Nota Técnica Sobre o Lucro Recente do BNDES

Transcrição

1 1 Nota Técnica Sobre o Lucro Recente do BNDES Mansueto Almeida Versão atualizada de 18 de abril de Em 2010, o lucro líquido do BNDES foi de R$ 9,9 bilhões, um crescimento de 47% em cima do lucro do ano anterior de R$ 6,7 bilhões. Como é de conhecimento público, desde o final de 2008, o governo federal vem emprestando recursos ao BNDES por meio de novas emissões do Tesouro Nacional, que aumentam a divida pública. Como se observa na tabela abaixo, os empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos passaram de R$ 9,6 bilhões, em 2006, para R$ 315 bilhões, em 2011, já computando as duas últimas operações de empréstimos anunciadas: R$ 55 bilhões e R$ 5 bilhões. Tabela 1 Empréstimos do Tesouro para Bancos Públicos ( ) R$ bilhões Fonte: Banco Central, Tesouro Nacional e BNDES 2. Sabe-se que esse não é um meio sustentável de fortalecimento do banco, pois esses empréstimos tem como contrapartida um aumento na divida bruta mais cara do que o retorno que o Tesouro recebe desses empréstimos para o BNDES e, assim, essas operações tem um impacto fiscal pelo diferencial de juros entre SELIC e TJLP, que impacta no crescimento da Divida Liquida do Setor Público (DLSP). Adicionalmente, para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), há ainda um impacto fiscal extra representado pelo subsidio que é dado com recursos orçamentários para as linhas de empréstimos desse programa. 3. O que não se conhecia, até o momento, é que os empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES têm propiciado uma crescente aplicação do banco em títulos e valores mobiliários, em especial, títulos públicos e disponibilidades financeiras. Isso tem aumentado, artificialmente, o lucro do banco. Não se sabe se esse movimento do banco é intencional ou induzido pelo Tesouro Nacional, pois do ponto de vista econômico não faz o mínimo sentido o Tesouro Nacional repassar recursos em títulos públicos para o BNDES e deixar que o banco fique usufruindo de um rendimento maior (SELIC) que a correção de sua dívida pela TJLP antes desses recursos serem efetivamente emprestados. 4. É possível que o aumento do lucro do BNDES por meio dessas operações seja induzida pelo Tesouro para transformar um aumento da divida em maior lucro para o banco, que aumentaria o pagamento de dividendos ao Tesouro. Em outras palavras, ao permitir que o BNDES faça arbitragem com o recursos repassados a ele, o Tesouro estaria transformando um crescimento da divida bruta em receita primária para ele Tesouro (pagamento de dividendos do BNDES para o Tesouro) ou transformando um resultado pior no abaixo da linha em um resultado melhor no acima da linha 1. 1 Para aqueles não familiarizados com as contas fiscais, o resultado primário pode ser apurado de duas formas. Um das formas é simplesmente contabilizar as receitas do governo e retirar as

2 2 Como se observa no gráfico abaixo, desde 2008 quando começou os empréstimos do Tesouro Nacional para o BNDES o banco passou a transferir cada vez mais dividendos para o Tesouro ao mesmo tempo em que o Tesouro aumentava a divida bruta para emprestar mais recursos ao BNDES. Gráfico 1 Pagamento de dividendos pelo BNDES ao Tesouro Nacional R$ bilhões Fonte: BNDES 5. Pode-se notar no gráfico do lucro abaixo, que o pagamento de dividendos do banco ao Tesouro não tem correlação com o lucro. O lucro do BNDES em 2007 (R$ 7,3 bilhões) foi maior do que em 2009 (R$ 6,7 bilhões), mas, em 2007, o pagamento do dividendos foi de R$ 0,9 bilhão contra R$ 14,45 bilhões em Como o banco precisa de funding novo para novos empréstimos, o correto seria reter o pagamento de dividendos. No entanto, o Tesouro demanda transferências crescentes do BNDES para gerar receita primária, mesmo que, em seguida, sejam necessárias novas emissões para empréstimos novos ao banco. Gráfico 2 Lucro Anual do BNDES (R$ bilhões) Fonte: BNDES despesas não financeiras. Esse é o critério acima da linha. A outra forma é computar a variação da Divida Liquida do Setor Público (DLSP) em mercado e retirar, em seguida, o pagamento dos juros. Essa é a forma de apuração pelo abaixo da linha.

3 3 6. É esse tipo de operação de criar receita primária por meio de divida que se chama de contabilidade criativa: (1) o Tesouro aumenta a divida; (2) empresta recursos ao BNDES que não tem recursos suficientes e precisa de novos aportes do Tesouro, mas mesmo assim aumenta o recolhimento de dividendos além de comprar dividendos que o Tesouro tem a receber de outras estatais (Eletrobrás), e (3) Tesouro aumenta a receita primária. Essa ciranda financeira é um fenômeno novo na história recente do BNDES, que cada vez mais se transforma em um braço de atuação do seu agente controlador, o Tesouro Nacional, e lembra muito das operações de baixa transparência fiscal que tanto caracterizaram a relação entre bancos estaduais e seus controladores. Que o BNDES é cada vez mais um braço de atuação do Tesouro Nacional não resta dúvida, como se observa a crescente importância do Tesouro no passivo total do banco, que passou de uma média de 10% de 2001 a 2007 para 51,4% em Gráfico 3 Participação do Tesouro Nacional no passivo do BNDES Fonte: Balanços BNDES A CIRANDA COM TITULOS PÚBLICOS 7. A tabela 2 abaixo mostra os resultados do BNDES com aplicações em Títulos e Valores Mobiliários na primeira coluna e, nas demais colunas, indicadores do lucro do banco e a participação dos empregados no lucro. Há dois fatos que chamam atenção. Primeiro, o crescimento do resultado de aplicações em títulos e valores mobiliários. Segundo, o forte crescimento da participação dos empregados no lucro do banco nos últimos dois anos, justamente o período caracterizado pelos repasses do Tesouro Nacional. Tabela 2 Resultado de Aplicações em Títulos e Valores Mobiliários e Lucro do BNDES ( ) R$ milhões Fonte: BNDES, resultado consolidado.

4 4 8. É claro que parte do resultado de títulos e valores mobiliários decorre de aplicações em títulos privados e ações. No entanto, o gráfico 4 abaixo mostra que, de 2005 a 2007, as aplicações diretas do BNDES em títulos públicos que eram de apenas R$ 1 bilhão passam a crescer substancialmente a partir de Esses títulos rendem juros para o BNDES (SELIC) maior do que a correção de sua divida junto ao Tesouro Nacional (TJLP) permitindo ao banco um ganho substancial de aplicações em títulos públicos. Gráfico 4 Aplicações do BNDES em Títulos Públicos R$ Bilhões Fonte: Balanços BNDES 9. O ganho do BNDES com essas operações aparece de forma clara nas notas explicativas do balanço do BNDES, o que mostra que o forte crescimento do resultado do banco com títulos e valores mobiliários é fruto do aumento de mais de 600% do resultado com títulos públicos. Em 2008, o resultado de aplicações em títulos públicos, foi de 0,81 bilhões e, em 2010, R$ 5,90 bilhões. Esse retorno não representa nenhum esforço para o BNDES já que o banco já recebe os títulos que rendem SELIC do Tesouro e se apropria do diferencial de juros (em relação à TJLP) antes que esses títulos sejam transformados em recursos e emprestados para atividades produtivas. Gráfico 5 Resultado do BNDES consolidado com aplicações em Títulos Públicos (R$ bilhões)!*$%%!!!)$,%!!!)$%%!!!($%%!!!'$#(!!!'$%%!!!&$%%!!!#$%%!!!"!!!!!%$+#!! &%%+! &%%,! &%#%! Fonte: Nota Explicativa 26.2 pp do Balanço de 2010 e Nota Explicativa 25.2 do Balanço de 2009, pp Se fizéssemos um exercício contra fatual, admitindo que o retorno do BNDES com aplicações em títulos públicos, em 2010, fosse o mesmo que em 2008 (R$ 0,81

5 5 bilhões), o lucro do banco seria reduzido de R$ 9,9 bilhões para R$ 4,8 bilhões, um valor inferior ao resultado de 2006, 2007, 2008 e Assim, o lucro do BNDES, em 2010, foi fortemente influenciado pelo resultado em títulos públicos, além do ganho de R$ 2,8 bilhões que decorreu da baixa da provisão para risco de crédito decorrente da renegociação da dívida da empresa americana AES que foi vendida para o grupo Andrade Gutierrez. Se retirarmos essa baixa da provisão para devedores duvidosos, que não é um ganho recorrente, o lucro do BNDES cai para apenas R$ 2 bilhões, um lucro pequeno frente ao crescimento dos desembolsos do banco. Gráfico 5 Desembolsos do BNDES ( ) Fonte: BNDES 11. Por fim, o além do forte crescimento no resultado com títulos públicos, a outra aparente anormalidade no balanço recente do BNDES foi o forte aumento da participação dos funcionários no lucro (PL) do banco, que passou de R$ 53,9 milhões (2008) para 159 milhões (2010), um crescimento de 194%. No entanto, esse forte crescimento pode ser explicado por três fatores 2. Primeiro, o BNDES vinha pagando aos seus funcionários abaixo do teto de três salários por exigência do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST). Ou seja, ao longo dos últimos anos, os funcionários poderiam ter ganho 3 salários por ano, mas não ganharam. Este redutor vinha sendo de 10%, ao longo dos últimos anos. 12. Segundo, em 2010, o presidente do banco, Luciano Coutinho, conseguiu aprovar, pela primeira vez, o pagamento do limite máximo de três salários, o que impactou fortemente o montante do valor desembolsado a título de PL. Terceiro, outro efeito importante, que explica o aumento expressivo do PL, é o aumento do número de funcionários do Banco. No início do governo Lula, o BNDES tinha pouco menos de dois mil funcionários, e este número permaneceu razoavelmente estável por algum tempo. No entanto, ao longo dos últimos anos, ele cresceu cerca de 50% em relação àquele patamar inicial. Adicionalmente, a administração atual criou inúmeras áreas e departamentos novos, o que deu margem também à criação de dezenas de novos 2 Essas explicações foram enviadas por funcionários do BNDES em resposta a primeira versão dessa nota que, de forma equivocada, aludia que a participação dos funcionários do lucro do banco poderia ser um subproduto do forte crescimento do lucro do banco inflado pelas operações com títulos públicos.

6 6 cargos em comissão. Como os valores dessas comissões representam um percentual expressivo do salário-base, os novos comissionamentos também impactaram fortemente o valor do desembolso referente à PL. 13. Adicionalmente, ao contrário do aludido em versão anterior desta nota, a participação dos funcionários no lucro do BNDES não está relacionado ao lucro do banco e, assim, o lucro maior do banco decorrente do aumento do resultado com títulos públicos não afetou o PL dos funcionários, segundo informações de prestadas por funcionários do banco que afirmaram que o critério de distribuição do PL está ligado a outros fatores, inclusive, recuperação dos salários em relação as demais carreiras de estado. 14. Essa nota levantou a dúvidas sobre o que parecia ser um excepcional resultado do BNDES em A tese defendia nesta nota é que, nos últimos dois anos, o lucro do banco foi fortemente influenciado por suas aplicações em títulos públicos. É importante lembrar que o Tesouro poderia evitar que o BNDES se apropriasse do diferencial de juros. Bastaria adotar a mesma regra que se adota para os bancos operadores dos Fundos Constitucionais de Financiamento (ver Art.4 o da Lei /2001): Art. 4 o : Os saldos diários dos recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, do FINOR, do FINAM e do FUNRES, bem como dos recursos depositados na forma do art. 19 da Lei no 8.167, de 16 de janeiro de 1991, enquanto não desembolsados pelos bancos administradores e operadores, serão remunerados com base na taxa extra-mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil. (Redação dada pela Lei nº , de ). 15. O BNDES é um banco importante para o Brasil e para o financiamento da atividade produtiva. Assim, espera-se que a maior parte do lucro desse banco decorra de sua atividade fim que é emprestar para empresas em atividade produtivas e não de aplicações em títulos e valores mobiliários, em especial, aplicações em títulos públicos como parece ser o caso nos últimos dois anos. Produzir lucro por meio de operações típicas de um Fundo de Investimento não deve ser o objetivo principal do banco e não foi para isso que a sociedade brasileira autorizou os repasses do Tesouro Nacional ao BNDES.