OBTENÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS POR MEIO DE HIDRÓLISE ENZIMÁTICA E FRACIONAMENTO A SECO DO ÓLEO DE CASTANHA DE MACAÚBA (Acrocomia aculeata) M. J. A. Ferreira 1, B. M. Guimarães 1, J. G. Santos 1, R. G. B. Mariano 2, S. P. Freitas 3 1-Escola de Química Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Tecnologia, Bloco E Cidade Universitária CEP: 21941-909 Rio de Janeiro RJ Brasil, Telefones: (21) 99148-8616/ (21) 98558-9529/ (21) 98314-5377 e-mails: (meirej.ferreira@gmail.com/ bmelloguimaraes@hotmail.com/ jessica_ks_@hotmail.com) 2-Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense Campus Bom Jesus do Itabapoana Parque do Trevo CEP: 28360-000 Bom Jesus do Itabapoana RJ Brasil, Telefone: (22) 3833-9850 e-mail: (renata.mariano@iff.edu.br) 3-Departamento de Engenharia Química/ Escola de Química Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Tecnologia, Bloco E, sala 211 Cidade Universitária CEP: 21941-909 Rio de Janeiro RJ Brasil, Telefone: (21) 3938-7717 e-mail: (freitasp@eq.ufrj.br) RESUMO A macaúba (Acrocomia aculeata) é uma espécie nativa das florestas tropicais e do Cerrado brasileiro. O óleo da castanha da macaúba pode conter até 45% de ácido láurico que é um dos ácidos graxos (AG) saturados mais amplamente distribuídos na natureza. Neste trabalho obteve-se e caracterizaram-se os concentrados de AG a partir do fracionamento a seco do óleo da castanha da macaúba previamente hidrolisado. Para a etapa de hidrólise foi utilizada uma lipase comercial (Novozyme 435). A cristalização foi conduzida entre 10 e 21 C, em dois estágios. A seguir foram avaliadas as propriedades físicas e químicas das frações lipídicas. A hidrólise seguida de fracionamento permitiu obter uma fração rica em ácido láurico, estearina, e outra rica em ácidos graxos de cadeia longa, oleína. Estas apresentam propriedades químicas e físicas distintas, possibilitando uma maior versatilidade para uso comercial do óleo da castanha da macaúba. Palavras-chave: Acrocomia aculeata, ácidos graxos, hidrólise, fracionamento. ABSTRACT The macaúba (Acrocomia aculeata) is a native species of tropical forests in the Brazilian Cerrado. The macaúba kernel oil may contain up to 45% of lauric acid which is one of saturated fatty acids (FA) most widely distributed in nature. In this study the macauba fatty acids was submitted to fractionating from the previously hydrolyzed macaúba oil. For hydrolysis stage was used a commercial lipase (Novozyme 435). Crystallization was carried out between 11 and 22 C, in two stages. Furthermore, the physical and chemical properties of all fractions were evaluated. The hydrolysis followed by fractionation afforded two fractions: one lauric acid rich fraction, stearin, and rich long chain fatty acid, olein. These presented different chemical and physical properties, providing greater versatility for commercial macaúba kernel oil. KEYWORDS: Acrocomia aculeate, fatty acids, hydrolysis, fractionation.
1. INTRODUÇÃO Os óleos e gorduras são obtidos de fontes naturais, com uma produção mundial estimada em 100 milhões de toneladas/ano. Na dieta humana gorduras e óleos têm uma importância fundamental, pois além de serem fontes de calorias e ácidos graxos essenciais como os ácidos linoléico (C18:2) e linolênico (C18:3), são responsáveis também pelo transporte de vitaminas lipossolúveis como as vitaminas A, D, K e E. Nos alimentos afetam a estrutura, estabilidade, sabor, aroma, qualidade de estocagem, características sensoriais e visuais (CASTRO et al., 2004). De acordo com a RDC nº 270 de 2005 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a diferença entre óleos e gorduras consiste na temperatura de fusão. Os óleos se apresentam na forma líquida e as gorduras se apresentam na forma sólida ou pastosa à 25 ºC, respectivamente. Óleos e gorduras são compostos principalmente por uma mistura de triglicerídeos (TAG s). Suas propriedades funcionais como ingredientes em alimentos processados estão diretamente relacionados com o tipo de triglicerídeos que os compõem. A distribuição e o tipo de ligação dos ácidos graxos nas moléculas de TAG s afetam a consistência do produto. As gorduras apresentam em sua estrutura, majoritariamente, radicais de ácidos graxos saturados, enquanto nos óleos predominam os ácidos graxos insaturados (O BRIEN, 2004). Ácidos graxos saturados são menos reativos e apresentam ponto de fusão superior à do ácido graxo correspondente de mesmo tamanho de cadeia com uma ou mais duplas ligações. Ácidos graxos insaturados podem existir nas configurações cis e trans, com diferentes propriedades físico-químicas. Por suas características estruturais, os ácidos graxos na forma trans (AGT) têm ponto de fusão mais elevado quando comparado com seu isômero cis correspondente, mas inferior ao ponto de fusão do ácido graxo saturado com mesmo número de átomos de carbono (BELITZ e GROSCH, 1997). Os AGT estão presentes naturalmente em gorduras de origem animal, em pequenas quantidades, mas são formados principalmente pela hidrogenação catalítica de óleos vegetais visando à produção de gorduras técnicas ( shortenings ) e gorduras para frituras. A alta ingestão de alimentos contendo esse tipo de ácido graxo está relacionada com o risco de doenças arterial coronariana e vasculares (RIBEIRO et al., 2007). A tecnologia de fracionamento a frio, aplicada para obter produtos derivados de óleos e gorduras com características funcionais únicas, resulta, predominantemente, em ácido láurico (C12:0) e quantidades menores de C6:0, C8:0 e C10:0. Estes ácidos graxos, derivados dos óleos de coco ou de palmiste, são solúveis tanto em óleo quanto em água e possuem rápida absorção pelo organismo. Tradicionalmente usados como substitutos de manteiga de cacau, pois apresentam propriedades físicas muito semelhantes à estearina do cacau (O BRIEN, 2004). Sendo assim, para obter gorduras isentas de ácidos graxos trans e adequadas para as aplicações comerciais é crescente o interesse em tecnologias de modificação de óleos e gorduras. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Matéria - Prima Os frutos da macaúba foram adquiridos diretamente do produtor no município de Jaboticatubas-MG. 2.2 Processamento Na Escola de Química/UFRJ, foi efetuada a separação manual da polpa e da castanha de macaúba. Para extração do óleo da castanha, utilizou-se uma prensa semi-piloto do tipo parafuso sem
fim da marca Oekotec Alemanha modelo CA59G. As castanhas moídas foram pesadas e em seguida prensadas a frio. O óleo bruto foi filtrado a vácuo para remoção da borra e armazenado a temperatura ambiente até ser hidrolisado e fracionado para uso nos ensaios analíticos. Para a etapa de hidrólise foi utilizada uma enzima comercial, a Novozym 435 (Lipase acrylic resin from Aspergilus niger), adquirida da Novo Nordisk. Os parâmetros de reação (temperatura, concentração de enzima e umidade) foram selecionados visando maximizar a eficiência da enzima como catalisadora da reação de hidrólise do óleo. Para isso, o processo foi conduzido em um reator de mistura usando-se 450 g de óleo de castanha de macaúba com umidade 20%, concentração de enzima de 2,5% em relação ao substrato por 72 horas a 50 ºC. O fracionamento do óleo hidrolisado foi realizado em dois estágios, como indicado na Figura 1. O processo foi efetuado em uma câmara fria entre 10 C a 21 C, específica para o óleo da castanha de macaúba. Figura 1 Diagrama simplificado para o fracionamento a seco do óleo de castanha de macaúba hidrolisado. Na primeira etapa, foram colocados, na câmara fria, 346 g de óleo hidrolisado em um recipiente de vidro transparente. Fez-se uma redução gradativa da temperatura, a partir dos 21 C a uma taxa de 0,5 C/hora, até atingir a temperatura de formação dos primeiros cristais. A seguir esta foi mantida durante, aproximadamente, 48 horas para estabilização dos cristais e da fase líquida. As frações foram separadas e reconduzidas a uma segunda etapa de fracionamento, com objetivo de fracionar ainda mais os ácidos graxos de interesse, oléico e láurico. 2.3 Análises Para determinação do índice de acidez foi seguido o método IUPAC 2.201, utilizando-se 0,5 g de amostra e solução de álcali (NaOH) a 0,1 N e o índice de iodo foi determinado segundo o método de Wijis da AOCS (Cd 1b -87), utilizando-se 1,3 g de óleo e solução de tiossulfato de sódio 0,1 N. Os ésteres metílicos do óleo de castanha de macaúba foram preparados pelo método HARTMAN & LAGO (1973) e a composição em ácidos graxos foi realizada por cromatografia gasosa em cromatógrafo da marca Agilent Technologies, modelo 7890A, coluna DB-WAX (30 m x 250 µm x 0,25 µm) e detector de massas (Agilent Technologies, modelo 5975C VL MSD), de acordo com procedimento padronizado (AOCS, 1990). 2.4 Balanço de Massa O balanço de massa, para cálculo do coeficiente de distribuição, foi efetuado com base na composição em ácidos graxos do óleo hidrolisado e das suas frações, em todas as correntes do processo.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A hidrólise enzimática do óleo da castanha de macaúba, nas condições selecionadas, aumentou de forma significativa a acidez da amostra de 8,8 ± 0,01 para 121,6 ± 0,39 mgkoh/g após 72 horas de reação, como pode ser observado na Figura 2. Figura 2 - Cinética da reação de hidrólise enzimática do óleo de castanha de macaúba, a 50 C. O fracionamento a seco ocorreu em dois estágios, sendo o primeiro a 13 ± 0,5 C, que originou as frações denominadas de oleína 1 e estearina 1. No segundo, o refracionamento da oleína 1 ocorreu a 12 ± 0,5 C resultando na oleína 2 e estearina 2, enquanto o refracionamento da estearina 1 ocorreu a 14 ± 0,5 C, originando a oleína 3 e estearina 3. A diferença nas temperaturas de fracionamento em cada estágio ocorreu devido à alteração na composição de ácidos graxos em cada fração. Assim, na fração oleína obteve-se uma maior concentração dos ácidos insaturados com consequente redução na temperatura de fracionamento. Já na estearina, na qual estão concentrados os ácidos graxos saturados, obteve-se maior ponto de fusão. O fracionamento a seco resultou em maior proporção, em massa, da fase sólida em ambas as etapas do processo, 79:21 e 60:40 de estearina e oleína, respectivamente, nos estágios 1 e 2. No entanto, não houve uma diferença significativa na distribuição em massa das correntes resultantes do refracionamento da oleína 1 (Figura 3). Isto ocorreu devido à razão entre os ácidos graxos saturados de 61% e insaturados da matriz de 39%. Figura 3 - Porcentagem em massa das correntes do processo após o fracionamento e refracionamento a seco
As frações obtidas apresentaram diferentes índices de acidez, como pode ser observado na Tabela 1. As frações estearina apresentaram índices superiores comparados aos da oleína, em ambas as etapas do fracionamento a seco. Isto pode ser explicado pelo fato de que os ácidos graxos livres têm pontos de fusão maiores e mais definidos que os triglicerídeos. O índice de iodo para o óleo de castanha de macaúba está de acordo com dados da literatura (AMARAL, 2007). Entretanto, as diferenças observadas entre o índice de iodo das frações oleína e estearina não foram tão significativas, como esperado. Isto ocorreu, possivelmente, pela baixa sensibilidade do método analítico aplicado. Tabela 1 - Índices de acidez e iodo das diferentes frações de óleo de macaúba hidrolisado e fracionado a seco 1º Fracionamento (a partir da Oleína 1) (a partir da Estearina 1) Óleo Hidrolisado Índice de Acidez (mg KOH/ g) Índice de Iodo (%) 121,60 ± 0,39 28,19 ± 0,60 Oleína 1 119,50 ± 1,30 28,06 ± 0,45 Estearina 1 126,82 ± 0,97 27,89 ± 0,29 Oleína 2 115,68 ± 0,21 27,42 ± 0,66 Estearina 2 124,60 ± 0,61 27,40 ± 0,06 Oleína 3 124,64 ± 1,84 29,02 ± 0,09 Estearina 3 131,44 ± 1,49 27,09 ± 0,22 O balanço de massa com base no perfil de ácidos graxos (Tabela 2) confirmou que os ácidos saturados se concentraram nas frações de estearina, aproximadamente, quatro vezes no primeiro estágio e duas vezes no segundo. Tabela 2 Perfil de ácidos graxos e balanço de massa para as correntes do processo Láurico C12:0 (% área) Oléico C18:1 (% área) Ácidos Graxos Saturados (g) Óleo Hidrolisado 42,06 29,21 61 1º Fracionamento (a partir da Oleína 1) (a partir da Estearina 1) Oleína 1 31,65 36,89 13 Estearina 1 32,64 35,81 48 Oleína 2 31,71 37,89 6 Estearina 2 33,47 35,05 7 Oleína 3 30,66 38,56 18 Estearina 3 32,46 35,59 30
4. CONCLUSÕES O processo de hidrólise enzimática foi eficaz como comprovado pelo alto índice de acidez do óleo após a reação. Como desejado, o rendimento em massa após o fracionamento do óleo de castanha de macaúba hidrolisado resultou em uma maior quantidade de estearina se comparada à oleína. Portanto, foi possível fracionar a seco o óleo de macaúba hidrolisado, obtendo-se correntes lipídicas ricas em láurico e oléico separadamente. Dessa forma, as frações com diferentes características físico-químicas podem ser direcionadas para aplicação na formulação de diversos produtos da indústria. Agradecimentos: Ao CNPq pela bolsa PIBIC concedida a Meire Jéssica Azevedo Ferreira. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Oil Chemists Society (1990). Official methods and recommended practices of the American Oil Chemists Society. 4th ed. Champaign, [A.O.C.S. Official method Cd 1b -87]. AOAC (2005). Official methods of analysis of the association of official analytical chemists. Washington, [AOAC Official method 923.03; 945.38; 2001.11]. Belitz, H-D., Grosch, W. (1997). Quimica de los alimentos. 2 ed. Zaragoza: Ed. Acribia S. A. Brasil, Resolução RDC nº 270, de 22 de setembro de 2005. Disponível em: http://e-legis.anvisa. gov.br/leisref/public/showact.php?id=18829&word=. Acesso em: 20 mar. 2016. Castro, H. F., Mendes A. A. e Santos, J. C., Aguiar, C. L. (2004). Modificação de óleos e gorduras por biotransformação. Quim. Nova, Vol. 27, N. 1, 146-156. Amaral, F. P. (2007). Estudo das características físico-químicas dos óleos da amêndoa e polpa da Macaúba [Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart] (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual Paulista, Botucatu. Hartman, L., Lago, R.C.A. (1973). Rapid preparation of fatty acid methyl esters from lipids. Laboratory. Practice, v.22, p.475-477. International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) (1992). Standard methods for the analysis of oils, fats and derivatives, ed. 7, suppl., Ed. Blackwell Scientific. Método 2.201. O Brien, R. D. (2004). Fats And Oils Formulating And Processing For Applications; ed. CRC Press LLC, 2ª Ed., Cap. 2. Ribeiro, A. P. B., Moura, J. M. L. N., Grimaldi, R. E., Gonçalves, L. A. G. (2007). Interesterificação química: alternativa para obtenção de gorduras zero trans. Quim. Nova, Vol. 30, No. 5, 1295-1300.