O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA ENTRE AS GRADES: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOS EDUCADORES NO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Transcrição:

1 O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA ENTRE AS GRADES: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOS EDUCADORES NO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO Camila Cardoso Menotti Orientadora: Profª Drª Elenice Maria Cammarosano Onofre Mestrado - Práticas Sociais e Processos Educativos Resumo O presente projeto tem como objetivo identificar na prática dos educadores que atuam no sistema prisional do estado de São Paulo as particularidades do exercício da docência na prisão em relação às suas experiências fora das grades, levando em consideração a condição de aprisionados em que agora se encontram. A pesquisa de natureza qualitativa utilizará como recursos metodológicos o estudo documental, a observação, conversas informais e entrevistas semiestruturadas com educadores que exerceram a docência em período anterior à privação de liberdade. Os sujeitos da pesquisa serão selecionados por amostragem na região de Presidente Prudente. Os dados coletados serão analisados com base em referenciais de Enrique Dussel, Ernani Maria Fiori e Paulo Freire, autores latino-americanos comprometidos com a inclusão social e de pesquisadores do temário específico de educação escolar em prisões. Espera-se ao final do estudo melhor compreender como esses docentes percebem a escola da prisão quando comparada ao sistema educacional fora dos muros, sua concepção de educação e as dificuldades que enfrentam no exercício da docência. Palavras Chaves Educação em prisão. Educadores em privação de liberdade. Docência na prisão.

2 INTRODUÇÃO Um dos papéis fundamentais da educação é promover uma sociedade com melhor qualidade de vida e formar sujeitos capazes de criar e recriar o espaço e a vida social onde estão inseridos. Há que se considerar, no entanto, que no Brasil ainda existem sérios problemas a serem enfrentados uma vez que parcela considerável da população permanece analfabeta, e consequentemente, vítima da exclusão social. Ao analisar o aumento da criminalidade no país e o contexto das unidades prisionais, nota-se que os presos são, em sua maioria, pessoas pobres e pouco escolarizadas, podendo ser consideradas como produto da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Dessa forma, discutir algumas questões sobre a educação dentro de um ambiente repressivo como é o caso das prisões, é um desafio necessário uma vez que a escola pode vir a possibilitar aos privados de liberdade o desvelamento e a transformação da realidade em que estão inseridos. Nesse sentido, concordamos com Freire (1995) que a melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face aos limites a que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa (p. 96). Assim, ao pensar na educação do aprisionado, deve-se considerar que o ser humano é finito, inconcluso, que se constitui ao longo de sua existência e que está inserido em um permanente movimento de busca, vocacionado para ser mais, para fazer, refazer, criar e recriar sua própria vida (FREIRE, 1983). A Educação de Jovens e Adultos - EJA é uma modalidade da Educação Básica que se propõe a atender a um público ao qual foi negado o direito à educação durante a infância e/ou adolescência, seja por inadequações do sistema de ensino, por oferta irregular de vagas ou por condições socioeconômicas desfavoráveis. Atualmente o país possui diversos instrumentos legais que fundamentam e institucionalizam a Educação de Jovens e Adultos como sendo uma modalidade básica de ensino. A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 garante, através do Art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

3 incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Na Declaração de Hamburgo (1997) a abordagem do direito à educação dos sentenciados avançou, evidenciando a preocupação de estimular oportunidades de aprendizagem a todos, em particular, aos marginalizados e excluídos (item 11). Além disso, garante o reconhecimento do direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem, propondo a elaboração e implementação de programas de educação nas prisões com a participação dos presos, buscando atender às suas reais necessidades e aspirações. (DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1997, tema 8, item 47). Com o intuito de investir na melhoria da realidade da educação em espaços de privação de liberdade, em 09/03/2010 foi homologada as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais Parecer 4/2010, que regulamenta responsabilidades, financiamentos, ações complementares, envolvimento da comunidade e familiares, formação de educadores, entre outros aspectos. Diante do exposto, a escola pode ser considerada como uma das práticas sociais desenvolvida no interior de uma penitenciária, desencadeando processos educativos que auxiliam os encarcerados no cumprimento da pena e no retorno ao convívio social, desde que esteja fundamentada nos princípios da educação Libertadora de Paulo Freire (2005). Como afirma Oliveira et al (2009), práticas sociais decorrem de e geram interações entre os indivíduos e entre eles e os ambientes em que vivem, com o propósito de produzir bens, transmitir valores, manter a sobrevivência material e simbólica das sociedades humanas. De acordo com as autoras e o autor, nas práticas sociais promove-se formação para a vida em sociedade, por meio dos processos educativos que desencadeiam (OLIVEIRA et al, 2009, p. 7). Portanto, o espaço escolar, ainda que localizado em um ambiente repressor, está pautado na produção de conhecimento, contribuindo para a vida dos encarcerados e da sociedade em geral, por meio da aprendizagem participativa e da convivência fundamentada na valorização e no desenvolvimento do outro e de si mesmo (ONOFRE, 2007, p. 23). Com base no estudo realizado por Onofre (2002) a escola oferece ao homem preso a possibilidade de resgatar ou aprender outra forma de se relacionar com o mundo e as pessoas, contribuindo para a desconstrução da sua identidade de criminoso. Além disso, a troca de experiência com o professor e com os demais alunos favorece um convívio amistoso e

4 dialógico, aliviando as tensões do cárcere e justificando o papel da escola na ressocialização do aprisionado (ONOFRE, 2007). De acordo com Leme (2002), a educação que acontece no interior das penitenciárias deve ter por base princípios que respeitam o adulto preso. Dessa forma, o papel do educador torna-se indispensável para que haja uma pedagogia libertadora onde o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa (FREIRE, 2005, p. 79), pois a libertação autêntica, que é humanização, não é algo que se transmite ou que se deposita no ser humano. Quando a escola está inserida em um espaço repressivo ela potencializa os processos educativos para além da educação escolar e o professor é figura fundamental na construção de espaços onde o aprisionado pode se libertar (FIORI, 1986). Entretanto, para que essa educação seja emancipadora, o educador necessita estar preparado para lidar com as particularidades de lecionar em uma prisão. O exercício da docência tem sido tema de investigações científicas que pretendem destacar, entre outras questões, a formação e a prática desses profissionais. A prática do professor está vinculada ao contexto social em que está inserida, onde as condições de trabalho exercem forte influência sobre ela. No contexto das penitenciárias do estado de São Paulo, os aprisionados exercem a docência, através do Programa de Educação desenvolvido pela Fundação Prof. Manoel Pedro Pimentel - FUNAP 1, atual responsável pela EJA nas unidades prisionais do Estado. Assim, o exercício da docência nas prisões de São Paulo é realizado por indivíduos, que como seus alunos, encontram-se na condição de detentos (PENNA, 2003). Penna (2007) afirma que os monitores 2 consideram o trabalho na escola como uma possibilidade de melhoria em suas vidas e de afastamento do universo criminal. Porém, de acordo com Penna (2007), o exercício da docência por educadores privados de liberdade revela ambiguidades em relação ao que socialmente se espera ver concretizado e o que a realidade objetiva em que se encontram, permite que se realize. 1 A FUNAP é uma Fundação de direito e fins públicos vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Através dos programas de educação, cultura, qualificação profissional e geração de renda busca contribuir para a inclusão social de presos e presas, estimulando seus potenciais como indivíduos, cidadãos e profissionais. 2 Nome utilizado pela FUNAP para se referir aos educadores.

5 O estado de São Paulo possui a maior população prisional do país, sendo 170.916 presos divididos em 77 Penitenciárias, 174 cadeias públicas e 4 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (InfoPen, 2010). Atualmente, a Secretaria Estadual de Educação e a Secretaria da Administração Penitenciária do estado de São Paulo estão em trabalho conjunto, elaborando o Plano Estadual de Educação nas Prisões, em conformidade com as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais Parecer 4/2010. Diante dos apontamentos anteriormente colocados, a presente pesquisa pretende trazer algumas compreensões sobre a prática docente no interior das penitenciárias paulistas, visto que o espaço prisional possui especificidades que evidenciam a complexidade do ato pedagógico (ONOFRE, 2010). Para que haja compreensão das especificidades do exercício docente nas prisões e dos processos educativos desencadeados por este, será analisada a experiência de educadores que exerciam a docências antes de serem presos, comparando a prática anterior com a realizada atualmente no interior de uma unidade prisional. Como este educador reflete sobre sua prática anterior e atual? Qual sua concepção de educação? Como percebe o espaço prisional e os educandos? Quais são suas maiores dificuldades? OBJETIVO GERAL Identificar na prática do educador que atua no sistema prisional do estado de São Paulo as particularidades do exercício da docência na prisão em relação à sua experiência fora das grades. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Identificar a concepção de educação dos educadores do sistema prisional paulista; - Apontar as dificuldades de ser professor na prisão e as necessidades de formação continuada; - Contribuir com os estudos e pesquisas na área da educação no sistema prisional. METODOLOGIA Diferentemente das outras ciências, nas Ciências Humanas, o objeto da pesquisa é o próprio ser humano com suas complexidades e em constante transformação. Portanto, o pesquisador ou pesquisadora necessita realizar uma cuidadosa aproximação com o grupo

6 pesquisado, com o intuito de compreender de dentro da prática social escolar a experiência docente. Considerando o objetivo central que é identificar as particularidades do exercício da docência na prisão em relação à experiência fora das grades, a presente pesquisa é de natureza qualitativa e parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o sujeito e o objeto. Para Chizzotti (2007) o objeto não é um dado inerente e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações (p.79). Segundo Minayo (1994), ao contemplarmos o aspecto qualitativo do objeto estamos considerando como sujeito de estudo pessoas de determinadas condições e classes sociais, com suas crenças, valores e significados. Para a autora, esse tipo de pesquisa responde questões particulares, visto que se preocupa com a realidade que não pode ser quantificada. Os sujeitos da pesquisa serão 12 educadores do sistema prisional paulista, especificamente do Ensino Fundamental e Médio, que exerciam a docência antes de serem presos e selecionados por amostragem. As penitenciárias do estado de São Paulo estão distribuídas em 07 Regionais da FUNAP, sendo elas: Bauru, Presidente Prudente, Capital / Vale do Paraíba, São Paulo / Litoral, Campinas / Sorocaba, Araçatuba e Ribeirão Preto. Devido à distância existente entre as Regionais será analisada apenas a região de Presidente Prudente. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS O presente estudo se dará inicialmente por meio de pesquisa bibliográfica, um referencial teórico-conceitual [...] que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. (SEVERINO, 2007, p. 122). Será realizada pesquisa de campo em algumas unidades prisionais da região de Presidente Prudente. A técnica escolhida para o trabalho de campo será a entrevista semiestruturada com os educadores e a observação do espaço prisional, visando obter dados sobre a docência na prisão e suas especificidades. Os dados coletados serão organizados e analisados com base em referenciais de Enrique Dussel, Ernani Maria Fiori e Paulo Freire, autores latino-americanos preocupados com a inclusão social e de pesquisadores do temário específico de educação escolar em prisões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

7 CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1991. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: promulgada em 05 de outubro de 1988. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. FIORI, E. M. Conscientização e Educação. Educação e Realidade, 1986, v. 11. p. 3-10. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 49ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1995., Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1983. FUNAP - Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel. Disponível em: www.funap.sp.gov.br - 01/jun/2011. INFOPEN - Sistema Integrado de informações Penitenciárias. Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça. Disponível em: www.infopen.gov.br - 01/jun/2011. LEME, José Antônio Gonçalves. A cela de aula: tirando a pena com letras. Uma reflexão sobre o sentido da educação nos presídios. 2002. Dissertação (Mestrado) Programa de Educação, História, Política, Sociedade, PUC, São Paulo. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação para Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos Penais. Parecer 4/2010. Homologado em 04 de maio de 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. 3ª Ed. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1994. OLIVEIRA, Maria Valdenez; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves; GONÇALVES JUNIOR, Luiz; MONTRONE, Ainda Victória Garcia; JOLY, Ilza Zenker Leme. Processos Educativos em Práticas Sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. Anais 32ª Reunião ANPED, 2009. (disponível em: http//www.anped.org.br/reuniões/32ª/arquivos/trabalhos/gt06-5383-int.pdf). ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. Docência na Prisão: Professores Duplamente Iniciantes, Aprendendo com os Pares e com o Contexto. II Congreso Internacional sobre Profesorado Principiante e Inserción Profesional a la Docencia. Buenos Aires, 2010.. Escola da prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado? In: ONOFRE, E. M. C. (Org) Educação escolar entre as grades. São Carlos: EdUFSCar, 2007, p. 11-28.. Educação escolar na prisão. Para além das grades: a essência da escola e a possibilidade de resgate da identidade do homem aprisionado. 2002. Tese (Doutorado em Educação Escolar) UNESP, Araraquara.

8 PENNA, Marieta G. de Oliveira. O ofício do professor: as ambiguidades do exercício da docência por monitores-presos. 2003. Dissertação (Mestrado) Programa de Educação: História, Política, Sociedade, PUC, São Paulo.. O exercício docente por monitores-presos e o desenvolvimento do processo formativo. In: ONOFRE, E. M. C. (Org) Educação escolar entre as grades São Carlos: EdUFSCar, 2007, p. 77-91. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed., São Paulo: Cortez, 2007. UNESCO. Conferência Internacional sobre a Educação de Adulto. Declaração de Hamburgo: Agenda para o Futuro. Brasília: SESI/UNESCO, 1997.