Avaliação Angiográfica e Embolização de Tumores Cérvico-Cranianos Paragangliomas e Angiofibromas Juvenis da Nasofaringe

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ARTIGO ORIGINAL ACTA MÉDICA PORTUGUESA 2003; 16: 165-169 Avaliação Angiográfica e Embolização de Tumores Cérvico-Cranianos Paragangliomas e Angiofibromas Juvenis da Nasofaringe S. MATIAS, P. VILELA, A. GOULÃO Serviço de Neurorradiologia. Hospital Garcia de Orta. Almada R E S U M O / S U M M A R Y Introdução: A embolização pré-cirúrgica tem por objectivo a desvascularização tumoral, visando reduzir a hemorragia e a duração da cirurgia e, desse modo, diminuir a morbilidade cirúrgica. Os autores revêem a sua experiência na caracterização angiográfica e embolização précirúrgica de paragangliomas e angiofibromas da nasofaringe entre 1996 e 2003. Doentes e métodos/ Resultados: São revistas as características angiográficas de 22 doentes com paragangliomas, maioritariamente jugulo-timpânicos, tendo sido efectuada embolização com P.V.A. em dez dos casos. Foram avaliados por angiografia seis angiofibromas da nasofaringe, dos quais cinco foram embolizados com P.V.A. As angiografias e embolizações decorreram sem complicações neurológicas e obteve-se significativa desvascularização pré-operatória dos casos submetidos a terapêutica endovascular, com subjectiva redução de hemorragia cirúrgica. Conclusão: A correcta caracterização angiográfica dos tumores permite a avaliação dos potenciais riscos da embolização decorrentes da presença de anastomoses ou irrigação arterial de estruturas importantes. A embolização pré-cirúrgica de tumores deve ser reservada a um grupo restrito de tumores hipervascularizados, integrada numa avaliação pluridisciplinar com as especialidades cirúrgicas e efectuada de forma segura, sem acrescentar morbilidade. Palavras-chave: Paragangliomas, JNA angiografia, embolização pré-operatória Angiographic Evaluation and Embolization of Cervico-cranial Tumors Paragangliomas and Juvenile Nasopharyngeal Angiofibromas Introduction: The goal of pre-operative embolization is tumoral desvascularization, with decrease of intraoperative hemorrhage and shortening of operation time and, consequently, decrease operative morbility. The authors review their experience in angiographic evaluation and preoperative embolization of paragangliomas and juvenile nasopharyngeal angiofibroma (JNA). Patients and methods/ Results: There were reviewed the angiographic characteristics of 22 patients with paragangliomas, most of them jugular and/or tympanic, 10 of them embolized with PVA. There were angiographically evaluated 6 JNA, 5 of which were embolized with PVA. There weren t any neurological complications during the procedures, diagnostic angiography and embolization. In the cases submitted to endovascular treatment, there was a significative preoperative desvascularization rate, with subjective improving of intraoperative conditions in terms of blood loss. Conclusion: A detailed angiographic characterization of the tumor allows the evaluation of embolization risks, due to the presence of anastomoses or arterial feeding of important structures. Tumor preoperative embolization must be done in a restricted group of hypervascular tumors, in a multidisciplinary approach with the surgical team and must be a safe procedure, without carrying additional morbility to the surgery. Key words: Paragangliomas, JNA, angiography, preoperative embolization. 165

S. MATIAS et al INTRODUÇÃO A avaliação angiográfica e a embolização têm sido importantes auxiliares do planeamento e tratamento cirúrgico, bem como da desvascularização pré-cirurgia de tumores cervicais e crânio-faciais 1-18. Os tumores hipervasculares embolizados no nosso Serviço incluem, por ordem decrescente de frequência, paragangliomas, angiofibromas juvenis da nasofaringe, meningiomas, hemangiomas, metástases e hemangioblastomas. Os paragangliomas temporais são os tumores benignos mais frequentes do ouvido médio, correspondendo a aproximadamente metade dos paragangliomas em geral, seguidos pelos carotídeos e vagais. Apesar de benignos, são localmente invasivos, estendendo-se ao osso, tecidos moles e estruturas nervosas adjacentes 2. Os angiofibromas juvenis da nasofaringe são os tumores da nasofaringe mais frequentes em jovens do sexo masculino, e, embora benignos, também podem ser localmente agressivos, com invasão dos seios perinasais, da órbita e da cavidade craniana 2. Os autores revêem a sua experiência na caracterizaçâo angiográfica e embolização pré-cirúrgica dos tumores embolizados mais frequentes, nomeadamente dos paragangliomas e angiofibromas juvenis da nasofaringe. DOENTES E MÉTODOS Foi efectuada uma revisão retrospectiva dos paragangliomas e angiofibromas juvenis da nasofaringe avaliados por angiografia digital e/ou embolizados por elementos do Serviço de Neurorradiologia do Hospital Garcia de Orta, no período decorrido entre os anos de 1996 e 2003. De uma amostra total de 46 tumores cérvico-cranianos e do ráquis, seleccionámos 22 paragangliomas e 6 angiofibromas da nasofaringe. Os dados foram obtidos pela consulta dos processos clínicos e análise dos estudos neurorradiológicos efectuados, nomeadamente da angiografia digital e da tomografia computorizada / ressonância magnética. Os parâmetros avaliados incluíram o sexo, a idade, a clínica de apresentação, o tempo decorrido entre o primeiro sintoma e o diagnóstico, e a localização do tumor. A avaliação angiográfica incluiu: identificação de todas as artérias nutritivas, presença de anastomoses perigosas, identificação e caracterização da composição vascular do tumor (incluindo a sua divisão em compartimentos), e envolvimento de estruturas vasculares adjacentes. Nos doentes submetidos a terapêutica endovascular foram avaliados: o material embólico utilizado, os ramos arteriais embolizados, o grau de desvascularização e a morbilidade durante ou imediatamente após o procedimento, realização de cirurgia e tempo médio decorrido entre as duas intervenções e o resultado do exame anátomo-patológico. O grau de desvascularização obtido foi avaliado subjectivamente por comparação da impregnação tumoral antes e após o procedimento, tendose subdividido em 3 graus de desvascularização: ligeiro - inferior a 30%, moderado entre 30 a 60% e bom - superior a 60%. RESULTADOS Os 22 doentes com paragangliomas tinham idades compreendidas entre os 43 e os 78 anos de idade, com idade média de 59 anos, sendo 20 do sexo feminino e dois do sexo masculino (F:M = 10:1). Quanto à localização, 14 eram temporais (seis timpânicos e oito jugulo-timpânicos), seis carotídeos e 2 vagais cervicais. A apresentação clínica mais frequente dos paragangliomas temporais (timpânicos e jugulo-timpânicos) foi o acufeno pulsátil isolado (sete doentes), associando-se a hipoacusia de condução em três casos. A presença de massa cervical, geralmente assintomática, foi a forma de apresentação dos paragangliomas carotídeos e vagais cervicais. O intervalo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi de dois anos. Todos os paragangliomas eram únicos e não secretores. Todos os tumores estudados apresentaram as características angiográficas típicas dos paragangliomas: dilatação centrípeta das artérias nutritivas, shunts artériovenosos e impregnação tumoral precoce, intensa e prolongada. Adicionalmente, seis eram mono e oito multicompartimentais. Dos ramos tumorais dos paragangliomas jugulo-timpânicos individualizáveis por angiografia, a artéria timpânica inferior da artéria faríngea ascendente (AFA) foi a mais frequente, estando envolvida na irrigação de todos os tumores (figura 1). Seguiram-se, por ordem de frequência, a artéria estilomastoideia da artéria occipital em seis casos, a artéria timpânica superior da artéria meníngea média em três casos, a artéria carótido-timpânica em dois casos e a artéria timpânica anterior da artéria maxilar interna em um caso. O envolvimento da AFA foi também identificado por angiografia em todos os paragangliomas carotídeos e vagais (figura 2 e 3). Nos carotídeos, seguiuse a artéria glómica em três casos e a tiroideia superior em um caso; nos vagais, ramos das artérias occipital (um caso), auricular posterior (um caso) e cervical ascendente um caso). Dos 22 doentes com paragangliomas, dez foram submetidos a terapêutica endovascular pré-cirúrgica. Doze casos não foram submetidos a embolização, por recusa do tratamento pelo doente (um caso) ou porque a vascularização tumoral demonstrável por angiografia era escassa e/ou efectuada por artérias pouco dilatadas ou 166

AVALIAÇÃO ANGIOGRÁFICA E EMBOLIZAÇÃO DE TUMORES CÉRVICO-CRANIANOS... a b c Fig. 1 - Paraganglioma Jugulo-timpânico - Angiografia e embolização. a. Cateterismo da Carótida Externa, imagem de perfil. O tumor é vascularizado pelas artérias timpânica inferior (ramo da AFA) e estilomastoideia (ramo da occipital).b. Cateterismo selectivo da art. timpânica inferior. c. Cateterismo da Carótida Externa após embolização com PVA, demonstrando a desvascularização do tumor. a a b c Fig. 2 - Paraganglioma Carotídeo - Angiografia e embolização. a. Cateterismo da Carótida Primitiva, imagem de perfil. O tumor é vascularizado por ramos da AFA e pela artéria glómica.b. Cateterismo selectivo da art. glómica. c. Cateterismo da Carótida Primitiva após embolização com PVA, demonstrando um bom grau de desvascularização. Fig. 3 - Paraganglioma Vagal - Angiografia e embolização. a. Cateterismo da Carótida Primitiva, imagem de perfil. O tumor apresenta múltiplas artérias nutritivas: ramos da AFA, da occipital e auricular posterior. b. Cateterismo da Carótida Primitiva após embolização com PVA, demonstrando também um bom grau de desvascularização. b porque os riscos previsíveis da embolização ultrapassavam os seus benefícios (11 casos). Os casos submetidos a embolização pré-cirúrgica incluíram: cinco paragangliomas jugulo-timpânicos, um timpânico, três carotídeos e um vagal cervical. Em todos os casos em que se planeou embolização tumoral, esta foi concretizada e não se registou morbilidade durante ou após o procedimento, relacionável com este. As embolizações foram realizadas sob anestesia geral, por via transarterial, usando como material embólico partículas de poli-vinil-álcool (PVA) com diâmetros 150-200µm. O grau de desvascularização obtido, avaliado subjectivamente, foi bom (superior a 60%) (figura 1, 2 e 3). Nos paragangliomas temporais, os ramos embolizados com maior frequência foram os da AFA (sete casos), artéria occipital (quatro casos) e da artéria maxilar interna (três casos). Nos paragangliomas carotídeos e vagais os ramos embolizados foram mais variáveis, incluíndo ramos da AFA, a artéria glómica, ramos da artéria tiroideia superior, ramos da artéria vertebral e ramos da artéria cervical profunda. As cirurgias dos tumores embolizados ocorreram durante a primeira semana após a embolização, tendo o exame anátomo-patológico confirmado o diagóstico de paraganglioma. Os 6 doentes com angiofibromas juvenis da nasofaringe tinham idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos de idade, com idade média de 27 anos, sendo todos do sexo masculino. A apresentação clínica mais frequente foi epistáxis (quatro doentes). Um doente apresentava obstrução nasal crónica e o outro doente apresentou uma meningite pneumocócica inaugural, sendo o angiofibroma diagnosticado na investigação imagiológica do doente. Os angiofibromas apresentaram características angiográficas típicas: artérias nutritivas pouco dilatadas, impregnação capilar intensa e prolongada e veias pouco dilatadas e não precoces (figura 4). A artéria esfenopalatina, ramo da artéria maxilar interna esteve presente como ramo nutritivo em todos os casos, seguindo-se ramos da AFA (um caso) e do tronco inferolateral (um caso). Foram embolizados cinco doentes, tendo sido a técnica do procedimento igual à descrita para os paragangliomas. Tal como nos paragangliomas, a embolização foi concretizada em todos os casos planeados. Um doente recusou o procedimento. Obtevese também um bom grau de desvascularização em todos os casos embolizados (figura 4), e não se registou morbilidade durante ou após o procedimento, relacionável com este. Os ramos embolizados com maior frequência foram os da artéria maxilar interna (dois casos) e AFA (um caso). A cirurgia dos casos embolizados foi realizada na primeira semana após a embolização, tendo sido confirmado o diagnóstico no exame anatomo-patológico. 167

S. MATIAS et al a b Fig. 4 - Angiofibroma Juvenil da Nasofaringe - Angiografia e embolização. a. Cateterismo da Carótida Primitiva, imagem de perfil. O tumor é vascularizado por ramos da Art. Maxilar Interna e da AFA. b. Cateterismo selectivo da Art. Maxilar Interna. c. Cateterismo da Carótida Primitiva após embolização com PVA, demonstrando redução significativa da impregnação tumoral. DISCUSSÃO Os paragangliomas e os angiofibromas juvenis da nasofaringe são os tumores cervicais e da base do crânio que mais frequentemente foram submetidos a embolização pré-cirúrgica. Globalmente, o nosso grupo de doentes com paragangliomas tem a apresentação típica dos mesmos, ocorrendo com maior frequência na meia-idade, com claro predomínio no sexo feminino, superior ao referido na literatura (3:1), sendo a localização mais frequente no osso temporal, seguida dos carotídeos e, finalmente, os vagais 2. Os sintomas mais frequentes foram o acufeno pulsátil e hipoacusia nos paragangliomas temporais, e de massa cervical nos carotídeos e vagais. O intervalo entre o aparecimento dos sintomas e o diagnóstico foi longo, cerca de dois anos. Na nossa amostra eram todos únicos e não secretores, o que reflecte a maior raridade dos casos multifocais e dos secretores. Os casos multifocais ocorrem apenas em 10% e os secretores em 5% do total 2. Os angiofibromas juvenis da nasofaringe são tumores muito vascularizados, histologicamente benignos, mas com potencial agressivo localmente, podendo estender-se aos seios peri-nasais, à órbita e à cavidade craniana 2. São tumores tipicamente do jovem do sexo masculino, e a sua apresentação clínica clássica são as epistáxis recorrentes 1. A idade média dos doentes, na altura do estudo angiográfico, foi superior ao habitual porque um doente tinha vários anos de evolução da doença, nomeadamente com tratamento cirúrgico anterior. c Os paragangliomas e angiofibromas têm características angiográficas diferentes, nomeadamente no tipo de dilatação dos ramos tumorais e presença de conexões artério-venosas anómalas. O protocolo angiográfico deve incluir todas as possibilidades de irrigação arterial, bem como a avaliação de invasão arterial e/ou venosa. A avaliação angiográfica do nosso grupo de doentes reflecte as características típicas descritas na literatura para estes tumores 1,17,18. Os paragangliomas têm artérias com dilatação centrípeta, presença de conexões artério-venosas, uma impregnação tumoral multicompartimental, precoce e intensa, e veias de aparecimento rápido. São tumores com tendência para a invasão vascular, arterial e venosa. A artéria faríngea ascendente está tipicamente envolvida na nutrição arterial dos paragangliomas cérvico-cranianos. Dependendo da sua extensão, os paragangliomas vagais e carotídeos podem ser alimentados por ramos das artérias cervical ascendente, cervical profunda e todos os outros ramos da artéria carótida externa. A artéria glómica é típica dos paragangliomas carotídeos. Nos paragangliomas jugulo-timpânicos, para além dos ramos da artéria faríngea ascendente (durais e artéria timpânica inferior), as artérias timpânicas anterior e superior, carótido-timpânica e estilo-mastoideia podem estar envolvidas. A extensão intra-craniana extra-dural recruta os ramos durais dependentes das artérias meníngeas acessória e média, vertebral e carótida interna 1,17,18. Os angiofibromas juvenis são alimentados por artérias minimamente dilatadas, têm uma impregnação tumoral intensa e heterogénea que persiste em fases angiográficas tardias, não exibindo conexões artério-venosas. A drenagem tumoral dá-se por veias pouco dilatadas em tempo venoso normal. A artéria esfeno-palatina é a artéria mais frequentemente envolvida na nutrição arterial. Outros ramos frequentemente envolvidos incluem as artérias ptérigo-vaginal, meníngea acessória e os ramos faríngeos da artéria faríngea ascendente. Com extensão do tumor ao palato, são recrutadas as artérias palatinas superior e inferior. Com a extensão aos seios etmoidal e esfenoidal, surgem ramos das artérias etmoidais e o eixo anastomótico vidiano-mandibular e com a extensão orbitária, as artérias oftálmica e infra-orbitária. Por último, com o envolvimento do seio cavernoso observam-se ramos do tronco infero-lateral, recorrentes da artéria maxilar interna e das artérias meníngeas acessória e média 1,17,18. A extensão intra-dural dos paragangliomas e angiofibromas juvenis é manifestada angiograficamente pelo recrutamento de ramos piais 1,17,18. Em virtude da embolização ser um método terapêutico não definitivo e auxiliar da cirurgia de tumores cervicais e crânio-faciais, a sua indicação está intimamente dependente da avaliação da equipa cirúrgica relativamente à necessidade de desvascularização pré-operatória. A selecção dos casos enviados para embolização está dependente das dimensões, 168

AVALIAÇÃO ANGIOGRÁFICA E EMBOLIZAÇÃO DE TUMORES CÉRVICO-CRANIANOS... topografia dos tumores e da experiência da equipa cirúrgica. No entanto, a equipa endovascular deve avaliar criteriosamente a exequibilidade da embolização, ponderando a relação risco/benefício de forma individualizada. A embolização, como método adjuvante do tratamento, deve ser realizada de forma segura, não introduzindo morbilidade. Dessa forma, de acordo com a anatomia vascular do tumor devem ser previstas e evitadas as anastomoses perigosas com ramos intra-cranianos, com ramos de irrigação de nervos cranianos e com a artéria oftálmica 1,17. O seu objectivo é a desvascularização tumoral com oclusão intra-arterial do maior número de artérias tumorais, sobretudo as de maior fluxo e/ou mais inacessíveis do ponto de vista cirúrgico. Dessa forma, deve contribuir para a redução da morbilidade cirúrgica através da diminuição do tempo operatório e perdas sanguíneas e para o aumento da possibilidade de remoção tumoral completa. A desvascularização endovascular é obtida com a injecção intra-arterial de material oclusivo temporário, como as partículas de PVA, ou permanente como a NBCA. Na embolização destes tumores privilegiamos o uso de PVA, tentando obter uma impregnação do leito capilar tumoral e distalmente das artérias nutritivas. Sendo uma terapêutica pré-cirúrgica (e não paliativa) de tumores com múltiplos ramos arteriais e tendo tido resultados favoráveis com a embolização com PVA, não consideramos justificável o uso por rotina de material oclusivo permanente, até porque viria a tornar o procedimento muito dispendioso e teria maior risco de lesão de nervos cranianos 1,17,18. Na embolização dos paragangliomas é de extrema importância conhecer se estes são endocrinamente activos, em virtude da embolização poder desencadear uma crise adrenérgica. Na nossa série, como referimos, eram todos não secretores. A eficácia da embolização deve ser avaliada, em termos técnicos, como a capacidade de realizar o procedimento planeado e o grau de desvascularização tumoral e em termos clínicos, de acordo com a morbilidade do procedimento. Todos os casos em que a embolização foi planeada e aceite pelo doente não existiram complicações técnicas e obtevese um bom grau de desvascularização, quantificado do ponto de vista angiográfico como uma redução superior a 60% da impregnação tumoral inicial. Paralelamente, na nossa série não existiu morbilidade definitiva associada, que é quantificada na literatura inferior a 5% e resultante, principalmente, de parésia de nervos cranianos e acidentes vasculares isquémicos 19. CONCLUSÃO A embolização de paragangliomas e angiofibromas juvenis é um método seguro de desvascularização tumoral com baixa morbilidade que deve ser integrada numa abordagem multidisciplinar. Sendo cirúrgico o tratamento destes tumores, a angiografia está indicada numa perspectiva de desvascularização tumoral prévia com o objectivo de reduzir o grau de hemorragia e a duração da cirurgia, diminuindo assim a morbilidade cirúrgica. BIBLIOGRAFIA 1. LASJAUNIAS P, BERENSTEIN A: Surgical Neuro-angiography. Endovascular treatment of craniofacial lesions. Springer-Verlag, Vol 2 2. VALAVANIS A: Embolization of intracranial and skull base tumors. Rivista di Neuroradiologia 2000;13(suppl1):149-178 3. PETRUSON K, RODRIGUEZ-CATARINO M, PETRUSON B, FINIZIA C: Juvenile nasopharyngeal angiofibroma: long-term results in preoperative embolized and non-embolized patients. Acta Otolaryngol 2002;122(1):96-100 4. 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