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Transcrição:

Processo : 7006560-82.2016.8.22.0002 Classe : Apelação Cível (PJE) Apelante : Paulo Cesar Mendes de Oliveira Advogado : Defensoria Pública de Rondônia Relator : Des. Raduan Miguel Revisor : Des. Rowilson Teixeira MP : Sim EMENTA Retificação de registro civil. Transexualismo. Alteração de gênero. Cirurgia de adequação sexual. Prescindibilidade. Dignidade da pessoa humana. A pessoa transexual pode adotar nome que reflita a identidade de gênero com o qual se identifica, ainda que não realizada a transgenitalização, com amparo nos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação. A mudança do gênero masculino para feminino no registro civil é corolário lógico, porque a incoerência documental entre nome e gênero é capaz de expor a parte a situações constrangedoras. RELATÓRIO P. C. M. de O., conhecido como L. M. M de O. interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível de Ariquemes, que, na ação de retificação de registro civil, julgou procedente em parte o pedido e determinou a alteração no assento de nascimento e demais documentos pessoais da parte, bem como a retificação do prenome e do sexo masculino, passando a utilizar o termo transexual. O fundamento do juízo foi a comprovação de que existe um descompasso entre o registro público e o estado físico-mental que constituem a personalidade, cujo dissenso foi motivo de constrangimento e abalo psicológico durante sua vida. Além disso, o magistrado ressaltou que a alteração do gênero não corresponde ao seu estado atual, ante a ausência de cirurgia de adequação sexual.

Estado de Rondônia Em suas razões recursais, o apelante afirma que a jurisprudência entende ser desnecessária a prévia realização da cirurgia transgênica para alterar o prenome e gênero de quem nasce homem, mas se vê e é percebido como mulher, em razão das modificações físicas a que se submeteu. Sustenta que a procedência do pedido atende ao princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, requer o provimento do recurso para constar no registro civil a alteração do sexo masculino para feminino. provimento do apelo. Parecer da Procuradoria de Justiça, às fls. 101/108, pelo conhecimento e É o relatório. VOTO DESEMBARGADOR RADUAN MIGUEL FILHO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Cinge-se o recurso a analisar a possibilidade de alterar o gênero do apelante no registro civil, considerando que a cirurgia de adequação sexual ainda não ocorreu. Extrai-se dos autos que o apelante é transexual, com autoimagem e comportamento do gênero feminino desde a infância, razão pela qual quando atingiu a maioridade passou a realizar tratamento hormonal e a ter acompanhamento médico no intuito de alterar sua aparência, assumindo identidade de mulher. Cumpre-me destacar que as pessoas caracterizadas como transexuais, via de regra, não aceitam o seu gênero, vivendo em desconexão psíquico-emocional com seu sexo biológico e, de um modo geral, buscam formas de adequação ao sexo psicológico. Ainda, para Maria Berenice Dias: Identidade de gênero está ligada ao gênero com o qual a pessoa se reconhece: como homem, como mulher, como ambos ou como nenhum. A identidade de gênero independe dos órgãos genitais e de qualquer outra característica anatômica, já que a anatomia não define gênero [...].

Estado de Rondônia (Homoafetividade e os direitos LGBTI. 6. ed. reformulada. São Paulo: RT, 2014, p. 42-44). No mesmo sentido, cito: [...] Não existe determinismo biológico quando se fala da construção da identidade sexual, vez que esta se molda além do plano do meramente físico ou anatômico, sendo sexo e gênero elementos distintos, havendo este último de prevalecer sobre aquele no que se refere à formação da identidade da pessoa" (CUNHA Leandro Reinaldo. Identidade e redesignação de gênero: aspectos da personalidade, da família e da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 19). Em que pese a existência do princípio da imutabilidade do nome, a Lei de Registros Públicos prevê a possibilidade de alteração quando causar situação vexatória ou de degradação social. Assim, denominações que destoam da aparência física do indivíduo se amoldam à hipótese. A simples modificação de nome, como determinou o juízo a quo, não é suficiente para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, existindo a necessidade de alterar o gênero, uma vez que nos momentos em que a identificação for exigida existe a hipótese de serem violados o direito à identidade, o direito à não discriminação e o direito fundamental à felicidade. feminino) como corolário lógico. A mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para Portanto, não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para viabilizar a mudança do sexo registral dos transexuais, pois vai de encontro à defesa dos direitos humanos. Isso porque existem custos e impossibilidade física da cirurgia para alguns por condicionar o exercício do direito à personalidade à realização de mutilação física, que pode ser extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital).

Nesse sentido caminha a jurisprudência pátria. Sobre o tema, cito ementa de recente decisão do STJ, no REsp 1626739, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 09/05/2017, senão veja-se: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. [...]. 2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral. 3. Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas. 4. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade. [...].

6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009). 7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças. [...]. 9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral). 10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitosinatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico.

11. Ademais, o chamado sexo jurídico (aquele constante no registro civil de nascimento, atribuído, na primeira infância, com base no aspecto morfológico, gonádico ou cromossômico) não pode olvidar o aspecto psicossocial defluente da identidade de gênero autodefinido por cada indivíduo, o qual, tendo em vista a ratio essendi dos registros públicos, é o critério que deve, na hipótese, reger as relações do indivíduo perante a sociedade. 12. Exegese contrária revela-se incoerente diante da consagração jurisprudencial do direito de retificação do sexo registral conferido aos transexuais operados, que, nada obstante, continuam vinculados ao sexo biológico/cromossômico repudiado. Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito [...]. E, ainda, destaco que em 22/11/2017, o STF iniciou o julgamento do RE 670.422/RS, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em que se discute o assunto em questão. O relator deu provimento ao recurso e apresentou as seguintes teses de repercussão geral: 1. O transexual, comprovada judicialmente sua condição, tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, independentemente da realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo; 2. Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, com a anotação de que o ato é realizado por determinação judicial, vedada a inclusão do termo transexual ; 3. Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial; 4. A autoridade judiciária determinará, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos

demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos. Assim, a manutenção do sexo constante do registro civil ou a modificação para o termo transexual preservará a incoerência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará passível de constrangimentos na vida civil. Deste modo, impõe-se a reforma da sentença. Ante o exposto, dou provimento ao recurso e determino a alteração gênero constante do registro civil do apelante, ou seja, de masculino para feminino, averbando-se o necessário à margem da certidão. Mantenho a sentença inalterada nos demais termos. É como voto. do