Como quem pinta e borda as novas gerações e as lições sobre a interatividade Como quem pinta e borda as novas gerações e as lições sobre a interatividade: resenha do estudo sobre Gerações Interativas Brasil - crianças e adolescentes diante das telas Por Else Lemos Resultado de investigação que envolveu mais de 18 mil respondentes entre crianças e jovens com 6 a 18 anos em todo o Brasil, Gerações Interativas Brasil é um estudo que oferece as bases para pensar o futuro da chamada "inovação educativa". Por meio de surveys, foi possível traçar um amplo panorama que vai das formas de acesso à Internet, ao celular, à TV e aos videogames às práticas de acompanhamento e controle desses usos por parte dos pais e escolas. O cruzamento de variáveis como idade, gênero, região, práticas de uso, tipologias "de telas" e cenários traz uma rica gama de informações e análises sobre as gerações interativas no Brasil. Como parte de um estudo mais abrangente iniciado internacionalmente em 2005 no âmbito do Projeto Gerações Interativas, este novo estudo (2012) em contexto brasileiro, é certamente, uma grande contribuição para pensarmos no futuro das formas de ensinar, aprender, ensinar a aprender e aprender a ensinar, além de
reforçar o grande desafio ético e educacional a se enfrentar no tocante à orientação para o "uso responsável das telas digitais". No capítulo 1, a publicação apresenta conceitos essenciais para a compreensão contextual de nossa sociedade em rede. Temas como comunidades virtuais de aprendizagem, cibercultura, interatividade, blogs, prosumers (produtores + consumidores) permeiam a narrativa e são destacados por meio de hiperlinks que explicam cada termo, favorecendo o entendimento geral da leitura proposta e do cenário em que o estudo se dá. Também nesta seção, apresenta-se o escopo geral do estudo, público-alvo e metodologia adotada, reforçando-se a pertinência dos surveys estatísticos para esse tipo de estudo. Fala-se, também, sobre o formato dado ao texto, que é uma "versão impressa em hipertexto", daí a opção por destaques dispostos lateralmente ao longo de todo o texto. O capítulo 2, O hibridismo do contexto contemporâneo conectado, destaca os conceitos de rede como sistema de comunicação pela interligação entre computadores e outros tipos de dispositivos, e o de redes sociais, este numa perspectiva antropológica que compreende redes sociais como estruturas compostas por pessoas ou organizações que, conectadas, compartilham valores, ideias, propósitos e objetivos comuns. A distinção entre esse conceito abrangente e o de redes sociais on-line merece atenção, visto que é grande a confusão de muitos ao referir-se a redes sociais on-line apenas como redes sociais. As redes sociais on-line são o locus virtual em que diferentes redes sociais se conectam, e há diferentes tipos de redes, como é o caso das redes de relacionamentos (ex.: Facebook). Toda a discussão conceitual desta parte do relatório dá-se em torno do conceito de rede, mediação, relações de poder e novos papéis de personagens que atuam
como interagentes, e não como meros usuários passivos, a exemplo do que acontecia no contexto da comunicação de massa do século XX. Vivemos em uma sociedade em rede, permeada pela convergência, pelo hibridismo e pela própria organização em rede. Como afirma o relatório, a organização em rede é, sobretudo, fruto de um processo histórico que permeia a sobrevivência ou seja, mais que sistemas, redes são pessoas que anseiam por conversar, compartilhar conhecimentos e pensamentos críticos. (Passarelli & Junqueira, 2012, p.18). Não é sem razão que o relatório destaca o conceito de personas, cunhado por Sherry Turkle em 1995 para designar o fenômeno cibercultural em que, no contexto da web, as pessoas podem se apresentar sob diferentes alcunhas, identidades ou personas (e efetivamente o fazem). A possibilidade de ser mais de um, de ser quem se quer ser, fascinante e instigante, reina na rede. Outro conceito de grande relevância para contextualizar o estudo é o de comunidades virtuais, proposto por Howard Rheingold em 1993 para designar os ambientes de interação coletiva nos quais as personas criam, trocam ideias e interagem. As ideias diferentes, mas não necessariamente conflitantes, desses dois estudiosos, são também um ponto de atenção no relatório: Turkle enfoca a questão da centralidade da tecnologia na vida contemporânea e fala sobre intimidade e solidão; já Rheingold vê impactos positivos da vida on-line sobre a vida off-line. Para ele, o on-line não é necessariamente alienante e pode, inclusive, fomentar novas formas de interação off-line. Outro tema fundamental para o estudo é a questão da interface, ou seja, da superfície de contato que faz essa mediação entre interagente e o equipamento. As telas, cada vez mais táteis e bem-definidas, invadem o espaço contemporâneo de maneira irrevogável. Pode-se dizer que já não se fazem mais crianças como antigamente as crianças de hoje agem em relação à tela com a
desenvoltura de quem pinta e borda seja no sentido da perícia, seja no sentido da leveza quase peralta de quem brinca com a tela. Neste trecho, evidencia-se a problematização do conceito de usuário, internauta, prosumidor como alguém que deixa de ser apenas alguém que recebe para ser alguém que reage, protagoniza e assegura seu espaço no processo comunicativo. Esse novo personagem é quem dá vida a uma Internet que é artefato e lugar onde a cultura é revivida, remixada e criada por muitos, efetivamente (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 19). Por fim, as literacias emergentes entram em debate. A crítica à visão reducionista do que seja inclusão digital dá início à discussão, que esclarece: inclusão digital trata não apenas do acesso às ferramentas digitais, mas também dos usos e apropriações dos conteúdos distribuídos na web 2.0 pelos internautas. (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 19). Portanto, não se trata meramente de oferecer os meios, mas de favorecer o uso crítico e ético desses meios. Segundo o relatório, em 2011, América Latina e Caribe apresentavam uma das mais altas taxas de penetração da Internet entre suas populações, destacandose pelo seu elevado índice de crescimento (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 19-21), motivado principalmente pela expansão do acesso em casa e no trabalho (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 22). Pesquisa Ibope Nielsen Online de 10/04/2012 trazia a informação de que 79,9 milhões de brasileiros estavam conectados à Internet então. O relatório destaca o trabalho realizado pelo NAP Escola do Futuro / USP por meio do projeto AcessaSP, reforçando a distinção que os pesquisadores desse núcleo fazem das ondas na sociedade em rede (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 22). A primeira, vivida com o início da popularização do acesso à Internet, voltava-se para a inclusão digital (como acesso aos meios). Já a segunda onda, atual, conta com forte presença de nativos digitais, o que favorece novas
preocupações e orientações para o debate sobre a apropriação e o uso dos meios. É o momento de se debater, portanto, práticas e hábitos, sobretudo nas dimensões social, ética e educacional. A adoção do termo literacia, pouco usado no Brasil, justifica-se pela necessidade de superação da mera noção de letramento e alfabetização, propondo-se pensar em um processo contínuo de evolução. (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 23). O termo é definido como o conjunto de competências relacionadas à leitura, escrita e cálculo nas mais diferentes formas de representação. Nesse sentido, mais do que exclusivamente uma habilidade, a literacia passa a ser vista como um continuum em construção, que repercute diretamente sobre a vida das pessoas em sociedade. (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 23). Diante disso, o conceito de literacias abrange diversas capacidades, que envolvem pesquisa, interpretação, escolha, compartilhamento, habilidade para navegar por um ambiente multidimensional e rico em linguagens multimídia. Paul Gilster (1997) define literacia digital como a habilidade de entender e utilizar a informação de múltiplos formatos e proveniente de diversas fontes quando apresentada por meio de computadores. (apud Passarelli & Junqueira, 2012, p. 18). Outro conceito de destaque é o de Yoram Eshet-Alkalai, que propôs um modelo de identificação de literacias digitais como literacias da informação (habilidades de identificar, localizar, avaliar, organizar, criar e comunicar informações), fotovisuais (habilidades de decodificar interfaces visuais), de reprodução (habilidades de reprodução de informações), de pensamento hipermídia (habilidades de interagir com estruturas não lineares e hipermidiáticas) e socioemocionais (habilidades de compartilhamento de informações e emoções na rede) (Passarelli & Junqueira, 2012, p. 25). Os atores em rede e as literacias emergentes são, sem dúvidas, de grande relevância para que possamos repensar as práticas educativas das gerações interativas diante das telas, e inspiram novas formas de pensar o ensinar, o
aprender, o ensinar a aprender e o aprender a ensinar. Trata-se, portanto, de um estudo de inquestionável relevância para o pesquisador que deseja conhecer melhor o contexto brasileiro contemporâneo no tocante às práticas e usos das telas. Referência: PASSARELLI, B. & JUNQUEIRA, A.H. Gerações Interativas Brasil - crianças e adolescentes diante das telas. São Paulo: Escola do Futuro/USP, 2012. (cap. 1 e 2 p. 13-28).