Avaliação higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados de uma cidade do Sudeste do Brasil



Documentos relacionados
Padrão de Respostas Prova Discursiva

Anais da 3ª Jornada Científica da UEMS/Naviraí

Boas Práticas de Fabricação

CHECK - LIST - ISO 9001:2000

Profª Drª Rita Akutsu

Art. 1º - O artigo 104 do Decreto Estadual nº , de 20 de fevereiro de 1987, passa a vigorar com a seguinte redação:

REVISTA SAÚDE TRABALHAR COM TRABALHAR COM A POR ONDE COMEÇAR? 29/9/2010 SETEMBRO DE 2010 UFSM UFSM. PPHO na Indústria de Laticínios

Guia de Boas Práticas

PROGRAMA DE SUSTENTABILIDADE NAS UNIDADES DE SAÚDE

Comida de Rua: segurança alimentar e critérios de fiscalização sanitária. Andréa Barbosa Boanova

Dispõe sobre a implementação de estrutura de gerenciamento do risco operacional.

PROJETO DE LEI Nº, DE 2011

Convenção de Condomínio para prédios verdes

IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO DO TRABALHO SEGURO SGTS NA LIGHT

SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL ABNT NBR ISO 14001

Sumário. (11)

SISTEMA DA GESTÃO AMBIENTAL SGA MANUAL CESBE S.A. ENGENHARIA E EMPREENDIMENTOS

Desdobramentos do Programa de Monitoramento Estadual da Qualidade de Cosméticos 2006 Ações da GVMC/SVS/MG CATEC ANVISA/MS.

A SECRETARIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, no uso de suas atribuições legais, e

CONTRATAÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO PARA PRODUTOS DE HIGIENE PESSOAL, COSMÉTICOS E PERFUMES

adota a seguinte Resolução de Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação:

CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE TERCEIRIZAÇÃO PARA PRODUTOS FARMACÊUTICOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL

Atividade: COBIT : Entendendo seus principais fundamentos

Política de Gerenciamento do Risco Operacional Banco Opportunity e Opportunity DTVM Março/2015

O Banco Central do Brasil em 29/06/2006 editou a Resolução 3380, com vista a implementação da Estrutura de Gerenciamento do Risco Operacional.

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

TERMO DE REFERÊNCIA PARA A ELABORAÇÃO DE PLANOS DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS - PGRS

POLÍTICA DE GERENCIAMENTO DE RISCO OPERACIONAL

AUDITORIA DE DIAGNÓSTICO

2. Função Produção/Operação/Valor Adicionado

Entrevista n.º Quais são as suas responsabilidades em termos de higiene e segurança?

Diário Oficial da União Seção 1 DOU 26 de julho de 1999

DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA EMISSÃO DO ALVARÁ SANITÁRIO. Área de Medicamentos e Produtos de Interesse à Saúde (AMPIS)

LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES HIGIÊNICO-SANITÁRIAS EM UM RESTAURANTE POPULAR DE TERESINA-PI

QUESTIONÁRIO DO MERENDA ESCOLAR. MERENDA ESCOLAR Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

Segurança Operacional em Máquinas e Equipamentos

Pesquisa Mensal de Emprego

6ª BENTOTEC: Feira Cultural e Tecnológica. Etapas. Entrega do regulamento e modelo de projeto para todos os alunos 31 de março

O que faz um Responsável Técnico em Restaurantes comerciais

Sitec Power Soluções em Energia ENERGIA REATIVA E FATOR DE POTÊNCIA

Sistemas de Gestão Ambiental O QUE MUDOU COM A NOVA ISO 14001:2004

RDC Nº 48, DE 25 DE OUTUBRO DE 2013

SÉRIE ISO SÉRIE ISO 14000

6 Conclusão Conclusão Resultados finais Resultados diretos

ESTRUTURA DE GERENCIAMENTO DE RISCO DE CRÉDITO

TENDO EM VISTA: O Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e as Resoluções Nº 31/97 e 09/01 do Grupo Mercado Comum.

POLÍTICA DE SEGURANÇA, MEIO AMBIENTE E SAÚDE (SMS) Sustentabilidade

Shopping Iguatemi Campinas Reciclagem

Política de Gerenciamento de Risco Operacional

1.1. Nutricionista Entrevistado(a) CRN- Estatutário [ ] Celetista [ ] Contratado [ ] Concursado Celetista [ ] Outro [ ] CRN- RT / QT

DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA - Hipóteses de Incidência, Cálculo e Formas de Recolhimento. Matéria elaborada com base na Legislação vigente em:

Projeto Manutenção Preditiva. Análise de vibrações.

SÚMULA DAS NORMAS REGULAMENTADORAS NR S. Objetivo: Instruir quanto ao campo de aplicação das NR s e direitos e obrigações das partes.

PROJETO DE LEI N o, DE (Da Sra. MANINHA) O Congresso Nacional decreta:

Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA Gerência-Geral de Tecnologia de Produtos para a Saúde - GGTPS

Reportagem Gestão de Resíduos

O termo compliance é originário do verbo, em inglês, to comply, e significa estar em conformidade com regras, normas e procedimentos.

22/06/2015. Cronograma finalização da disciplina GA I. Instrumentos de Gestão Ambiental. ambiental. Auditoria Ambiental

Estabelece os requisitos mínimos e o termo de referência para realização de auditorias ambientais.


Política de Gerenciamento de Risco Operacional. Departamento Controles Internos e Risco

5º WORSHOP DO ALGODÃO AMPASUL NOÇÕES BÁSICAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO RURAL

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

1.5. Dados pessoais que devem constar na receita médica Validade das receitas de medicamentos antimicrobianos

APRESENTAÇÃO. Sistema de Gestão Ambiental - SGA & Certificação ISO SGA & ISO UMA VISÃO GERAL

RENASES LISTA 2012 V I G I L Â N C I A S A N I T Á R I A

PROGRAMA PARA CAPACITAÇÃO DE INSPETORES PARA A VERIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO DE PRODUTOS MÉDICOS

NOTA TÉCNICA SOBRE A RDC Nº

RESOLUÇÃO - RDC Nº. 176, DE 21 DE SETEMBRO DE 2006.

Gerenciamento de Problemas

MODELO PARA ENVIO DE CONTRIBUIÇÕES REFERENTE À AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 052/2005

TRANSIÇÃO DAS CERTIFICAÇÕES DOS SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE E SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL, PARA AS VERSÕES 2015 DAS NORMAS.

Alimentos Minimamente Processados : controle sanitário e legislação

ANAIS 2010 ISSN IMPLANTAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO EM EMPRESAS DO RAMO ALIMENTÍCIO

NORMA PROCEDIMENTAL SEGURANÇA NO AMBIENTE DE TRABALHO E USO DO EPI

RESOLUÇÃO RDC ANVISA Nº 345, DE 16 DE DEZEMBRO DE (D.O.U. de 19/12/02)

TENDO EM VISTA: O Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e as Resoluções Nº 91/93, 151/96 e 21/01 do Grupo Mercado Comum.

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA

PRÊMIO ESTANDE SUSTENTÁVEL ABF EXPO 2014

OBJETIVO DEFINIÇÕES. Para os efeitos deste Manual, define-se como: I MAPA: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

Ivo Bucaresky CONBRAFARMA. Diretor ANVISA. Agosto de 2015

5 Análise dos resultados

Gerenciamento de software como ativo de automação industrial

INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

C.P.A COMISSÃO PRÓPRIA DE AVALIAÇÃO

S/SUBVISA/SVFSZ/UJV Unidade de Diagnóstico, Vigilância, Fiscalização Sanitária e Medicina Veterinária Jorge Vaitsman

Manual Brasileiro NR: MA 7 Pág: 1/1 de Acreditação - ONA Data de Emissão: 01/12/2003. INFRA-ESTRUTURA Data desta Revisão: 06/03/2006

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

Aplicação Prática de Lua para Web

FARMÁCIAS E DROGARIAS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA REITORIA ANEXO I. PROJETO DE

Processo de Implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade

VIII Simpósio Internacional de Inocuidade de Alimentos

ESPECÍFICO DE ENFERMAGEM PROF. CARLOS ALBERTO

(HOJE É FEITO POR PETICIONAMENTO ELETRÔNICO NO SITE DA ANVISA)

Transcrição:

Avaliação higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados de uma cidade do Sudeste do Brasil Assessment of hygiene, sanitary, physical and structural aspects of supermarkets in a Southeastern city in Brazil Resumo Embora os supermercados sejam o principal local de venda de alimentos no Brasil, são pouco estudados em relação aos aspectos sanitários. Em Ribeirão Preto, representam o principal local de venda de alimentos para todas as classes sociais, ao mesmo tempo que vêm sendo causa de número crescente do total de reclamações feitas à Divisão de Vigilância Sanitária (Visa) do município. Esta investigação, conduzida durante as inspeções de rotina da Divisão de Vigilância Sanitária, avaliou as condições higiênico-sanitárias e físico-estruturais de todos os supermercados (58) de Ribeirão Preto, utilizando-se a Ficha de Inspeção de Estabelecimentos da Área de Alimentos (FIEAA) como instrumento padronizador. Os seguintes itens foram classificados como deficientes: edificações, equipamentos, utensílios, matérias-primas, produtos prontos e fluxo de produção. O item relativo ao pessoal de produção, manipulação e venda foi classificado como regular. Na classificação final, 46 estabelecimentos (79,3%) foram considerados deficientes, 11(19,0%) regulares, e 1(1,7%) bom. Recomendam-se algumas alterações na legislação, tais como a obrigatoriedade de contratação de profissional capacitado na área de alimentos e a mudança dos critérios de classificação sanitária dos estabelecimentos de alimentos. Palavras-chave: Supermercados. Avaliação higiênico-sanitária. Segurança alimentar. Vigilância Sanitária. Dario Valente Divisão de Vigilância Sanitária Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto Av. Presidente Kennedy, 2634 14095-220 Ribeirão Preto - SP valentedario@uol.com.br Afonso Dinis Costa Passos Departamento de Medicina Social Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo 80

Abstract Introdução Although they are the main food sales sites in Brazil, supermarkets remain understudied, especially in relation to hygiene and sanitary aspects. In the city of Ribeirão Preto, supermarkets are the main food sales outlets for all social classes, although they have been generating an increasing number of complaints to the city s Division of Sanitary Surveillance (DSS). This investigation, conducted during DSS s routine inspections, evaluated the hygiene, sanitary, physical and structural aspects of all the 58 supermarkets in Ribeirão Preto, using a standard tool. Construction, equipment, utensils, raw materials, ready-made products and production flows were classified as insufficient, whereas production, manipulation and sales staff were considered regular. In the final classification, 46 (79.3%) supermarkets were considered insufficient, 11 (19.0%) regular and only 1 (1.7%) good. Some changes in legislation are suggested, such as obliging employers to hire a food expert, as well as changing the criteria used for classifying establishments in relation to sanitary aspects. Key Words: Supermarkets. Sanitary inspections. Food safety. Sanitary Surveillance. A segurança alimentar é um desafio atual e visa a oferta de alimentos livres de agentes que podem pôr em risco a saúde do consumidor. Em razão da complexidade dos fatores, a questão deve ser analisada ao longo de toda a cadeia alimentar 1,2. Assim, a fiscalização da qualidade dos alimentos deve ser feita não só no produto final, mas em todas as etapas da produção, desde o abate ou colheita, passando pelo transporte, armazenamento e processamento, até a distribuição final ao consumidor 3-6. Definidos como comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios, e com área de venda entre 300 e 5.000 m 2, os supermercados representam hoje o principal local de comércio de alimentos nas cidades de médio e grande porte 7-9, constituindo, portanto, setor significativo da economia brasileira e elo sensível e relevante quando se analisa a segurança alimentar 10. Indicativo disso é o fato de os supermercados terem sido responsáveis por parcela significativa das reclamações feitas à Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde (Visa-SMS) de Ribeirão Preto, representando 6,7% do total de queixas em 1999 (40/596) e 7,9% (58/ 734) em 2000. Apesar de sua relevância, os supermercados têm sido muito pouco estudados no Brasil 10, principalmente em relação aos aspectos sanitários. Em conseqüência, a carência de dados não permite traçar um perfil da adequação desses estabelecimentos em termos de aspectos sanitários básicos e de cumprimento da legislação vigente. Este trabalho foi desenvolvido com vistas a levantar subsídios sobre essa questão, através da avaliação da condição higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados numa cidade de médio porte do Estado de São Paulo, de maneira que possam ser sugeridas medidas corretivas que efetivamente proporcionem uma melhoria da condição sanitária desses estabelecimentos. Assim, o trabalho foi realizado com os seguintes objetivos: 81

Avaliar as condições higiênico-sanitárias e físico-estruturais dos supermercados de Ribeirão Preto, visando constatar o cumprimento da legislação e detectar áreas e condições de risco à saúde pública em relação aos itens: situação e condições da edificação; equipamentos e utensílios; pessoal na área de produção/manipulação/ venda; matérias primas e produtos expostos à venda; fluxo de produção, manipulação e venda; controle de qualidade. Classificar os supermercados, aplicandose uma escala numérica de valores aos itens acima. Material e Métodos Este trabalho inseriu-se na rotina de fiscalização da Visa-SMS de Ribeirão Preto. De 4/8/2000 a 5/7/2001, foram inspecionados todos os 58 supermercados cadastrados na Visa-SMS e na Secretaria Municipal da Fazenda que se enquadravam nas definições constantes nos códigos 5211-6/00 (hipermercados) e 5212-4/00 (supermercados) do Anexo I da Portaria CVS n 11 9. Para a avaliação, utilizou-se a Ficha de Inspeção de Estabelecimentos da Área de Alimentos (FIEAA) como instrumento de coleta de dados. Através de norma regulamentadora 11, a FIEAA foi instituída como roteiro padronizador dos procedimentos de inspeção em estabelecimentos da área de alimentos no Estado de São Paulo. A FIEAA divide-se em: A) identificação; B) avaliação; C) pontuação do estabelecimento; D) registro de observações. As partes A e D destinam-se, respectivamente, apenas a identificar o estabelecimento e a permitir o registro de observações originadas da inspeção. A parte B, que constitui o registro das informações relacionadas à avaliação propriamente dita, subdivide-se em cinco grandes blocos: 1) situação e condições da edificação; 2) equipamentos e utensílios; 3) pessoal na área de produção/manipulação/venda; 4) matérias primas/produtos expostos à venda; 5) fluxo de produção/ manipulação/venda e controle de qualidade. A parte C permite calcular a pontuação do estabelecimento a partir da atribuição de um peso específico e de uma constante para cada bloco avaliado. A constante (K) é utilizada com o fim de não penalizar o estabelecimento quando determinado item não for aplicável. A pontuação é feita de acordo com os critérios estabelecidos na Tabela 1. A pontuação de cada bloco é calculada de acordo com a seguinte fórmula: onde: PB- nota do bloco TS- somatório dos itens do bloco que receberam classificação adequada TNA- somatório dos itens do bloco considerados como não aplicáveis K- constante do bloco P- peso específico do bloco A nota total do estabelecimento é calculada pelo somatório das notas de cada bloco, ou seja: NT= PB1 + PB2 + PB3 + PB4 + PB5. A classificação do estabelecimento deficiente, regular, boa, muito boa ou excelen- Tabela 1 Pesos específicos e constantes de cada bloco do item B (Avaliação) Table 1 Specific weights and constants for each block of item B (Evaluation) Bloco Peso específico Constante (K) 1-Situação e condições da edificação P1=10 K1=60 2-Equipamentos e utensílios P2=15 K2=50 3-Pessoal na área de produção/manipulação/venda P3=25 K3=32 4-Matérias primas/produtos expostos à venda P4=20 K4= 24 5-Fluxo de produção/manipulação/venda e controle de qualidade P5=30 K5=53 82

te foi determinada de acordo com a nota total obtida, conforme padronização feita pelo Programa de Inspeção em Estabelecimentos na Área de Alimentos Aspectos Operacionais das Atividades de Inspeção (PIEAA-AOAI)/Versão 03 de março de 1998 12. Com base na pontuação obtida, o PIEAA- AOAI preconiza o seguinte critério de classificação: Deficiente (até 60), Regular (61 80), Boa (81 90), Muito Boa (91 99) e Excelente (100). Para efeito deste trabalho, a FIEAA foi complementada com campos para registro das seguintes informações: área do estabelecimento; nome e grau de instrução do responsável ou gerente; número de funcionários; informações sobre comércio de medicamentos de uso humano e de medicamentos veterinários. Novas inspeções foram programadas considerando-se a classificação do estabelecimento, o risco epidemiológico da atividade e os critérios de retorno para inspeção em estabelecimentos de produtos alimentícios. O risco epidemiológico da atividade do estabelecimento é definido com base nas características dos produtos manipulados no local, nos processos tecnológicos relacionados à produção/preparação dos alimentos e na finalidade de uso ou consumo 12. A equipe responsável era formada por seis fiscais sanitários e um médico veterinário, que haviam participado de um treinamento sobre a utilização da FIEAA, visando à padronização das condutas. Os dados foram codificados e digitados num banco de dados, utilizando-se o Programa Epi-Info 6.04b 13. Resultados A nota média total do conjunto dos supermercados atingiu 44,2, com variação de 14,0 a 82,2 (Tabela 2). Em todos os itens analisados, a nota média foi baixa em relação à nota máxima possível, de modo especial nos Blocos 1, 2, 4 e 5. Considerando-se a nota máxima possível de cada bloco e o critério de classificação do PIEAA-AOAI 12 em valores percentuais, os supermercados obtiveram, em conjunto, classificação regular apenas no Bloco 3, e classificação deficiente nos Blocos 1, 2, 4 e 5. Como pode ser visto na Tabela 3, os supermercados atingiram percentual de deficiência superior a 75% em quatro dos blocos, chegando a 100% em relação às condições e situação da edificação. O bloco referente ao pessoal na área de produção/manipulação/ venda teve o melhor resultado: deficiência igual a 31% e mais de 36% dos supermercados classificados como bons, muito bons ou excelentes. Chama a atenção a ocorrência de um número reduzido de estabelecimentos classificados como bons nos Blocos 2 e 4, em que os percentuais de deficiência chegaram a valores próximos a 90%. De acordo com seu potencial de dano, as deficiências dos supermercados de Ribeirão Preto podem ser classificadas como de risco elevado, médio e baixo. Tabela 2 Notas obtidas pelo conjunto de supermercados de acordo com os blocos avaliados, Ribeirão Preto, 2000/ 2001 Table 2 Grades obtained by the totality of supermarkets according to the blocks evaluated, Ribeirão Preto, 2000/2001 Bloco avaliado Nota média Amplitude das notas Nota máxima possível Menor Maior Edificação 3,2 1,5 5,5 10,0 Equip./utensílios 4,1 0,0 15,0 15,0 Pessoal na área de prod./man./venda 17,0 6,2 25,0 25,0 Matérias-primas/prod. exp. à venda 7,2 0,0 20,0 20,0 Fluxo prod./man./venda/cont. qual. 12,7 0,0 25,0 30,0 Total 44,2 14,0 82,2 100,0 83

Entre as deficiências de risco elevado, destacam-se: falta de limpeza periódica de reservatórios de água; utilização de equipamentos de refrigeração inadequados; número ou tamanho insuficiente de equipamentos de refrigeração; falta de manutenção e calibração dos equipamentos de refrigeração; utilização de técnicas de limpeza e desinfecção inadequadas; asseio insatisfatório dos funcionários; comércio de produtos sem procedência definida; uso de matérias-primas com características sensoriais alteradas; estocagem de alimentos perto de substâncias tóxicas ou com odores fortes e/ou impregnantes. Entre as deficiências de risco médio, aparecem: ausência de programa eficiente de controle de pragas; deficiências estruturais e higiênicas dos sanitários; inexistência de lavatórios exclusivos para higiene/lavagem das mãos nas áreas de manipulação; tratamento (coleta, acondicionamento, armazenamento e destino) inadequado de resíduos (recicláveis e comuns); não-realização de exames periódicos com a devida freqüência para os manipuladores de alimentos; falhas na conservação dos produtos durante armazenamento e exposição; comércio de produtos com prazo de validade expirado; moagem prévia de carne, sem solicitação dos clientes, por estabelecimentos sem registro em órgão oficial de inspeção higiênico-sanitária; exposição de alimentos sem proteção; ausência de informações obrigatórias em produtos fracionados para venda a granel ou embandejados; ausência de plano de manutenção, operação e controle em estabelecimentos climatizados; uso de aparelhos de ar condicionado e ventiladores nas áreas de manipulação de alimentos; falta de isolamento dessas áreas. Entre as deficiências de baixo risco, encontram-se: condições físico-estruturais inadequadas, principalmente nas áreas de manipulação de alimentos; inexistência de local adequado para higienização de utensílios e equipamentos; uso de equipamentos, utensílios e móveis inadequados; uniforme inadequado de manipuladores de alimentos; falta de treinamento adequado para funcionários; utilização de veículos inadequados para transporte de alimentos; comércio de medicamentos de uso humano. Foram considerados deficientes 46 (79,3%) supermercados, ficando 11 (19,0%) como regulares e apenas 1 (1,7%) como bom. Nenhum deles obteve a classificação muito bom ou excelente (Tabela 4). Discussão Em razão da relevância dos supermercados, o comércio de alimentos exige acompanhamento constante pela saúde pública, com a finalidade de monitorar suas condições sanitárias. Embora realizado de maneira variável em relação à periodicidade e região geográfica, chama a atenção a escassez de dados sobre o assunto. Este trabalho é uma tentativa pioneira de avaliar as condições físico-estruturais e higiênico-sanitárias dos supermercados de uma cidade brasilei- Tabela 3 Distribuição dos supermercados segundo a classificação por blocos, Ribeirão Preto, 2000/2001 Table 3 Distribution of supermarkets according to classification by blocks, Ribeirão Preto, 2000/2001 Bloco Deficiente Regular Bom Muito bom Excelente Total n % n % n % n % n % n % Edificação 58 100,0 - - - - - - - - 58 100,0 Equip./utensílios 52 89,6 3 5,2 1 1,7 1 1,7 1 1,7 58 100,0 Pessoal na área 18 31,0 19 32,7 10 17,2 5 8,6 6 10,3 58 100,0 prod./man./venda Matérias-primas e 51 87,9 3 5,2 3 5,2 - - 1 1,7 58 100,0 prod. Exp. à venda Fluxo prod./man./ 44 75,9 12 20,7 2 3,4 - - - - 58 100,0 venda/cont. qual. 84

Tabela 4 Distribuição dos supermercados segundo a classificação final, Ribeirão Preto, 2000/ 2001 Table 4 Distribution of supermarkets according to final classification, Ribeirão Preto, 2000/2001 Classificação dos supermercados Supermercados n % Deficiente 46 79,3 Regular 11 19,0 Bom 1 1,7 Muito bom - - Excelente - - Total 58 100,0 ra, tendo para isso utilizado um instrumento de coleta de dados já padronizado para uso em vigilância sanitária no Estado de São Paulo. É surpreendente o elevado grau de inadequação dos estabelecimentos, de modo especial em função da área onde os resultados foram obtidos, a qual corresponde ao centro de uma região administrativa economicamente privilegiada, com alto padrão de vida (renda, consumo e longevidade) e bons indicadores sociais (saúde, educação e saneamento básico). Ao menos parcialmente, é possível que os resultados insatisfatórios tenham sido influenciados pelos critérios de classificação oficial, que consideram como deficientes os estabelecimentos com nota inferior a 60. Deve ser lembrado que os supermercados têm áreas distintas, tais como açougue, panificadora, seção de venda de frutas, verduras e legumes, depósitos etc., e que a inadequação de qualquer um dos itens relativos a uma dessas áreas acarreta uma perda de pontos do item como um todo. Ou seja, uma deficiência limitada a áreas específicas do supermercado algumas com baixo potencial de causar danos à coletividade pode ter repercussões importantes na classificação geral do estabelecimento, particularmente quando os pontos de corte são tão rígidos como os utilizados na classificação oficial. Numa tentativa de reduzir os efeitos dessa rigidez, Cardoso sugere a adoção de critérios menos rigorosos quando da aplicação da FIEAA 14, recomendando a classificação dos estabelecimentos em cinco categorias, de acordo com a pontuação: péssimo (0 a 19), ruim (20 a 49), regular (50 a 69), bom (70 a 90) e excelente (91 a 100). Se aplicado esse critério aos supermercados de Ribeirão Preto, 5 estabelecimentos seriam classificados como péssimos (8,6%), 31 como ruins (53,4%), 17 como regulares (29,3%) e 5 como bons (8,6%). Mesmo assim, nenhum seria considerado excelente. Portanto, verifica-se que a situação geral dos supermercados permanece preocupante, mesmo com pontos de corte consideravelmente menos rígidos do que aqueles preconizados oficialmente. Embora a inexistência de dados impossibilite comparações, situações semelhantes podem estar ocorrendo de maneira mais ou menos generalizada em muitas outras cidades do Brasil. Essa situação exige medidas enérgicas de intervenção por parte dos órgãos da saúde pública, de maneira a reduzir os riscos associados às deficiências de estabelecimentos que respondem por parcela significativa do comércio de alimentos no País. A partir dos achados deste trabalho, pode-se recomendar a implementação de algumas medidas pelos supermercados e órgãos de fiscalização. Aos supermercados onde ocorre grande manipulação de alimentos, deve-se enfatizar a necessidade de contratar um responsável técnico com formação específica. Em conjunto com a Visa, esse profissional deverá desenvolver um manual de boas práticas para ser seguido por aque- 85

les que mantêm contato com alimentos nas áreas de recebimento, armazenamento a seco e a frio, manipulação, exposição, venda e transporte. Além disso, será o elemento multiplicador de boas práticas sanitárias para todos os manipuladores de alimentos. Embora no Estado de São Paulo não se considere obrigatória a presença desse responsável técnico nos supermercados, a situação encontrada nesse trabalho aponta para a necessidade de se discutir a possibilidade de alterações na legislação vigente. Caberia à Visa não apenas fiscalizar os supermercados e aplicar sanções nos casos de infrações graves e reincidências, mas também enfatizar a necessidade de atividades educativas permanentes dirigidas aos consumidores e manipuladores de alimentos, alertando para os riscos representados pela manipulação inadequada. Bem conduzidas, essas atividades despertam grande interesse na sociedade e formam multiplicadores de conhecimento, tal como se verificou nos programas educacionais que ajudaram a diminuir o número de doenças transmitidas por alimentos nos EUA, em 2000 15. Essas medidas, que podem ser implementadas com baixo custo e em prazo reduzido, têm o potencial de melhorar significativamente as condições dos supermercados de Ribeirão Preto e, muito provavelmente, de muitas outras cidades brasileiras. Outra recomendação consiste na necessidade urgente de adequação do instrumento utilizado como roteiro padronizador das inspeções, a FIEAA. Ela mostrou ser muito útil como mecanismo orientador e padronizador do procedimento de inspeção sanitária, porém não aborda de modo claro e direto alguns pontos críticos importantes relacionados às boas práticas de manipulação de alimentos, tal como avaliado e descrito em publicação recente 16. Além disso, há necessidade de revisão dos critérios de classificação e de retorno aos estabelecimentos, uma vez que o critério oficial atualmente utilizado determina um retorno quinzenal aos estabelecimentos classificados como deficientes (notas abaixo de 60), o que é impossível de ser cumprido na rotina do Serviço 16. Referências 1. Clemente E S. Controle higiênico-sanitário em supermercados. 5 Congresso Nacional de Higienistas de Alimentos 1999. Foz do Iguaçu, 17 a 21 de abril. 2. Solis CS. Gestão e certificação da qualidade de sistemas alimentares integrados. Revista Higiene Alimentar 1999; 13(61): 91-8. 3. Lei Federal nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde... Diário Oficial da União, 20 de setembro de 1990. 4. Lima C R. Manual Prático de Controle de Qualidade em Supermercados. São Paulo: Livraria Varela; 2001. 5. Miguel M, Lamardo LCA, Galvão MS, Navas SA, Garbelotti ML, Branciforte M. Legislação em higiene alimentar e suas aplicações. Revista Higiene Alimentar 2000; 14(68/69): 107-14. 6. Silva JA. As novas perspectivas para o controle sanitário dos alimentos. Revista Higiene Alimentar 1999; 13(65): 19-25 7. Portaria n 11 do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, de 22 de novembro de 2000, que dispõe sobre a definição do campo de atuação da Vigilância Sanitária para fins de cadastramento e licença de funcionamento, e sobre os estabelecimentos/equipamentos de interesse direto à saúde. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 2 de dezembro de 2000. 8. Valente D, Oliveira CAA. Verificação dos principais locais onde são adquiridos ou consumidos alimentos no município de Ribeirão Preto, SP. Resumos do 6 Congresso Brasileiro de Higienistas de Alimentos; 26 a 30 de março de 2001. Guarapari, ES. 9. Silveira JAG, Lepsch SL. Alterações recentes na economia do setor supermercadista brasileiro. Revista de Administração 1997; 32(2): 5-13. 10. Kasper JFP. Produtividade e gerenciamento de operações na empresa supermercadista. São Paulo: Associação Brasileira de Supermercados (Abras); 1991. 86

11. Resolução No. 196 de 29 de dezembro de 1998. Dispõe sobre a padronização dos roteiros e guias de inspeção no âmbito do Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 19 de março de 1999. 12. Secretaria de Estado da Saúde (SP). Centro de Vigilância Sanitária. Programa de inspeção em estabelecimentos da área de alimentos Aspectos operacionais das atividades de inspeção, Versão 03. São Paulo; 1998. 13. Centers for Disease Control and Prevention World Health Organization. Epidemiology Program Office Atlanta Epi-Info [computer program] Version 6.04. Georgia (USA); 1996. 14. Cardoso L, Araújo WMC. Perfil higiênico-sanitário das panificadoras do Distrito Federal. Revista Higiene Alimentar 2001; 15(83): 32-42. 15. Maulsby D. Programas educacionais reduziram os casos de doenças transmitidas pelos alimentos nos EUA. BeefPoint O ponto de encontro da pecuária de corte. Disponível em: http://www.beefpoint.com.br/ bp/utils/. Acesso em 5 de outubro de 2001. 16. Valente D, Passos ADC. Avaliação crítica da ficha de inspeção em estabelecimentos da área de alimentos. Revista Higiene Alimentar 2003; 17(111): 37-48. recebido em: 06/10/2003 versão final reapresentada em: 16/02/2004 aprovado em: 17/02/2004 87