpessoal. Segundo Malaguzzi (1999, p.85), o atelier é um espaço rico em materiais, já que esse espaço abastece com arquivos que são uma arca de tesouro dos trabalhos das crianças e do conhecimento e das pesquisas dos professores, e, por ser um local importante, lúdico, prazeroso que ajuda as crianças a encontrarem seus próprios estilos de troca com os colegas, tanto do ponto de vista de seus talentos e competências, quanto de suas descobertas. Para Formosinho (2007), a fim de se ter uma pedagogia da infância ativa, precisa-se criar um cotidiano educativo que conceitua a criança como uma pessoa com agência, não à espera de ser pessoa que lê o mundo e o interpreta, mas, que constrói saberes e cultura, que participa como pessoa cidadã. Dispor de agência significa ter poder e capacidades, mas, para a autora, isso só ocorre, através da sua experiência, quando torna o sujeito uma entidade ativa que constantemente intervém no fluxo dos acontecimentos à sua volta. Por fim, para Kishimoto (2001b, p.238), o brincar como fluxo de experiência no cotidiano da Educação Infantil configura-se como organização do espaço físico, materiais disponíveis, prática pedagógica e interação adulto-criança. Porém, deve-se preservar a liberdade de brincar da criança, sem haver conflito com a ação voluntária da mesma, e a ação pedagógica intencional do professor deve refletir sobre a organização do espaço, na seleção dos brinquedos e na interação da criança. Considerações finais Entende-se que o brincar na educação infantil tem a função de desenvolver o imaginário e as fantasias, de forma gratuita e natural, visando à formação unificada e integral da criança, porém a utilização excessiva dos "brinquedos educativos", dirigidos ao ensino de conteúdos específicos, estará retirando o jogo de sua área natural e limitando, sobremaneira, a ação da experiência, do prazer e da alegria. 11
Assim, quando o professor proporciona a experiência lúdica à criança, o mesmo estará construindo um espaço de narrativa e de experiências, estabelecendo uma relação outra com a linguagem, a cultura e a história, que auxilia o sujeito a (re) pensar e (re) construir suas práticas, seus saberes e seu conhecimento. Aprender, descobrir e construir fazem parte do mesmo processo (KISHIMOTO, 2008, p.672). É necessário, portanto, que o professor de educação infantil insira o brincar em um projeto, e que, nesse desenho, apareça o objetivo e a consciência da importância de sua ação em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem infantil. No entanto, é preciso rejeitar o controle e a centralização e onisciência do que ocorre com as crianças em sala de aula. Por fim, entende-se, também, que, para que o professor veja o brincar como uma ação experiencial no cotidiano da educação infantil, é importante, como diz Luckesi (2001, p.39) que ele tenha o desejo de agir de uma forma adequada, na perspectiva de dançar com a criança a dança energética da vida. Referências ANGOTTI, M. Culturas antagônicas: as transgressões necessárias na educação infantil. In: TRAVERSINI, C... [et al.] (Org.). Trajetória e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas: livro 2-Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. BROUGÈRE, G. Jogo e Educação. Porto Alegre; Artes Médicas, 1998.. Brinquedo e Companhia. São Paulo: Cortez, 2004.. Brinquedo e cultura. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2006. CARDOSO, M. C. Baú de Memórias: representações de ludicidade de professores de educação infantil. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2008, no prelo. CERTEAU, Michel: A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 4ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 1994. CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. D ÁVILA, C. M. Eclipse do Lúdico. In: D ÁVILA MAHEU, C. (Org.) Educação e Ludicidade. Ensaios 04. Salvador: UFBA/FACED/ GEPEL. 2007. DEWEY, J. (1859-1952). Vida e Educação. Tradução e estudo preliminar de Anísio Teixeira, 6. ed. São Paulo:Edições Melhoramentos, 1967. FORMOSINHO, J.O; KISHIMOTO, T.M.; PINAZZA, M.A. (Orgs). Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o passado construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. LUCKESI, C. C. Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese. In. LUCKESI, C. C.(Org.) Educação e Ludicidade, Coletânea Ludopedagogia Ensaios 01. Salvador: FACED/UFBA. Programa de Pós Graduação em Educação, 2000. 12
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