TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA EXPERIÊNCIA NO CAPS VIVER



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Transcrição:

TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA EXPERIÊNCIA NO CAPS VIVER * Gabrielle Pinzon Conter 1 ** Vanessa de Oliveira Buttes 2 *** Elizabete Rodrigues Coelho 3 RESUMO: Objetivou-se com este artigo, realizar uma breve revisão bibliográfica sobre a dependência química e seu tratamento, atividade esta que é vivenciada no estágio realizado no CAPS Viver, do município de Guaíba. Portanto, no decorrer do artigo é discutido sobre as abordagens de Entrevista Motivacional, de Terapia Cognitiva Comportamental e de Prevenção de Recaída. Concluise, através da prática de estágio, que a eficácia do tratamento concentra-se primeiramente na iniciativa do paciente em busca da mudança de comportamento e em seu protagonismo perante as abordagens e técnicas ensinadas pelo psicólogo durante o tratamento. Palavras-chave: dependência química; motivação; prevenção de recaída. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como foco principal, realizar uma revisão bibliográfica sobre as abordagens utilizadas no tratamento da dependência química, do CAPS Viver do município de Guaíba, meu atual local de estágio curricular. O interesse por este assunto surgiu após acompanhar grande parte das atividades propostas no tratamento destes pacientes. Assim, foi possível observar a pluralidade e riqueza do tratamento, onde há a intervenção técnica interdisciplinar da equipe. 1 Acadêmica da disciplina Estágio Curricular em Ênfase IA, do Curso de Psicologia da ULBRA Guaíba/RS. 2 Psicóloga, supervisora de estágio no CAPS Viver do município de Guaíba/RS e orientadora deste trabalho. 3 Docente do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil e orientadora deste trabalho.

2 A invasão das substâncias químicas ocorreu rapidamente em muitas camadas de nossa sociedade, porém, o reconhecimento de seus malefícios e o devido investimento no tratamento foi lento. Houve a expansão por todo mundo quanto à preocupação sobre o uso de drogas, [...] entretanto, no Brasil, é só na virada para o século XX que se percebe a problemática das drogas como questão social, onde vários atores, dos mais diferentes setores da sociedade, passam a se ocupar do problema. É importante destacar que, até o final da década de 1990, no Brasil, as pessoas que sofriam transtornos mentais, decorrentes do uso de drogas, eram internadas em clínicas psiquiátricas, sendo submetidas, junto aos doentes mentais, às mais diversas formas de violência. (VIEIRA, 2010) Para o ideal reconhecimento dos níveis de uso das substâncias químicas e suas implicações, é necessária a extinção do preconceito e estigmatização para com os usuários. Estes devem ser vistos e auxiliados, ressaltando suas diferenças ao ser formulado o plano de tratamento. O que temos assistido é a sociedade do espetáculo na medida em que a mídia associa o uso de substancia psicoativa à situações de violência de toda a ordem. Esta lógica exclui e segrega cada vez mais a pessoa que usa drogas, tornando-se também um empecilho àquelas que necessitam de cuidado, perpetuando a não garantia dos direitos fundamentais. (SANTOS, 2010) Embasando-se nestas colocações, cabe aos serviços de saúde mental e demais grupos dirigidos aos dependentes químicos investir na educação da sociedade em geral, sobre o funcionamento deste transtorno. Já no tratamento destes pacientes, é fundamental não encarar o uso da substância como um fenômeno sem meios-termos, é necessário trabalhar sem pensamentos dicotômicos de dependência ou abstinência. No decorrer deste artigo, serão revistas bibliografias sobre abordagens de Entrevista Motivacional, Terapia Cognitiva Comportamental e Prevenção de Recaída que, quando usadas adequadamente pelo profissional, são complementares no tratamento. 3 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O TRATAMENTO EM GRUPO Os dependentes químicos, quando questionados sobre o início do uso de substâncias, elegem múltiplos fatores (visto a singularidade de cada paciente), porém, a maioria destes refere baixa autoestima, eventos de vida estressantes, sintomas depressivos, ausência da

3 família e amizade com outros dependentes químicos como relevantes para o uso de substâncias químicas. Além disto, Classificam as drogas como algo negativo, desorganizador de suas vidas, acarretando o afastamento de familiares, da religião, de amigos e perda de bens materiais [...] à perda de empregos, instabilidade financeira, abuso físico e psicológico no sentido e que alguns dos usuários chegam a um grau de depressão tão forte que pensam até em suicídio. (VIEIRA, 2010) Mesmo após a identificação dos prejuízos causados pelo uso de substâncias químicas, os pacientes quando confrontados, na fase inicial do processo de adicção, negam serem dependentes. Esta observação prática embasa-se no que Fligie (2004) afirma e pode utilizar como alternativa a seguinte abordagem: Em uma fase inicial, na qual as pessoas estão mais relutantes e ambíguas, é importante o predomínio de técnicas motivacionais e de prevenção de recaída, que auxiliem de maneira concreta a lidar com conflitos presentes em relação ao hábito de beber ou consumir drogas. Na atualidade, é de comum entendimento que todas as substâncias químicas trazem prejuízos à saúde física, psíquica e empobrecem as atividades laborais e sociais de quem as consome. Contudo, o que difere estes prejuízos são os níveis de consumo estabelecidos. Em consonância a esta colocação, Santos (2010) refere que é preciso atentar para as múltiplas formas de uso [...] e que nem todas as pessoas que usam drogas têm problemas com seu uso, pois existem diferentes níveis de consumo que podem ou não caracterizar uso problemático. Ao acessar qualquer serviço de saúde mental, o paciente que apresenta queixas e demandas deve realizar ampla avaliação prévia ao início do tratamento. No caso do dependente químico inclui as avaliações psiquiátrica, clinica, neurológica, cognitiva (aspectos de atenção, concentração, memória) e familiar. [...] é importante que se possa construir um diagnóstico que compreenda os eixos psiquiátrico, físico, de funcionamento social e ocupacional e em relação aos estressores, ou seja, um diagnóstico multiaxial. (KNAPP, 2001) Após esta primeira avaliação, é estruturado o tratamento para o dependente químico através do plano individual. Este plano de tratamento, segundo Wright (2008), pode consistir em internação hospitalar, caso o transtorno se caracterize por uma síndrome de abstinência potencialmente perigosa, [...] pode ser necessária a hospitalização em um programa de desintoxicação com supervisão médica ; em atendimento no CAPS Centro de Atenção Psicossocial, caso o uso de substâncias possa ser tratado através de técnicas psicoterápicas,

4 medicações, atividades de cidadania, atividades laborais, atividades físicas e participação contínua dos familiares (visto que o paciente mantém-se no meio familiar durante o tratamento); e em demais grupos dirigidos ao acompanhamento de dependentes químicos. O plano terapêutico individual é, primeiramente, singular. Isto significa que para cada dependente químico são estipuladas atividades específicas e enfoque de tratamento diferenciado. No CAPS Viver, há a possibilidade de encaminhamento para atividade física, atividade laboral, grupo educativo conduzido por enfermeira, grupo psicoterápico conduzido por psicóloga, entre outras atividades oferecidas. O fato destes usuários estarem inseridos em grupos, reafirma-se no que Fligie (2004) refere neste trecho: A ação terapêutica do grupo pode se processar pela possibilidade de cada um se ver e refletir nos outros e de poder reconhecer aspectos que estão negando. Ainda, sustentando as vantagens do tratamento em grupo, Deve-se considerar que a dependência química é uma doença estigmatizante, cujos portadores pensam (onipotentemente) ser os únicos a vivenciarem tal situação. O grupo passa, então, a ter a vantagem do compartilhamento de experiências, que facilitará uma melhor percepção do funcionamento da pessoa, através das possíveis interações ocorridas no contexto grupal. [...] Outro aspecto importante, em se tratando de dependência, é o conceito de prevenção à recaída, em que o grupo pode assegurar um espaço mantenedor não só da abstinência, mas também como meio dos pacientes elaborarem suas dificuldades pessoais e relacionais frente à manutenção da mesma; por intermédio do grupo e do que cada cliente experiencia, novas reflexões poderão surgir na tentativa de encontrar uma resposta diferente para a transformação de sua realidade. (FLIGIE, 2004). Contudo, é necessário cuidado ao conduzir qualquer grupo com dependentes químicos, pois o simples relato de fatos relacionados com o uso da substância pode fissurar o paciente ou outro componente de um grupo, por exemplo (KNAPP, 2004.) Para isto, é fundamental que o grupo como um todo seja esclarecido sobre a fissura, seus tipos, seus sintomas, sua duração, seus desencadeantes, etc. Livres da fissura, os pacientes são capazes de reconhecer as consequências prejudiciais do uso da droga e a necessidade de evitá-la. Entrevista Motivacional na Dependência Química Nesta abordagem, o psicólogo tem como função primordial auxiliar o paciente, dependente químico, na visualização de sua situação, para que este veja e aceite a realidade o suficiente para que, independentemente de sua relutância, possa aceitar, por sua vez, a necessidade de ajuda. Ver a própria situação de forma clara é um primeiro passo para a

5 mudança (MILLER, 2001). Todavia, a aceitação de um diagnóstico não é fator preditivo de recuperação, pois a motivação para a mudança de hábitos é afetada também por condições externas do paciente. O autor Miller (2001) afirma que o que parece de fato predizer a mudança é a aderência efetiva da pessoa ao aconselhamento ou a um plano terapêutico. A motivação (ou a sua ausência) não deve ser pensada como um problema de personalidade, nem como um traço que a pessoa carrega consigo quando procura o terapeuta. Pelo contrario, a motivação é um estado de prontidão ou de avidez para mudança, que pode oscilar de tempos em tempos ou de uma situação para outra [...] a tarefa do terapeuta é ajudar a pessoa a evitar o desanimo e a desmoralização, a continuar a contemplar a mudança, a renovar a determinação e a retomar a ação e a manutenção de esforços. (MILLER, 2001) Segundo Silva (2012), a motivação do paciente segue um espiral nos seguintes estágios: pré-contemplação (não reconhece que tem problemas relacionados ao uso de substâncias), contemplação (reconhece que tem um problema, mas não consegue mudar seu comportamento), ação (reconhece seu problema relacionado ao uso de substâncias e se compromete a mudar seu comportamento através de estratégias eficazes) e manutenção (uma vez que conseguiu atingir a abstinência, toma decisões no sentido de manter o novo comportamento). O autor Miller (2001) também afirma que existe um modelo de mudança, e este modelo configura-se como uma roda, um círculo, e por isto, reflete a realidade de que, em praticamente qualquer processo de mudança, é normal que a pessoa circule o processo várias vezes antes de alcançar uma mudança estável. [...] circulam a roda de três a sete vezes. [...] a roda, portanto, também reconhece a recaída como uma coerência ou um estágio normal da mudança. Algumas vezes, dizemos a nossos pacientes: cada deslize ou recaída aproxima você um passo da recuperação. Isso não tem como objetivo, evidentemente, ser um estimulo à recaída, pelo contrario, é uma perspectiva realista que busca impedir que os pacientes desanimem, desmoralizem-se ou imobilizem-se quando da ocorrência de uma recaída. O paciente que está no estágio da pré-ponderação necessita de informação e de feedback para tomar consciência de seu problema e da possibilidade de mudança. Assim, logo que alguma consciência do problema tenha surgido, a pessoa entra em um período caracterizado pela ambivalência, ou seja, no estágio da ponderação, que é um estágio normal e característico da mudança. De acordo com Miller (2001), o ponderador tanto considera a mudança quanto a rejeita. Se deixado livre para falar sobre a área-problema sem interferência, provavelmente ficará dividido entre motivos de preocupação e justificativas para a despreocupação.

6 Entre os princípios gerais da Entrevista Motivacional está: desenvolver discrepância; evitar a argumentação; acompanhar a resistência do paciente, pois a força pode ser usada em seu beneficio próprio, alterando as percepções novas perspectivas são oferecidas; promover a auto eficácia, pois a crença na possibilidade de mudança é um motivador importante e há esperança na gama de abordagens alternativas disponíveis. Como estratégia para melhorar a motivação para a mudança do dependente químico, o psicólogo tem oportunidade de utilizar as seguintes técnicas específicas que aumentem a probabilidade de comportamentos visando a mudança [...] Oferecer orientação; Remover barreiras; Proporcionar escolhas; Diminuir o aspecto desejável do comportamento; Praticar a empatia; Proporcionar feedback; Esclarecer objetivos e Ajudar ativamente (MILLER, 2001). O papel do psicólogo é importante neste período do paciente, devendo empenhar-se na manutenção da relação terapêutica de confiança com o dependente químico e na empatia durante o tratamento. Há estudos que revelam que o comportamento do psicólogo durante uma única sessão é indicativo da recaída, tempos depois. Miller (2001) expõe que quanto mais um terapeuta houvesse confrontado o paciente, mais esse estaria bebendo um ano depois; quanto mais o terapeuta tivesse apoiado e escutado o paciente, mais ele mudava. Empatia é uma habilidade específica e que pode ser aprendida para que haja a compreensão dos significados de outra pessoa pelo uso da escuta reflexiva, quer tenha-se ou não vivência semelhante. Anula-se, desta forma, a interpretação errônea de que empatia é unicamente identificar-se com os problemas de determinado paciente e aceita-los cordialmente. Mantendo esta mesma visão, a resistência do dependente químico é altamente influenciada pelo comportamento do psicólogo. Se o paciente perceber sua liberdade ameaçada e suas escolhas limitadas, possivelmente não irá aderir ao tratamento. Em contraponto, há aderência se a motivação intrínseca é intensificada pela percepção de que a pessoa escolheu de livre vontade um modo de ação, sem influência externa significativa nem coerção. Fazer uma mudança, entretanto, não garante que ela será mantida. Obviamente, as experiências humanas estão repletas de boas intenções e mudanças iniciais, seguidas de pequenos ( deslizes ) ou grandes ( recaídas ) passos para trás. Durante o estágio da manutenção, o desafio é manter a mudança obtida pela ação anterior e evitar recaída [...] se a recaída ocorre, a tarefa do indivíduo é recomeçar a circular a roda em vez de ficar imobilizado nesse estágio. (MILLER, 2001)

7 É o paciente que define o objetivo e rumo de seu tratamento, havendo como alternativas a abstinência completa ou a redução de danos. A Redução de Danos busca trabalhar com a minimização dos prejuízos provocados pelo uso da substância química, e neste contexto é tarefa do psicólogo auxiliar o paciente a encontrar uma estratégia de mudança que seja aceitável, acessível, adequada e eficaz. [...] escuta empática [...] mais compassiva do que agressiva (MILLER, 2001). Terapia Cognitiva Comportamental na Dependência Química No tratamento de dependentes químicos, segundo Fligie (2004), a abordagem mais respeitada é da Terapia Cognitiva Comportamental, que tanto aplicada individual como em grupo, apresenta maior efetividade em termos de custo e benefício. O psicólogo que intervém através de técnicas cognitiva-comportamentais, possui como pressuposto básico que mais importante que a situação real são as cognições associadas a elas. São as avaliações atribuídas à situação específica que influenciam as emoções e os comportamentos. Além disso, no processo terapêutico, as mudanças cognitivas precedem as mudanças emocionais e comportamentais (SILVA, 2012). Frente a isto, na dependência química, é fundamental (e meta) que o usuário aprenda como lidar com suas fissuras, sendo estas fissuras reconhecidas por ele como um desejo muito intenso de utilizar a droga e as sensações fisiológicas concomitantes. Esta abordagem caracteriza-se por ser breve, estruturada, colaborativa, educativa e orientada para o presente. Objetiva proporcionar alívio sintomático, auxiliando o paciente a modificar seus pensamentos e comportamentos. Busca, principalmente Estabelecer uma relação de confiança e empatia; familiarizar o paciente com a terapia cognitiva através de explicações didáticas; falar com o paciente sobre o seu transtorno, sobre o modelo cognitivo e sobre o processo de terapia; saber das expectativas do paciente com a terapia; obter informações complementares sobre os problemas do paciente; utilizar estas informações para desenvolver uma lista de objetivos. (KNAPP, 2001) Estes objetivos citados acima são indispensáveis na Terapia Cognitiva Comportamental, onde Knapp (2004) refere como indispensável e fundamental a identificação das situações de risco para cada paciente. A identificação pode ser feita pelo trabalho clinico: estudo detalhado de recaídas anteriores, dos momentos em que apresentou fissura nas fases de abstinência, estudo de seu dia-a-dia.

8 Uma das técnicas essenciais a ser trabalhada no grupo de dependentes químicos é o Treinamento de Assertividade. Esta técnica tem por objetivo facilitar as comunicações para que fiquem mais claras e de simples entendimento, tanto do paciente quanto de seus familiares. Os pacientes devem expressar com clareza suas escolhas, impor limites quando julgar necessário, definir com firmeza suas decisões rotineiras e àquelas que contribuirão para a mudança de seu estilo de vida vinculado a dependência. O paciente, além de dizer não às drogas e relacionamentos ligados a esta, deve desenvolver habilidades amplas de assertividade. Dentro do modelo cognitivo, o atendimento de um dependente químico tem por foco manejar a fissura, examinar as crenças ligadas às substâncias químicas, desenvolver habilidades para solucionar problemas e prevenir a recaída. Para trabalhar com este foco, a terapia cognitiva comportamental dispõem das seguintes técnicas básicas de intervenção, que devem ser introduzidas precocemente no tratamento: No Questionamento Socrático, o terapeuta guia o paciente através de perguntas para que ele chegue às suas próprias conclusões. [...] Os Cartões de Enfrentamento são lembretes que podem ter três tipos de conteúdos diferentes como respostas racionais a pensamentos automáticos disfuncionais, estratégias de enfrentamento e frases que fortaleçam a motivação. Estes cartões podem ser fixados no espelho do banheiro, no painel do carro, na porta da geladeira ou carregado consigo. [...] A proposta da técnica Solução de problemas é identificar e delimitar o problema, pensar em varias soluções, escolher a melhor solução disponível, coloca-la em prática e avaliar a efetividade e adequação da solução escolhida. [...] A Distração consiste na mudança do foco e da atenção do mundo interno para o ambiente externo, pois a pessoa fissurada e ansiosa tende a concentrar sua atenção nas várias sensações corporais e nos pensamentos automáticos concomitantes. (KNAPP, 2001) No Exame das vantagens e desvantagens o paciente é estimulado a escrever as vantagens de determinada decisão ou comportamento, examiná-las e, então tomar sua decisão. O usuário de drogas, tipicamente, mantêm crenças que minimizam as desvantagens do uso e maximizam suas vantagens. [...] A Identificação de Pensamentos Automáticos consiste em questionar ao paciente o que você estava pensando naquele momento, naquela situação? Que pensamento lhe passou pela cabeça?.[...] Através da técnica Avaliação e Questionamento de Pensamento Automático: o terapeuta vai auxiliar o paciente a avaliar sua veracidade, utilidade e consequência. O paciente deve avaliar, de 0 a 10, o quanto acredita em seu pensamento. [...] Agendamento e monitorização, o paciente recebe uma grade com os sete dias da semana, divididos em intervalos de meia ou uma hora, para registrar as atividades realizadas, o grau de satisfação e de competência percebidos em cada atividade e o estado de humor. Com a interrupção do uso de drogas é previsível o surgimento de resistências, sabotagens, evitação passiva, além de sentimentos de desesperança, baixa auto estima, frustração. [...] Utilização de Relaxamento, que abrange exercícios respiratórios e relaxamento muscular progressivo. O relaxamento pode permitir ao paciente a elaboração e confirmação de crenças de que ele está no controle e de que é capaz de lidar com sua fissura. [...] Pratica de Exercício físico: as atividades físicas sadias contribuem na formação de uma nova auto imagem,

9 confirmando crenças mais positivas do paciente a respeito de si mesmo. (KNAPP, 2004) Segundo Knapp (2001), o dependente químico apresenta em seu funcionamento erros típicos de pensamento, como dicotômico, catastrofizar, desqualificar o positivo, argumentação emocional, magnificar/minimizar; filtro mental, leitura mental, supergeneralizar, personalizar e visão em túnel. Há também as Crenças Centrais disfuncionais, que se encaixam em dois grupos, a crença de desamparo (por exemplo, sou impotente, sou carente, sou fraco) e a crença de não ser amado (por exemplo, eu não tenho valor, não sou bom, ninguém me quer). Knapp (2001), afirma que o paciente percorre o seguinte sistema muito rapidamente, quase como um arco reflexo, em seu processo de dependência. Este sistema se inicia com uma situação estímulo, que ativa suas crenças (no momento, disfuncionais), liberando pensamentos automáticos, que imediatamente produz reações emocionais, comportamentais e fisiológicas. Esta sequência dá passagem à fissura, onde o dependente químico faz uso de crenças permissivas ( quando estão ativadas, acontece um tipo de distorção cognitiva denominada visão em túnel: o individuo dá atenção e assimila preferencialmente todos os estímulos favoráveis à fissura e/ou uso de droga, desconsiderando todos os outros ), assim o paciente toma atitudes em busca da substância e mantem seu uso continuado e/ou recai. O psicólogo deve educar o paciente dependente químico, a identificar familiares e amigos não usuários como apoio e recurso coadjuvante no tratamento. Estes amigos e familiares podem ser essenciais na reconstrução de vínculos afetivos e relacionamentos saudáveis. Prevenção de Recaída na Dependência Química Na abordagem de Prevenção de Recaída, a pessoa é considerada agente de mudança. Assim, ao mesmo tempo em que evita a culpa associada como no modelo moral, evita também a impotência e a perda de controle associados como no modelo da doença. A prevenção de recaída se contrapõe aos modelos de doença e moral, admitindo que a dependência química é um mau hábito adquirido e passível de mudança, com a participação do paciente. Para tanto, é necessário explorar de modo afícuo as crenças e os comportamentos que facilitam a manutenção do hábito. (SILVA, 2012) O processo de mudança de hábitos envolve a participação ativa e a responsabilidade do dependente químico, embora tenhamos conhecimento que os hábitos particulares de cada um foram moldados e determinados por experiências passadas de aprendizado.

10 Como mencionado anteriormente, o dependente químico ao romper o ciclo de uso, terá muito tempo livre, tempo este que anteriormente era utilizado para obtenção e consumo de substâncias químicas. Da mesma forma, a rede social tende a ser relacionada ao uso de substância psicoativa. Assim, ao evitar as pessoas, coisas e lugares que podem disparar o circuito de uso, um grande vazio pode tomar conta dos dias [...] Com poucas habilidades para lidar com esta situação, é provável que emoções negativas como aborrecimento, ansiedade, tristeza e frustração surjam, e daí a fissura seja ativada. (KNAPP, 2001) Portanto, para um envolvimento mais eficaz no tratamento de dependentes químicos, é importante educar o usuário para que sozinho saiba prevenir a ocorrência de lapsos iniciais após ter ingressado num programa de mudança de habito e/ou evitar que qualquer lapso chegue ao ponto de uma recaída total. O uso de drogas também é determinado, em grande parte, por expectativas e crenças adquiridas sobre as drogas como um antidoto para o estressse e a ansiedade. Os fatores de aprendizado social e de modelagem também exercem uma forte influencia (por exemplo, uso da droga na família e grupo de amigos, juntamente com a exibição ampla do uso de drogas nos anúncios e meios de comunicação). (MARLATT, 1993) O papel do psicólogo, nesta abordagem e nas outras relatadas anteriormente, é ensinar o paciente a ser seu próprio operador de manutenção no processo de mudança de hábitos. Neste programa de Prevenção de Recaída, os objetivos são: Antecipar e prevenir a ocorrência de uma recaída após o inicio de uma tentativa de mudança de habito, e ajudar o individuo a recuperar-se de um deslize ou lapso antes de este transformar-se em uma plena recaída. Tais procedimentos de Prevenção de Recaída podem ser usados não importando a orientação teórica ou métodos de intervenção aplicados durante todo o tratamento. (MARLATT, 1993) 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Realizar esta revisão bibliográfica sobre dependência química oportunizou-me refletir um pouco mais sobre a prática vivenciada no CAPS Viver, durante este período de estágio. Hoje é possível afirmar que, sobretudo no tratamento de dependência química, o que configura sua eficácia ou não, é o protagonismo apresentado pelo paciente. Mesmo a indicação para um tratamento exemplar, com as abordagens mais respeitadas, através das técnicas mais adequadas, é insuficiente/incompleto, sem a iniciativa do paciente. É necessário que ele comprometa-se consigo, com suas singularidades, suas fraquezas e seus potenciais. Não são os serviços de saúde, os familiares, os amigos ou a

11 justiça que farão a mudança no comportamento do dependente químico, mas sim, auxiliarão para que este independente possa identificar e controlar seus pensamentos. O psicólogo deve apresentar empatia para com o dependente químico, ter como premissa básica que o contrario da dependência é a liberdade e não a abstinência. A dependência aprisiona e o tratamento deve buscar a autonomia e o protagonismo. Durante o tratamento, o psicólogo deve educar o paciente para que reconheça sua dependência, visualize seu comportamento e pondere as melhores alternativas a serem seguidas. Com esta visão sobre a dependência e o tratamento, o psicólogo pode fazer uso da Entrevista Motivacional como abordagem para aproximar-se do paciente e auxiliá-lo a ponderar sobre mudança de hábitos, utilizar as técnicas da Terapia Cognitiva Comportamental para trabalhar com os pensamentos e crenças disfuncionais deste paciente e após, como alternativa para manter a mudança de comportamento alcançada, educar sobre a Prevenção de Recaída. 5 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS FLIGLIE, Neliana Buz; Melo, Denise Getúlio de; Payá, Roberta,. Dinâmicas de Grupo Aplicadas no Tratamento da Dependência Química: Manual Teórico e Prático. Editora ROA ROCA, 2004. KNAPP, Paulo (org.). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001. KNAPP, Paulo (org). Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004. MARLATT, G. Alan; GORDON, Judith R. Prevenção de Recaída: Estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos adictivos; tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed, 1993. MILLER, William R.; ROLLNICK, Stephen. Entrevista motivacional: preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivas; tradução Andrea Cleffi e Claudia Dornelles. Porto Alegre: Artmed, 2001. SANTOS, Loiva Maria De Boni (org). Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas. Porto Alegre: Ideograf/ Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, 2010. SILVA, Cláudio Jerônimo da; SERRA, Ana Maria. Terapias Cognitiva e Cognitivo-Comportamental em dependência química. Rev. Bras. Psiquiatr. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1516-44462004000500009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07/06/2012. VIEIRA, Julliana Keith de Sá et al. Concepção sobre drogas: relatos dos usuários do CAPS-ad, de Campina Grande, PB. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, ago.2010. Disponível em:

12 <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1806-69762010000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 07/06/2012. WRIGHT, Jesse H.; BASCO, Monica Ramirez; THASE, Michael E. Aprendendo a terapia cognitivocomportamental: um guia; tradução Mônica Giglio Armando. Porto Alegre: Artmed, 2008.