Autor: Paulo Coviello Filho CARF REAFIRMA LEGALIDADE DE REDUÇÃO DE CAPITAL PARA VENDA DE BENS POR ACIONISTA PESSOA FÍSICA No dia 18.10.2017, por meio do acórdão n. 1201-001.920, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF, em votação decidida por maioria, deu provimento a recurso voluntário de contribuinte, para cancelar autuação que exigia o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica ( IRPJ ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ( CSL ) sobre suposto ganho de capital auferido na alienação de participações societárias pela pessoa jurídica. Para melhor entendimento da situação sob análise, cumpre fazer um breve resumo dos fatos objeto da autuação: - em 19.11.2010, a empresa autuada adquiriu ações de duas empresas, denominadas aqui de A e B 1 ; - na mesma data, um dos acionistas (pessoa física) da empresa autuada cedeu à empresa A direitos minerários que possuía em seu nome; - posteriormente, em 26.11.2010, o mesmo acionista (pessoa física) da empresa autuada cedeu outros direitos minerários que possuía às empresas A e B; - ainda em novembro de 2010, os acionistas da empresa (pessoas físicas) autuada celebraram entre si um Contrato de Opção de Compra de Ações de A e B, por meio do qual 1 Os nomes das empresas foram substituídos neste trabalho pelas letras A e B. 1
definiram que eventual venda das ações de A e B estava condicionada à conclusão da reestruturação societária com vistas a que os acionistas que financiaram todo o projeto alcançassem a titularidade das ações de A e B ; - em 1.3.2011, foi celebrado contrato particular de opção de compra de ações pelo qual os acionistas da empresa autuada outorgaram a determinado investidor independente a opção de compra da totalidade das ações de A e B, que fossem da propriedade dos acionistas de A e B; - em 15.3.2011, foi promovida a redução de capital da empresa autuada, com devolução de parte de seu capital aos acionistas, com entrega de ativos, quais sejam, a totalidade das ações de A e B; - após transcorrido o prazo de sessenta dias previsto no art. 174 da Lei n. 6404, de 15.12.1976, foi efetivada a redução de capital da empresa autuada, com entrega das participações societárias em A e B para os acionistas; e - em 8.6.2011, após cumpridas as condições precedentes, foi celebrado o contrato de compra e venda de ações, por meio do qual os acionistas da empresa autuada alienaram as ações de A e B para o investidor independente. A respeito dos acionistas da empresa autuada, interessante ressaltar que, com exceção de uma pessoa jurídica, os demais eram pessoas físicas. Entretanto, a pessoa jurídica acionista que recebeu ações de A e B também passou por redução de capital, tendo entregado as referidas ações a acionistas pessoas físicas e pessoas jurídicas. Diante desse cenário, a fiscalização alegou, grosso modo, que teria havido a simulação de venda pelos acionistas da empresa autuada, com a dissimulação da venda pela empresa autuada, com o único intuito de obter vantagem fiscal, tendo em vista a diferença no tratamento tributário do ganho de 2
capital entre pessoas físicas e pessoa jurídica 2. Com base nessa acusação, a fiscalização lavrou autos de infração de IRPJ e CSL, sobre o ganho de capital que a empresa autuada supostamente teria auferido, acompanhado de multa qualificada, no importe de 150%, com fulcro no parágrafo 1 do art. 44 da Lei n. 9430, de 27.12.1996. Foram ainda lavrados termos de sujeição passiva solidária em face dos acionistas da empresa autuada. Em sua defesa, a empresa alegou, em suma, que: - os acionistas sempre arcaram com os custos relativos aos projetos minerários consubstanciados nas empresas A e B; - desde o princípio já estava estipulado que eventual venda dependeria de reorganização societária; - a redução de capital foi perfeitamente legal e ocorreu antes da alienação das ações; - a empresa autuada foi utilizada como veículo de investimento para equalizar a participação dos acionistas nos empreendimentos em questão; e - principalmente, o art. 22, da Lei n. 9249, de 26.12.1995, autoriza o procedimento em questão, inclusive havendo jurisprudência daquela corte nesse sentido. Subsidiariamente, requereu-se o cancelamento da multa qualificada, dos termos de sujeição passiva e a compensação o valor do imposto efetivamente pago pelos acionistas sobre o ganho de capital apurado. Confira-se a ementa do acórdão n. 1201-001.920: 2 A vantagem tributária reside na diferença entre as alíquotas aplicáveis para a pessoa jurídica (via de regra, 25% de IRPJ e 9% de CSL, totalizando 34%) e para a pessoa física (15%, à época dos fatos). 3
REDUÇÃO DE CAPITAL. ENTREGA DE BENS E DIREITOS DO ATIVO AOS SÓCIOS E ACIONISTAS PELO VALOR CONTÁBIL. SITUAÇÃO AUTORIZADA PELO ARTIGO 22 DA LEI Nº 9.430 DE 1996. PROCEDIMENTO LÍCITO. Os artigos 22 e 23 da Lei nº 9.249, de 1995, adotam o mesmo critério tanto para integralização de capital social, quanto para devolução deste aos sócios ou acionistas, conferindo coerência ao sistema jurídico. O artigo 23 prevê a possibilidade das pessoas físicas transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital social, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração ou pelo valor de mercado. O artigo 22, por sua vez, prevê que os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. Ademais, o fato dos acionistas planejarem a redução do capital social, celebrando contratos preliminares de que tratam os artigos 462 e 463 do Código Civil, visando a subsequente alienação de suas ações a terceiros, tributando o ganho de capital na pessoa física, não caracteriza a operação de redução de capital como simulação. O voto condutor, apesar de bastante longo, principalmente em razão das transcrições do Relatório Fiscal e do Recurso Voluntário, é bastante conciso no que se refere à sua fundamentação. Realmente, após citar jurisprudência favorável, a decisão consignou, em suma, que o procedimento adotado pelo contribuinte, de redução de capital com a entrega de bens pelo seu valor contábil, é autorizado expressamente pelo art. 22 da Lei n. 9249. Por fim, a decisão ainda ressaltou que o fato dos acionistas planejarem a redução do capital social, celebrando contratos preliminares de que tratam os artigos 462 e 463 do Código Civil, visando a subsequente alienação de suas ações a terceiros, tributando o ganho de capital na pessoa física, não caracteriza a operação de redução de capital como simulação. 4
A discussão gira em torno do art. 22 da Lei n. 9249, que reza: Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado. 2º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa jurídica, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica que esteja devolvendo capital. 3º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa física, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão informados, na declaração de bens correspondente à declaração de rendimentos do respectivo ano-base, pelo valor contábil ou de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica. 4º A diferença entre o valor de mercado e o valor constante da declaração de bens, no caso de pessoa física, ou o valor contábil, no caso de pessoa jurídica, não será computada, pelo titular, sócio ou acionista, na base de cálculo do imposto de renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido. Como se vê, o referido dispositivo autoriza a devolução de capital seja feita mediante a entrega de bens a valor contábil ou de mercado, ficando a cargo da pessoa jurídica decidir. Assim, tendo seguido a disciplina da redução de capital, a pessoa jurídica estaria albergada pela previsão contida no artigo acima transcrito, razão pela qual não procederia a autuação fiscal. Esse foi o entendimento consignado na decisão. 5
No limite, poder-se-ia entender, conforme restou consignado no acórdão n. 1402-001.472, de 9.10.2013, que a norma em questão configuraria hipótese de opção fiscal (também chamadas de opções legais, ou economia de opção) devidamente facultada ao contribuinte pelo legislador 3. Um claro exemplo de opção fiscal seria aquela referente ao lucro presumido. Na maioria dos casos, a escolha se dá por conta da economia tributária gerada. Quando a lei confere certa faculdade a determinados contribuintes, o exercício da correspondente opção está fora do âmbito do que se considera como planejamento tributário. Com efeito, quando o contribuinte tem a opção de agir desse ou daquele modo, porque a lei lhe abre mais de uma opção fiscal, é incabível a acusação de planejamento tributário ilegítimo ou abusivo, mesmo que a escolha de um dos caminhos legais implique eventual vantagem fiscal ao contribuinte. Como anota Marco Aurelio Greco, quando O ordenamento indica dois caminhos e deixa ao contribuinte a escolha de seguir um ou outro, sendo que eventualmente um deles pode ser menos oneroso do que o outro 4, nada há de ilegal ou ilegítimo. O mesmo autor prossegue dizendo o seguinte: (...) Nas opções estamos sempre diante perante hipóteses em que há uma escolha expressa que o ordenamento coloca à disposição do contribuinte, hipótese clássica de lei dispositiva. Por isso, a opção fiscal desenha uma hipótese de conduta positivamente autorizada pelo ordenamento. Não chega a ser hipótese de incentivo ou induzimento a determinada conduta, mas trata-se de uma escolha que o ordenamento expressamente cria e cujos efeitos tributários (de menor tributação) ele assegura. Tratase de uma figura semelhante àquela que HANS KELSEN examina sob o nome de conduta regulada positivamente ou liberdade em sentido positivo. 5 3 Sobre o tema, vide: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direto Tributário. Teoria Geral do Tributo. Barueri: Ed. Marcial Pons, 2007, p. 91. 4 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 93. 5 Idem, ibidem. 6
Foi por essa razão que o citado acórdão n. 1402-001.472, de 9.10.2013, ao tratar do art. 22 da Lei n. 9249, afirmou que as opções fiscais são alternativas criadas pelo ordenamento, propositalmente formuladas e colocadas à disposição do contribuinte para que delas se utilize, conforme sua conveniência, o que, consequentemente, impede o questionamento fiscal da opção feita. Na referida decisão, restou também consignado que a partir da vigência do art. 22 da Lei n. 9249, a redução de capital mediante entrega de bens ou direitos, pelo valor contábil, não mais constitui hipótese de distribuição disfarçada de lucros. Vale ressaltar que o parágrafo 1 do art. 464 do RIR/99 possui disposição expressa nesse sentido. O tema afeto ao uso de opções fiscais não foi explorado no acórdão n. 1201-001.920, que se limitou a reconhecer que o procedimento estava autorizado pelo art. 22 da Lei n. 9249. O entendimento manifestado no acórdão objeto do presente trabalho não chega a ser novidade, visto que, no âmbito daquele Conselho, há uma série de outras decisões favoráveis sobre o tema, podendo-se destacar os acórdãos n. 1402-001.472, de 9.10.2013, 1301-001.302, de 9.10.2013, 1402-001.477, de 9.10.2013, 1402-001.252, de 7.11.2012, 1402-001.251, de 7.11.2012, 1402-001.341, de 5.3.2013, 1301-001.864, de 10.12.2015 e 1201-001.809, de 25.7.2017. Em sentido desfavorável, citem-se os acórdãos n. 1301-001.277, de 10.9.2013, 1301-002.609, de 19.9.2017, e 1402-002.772, de 17.10.2017. Além desses casos, segundo notícias divulgadas, dois processos sobre o tema foram julgados em fevereiro. O processo n. 16561.720165/2014-90 foi julgado em sentido desfavorável aos contribuintes, ao passo que o processo n. 16561.720144/2015-55 foi julgado em sentido favorável. Não foram identificadas decisões proferidas pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Apesar disto, havendo divergência interpretativa a respeito do tema, conforme noticiado no parágrafo anterior, a CSRF deverá ser provocada a se manifestar sobre ele. 7