Gasto Fiscal em 2012: uma rápida análise

Documentos relacionados
A AGENDA DE CRESCIMENTO DO BRASIL: A QUESTÃO FISCAL

Transferência de renda é a principal marca da gestão Lula

O Desafio do Ajuste Fiscal: onde estamos? Mansueto Almeida

Boletim Econômico Edição nº 69 setembro de 2015 Organização técnica: Maurício José Nunes Oliveira assessor econômico

A EXECUÇÃO DO PAC E SEU EFEITO NA DEMANDA AGREGADA

Política Fiscal CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA. Consultoria Desenvolvendo soluções, alavancando resultados!

Gasto Público Total no Brasil

Ajuste Fiscal em 2011.

Desmistificando o debate fiscal

Taxa de juros e semiestagnação desde 1981

PEC 241/16: Mitos e Verdades sobre o Ajuste Fiscal

Perspectivas para a Política Fiscal Brasileira

O Desafio Fiscal no Brasil e no Mundo

Reforma da Previdência

BRASIL BREVE HISTÓRIA RECENTE E COMO VOLTAR A CRESCER? Carlos Alberto Sardenberg São Paulo, 16 de setembro de

Brasil: Desafios para o Desenvolvimento Econômico e Social

Um programa de ajuste incompleto

Evolução Recente das Contas Públicas no Brasil e Impactos sobre os Municípios. - Prof. Claudio Burian Wanderley-

Evolução das Despesas Federais

Nota Técnica Sobre o Lucro Recente do BNDES

A EVOLUÇÃO DAS FINANÇAS MUNICIPAIS

Programação Orçamentária 2012

Estatísticas Fiscais de Estados

A Crise Fiscal : Desafios e Oportunidades para o Federalismo Brasileiro. Julho de 2016

Nota Técnica Sobre o Lucro Recente do BNDES

SEMINÁRIO PERSPECTIVAS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

Podem os Estados da Região Sul não contraírem dívidas por quatro anos?

Brasil: Conjuntura e Perspectivas. Prof. Dr. Fernando Sarti

A Política Fiscal Brasileira em Tempos de Crise

Conjuntura Março. Boletim de AGRAVAMENTO DAS CRISES ECONÔMICA E POLÍTICA INDUZ MUDANÇAS NO PAÍS. PIB dos serviços recua 2,1% em 2015

no Mercado de Trabalho Brasileiro

4. POLÍTICA FISCAL E DÍVIDA PÚBLICA

INDICADORES CONTAS PÚBLICAS

Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias Miriam Belchior Ministra de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão Abril de 2014

CONJUNTURA ECONÔMICA. Por Luís Paulo Rosenberg. Junho/ 2013

Custos e Benefícios Fiscais do PSI e Empréstimos do Tesouro ao BNDES. 19 de agosto de 2010

Agosto/2016 Limeira-SP Subseção Sindsep-SP

CONJUNTURA ECONÔMICA E FINANÇAS PÚBLICAS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Finanças Públicas Resultado Primário DÍVIDA PÚBLICA ENTENDER PARA AGIR. Prof. Moisés Ferreira da Cunha Colaboração: Prof. Everton Sotto Tibiriçá Rosa

IGEPP--ANAC ª Fase Prof. Waldery Rodrigues Jr. Finanças Públicas. Dissertação de Finanças Públicas

Controle financeiro pessoal em épocas de crise. Dicas práticas para melhorar o controle financeiro pessoal

A PREVIDÊNCIA E OS QUÍMICOS DO ABC. Santo André, 16 de setembro de 2016

Ambiente econômico nacional e internacional

RELATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO

Setor Externo: Expansão das Exportações Revigora a Economia

Crise Fiscal e Administração Pública no Brasil

Boletim Econômico Edição nº 23 abril de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico

PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL O DESMANCHE DO SUS

Programação Orçamentária. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS

PANORAMA E DESAFIOS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA. Bruno Leonardo

A Reforma da Previdência

Financiamento de Desenvolvimento Seminário da RedeD IE- UNICAMP - Dia 10/05/12: 08:30 às 10:30

Pesquisa Anual da Indústria da Construção. Paic /6/2012

Contas públicas estaduais em 2015: melhora do resultado primário, mas piora do perfil fiscal

Qual desenvolvimento queremos?

Finanças Públicas: o Difícil Caminho das Metas Fiscais

Audiência Pública - CAE Situação Fiscal dos Estados Secretaria de Estado da Fazenda

O comportamento das finanças próprias municipais em 2010

Carga Tributária Líquida

Setor Externo: Ajuste Forçado e Retomada da Economia Brasileira

Consultoria. Conjuntura Econômica e Perspectivas Setembro/2016. Juan Jensen

Economia Brasileira em Perspectiva

EXPANSÃO E DILEMAS NO CONTROLE DO GASTO PÚBLICO FEDERAL * O CRESCIMENTO DO GASTO PÚBLICO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:

A DÍVIDA PÚBLICA E A PREVIDÊNCIA SOCIAL

Crise Financeira e Finanças Subnacionais em Perspectiva Comparada São Paulo, 2 de Abril de Rafael Barroso Economista, Banco Mundial

GRÁFICOS DE CONJUNTURA Volume I. Por João Sicsú e Ernesto Salles

Sobre a qualidade do superávit primário

A previdência social no Brasil: Uma visão econômica

Previdência Complementar para Todos. Prof. Roberto Macedo

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. ORÇAMENTO Fechamento

A situação da Seguridade Social no Brasil

Em 2016, trabalhadores lutarão por emprego, renda e em defesa da Previdência pública

CONSTRUÇÃO. boletim. Trabalho e APESAR DO DESAQUECIMENTO DA ECONOMIA, GERAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL MANTÉM CRESCIMENTO

Evolução dos Gastos Federais com Saúde (cresceu depois de extinta a CPMF) 1

Diagnós0co e Ações Corre0vas para as Contas Públicas

Programação fiscal Ministério da Fazenda Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão

MINISTÉRIO DA FAZENDA

O perigo da depressão econômica

Finanças Públicas. Dinâmica da Dívida Pública CAP. 9 GIAMBIAGI

Impacto do aumento do salário mínimo nas contas municipais

Financiamento Orçamentário

ESPECIALISTAS EM PEQUENOS NEGÓCIOS

PEC 01/2015, 04/2015, 143/2015 e 241/2016 e seus efeitos sobre o financiamento do SUS

NÍVEL DE ATIVIDADE, INFLAÇÃO E POLÍTICA MONETÁRIA A evolução dos principais indicadores econômicos do Brasil em 2007

ESPECIALISTAS EM PEQUENOS NEGÓCIOS

Boletim Econômico Edição nº 72 outubro de 2015 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico

Congresso de Fundação da Força Sindical do Distrito Federal Mercado de trabalho e negociação coletiva no DF

Fontes de Financiamento. Fernando Nogueira da Costa Professor do IE-UNICAMP

O desempenho recente da Caixa Econômica Federal e os desafios para a ação sindical na Campanha de 2016

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - BNDES RELATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO 31 DE DEZEMBRO DE 2004

Os desafios da economia. Economista Ieda Vasconcelos Reunião CIC/FIEMG Outubro/2014

Brasília, 16 de dezembro de 2015 BALANÇO DE 2015 E PERSPECTIVAS PARA 2016

13 o salário deve injetar R$ 84,8 bilhões na economia

Cenários Econômicos e Ambiente dos Negócios. Prof. Antonio Lanzana Outubro 2016

Os efeitos da PEC 55 na Saúde / SUS

PESQUISA FEBRABAN DE PROJEÇÕES MACROECONÔMICAS E EXPECTATIVAS DE MERCADO

SEGURIDADE X PREVIDÊNCIA RESULTADOS E NOVAS REFORMAS. Floriano Martins de Sá Neto. Vice-Presidente de Política de Classe ANFIP.

A Realidade e as Soluções

Entre 28 e 31/12/2013

Transcrição:

Gasto Fiscal em 2012: uma rápida análise Mansueto Almeida Economista da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do IPEA em Brasília O Tesouro Nacional publicou hoje as despesas do governo federal em 2012. O que pretendo nesta breve nota é destacar alguns pontos que considero importante para o debate. Vou tentar ser o mais didático possível e, infelizmente, não tenho tempo de aprofundar a análise nesses dias. (1) Primeira lição: temos uma carga tributária elevada porque o gasto não para de crescer. É simples assim. Um primeiro ponto para destacar é que, em 2012, o crescimento do gasto público federal primário (não inclui juros) foi expressivo: R$ 80 bilhões ou 0,75 ponto do PIB. Desde 2000, como porcentagem do PIB, o crescimento do gasto primário do governo federal só foi maior em 2001, 2005 e 2009. Mas em todos esses anos o investimento aumentou (% do PIB) e agora caiu. Em relação a 1999, quando o país passou a gerar superávit primário, o crescimento da despesa primária do governo feeral foi de 3,75 ponto do PIB até 2012. Nesse mesmo período, a receita líquida do governo federal passou de 16,38% do PIB para 19,96% do PIB crescimento de 3,60 ponto do PIB. Gráfico 1 Despesa Primário do Gov. Federal (% do PIB) -1997-2012 OBS: exclui capitalização da Petrobras em 2010. Não há mistério algum. No Brasil, a carga tributária cresce para acompanhar o crescimento de despesa. A nossa economia se dá por aumento de carga tributária e não por queda da despesa.

(2) Segunda lição: O Brasil não consegue fazer política anticíclica pelo lado do gasto. Assim, o aumento de gasto, mesmo em anos de crise, se dá em cima de gastos permanentes, o que aumenta o peso do Estado na economia. A despesa primária passou de R$ 724,4 bilhões, em 2011, para R$ 804,7 bilhões, em 2012. Desse crescimento de R$ 80 bilhões, o crescimento do investimento público foi de apenas R$ 6,8 bilhões e mesmo assim por causa dos subsídios ao Minha Casa Minha Vida que antes eram custeio e passaram, a partir de 2012, a serem considerados investimentos. Se retirarmos o Minha Casa Minha Vida da estatística de investimento público, o investimento cresceu apenas R$ 648 milhões, passando de R$ 47,5 bilhões, em 2011, para R$ 48,14 bilhões, em 2012. Isso significa que faltou espírito animal ao setor público e que o brutal aumento de gasto público foi permanente. Não tem como voltar atrás nos próximos anos. Esse comportamento é muito semelhante ao que aconteceu, em 2009, quando a despesa primária cresceu R$ 74,2 bilhões e o investimento cresceu apenas R$ 5,8 bilhões. O padrão de gasto de 2012 foi muito semelhante ao de 2009, com duas diferenças: o crescimento do gasto com pessoal agora foi muito menor, mas o crescimento do investimento menor. E o custeio piorou. Gráfico 2 Investimento Público % do PIB (1999-2012) Sem Minha Casa Minha Vida. Fonte: investimento público GND-4 e GND-5 menos empréstimos. (3) Terceira lição: o crescimento do gasto em 2012 foi mais ou menos geral, com exceção do gasto com pessoal e investimento. Há diversas formas de olhar a despesa pública. Um das coisas que gosto de fazer é trabalhar com o custeio mais desagregado, subdividido em quatro contas: (i) INSS; (ii) custeio de programas sociais de transferência de renda (LOAS, despesas do FAT, bolsa família, e outros benefícios assistenciais); (iii) custeio dos programas de educação e saúde; e (iv) uma categoria residual que chamo de custeio administrativo. Nessa

última categoria entra todas as demais despesas de custeio (passagens de avião, minha casa minha vida, subsídios ao PSI, etc.). O que os dados mostram? Bom, de 1999 a 2011, como % do PIB, 87% do crescimento da despesa primária pode ser explicada por apenas duas despesas de custeio: INSS e gastos de custeio dos programas sociais de transferência de renda. De 2011 a 2012, o crescimento da despesa é quase geral, com exceção da despesa de investimento e despesa com pessoal. Tabela 1 - Despesa Primária Federal % do PIB (1999-2012) OBS: o item outros correspondem as transferências do Tesouro ao Banco Central e despesas do Banco Central. Elaboração: Mansueto Almeida. Até mesmo a despesa que chamo de custeio administrativo aquela parte do custeio que não é gasto social, previdência ou despesa com as funções saúde e educação, cresceu 27,7%. Essa conta cresceu, em valor nominal, R$ 12,8 bilhões; sendo R$ 3,6 bilhões desse crescimento devido ao programa Minha Casa Minha Vida. (4) Quarta Lição: Nos últimos três anos, o gasto com pessoal caiu em meio ponto do PIB e atingiu o menor valor (% do PIB) desde 1997. Qual foi a mágica? O governo controlou a taxa de crescimento. Quando alguém fala em controlar a despesa pública muita gente fala mal de quem sugere tal controle. Mas os menores reajustes ao funcionário público nos últimos três anos reduziu esse gasto em meio ponto do PIB. Não houve mágica. O que se fez foi algo muito simples o total de despesa cresceu muito abaixo do crescimento do PIB nominal.

Taxa de Crescimento Despesa com Pessoal 1998-2012 Taxa de Crescimento Despesa Pessoal x Tx de Crescimento do PIB (nominal) Almeida Elaboração: Mansueto Essa é a boa notícia. A notícia ruim é que a forte economia com despesa com pessoal não deverá se repetir ao longo dos próximos anos. A grande maioria das carreiras do setor público federal conseguiu negociar reajuste de 5,2% ao ano pelos próximos três anos e, assim, a despesa com pessoal dever crescer mais próximo de 7% ao ano. É uma conta que deverá continuar cair (% do PIB), mas não na velocidade observada dos últimos anos. A propósito, a despesa com pessoal caiu 0,5 ponto do PIB nos últimos três anos e, no mesmo período, a despesa primária cresceu 0,57 ponto do PIB. A economia com pessoal não foi e nem será suficiente para compensar o aumento dos outros gastos, apesar de ter sido importantes nos últimos três anos. (5) Quinta Lição: Não há espaço fiscal para fortes desonerações fiscais e há uma montanha de gastos que foram atrasados para este ano. Todo mundo no Brasil sonha em comprar carros pelo preço que se paga nos EUA, pagar menos impostos e ter acesso a ensino público de qualidade. Isso ainda vai demorar porque, pelas regras atuais e independentemente do crescimento do PIB, a tendência é que a despesa primária continue crescendo como % do PIB.

A regra atual de reajuste do salario mínimo cria uma indexação de despesa pública que tem um custo elevadíssimo e, assim, a solução para o próximo presidente será ou renegociar essa regra ou começar uma reforma gradual da previdência. E se não fizermos nada? Bom, se não fizermos nada a despesa primária vai continuar crescendo e o seu financiamento decorrerá da combinação da economia de juros com o aumento da carga tributária. E o nosso crescimento pelos próximos dez anos continuará dependente de um novo ciclo de alta de commodities. O que não abordei nesta post e que ficará para um próximo é o detalhamento dos restos a pagar e sua relação com as despesas de custeio e investimento. O crescimento dos restos a pagar merece uma análise especifica porque tem muitos detalhes. Mas fica para outra oportunidade. Para fechar essa nota, cabe a segunite pergunta: A situação fiscal do Brasil é boa? Bom, se boa para você for gerar um primário que já foi reduzido para algo entre 2% e 2,5% do PIB, sem que tenha ocorrido aumento de investimento a situação é boa. Mas não é boa quando se tem em mente que esse modelo só se sustenta com uma carga tributária elevada, apesar das pequenas flutuações da arrecadação (% do PIB) no curto-prazo.