Gasto Fiscal em 2012: uma rápida análise Mansueto Almeida Economista da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do IPEA em Brasília O Tesouro Nacional publicou hoje as despesas do governo federal em 2012. O que pretendo nesta breve nota é destacar alguns pontos que considero importante para o debate. Vou tentar ser o mais didático possível e, infelizmente, não tenho tempo de aprofundar a análise nesses dias. (1) Primeira lição: temos uma carga tributária elevada porque o gasto não para de crescer. É simples assim. Um primeiro ponto para destacar é que, em 2012, o crescimento do gasto público federal primário (não inclui juros) foi expressivo: R$ 80 bilhões ou 0,75 ponto do PIB. Desde 2000, como porcentagem do PIB, o crescimento do gasto primário do governo federal só foi maior em 2001, 2005 e 2009. Mas em todos esses anos o investimento aumentou (% do PIB) e agora caiu. Em relação a 1999, quando o país passou a gerar superávit primário, o crescimento da despesa primária do governo feeral foi de 3,75 ponto do PIB até 2012. Nesse mesmo período, a receita líquida do governo federal passou de 16,38% do PIB para 19,96% do PIB crescimento de 3,60 ponto do PIB. Gráfico 1 Despesa Primário do Gov. Federal (% do PIB) -1997-2012 OBS: exclui capitalização da Petrobras em 2010. Não há mistério algum. No Brasil, a carga tributária cresce para acompanhar o crescimento de despesa. A nossa economia se dá por aumento de carga tributária e não por queda da despesa.
(2) Segunda lição: O Brasil não consegue fazer política anticíclica pelo lado do gasto. Assim, o aumento de gasto, mesmo em anos de crise, se dá em cima de gastos permanentes, o que aumenta o peso do Estado na economia. A despesa primária passou de R$ 724,4 bilhões, em 2011, para R$ 804,7 bilhões, em 2012. Desse crescimento de R$ 80 bilhões, o crescimento do investimento público foi de apenas R$ 6,8 bilhões e mesmo assim por causa dos subsídios ao Minha Casa Minha Vida que antes eram custeio e passaram, a partir de 2012, a serem considerados investimentos. Se retirarmos o Minha Casa Minha Vida da estatística de investimento público, o investimento cresceu apenas R$ 648 milhões, passando de R$ 47,5 bilhões, em 2011, para R$ 48,14 bilhões, em 2012. Isso significa que faltou espírito animal ao setor público e que o brutal aumento de gasto público foi permanente. Não tem como voltar atrás nos próximos anos. Esse comportamento é muito semelhante ao que aconteceu, em 2009, quando a despesa primária cresceu R$ 74,2 bilhões e o investimento cresceu apenas R$ 5,8 bilhões. O padrão de gasto de 2012 foi muito semelhante ao de 2009, com duas diferenças: o crescimento do gasto com pessoal agora foi muito menor, mas o crescimento do investimento menor. E o custeio piorou. Gráfico 2 Investimento Público % do PIB (1999-2012) Sem Minha Casa Minha Vida. Fonte: investimento público GND-4 e GND-5 menos empréstimos. (3) Terceira lição: o crescimento do gasto em 2012 foi mais ou menos geral, com exceção do gasto com pessoal e investimento. Há diversas formas de olhar a despesa pública. Um das coisas que gosto de fazer é trabalhar com o custeio mais desagregado, subdividido em quatro contas: (i) INSS; (ii) custeio de programas sociais de transferência de renda (LOAS, despesas do FAT, bolsa família, e outros benefícios assistenciais); (iii) custeio dos programas de educação e saúde; e (iv) uma categoria residual que chamo de custeio administrativo. Nessa
última categoria entra todas as demais despesas de custeio (passagens de avião, minha casa minha vida, subsídios ao PSI, etc.). O que os dados mostram? Bom, de 1999 a 2011, como % do PIB, 87% do crescimento da despesa primária pode ser explicada por apenas duas despesas de custeio: INSS e gastos de custeio dos programas sociais de transferência de renda. De 2011 a 2012, o crescimento da despesa é quase geral, com exceção da despesa de investimento e despesa com pessoal. Tabela 1 - Despesa Primária Federal % do PIB (1999-2012) OBS: o item outros correspondem as transferências do Tesouro ao Banco Central e despesas do Banco Central. Elaboração: Mansueto Almeida. Até mesmo a despesa que chamo de custeio administrativo aquela parte do custeio que não é gasto social, previdência ou despesa com as funções saúde e educação, cresceu 27,7%. Essa conta cresceu, em valor nominal, R$ 12,8 bilhões; sendo R$ 3,6 bilhões desse crescimento devido ao programa Minha Casa Minha Vida. (4) Quarta Lição: Nos últimos três anos, o gasto com pessoal caiu em meio ponto do PIB e atingiu o menor valor (% do PIB) desde 1997. Qual foi a mágica? O governo controlou a taxa de crescimento. Quando alguém fala em controlar a despesa pública muita gente fala mal de quem sugere tal controle. Mas os menores reajustes ao funcionário público nos últimos três anos reduziu esse gasto em meio ponto do PIB. Não houve mágica. O que se fez foi algo muito simples o total de despesa cresceu muito abaixo do crescimento do PIB nominal.
Taxa de Crescimento Despesa com Pessoal 1998-2012 Taxa de Crescimento Despesa Pessoal x Tx de Crescimento do PIB (nominal) Almeida Elaboração: Mansueto Essa é a boa notícia. A notícia ruim é que a forte economia com despesa com pessoal não deverá se repetir ao longo dos próximos anos. A grande maioria das carreiras do setor público federal conseguiu negociar reajuste de 5,2% ao ano pelos próximos três anos e, assim, a despesa com pessoal dever crescer mais próximo de 7% ao ano. É uma conta que deverá continuar cair (% do PIB), mas não na velocidade observada dos últimos anos. A propósito, a despesa com pessoal caiu 0,5 ponto do PIB nos últimos três anos e, no mesmo período, a despesa primária cresceu 0,57 ponto do PIB. A economia com pessoal não foi e nem será suficiente para compensar o aumento dos outros gastos, apesar de ter sido importantes nos últimos três anos. (5) Quinta Lição: Não há espaço fiscal para fortes desonerações fiscais e há uma montanha de gastos que foram atrasados para este ano. Todo mundo no Brasil sonha em comprar carros pelo preço que se paga nos EUA, pagar menos impostos e ter acesso a ensino público de qualidade. Isso ainda vai demorar porque, pelas regras atuais e independentemente do crescimento do PIB, a tendência é que a despesa primária continue crescendo como % do PIB.
A regra atual de reajuste do salario mínimo cria uma indexação de despesa pública que tem um custo elevadíssimo e, assim, a solução para o próximo presidente será ou renegociar essa regra ou começar uma reforma gradual da previdência. E se não fizermos nada? Bom, se não fizermos nada a despesa primária vai continuar crescendo e o seu financiamento decorrerá da combinação da economia de juros com o aumento da carga tributária. E o nosso crescimento pelos próximos dez anos continuará dependente de um novo ciclo de alta de commodities. O que não abordei nesta post e que ficará para um próximo é o detalhamento dos restos a pagar e sua relação com as despesas de custeio e investimento. O crescimento dos restos a pagar merece uma análise especifica porque tem muitos detalhes. Mas fica para outra oportunidade. Para fechar essa nota, cabe a segunite pergunta: A situação fiscal do Brasil é boa? Bom, se boa para você for gerar um primário que já foi reduzido para algo entre 2% e 2,5% do PIB, sem que tenha ocorrido aumento de investimento a situação é boa. Mas não é boa quando se tem em mente que esse modelo só se sustenta com uma carga tributária elevada, apesar das pequenas flutuações da arrecadação (% do PIB) no curto-prazo.