ACULTURAÇÃO DOS ÍNDIOS XUKURU-KARIRI RESIDENTES EM CALDAS (MG)

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Transcrição:

ACULTURAÇÃO DOS ÍNDIOS XUKURU-KARIRI RESIDENTES EM CALDAS (MG) Nathalia O. S. COSTA 1 ; Mariana M. ALVES 2 ; Pâmela Ap. ARAÚJO 3. RESUMO Este trabalho visa compreender o processo de aculturação ocorrido com os povos indígenas, especificamente com os índios da tribo Xukuru-Kariri residentes em Caldas, com ênfase nas diversas mudanças que ocorreram através desse processo. Assim sendo, abordaremos a cultura originária dessa tribo, bem como, quais foram os benefícios e malefícios do processo de aculturação aplicado, seu modo de vida recente e como eles tentam preservar a cultura de seus antepassados até hoje, frente às dificuldades. PALAVRAS-CHAVE: Xukuru-Kariri. Aculturação. Caldas (MG). INTRODUÇÃO A maioria das tribos indígenas mudou completamente seu modo de vida, e isso vem acontecendo desde o primeiro contato com a cultura europeia no início da colonização do Brasil. Muitas vezes a mudança de hábitos está relacionada à sobrevivência, afinal a cultura dominante é o que determina o que sobrevive ou não. Chamamos isso de aculturação, mas nem sempre esse processo é uma imposição. Por vezes pode-se incorporar elementos externos como forma de melhoria como, por exemplo, quando os indígenas adotaram o cavalo como meio de transporte. Aculturar uma tribo indígena faz com que sua identidade vá sendo perdida ao longo do tempo e se nada for feito a cultura de um povo pode ser extinta. O presente trabalho abordará o modo de vida dos Xukurus-Kariris residentes em Caldas (MG), mostrando como se deu a aculturação desses índios ao longo das décadas e do deslocamento pelo território brasileiro, além de analisar quais foram os fatores que influenciaram este acontecimento e como foi para os membros da aldeia administrar esse choque de culturas. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais Câmpus Poços de Caldas. Poços de Caldas/MG - E-mail: nathaliacosta40@hotmail.com 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais Câmpus Poços de Caldas. Poços de Caldas/MG - E-mail: marianamedeirosalves@hotmai.com 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais Câmpus Poços de Caldas. Poços de Caldas/MG - E-mail: pamela.ap.araujo@outlook.com

MATERIAL E MÉTODOS No decorrer da história é evidente que a maioria dos povos indígenas brasileiros passou por algum processo de aculturação, e este trabalho tem como propósito analisar as transformações ocorridas com os índios Xukuru-Kariri residentes em Caldas. Para que esse objetivo geral pudesse ser concluído alguns específicos precisaram ser cumpridos. Primeiramente, as pesquisadoras buscaram informações relativas aos índios Xukuru-Kariri de forma geral, a fim de conhecer sua história e sua trajetória até a cidade de Caldas. A maioria das informações foi obtida através de trabalhos de outros pesquisadores. Após essa breve pesquisa fez-se necessário um trabalho de campo a fim de adquirir mais conhecimento sobre os indígenas presentes em Caldas. Diálogos foram feitos, a primeiro momento com o segundo Cacique Jao, e posteriormente com as crianças da aldeia. Com a coleta dos dados necessários sobre o grupo indígena houve uma breve organização cronológica, e, em seguida, realizou-se a leitura de livros e artigos fundamentais para o entendimento de conceitos como cultura e aculturação. Por fim, com base nas leituras, entrevistas e observações as informações foram cruzadas e a análise sobre o modo de vida contemporâneo dos Xukuru-Kariri foi feita e descrita neste trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÕES Para entender o que é o processo de aculturação sofrida pelos povos indígenas, é necessário que se saiba o significado do termo cultura. A referência neste trabalho é a filósofa Marilena Chauí (2008, p.57), que discorre sobre o termo dizendo que: [...] o termo cultura passa a ter uma abrangência que não possuía antes, sendo agora entendida como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e das formas do trabalho, das formas da habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, particularmente os sistemas de parentesco ou a estrutura da família, das relações de poder, da guerra e da paz, da noção de vida e morte. Ao entrar em contato com os europeus aqui recém-chegados e com o inicio da colonização, houve uma apropriação cultural entre os povos. Essa interação índio-português acabou por alterar tradições e costumes indígenas tais como a religião, os territórios, os rituais, os hábitos alimentares e a língua nativa. O conjunto

de alterações ocorridas é o que se denomina aculturação. Podemos resumir a aculturação como um processo de imposição ou assimilação de valores socioculturais de uma sociedade por outra (SILVA K; SILVA M., 2009). A aculturação dos índios brasileiros é discutida pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1995, p.30) em seu livro O Povo Brasileiro. Em um dos trechos o referido autor relata que: No plano étnico cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos de África, e os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas. Muitas vezes o processo de aculturação causa mudanças, mas que nem sempre são tão simples assim. Para os indígenas, por exemplo, a terra tem um valor que o homem branco não é capaz de compreender, bem como os rituais religiosos. Portanto, nesse processo, o meio imaterial (religião, rituais, língua nativa etc.) é o mais afetado, já que os índios desenvolvem laços emocionais com esses elementos de suas vidas. Darcy Ribeiro (1995) relata que contra essa resistência étnica nada puderam ontem nem hoje todos os que contra ela se lançaram. O foco deste trabalho é a aculturação sofrida pelos índios Xukurus-Kariris, que eram originalmente de duas etnias, os Xukuru, provindos do sertão do Pernambuco, mais especificamente do município de Pesqueira, e os Kariri-Xocó, originais do que hoje é o Porto Real do Colégio. As etnias tornaram-se uma só por volta de 1820 e passaram a se chamar Xukuru-Kariri. Em meados do século XIX os Xukuru-Kariri ocupavam terras no município de Palmeira dos Índios (AL), onde enfrentaram graves problemas com a seca e também com pecuaristas locais, que desejavam os solos férteis dos indígenas. Além disso, uma portaria proposta pelo presidente da província autorizava a extinção dos aldeamentos indígenas ali existentes. Durante essa disputa territorial os índios foram compelidos a ocupar espaços cada vez mais às margens cidade, como a Serra. (OLIVEIRA JÚNIOR, 1997) De acordo com o site da FUNAI no início da década de 1980 foi criada a Administração Regional de Paulo Afonso (BA) a fim de atender as comunidades indígenas, dentre elas a dos Xukuru-Kariri, que em consequência de conflitos internos em Palmeira dos Índios e da divisão de terras, em 1982, reivindicaram

novas terras e, então, mudaram-se para o povoado de Quixaba, no município de Glória (BA), onde viveram 27 famílias por volta de dezoito anos. Novamente o povo Xukuru-Kariri enfrentou problemas causados pela seca e, então, a FUNAI os realocou provisoriamente na área urbana do município de São Gotardo (MG), onde permaneceram cerca de três anos. Enquanto habitaram São Gotardo alguns índios encontraram trabalho em plantações vizinhas, mas a insatisfação com o local era crescente. Os índios recorreram novamente à FUNAI e reivindicaram uma área para assentamento definitivo do grupo. Foi então que o órgão do governo apresentou ao cacique três fazendas como opção de nova moradia, sendo elas: uma próxima a São Gotardo, uma no Sul da Bahia e a terceira próxima ao município de Caldas. Após visitarem os locais o grupo indígena decidiu pela Fazenda Boa Vista, distante apenas seis quilômetros do município de Caldas. O Cacique José Sátiro relatou na época que optou pela Fazenda Boa Vista, pois o clima parecia favorável ao plantio e o solo fértil (PARISI, 2004). Em maio de 2001 as famílias do grupo indígena Xukuru-Kariri deixam o município de São Gotardo para serem assentadas na Fazenda Boa Vista, que possui cerca de 100 hectares e fica a 6 km da cidade de Caldas. A princípio, por terem chegado durante o inverno, os indígenas estranharam o clima frio, oposto do que estavam habituados em Alagoas (PARISI, 2004). Nessa nova morada, e foco da análise aqui proposta, os indígenas já estão inseridos em um novo contexto, no qual fazem parte de suas vidas os costumes trazidos pelos europeus na época da colonização. A aculturação dos Xukuru-Kariri ocorreu gradativamente ao longo das décadas e durante o processo de deslocamento territorial pelo país. A maior evidência de mudança cultural é o idioma, afinal a língua portuguesa é falada há muito tempo e a língua nativa não está presente nem na comunicação entre os próprios índios. Outro aspecto de grande importância é a maneira de educar os jovens indígenas, que atualmente frequentam a escola. Esse hábito faz-se necessário tendo em vista que sem saber ler e escrever a língua do homem branco, os jovens não terão chance no mercado de trabalho local. A alimentação do grupo também foi modificada, por exemplo, a pesca é uma prática deixada para trás e os índios não plantam tudo o que comem. Atualmente o grupo cultiva apenas mandioca, milho e feijão e têm uma pequena criação de galinha e alguns bezerros. Para complementar as refeições os índios precisam se

deslocar até o mercado da cidade mais próxima, e aqui entra um fato curioso, eles se deslocam por meio de automóveis. Durante o trabalho de campo foi observado que algumas famílias possuem veículos como carros e motos, o que há muito tempo atrás era algo totalmente inalcançável. Observou-se, também, durante a pesquisa de campo, que as construções, diferentemente do estereótipo de moradia indígena, não são ocas, mas sim construções de alvenaria, salvo algumas exceções que são de pau-a-pique e taipa. Sobre todas as transformações a índia Tanhira, ou Dona Josefa, revela que: [...] antes a gente não vivia como hoje. Nossas ocas, nossas casas, eram feitas em madeira e terra, cobertas de palha, vivíamos da caça, da pesca e de nossa plantação. Na caça e na pesca todos íamos juntos, os índios e as índias e essa história era muito melhor, pois eu achava a convivência antiga melhor que a de hoje. (PARISI, 2004; p.9). Mas dentre todos esses elementos externos aos hábitos verdadeiramente indígenas os moradores do assentamento lutam pela preservação de sua cultura, e fazem isso através da própria escola da aldeia. Em entrevista Jao conta que além de cursarem matérias do núcleo comum, as crianças têm aulas de Cultura e de Uso do Solo, ministradas por ele mesmo. Nessas aulas os jovens aprendem um pouco da língua nativa do grupo, os limites territoriais da aldeia e o cultivo de mandioca, feijão e milho para subsistência dos moradores. O segundo cacique acrescenta que a manutenção da cultura dos Xukuru-Kariri também ocorre através do Toré realizado todos os sábados. O Toré é uma dança indígena que reúne práticas religiosas e mantém os índios em contato com a natureza e com seus antepassados. O grupo indígena pensa também na edição e publicação de um livro como forma perpetuadora de sua cultura. O Segundo Cacique Jao, e o porta voz de seu povo, fizeram essa proposta aos membros do governo responsáveis pelo assentamento durante as comemorações do dia do índio deste ano. CONCLUSÕES A cultura dos europeus tem sido assimilada pelos indígenas desde o início da descoberta do Brasil, de maneira tal, que aos poucos eles se viram obrigados a incorporar elementos externos à sua cultura para que pudessem sobreviver nessa nova realidade que aqui se instalava. Algumas tradições passadas de geração a geração acabaram sendo perdidas com o tempo e até mesmo a língua nativa caiu em desuso em alguns casos.

Bem como a maioria dos índios, os Xurukus-kariris sofreram com esse processo de adaptação inicial, e nos dias atuais têm suas vidas inseridas em um contexto completamente diferente do que viviam em seu território nativo. As perdas de território e a trajetória até Caldas causaram vários danos a esses índios, que para sobreviver viram-se obrigados a romper os laços afetivos que mantinham com sua terra. Hoje em dia moram em casas de alvenaria, suas condições de plantio são diferentes limitando-se a apenas milho, mandioca e feijão e a língua nativa caiu em desuso, não estando presente nem entre os mais velhos. No entanto esse povo ainda luta para que sua cultura seja preservada, e isso se dá através da realização de seus tradicionais rituais religiosos, através do Toré, e por meio das aulas de cultura e uso do solo ministrado na escola da tribo. Assim a tribo vai se mantendo e, em meio às condições que lhes foram impostas, tentam preservar o que restou de sua cultura. REFERÊNCIAS CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Buenos Aires: CLACSO, 2008. FRANCO, C. L.B. Territórios e identidades: Dinâmicas socioespaciais dos índios Xucuru-Kariri residentes em Caldas-MG. 2013. 74p. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Alfenas, Alfenas. GASPAR, Lúcia. Índios Xucuru. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 3 jun. 2015. MATTOS, M. I. et al.povos indígenas de Minas Gerais. Em: ENCONTRO DOS POVOS INDÍGENAS DE MINAS GERAIS. Minas Gerais: Belo Horizonte, 2002, p. 20. OLIVEIRA JÚNIOR, A. N. Faccionalismo Xucuru-Kariri e a atuação da FUNAI. Brasília: GERI. Em: Workshop Política Indigenista para o Leste e Nordeste Brasileiros, promovido pela FUNAI - Fundação Nacional do Índio, em Carpina-PE, de 16 a 21 de março de 1997. PARISI, R. Modos de morar dos índios Xucuru-Kariri em Caldas: reinventando a novaterra. 2004. 34 p. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Carlos. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel H. Dicionário de conceitos históricos 2ed. São Paulo: Contexto, 2009.