OBTENÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS POR MEIO DE HIDRÓLISE ENZIMÁTICA E FRACIONAMENTO A SECO DO ÓLEO DE CASTANHA DE MACAÚBA (Acrocomia aculeata)

Documentos relacionados
ESTUDO DA INFLUÊNCIA DO TEOR DE CAROTENÓIDES E DE ÁCIDOS GRAXOS SATURADOS EM MISTURAS DE BIODIESEIS

CH 3 (CH 2 ) 14 COOH

MSc. Bolsista CNPq/Embrapa Clima Temperado. 2. Acadêmica de Engenharia Química FURG.

QUÍMICA MINERAL. Para continuarmos a aula, será necessária uma noção sobre reação de esterificação, ou seja, reação entre ácido e álcool.

FRACIONAMENTO DE GORDURA DE FRANGO THE FRACTIONING OF CHICKEN FAT

DA ESTABILIDADE TÉRMICA DE ÓLEOS VEGETAIS

MODIFICAÇÕES FÍSICO-QUÍMICAS DA GORDURA DE BABAÇU DURANTE FRITURAS DE BATATAS

Aula: 26 Temática: Estrutura dos lipídeos parte I

Bromatologia Mônica Cristine P Santos (Doutoranda) PPGAN - UNIRIO

Bioquímica PROFESSOR GILDÃO

HNT 205 Produção e Composição de Alimentos, 2016/Noturno GABARITO Lista Lipideos

Autores: Giselle de S. Araújo, Ricardo H. R. de Carvalho e Elisa M. B. D. de Sousa. São Paulo, Maio de 2009

Avaliação da potencialidade de aplicação de lipase comercial livre em reações de esterificação

MACRONUTRIENTES LIPÍDIOS

ANÁLISE COMPARATIVA DO TEOR LIPÍDICO E PERFIL DE ÁCIDO GRAXOS DE FRUTOS COMESTÍVEIS DE TRÊS ESPÉCIES NATIVAS DE SYAGROS

Prêmio Jovem Cientista

Principais rotas tecnológicas de produção do biodiesel

IV Congresso Brasileiro de Mamona e I Simpósio Internacional de Oleaginosas Energéticas, João Pessoa, PB 2010 Página 18

ADIÇÃO DE FIBRA DE CÔCO MACAÚBA (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd) NA PRODUÇÃO DE RICOTA

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E QUÍMICA DE LIPÍDIOS ESTRUTURADOS OBTIDOS APARTIR DA INTERESTERIFICAÇÃO QUÍMICA DA MISTURA DE MURUMURU E ÓLEO DE BURITI

CONHECIDOS COMO ÓLEOS E GORDURAS LIPÍDIOS

CINÉTICA DA DEGRADAÇÃO DO ÓLEO DA AMÊNDOA DA CASTANHA DE CAJU (Anacardium occidentale L.) PELA AÇÃO DA TEMPERATURA

GORDURAS DE PALMA: UMA OPÇÃO SAUDÁVEL

10/04/2014. Os lipídios são produto de reações orgânicas, portanto acontecem em organismos vivos. São também conhecidos como triglicerídeos.

Redução da viscosidade da polpa de acerola

PRODUÇÃO VIA ENZIMÁTICA DE BIODIESEL A PARTIR DE ÓLEO DE SOJA

Exercícios de Propriedades Físicas dos Compostos Orgânicos

DETERMINAÇÃO DE PROPRIEDADES DO ÓLEO RESIDUAL DE FRITURAS, COM E SEM FILTRAÇÃO, EM DIFERENTES TEMPERATURAS

Processo de obtenção de energia das células respiração celular

Hidrogenação: Óleos e Gorduras

COMPOSIÇÃO EM ÁCIDOS GRAXOS DE ÓLEO DE CAFÉ: COMPARAÇÃO DE MÉTODOS DE ESTERIFICAÇÃO*

ÓLEOS E GORDURAS. Curso: Gastronomia Turma: 1 Semestre Disciplina: MAPA Professor: Acácio Sacerdote

OTIMIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL A PARTIR DE ETANOL E ÓLEO RESIDUAL DE FRITURAS EMPREGANDO CATÁLISE MISTA: EFEITO DA CONCENTRAÇÃO DE CATALISADORES

A química dos lipídios. Ácidos Graxos e Fosfolipídios

I SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA EMBRAPA ACRE ACEITAÇÃO SENSORIAL DE BOLO ELABORADO COM FARINHAS DE CASTANHA- DO-BRASIL E BANANA VERDE

Universidade Federal de Juiz de Fora Instituto de Ciências Exatas Departamento de Química

CARACTERIZAÇÃO DO ÓLEO DAS SEMENTES DE MAMÃO, VARIEDADE FORMOSA, COMO APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS

ÓLEOS E GORDURAS (LIPÍDEOS) - TRIGLICERÍDEOS

APLICAÇÃO DE ÓLEOS E GORDURAS DE RELEVÂNCIA NUTRICIONAL EM PRODUTOS DE PANIFICAÇÃO. da Silva e Elisa Makiyama Kim FEA-UNICAMP

CARACTERIZAÇÃO DE BIODIESEL PROVENIENTE DE DIFERENTES MATÉRIAS-PRIMAS

Que tipo de gordura estou consumindo?

ÁCIDO ERÚCICO POR HIDRÓLISE ENZIMÁTICA DO ÓLEO DE CRAMBE ASSISTIDA POR ULTRASSOM Souza, Alana S. Bolsista PROBIC ULBRA, Curso de Biomedicina

Dra. Kátia R. P. de Araújo Sgrillo.

CARACTERIZAÇÃO DA IDENTIDADE E CONTROLE DA QUALIDADE DE ÓLEO VEGETAL, MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE BIODIESEL RESUMO

CARACTERIZAÇÃO DO ÓLEO EXTRAÍDO DAS SEMENTES DE LARANJA, VARIEDADE PÊRA

Efeitos do tempo e do armazenamento refrigerado de grãos de soja sobre a qualidade do óleo

Processo de obtenção de energia das células respiração celular

ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS (PCA) E QUANTIFICAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS EM FÓRMULAS INFANTIS PARA LACTENTES

Disciplina: Química Goiânia, / / 2014

QUÍMICA. Questão 01. Questão 02

Creme de leite e Manteiga

Submetido ao II SJPB - AVALIAÇÃO DE ESPÉCIES IÔNICAS VOLATILIZADAS APÓS OXIDAÇÃO ACELERADA DO BIODIESEL DE SOJA

EMPREGO DO BALANÇO DE MASSA NA AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE DIGESTÃO ANAERÓBIA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

AULA PRÁTICA Nº / Abril / 2016 Profª Solange Brazaca DETERMINAÇÃO DE LIPÍDEOS

ESCOPO DA ACREDITAÇÃO ABNT NBR ISO/IEC ENSAIO

08/11/2015 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA RIO GRANDE DO NORTE. Amostragem, preparo de amostra e tratamento de dados INTRODUÇÃO

PRODUÇÃO NÃO CATALITÍCA DE ETIL ÉSTERES DE ÁCIDOS GRAXOS DO ÓLEO DE SOJA

TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS CONTENDO METAIS PESADOS

AVALIAÇÃO DO USO DE ANTIOXIDANTES COMERCIAIS NA ESTABILIDADE OXIDATIVA DE SEBO BOVINO

Resolução de Questões de Provas Específicas de Química Aula 1

QBQ Lipídeos e Membranas

Camila Bonissoni. Profª Drª M. Manuela C. Feltes Profª Drª Giniani C. Dors Me Andréia Dalla Rosa Catia Lohmann Erig Luana Gonçalves Dorli M.

Produção de biodiesel a partir do óleo ácido de macaúba usando lipase imobilizada em fibra de coco.

AZEITE DE OLIVA: ESTUDOS COM CONSUMIDORES RESUMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA ESTE DOCUMENTO NÃO SUBSTITUI O ORIGINAL

TRANSFORMAÇÃO ENZIMÁTICA DO ÓLEO DE PALMA VISANDO A OBTENÇÃO DE BIODIESEL

ESTUDO DA ESTABILIDADE OXIDATIVA DOS ÓLEOS DE BURITI (Mauritia flexuosa) E BABAÇU (Orrbignya speciosa)

PRODUÇAO E CARACTERIZAÇAO DO BIODIESEL PRODUZIDO A PARTIR DO ÓLEO DE TUCUMA

DETERMINAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS EM ALIMENTOS POR CROMATOGRAFIA GASOSA

CH 2 H H. β-galactose α-frutose β-ribose (gomas das plantas, parte pegajosa) (açúcar das frutas) (parte do RNA, ácído ribonucléico) H 4.

Aula de Bioquímica I. Tema: Lipídeos. Prof. Dr. Júlio César Borges

BIODIESEL OBTIDO A PARTIR DE REJEITO DE GORDURA ANIMAL

X Congresso Brasileiro de Engenharia Química Iniciação Científica

APLICAÇÃO DE QUITOSANA MODIFICADA COMO CATALISADOR HETEROGÊNEO NA PRODUÇÃO DE BIODIESEL POR ESTERIFICAÇÃO

ACEITAÇÃO SENSORIAL DE BATATAS FRITAS COM REDUÇÃO DE GORDURAS

UTILIZAÇÃO DA GLICERINA OBTIDA NA PRODUÇÃO DE BIODIESEL PARA NEUTRALIZAÇÃO DE ÓLEO VEGETAL RESIDUAL

RIALA6/1035 Sabria AUED-PIMENTEL 1*, Miriam Solange Fernandes CARUSO 1, Edna Emy KUMAGAI 1, Valter RUVIERI 2, Odair ZENEBON 3

02/05/2016 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA RIO GRANDE DO NORTE ANÁLISE DE ALIMENTOS

IV Congresso Brasileiro de Mamona e I Simpósio Internacional de Oleaginosas Energéticas, João Pessoa, PB 2010 Página 50

LINHA DE PRODUTOS DA COPRA

AVALIAÇÃO SENSORIAL DE SORVETE COM DIFERENTES CONCENTRAÇÕES DA FARINHA DE MACAÚBA

PRODUÇÃO DE ENZIMAS INDUSTRIAIS DE ORIGEM VEGETAL

SEMINÁRIO REGIONAL SOBRE PRODUÇÃO E USO DE BIODIESEL BACIA DO PARANÁ III

ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS FÍSICOS-QUÍMICAS DE LIPASE DE ASPERGILLUS NIGER VISANDO SUA APLICAÇÃO EM ALIMENTOS

COMPOSIÇÃO EM ÁCIDOS GRAXOS E CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E QUÍMICA DE ÓLEOS HIDROGENADOS DE COCO BABAÇU

Hidrogenação Óleos e Gorduras

RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLEGIADA - RDC Nº. 270, DE 22 DE SETEMBRO DE 2005.

Palavras chave: bagaço seco, fração fibrosa, teste sensorial

LIPÍDIOS, ÁCIDOS GRAXOS E FOSFOLIPÍDEOS

O caso do projeto Extrair Óleos Naturais

Composição centesimal de azeitonas e perfil de ácidos graxos de azeite de oliva de quatro cultivares de oliveira

Lipídios em Alimentos

AVALIAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA E SENSORIAL DE ABÓBORA E MORANGA CRISTALIZADAS PELO PROCESSO DE AÇUCARAMENTO LENTO.

Lipídeos. Carboidratos (Açúcares) Aminoácidos e Proteínas

AVALIAÇÃO DOS TEORES DE ÓLEOS ESSENCIAIS PRESENTES EM PLANTAS AROMÁTICAS FRESCAS E DESIDRATADAS

BIODIESEL DO ÓLEO DE PINHÃO MANSO DEGOMADO POR ESTERIFICAÇÃO

DETERMINAÇÃO DE VIDA DE PRATELEIRA DA FARINHA OBTIDA A PARTIR DAS CASCAS DE ABACAXI (Ananas comosus L. Merril)

ESTUDO COMPARATIVO DA EXTRAÇÃO DO ÓLEO DA BORRA DE CAFÉ

Disciplina HNT Composição dos alimentos. Gabarito Lista de exercícios Lipídeos


Transcrição:

OBTENÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS POR MEIO DE HIDRÓLISE ENZIMÁTICA E FRACIONAMENTO A SECO DO ÓLEO DE CASTANHA DE MACAÚBA (Acrocomia aculeata) M. J. A. Ferreira 1, B. M. Guimarães 1, J. G. Santos 1, R. G. B. Mariano 2, S. P. Freitas 3 1-Escola de Química Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Tecnologia, Bloco E Cidade Universitária CEP: 21941-909 Rio de Janeiro RJ Brasil, Telefones: (21) 99148-8616/ (21) 98558-9529/ (21) 98314-5377 e-mails: (meirej.ferreira@gmail.com/ bmelloguimaraes@hotmail.com/ jessica_ks_@hotmail.com) 2-Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense Campus Bom Jesus do Itabapoana Parque do Trevo CEP: 28360-000 Bom Jesus do Itabapoana RJ Brasil, Telefone: (22) 3833-9850 e-mail: (renata.mariano@iff.edu.br) 3-Departamento de Engenharia Química/ Escola de Química Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Tecnologia, Bloco E, sala 211 Cidade Universitária CEP: 21941-909 Rio de Janeiro RJ Brasil, Telefone: (21) 3938-7717 e-mail: (freitasp@eq.ufrj.br) RESUMO A macaúba (Acrocomia aculeata) é uma espécie nativa das florestas tropicais e do Cerrado brasileiro. O óleo da castanha da macaúba pode conter até 45% de ácido láurico que é um dos ácidos graxos (AG) saturados mais amplamente distribuídos na natureza. Neste trabalho obteve-se e caracterizaram-se os concentrados de AG a partir do fracionamento a seco do óleo da castanha da macaúba previamente hidrolisado. Para a etapa de hidrólise foi utilizada uma lipase comercial (Novozyme 435). A cristalização foi conduzida entre 10 e 21 C, em dois estágios. A seguir foram avaliadas as propriedades físicas e químicas das frações lipídicas. A hidrólise seguida de fracionamento permitiu obter uma fração rica em ácido láurico, estearina, e outra rica em ácidos graxos de cadeia longa, oleína. Estas apresentam propriedades químicas e físicas distintas, possibilitando uma maior versatilidade para uso comercial do óleo da castanha da macaúba. Palavras-chave: Acrocomia aculeata, ácidos graxos, hidrólise, fracionamento. ABSTRACT The macaúba (Acrocomia aculeata) is a native species of tropical forests in the Brazilian Cerrado. The macaúba kernel oil may contain up to 45% of lauric acid which is one of saturated fatty acids (FA) most widely distributed in nature. In this study the macauba fatty acids was submitted to fractionating from the previously hydrolyzed macaúba oil. For hydrolysis stage was used a commercial lipase (Novozyme 435). Crystallization was carried out between 11 and 22 C, in two stages. Furthermore, the physical and chemical properties of all fractions were evaluated. The hydrolysis followed by fractionation afforded two fractions: one lauric acid rich fraction, stearin, and rich long chain fatty acid, olein. These presented different chemical and physical properties, providing greater versatility for commercial macaúba kernel oil. KEYWORDS: Acrocomia aculeate, fatty acids, hydrolysis, fractionation.

1. INTRODUÇÃO Os óleos e gorduras são obtidos de fontes naturais, com uma produção mundial estimada em 100 milhões de toneladas/ano. Na dieta humana gorduras e óleos têm uma importância fundamental, pois além de serem fontes de calorias e ácidos graxos essenciais como os ácidos linoléico (C18:2) e linolênico (C18:3), são responsáveis também pelo transporte de vitaminas lipossolúveis como as vitaminas A, D, K e E. Nos alimentos afetam a estrutura, estabilidade, sabor, aroma, qualidade de estocagem, características sensoriais e visuais (CASTRO et al., 2004). De acordo com a RDC nº 270 de 2005 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a diferença entre óleos e gorduras consiste na temperatura de fusão. Os óleos se apresentam na forma líquida e as gorduras se apresentam na forma sólida ou pastosa à 25 ºC, respectivamente. Óleos e gorduras são compostos principalmente por uma mistura de triglicerídeos (TAG s). Suas propriedades funcionais como ingredientes em alimentos processados estão diretamente relacionados com o tipo de triglicerídeos que os compõem. A distribuição e o tipo de ligação dos ácidos graxos nas moléculas de TAG s afetam a consistência do produto. As gorduras apresentam em sua estrutura, majoritariamente, radicais de ácidos graxos saturados, enquanto nos óleos predominam os ácidos graxos insaturados (O BRIEN, 2004). Ácidos graxos saturados são menos reativos e apresentam ponto de fusão superior à do ácido graxo correspondente de mesmo tamanho de cadeia com uma ou mais duplas ligações. Ácidos graxos insaturados podem existir nas configurações cis e trans, com diferentes propriedades físico-químicas. Por suas características estruturais, os ácidos graxos na forma trans (AGT) têm ponto de fusão mais elevado quando comparado com seu isômero cis correspondente, mas inferior ao ponto de fusão do ácido graxo saturado com mesmo número de átomos de carbono (BELITZ e GROSCH, 1997). Os AGT estão presentes naturalmente em gorduras de origem animal, em pequenas quantidades, mas são formados principalmente pela hidrogenação catalítica de óleos vegetais visando à produção de gorduras técnicas ( shortenings ) e gorduras para frituras. A alta ingestão de alimentos contendo esse tipo de ácido graxo está relacionada com o risco de doenças arterial coronariana e vasculares (RIBEIRO et al., 2007). A tecnologia de fracionamento a frio, aplicada para obter produtos derivados de óleos e gorduras com características funcionais únicas, resulta, predominantemente, em ácido láurico (C12:0) e quantidades menores de C6:0, C8:0 e C10:0. Estes ácidos graxos, derivados dos óleos de coco ou de palmiste, são solúveis tanto em óleo quanto em água e possuem rápida absorção pelo organismo. Tradicionalmente usados como substitutos de manteiga de cacau, pois apresentam propriedades físicas muito semelhantes à estearina do cacau (O BRIEN, 2004). Sendo assim, para obter gorduras isentas de ácidos graxos trans e adequadas para as aplicações comerciais é crescente o interesse em tecnologias de modificação de óleos e gorduras. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Matéria - Prima Os frutos da macaúba foram adquiridos diretamente do produtor no município de Jaboticatubas-MG. 2.2 Processamento Na Escola de Química/UFRJ, foi efetuada a separação manual da polpa e da castanha de macaúba. Para extração do óleo da castanha, utilizou-se uma prensa semi-piloto do tipo parafuso sem

fim da marca Oekotec Alemanha modelo CA59G. As castanhas moídas foram pesadas e em seguida prensadas a frio. O óleo bruto foi filtrado a vácuo para remoção da borra e armazenado a temperatura ambiente até ser hidrolisado e fracionado para uso nos ensaios analíticos. Para a etapa de hidrólise foi utilizada uma enzima comercial, a Novozym 435 (Lipase acrylic resin from Aspergilus niger), adquirida da Novo Nordisk. Os parâmetros de reação (temperatura, concentração de enzima e umidade) foram selecionados visando maximizar a eficiência da enzima como catalisadora da reação de hidrólise do óleo. Para isso, o processo foi conduzido em um reator de mistura usando-se 450 g de óleo de castanha de macaúba com umidade 20%, concentração de enzima de 2,5% em relação ao substrato por 72 horas a 50 ºC. O fracionamento do óleo hidrolisado foi realizado em dois estágios, como indicado na Figura 1. O processo foi efetuado em uma câmara fria entre 10 C a 21 C, específica para o óleo da castanha de macaúba. Figura 1 Diagrama simplificado para o fracionamento a seco do óleo de castanha de macaúba hidrolisado. Na primeira etapa, foram colocados, na câmara fria, 346 g de óleo hidrolisado em um recipiente de vidro transparente. Fez-se uma redução gradativa da temperatura, a partir dos 21 C a uma taxa de 0,5 C/hora, até atingir a temperatura de formação dos primeiros cristais. A seguir esta foi mantida durante, aproximadamente, 48 horas para estabilização dos cristais e da fase líquida. As frações foram separadas e reconduzidas a uma segunda etapa de fracionamento, com objetivo de fracionar ainda mais os ácidos graxos de interesse, oléico e láurico. 2.3 Análises Para determinação do índice de acidez foi seguido o método IUPAC 2.201, utilizando-se 0,5 g de amostra e solução de álcali (NaOH) a 0,1 N e o índice de iodo foi determinado segundo o método de Wijis da AOCS (Cd 1b -87), utilizando-se 1,3 g de óleo e solução de tiossulfato de sódio 0,1 N. Os ésteres metílicos do óleo de castanha de macaúba foram preparados pelo método HARTMAN & LAGO (1973) e a composição em ácidos graxos foi realizada por cromatografia gasosa em cromatógrafo da marca Agilent Technologies, modelo 7890A, coluna DB-WAX (30 m x 250 µm x 0,25 µm) e detector de massas (Agilent Technologies, modelo 5975C VL MSD), de acordo com procedimento padronizado (AOCS, 1990). 2.4 Balanço de Massa O balanço de massa, para cálculo do coeficiente de distribuição, foi efetuado com base na composição em ácidos graxos do óleo hidrolisado e das suas frações, em todas as correntes do processo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A hidrólise enzimática do óleo da castanha de macaúba, nas condições selecionadas, aumentou de forma significativa a acidez da amostra de 8,8 ± 0,01 para 121,6 ± 0,39 mgkoh/g após 72 horas de reação, como pode ser observado na Figura 2. Figura 2 - Cinética da reação de hidrólise enzimática do óleo de castanha de macaúba, a 50 C. O fracionamento a seco ocorreu em dois estágios, sendo o primeiro a 13 ± 0,5 C, que originou as frações denominadas de oleína 1 e estearina 1. No segundo, o refracionamento da oleína 1 ocorreu a 12 ± 0,5 C resultando na oleína 2 e estearina 2, enquanto o refracionamento da estearina 1 ocorreu a 14 ± 0,5 C, originando a oleína 3 e estearina 3. A diferença nas temperaturas de fracionamento em cada estágio ocorreu devido à alteração na composição de ácidos graxos em cada fração. Assim, na fração oleína obteve-se uma maior concentração dos ácidos insaturados com consequente redução na temperatura de fracionamento. Já na estearina, na qual estão concentrados os ácidos graxos saturados, obteve-se maior ponto de fusão. O fracionamento a seco resultou em maior proporção, em massa, da fase sólida em ambas as etapas do processo, 79:21 e 60:40 de estearina e oleína, respectivamente, nos estágios 1 e 2. No entanto, não houve uma diferença significativa na distribuição em massa das correntes resultantes do refracionamento da oleína 1 (Figura 3). Isto ocorreu devido à razão entre os ácidos graxos saturados de 61% e insaturados da matriz de 39%. Figura 3 - Porcentagem em massa das correntes do processo após o fracionamento e refracionamento a seco

As frações obtidas apresentaram diferentes índices de acidez, como pode ser observado na Tabela 1. As frações estearina apresentaram índices superiores comparados aos da oleína, em ambas as etapas do fracionamento a seco. Isto pode ser explicado pelo fato de que os ácidos graxos livres têm pontos de fusão maiores e mais definidos que os triglicerídeos. O índice de iodo para o óleo de castanha de macaúba está de acordo com dados da literatura (AMARAL, 2007). Entretanto, as diferenças observadas entre o índice de iodo das frações oleína e estearina não foram tão significativas, como esperado. Isto ocorreu, possivelmente, pela baixa sensibilidade do método analítico aplicado. Tabela 1 - Índices de acidez e iodo das diferentes frações de óleo de macaúba hidrolisado e fracionado a seco 1º Fracionamento (a partir da Oleína 1) (a partir da Estearina 1) Óleo Hidrolisado Índice de Acidez (mg KOH/ g) Índice de Iodo (%) 121,60 ± 0,39 28,19 ± 0,60 Oleína 1 119,50 ± 1,30 28,06 ± 0,45 Estearina 1 126,82 ± 0,97 27,89 ± 0,29 Oleína 2 115,68 ± 0,21 27,42 ± 0,66 Estearina 2 124,60 ± 0,61 27,40 ± 0,06 Oleína 3 124,64 ± 1,84 29,02 ± 0,09 Estearina 3 131,44 ± 1,49 27,09 ± 0,22 O balanço de massa com base no perfil de ácidos graxos (Tabela 2) confirmou que os ácidos saturados se concentraram nas frações de estearina, aproximadamente, quatro vezes no primeiro estágio e duas vezes no segundo. Tabela 2 Perfil de ácidos graxos e balanço de massa para as correntes do processo Láurico C12:0 (% área) Oléico C18:1 (% área) Ácidos Graxos Saturados (g) Óleo Hidrolisado 42,06 29,21 61 1º Fracionamento (a partir da Oleína 1) (a partir da Estearina 1) Oleína 1 31,65 36,89 13 Estearina 1 32,64 35,81 48 Oleína 2 31,71 37,89 6 Estearina 2 33,47 35,05 7 Oleína 3 30,66 38,56 18 Estearina 3 32,46 35,59 30

4. CONCLUSÕES O processo de hidrólise enzimática foi eficaz como comprovado pelo alto índice de acidez do óleo após a reação. Como desejado, o rendimento em massa após o fracionamento do óleo de castanha de macaúba hidrolisado resultou em uma maior quantidade de estearina se comparada à oleína. Portanto, foi possível fracionar a seco o óleo de macaúba hidrolisado, obtendo-se correntes lipídicas ricas em láurico e oléico separadamente. Dessa forma, as frações com diferentes características físico-químicas podem ser direcionadas para aplicação na formulação de diversos produtos da indústria. Agradecimentos: Ao CNPq pela bolsa PIBIC concedida a Meire Jéssica Azevedo Ferreira. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Oil Chemists Society (1990). Official methods and recommended practices of the American Oil Chemists Society. 4th ed. Champaign, [A.O.C.S. Official method Cd 1b -87]. AOAC (2005). Official methods of analysis of the association of official analytical chemists. Washington, [AOAC Official method 923.03; 945.38; 2001.11]. Belitz, H-D., Grosch, W. (1997). Quimica de los alimentos. 2 ed. Zaragoza: Ed. Acribia S. A. Brasil, Resolução RDC nº 270, de 22 de setembro de 2005. Disponível em: http://e-legis.anvisa. gov.br/leisref/public/showact.php?id=18829&word=. Acesso em: 20 mar. 2016. Castro, H. F., Mendes A. A. e Santos, J. C., Aguiar, C. L. (2004). Modificação de óleos e gorduras por biotransformação. Quim. Nova, Vol. 27, N. 1, 146-156. Amaral, F. P. (2007). Estudo das características físico-químicas dos óleos da amêndoa e polpa da Macaúba [Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart] (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual Paulista, Botucatu. Hartman, L., Lago, R.C.A. (1973). Rapid preparation of fatty acid methyl esters from lipids. Laboratory. Practice, v.22, p.475-477. International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) (1992). Standard methods for the analysis of oils, fats and derivatives, ed. 7, suppl., Ed. Blackwell Scientific. Método 2.201. O Brien, R. D. (2004). Fats And Oils Formulating And Processing For Applications; ed. CRC Press LLC, 2ª Ed., Cap. 2. Ribeiro, A. P. B., Moura, J. M. L. N., Grimaldi, R. E., Gonçalves, L. A. G. (2007). Interesterificação química: alternativa para obtenção de gorduras zero trans. Quim. Nova, Vol. 30, No. 5, 1295-1300.