CONHECIMENTO FEMINISTA NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: UM PONTO DE VISTA DESCOLONIAL

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Transcrição:

CONHECIMENTO FEMINISTA NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: UM PONTO DE VISTA DESCOLONIAL Elismênnia Aparecida Oliveira 1 Resumo: Dentre as várias esferas sociais de atuação feminista, a universidade tem sido estudada em relação de oposição à militância nos movimentos sociais, ou como um espaço de poder / representação hierárquico entre mulheres e homens. Como se produz esta oposição entre movimento e universidade? Essa oposição acontece entre gênero, mulheres e feminismo? Como feministas / feminismo tem operado na produção de conhecimento das universidades brasileiras? Como é a recepção do feminismo nas universidades e que mecanismos acadêmicos feministas são criados fora das universidades? Essas e outras questões norteiam essa tese em andamento sobre como e quais são as atividades acadêmicas realizadas em universidades brasileiras com os temas: feminismo e feminista. A partir do mapeamento e análise de dados levantados em bases específicas - eventos acadêmicos disponíveis nos sítios das universidades, Universidade Livre Feminista e no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq -, com as palavras-chave feminista e feminismo, problematizo essas questões à luz da literatura feminista descolonialista produzida no Brasil e no exterior. Palavras-chave: Epistemologia Feminista. Universidade. Descolonização Feminismos e Feministas nas universidades no Brasil Esta pesquisa vem da inquietação que pode tomar feministas em salas de aula e espaços de representação em universidades. Espaços em que se deparam com ambientes repletos de mulheres, mas que a maior parte das falas são masculinas, assim como as referências usadas nas falas e disciplinas. Esse estranhamento de representação entre mulheres e homens nas salas de aulas, veio anteriormente de experiências feministas em encontros, simpósios e seminários feministas em que discutimos representação e empoderamento de mulheres em diversas esferas sociais. Também participei de várias atividades em universidades, seminários, simpósios, congressos e reuniões sobre produção de conhecimento, que não eram feministas, em que autoras eram raras exceções e mulheres eram sujeitos pouco visibilizados. 1 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil. Contatos podem ser feitos pelo e-mail: mennalis@gmail.com 1

A partir dessas experiências, partindo de questionamentos básicos que surgem para muitas pesquisadoras e são problematizados de formas distintas, minha preocupação é sobre como o feminismo é praticado, ensinado, representado e articulado dentro das universidades brasileiras? Meu interesse e recorte são sobre atividades autonomeadas feministas e realizadas em universidades brasileiras. Entendo a Universidade Livre Feminista dentro dessa esfera de produção de conhecimento de universidades, uma esfera em que a Universidade Livre Feminista é percebida tanto como um contraponto, quanto como uma representação da produção epistemológica feminista que se mostra ampla a ponto de não caber nos moldes do que seja uma universidade. Nesta pesquisa, para ter acesso ao feminismo praticado dentro das universidades brasileiras está em curso o mapeamento e análise de seminários, congressos, encontros, Grupos de Pesquisa do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq via web, para tanto são usadas as palavras-chave: feminista/feminismo; conhecimento; epistemologia. Nesta proposta de trabalho trago problematizações sobre produção feminista em universidades pontuando a especificidade de um conhecimento autonomeado feminista nas políticas de produção e publicação. A partir dessa preocupação inicial passo por discussões sobre movimento social feminista e universidade, e discussões sobre os usos de feminismo, gênero e mulheres para pesquisas no Brasil. 1. Produção de conhecimento e produção de conhecimento feminista Questionamentos sobre o fazer ciência são realizados por várias feministas em distintas disciplinas, países e décadas. Temas como objetividade, neutralidade, lócus de enunciação e mulheres são levantados em vários trabalhos amplamente divulgados e traduzidos como o de Ilana Löwy (2000), Donna Harawy (1995), Fox Keller (2006), Londa Schiebinger (2001), Spivak (2010) Anzaldúa (2000), Mohanty (2008). Se por um lado esses trabalhos são importantes, por outro representam pouco a ampla produção feminista sobre produção de conhecimento, ainda que sejam produções de referência para a percepção de que a produção de conhecimento é localizada e interessada. A crítica feminista à ciência não só, como aponta Schiebinger (2001), muda a ciência por posicionar mulheres enquanto pessoas que podem e devem ser estudadas, como também muda a ciência por inserir mulheres enquanto pesquisadoras. A inserção das mulheres nas universidades e escolas como pesquisadoras abre as portas para uma discussão que Anzaldúa (2000) e mais feministas fazem sobre como a produção de conhecimento é corporificada, e por isso, raça, classe, 2

gênero, etnia, língua, e nacionalidade, dentre mais, pesam para acessos e visibilidade na produção de conhecimento. Ressalto que meu ponto de partida é considerar na produção de conhecimento feminista que o conhecimento é pensado como um espaço de representação de grupos em conflito e construídos de forma hierárquica. Esses conflitos estão presentes em fazer pesquisas, citar pessoas e receber financiamentos. Me interesso também por propostas de descolonizar o pensamento, mais conhecidas nas produções de autoras e autores descolonialistas, mas que já eram realizadas, de acordo com Ochy Curiel (2007), desde a década de 1960 por feministas negras, indígenas, e lésbicas que problematizaram o conhecimento em relação aos racismos, sexismos e etnocentrismo que fundamentam a ciência. Me interesso pela problematização de descolonizar conhecimento dentro do feminismo para estudar produção feministas em universidades brasileiras, porque as dualidades na relação movimento social x instituições, gênero x feminismo, mulheres x homens, ciência x produção de conhecimento, podem ser problematizadas para além de hierarquias fundantes que perpassam também a produção feminista. A proposta de descolonizar o conhecimento perpassa desde concepções sobre como a construção dos Estados-nação, durante o processo de colonização, foi importante na construção de hierarquias entre corpos, reflexões presentes nas obras de Beatriz Sthefan (1996), Nelly Richard (1996), Maria Lugones (2008), Curiel (2007), até problematizações críticas sobre conhecimento e feminista dentro da própria produção feminista como nas obras de Anzaldúa (2000), Spivak (2002), Mohanty (2008) e mais autoras. Nesse contexto, de um ponto de vista feminista, vou analisar produção de conhecimento feminista nas universidades na proposta de problematizar hierarquias estruturadas no estudo e na produção de conhecimento. 2. Feministas acadêmicas As buscas na web e no portal CNPq, no Diretório de Grupos de Pesquisa e busca geral por currículos de pesquisadoras e pesquisadores aponta diferença sistemáticas em relação as palavraschave: feminista/feminismo e gênero. Em pesquisa exploratória na Plataforma Lattes, no primeiro semestre de 2012, com as palavras chave feminismo, gênero e mulher no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, Sardinha (2012) aponta que nos sensos de 2000 à 2010, apenas 9 grupos estão correlacionados por nomeação a feminismo, já os grupos que têm a palavra gênero, ligados a mulher, saúde, trabalho, esporte, sexualidade, mulher são 79. Em uma busca geral, considerando o 3

ano 2012 como base, aparecem apenas 5 grupos que tem no nome a palavra feminismo e 1 com feminista, já a busca por gênero vinculada a mulheres/sexualidade/raça/saúde resulta em 63 grupos. Os resultados para eventos, simpósios, seminários, congressos são semelhantes ao mapeamento dos grupos de pesquisa. A análise de sites de eventos que acontecem de forma periódica nas ciências humanas trazem poucas atividades com o tema gênero e muitas vezes nenhuma com feminismo. As únicas opções em que aparece feminismo/feminista são de atividades com o mesmo tema. No entanto as buscas por sites estão no inicio, e para uma melhor sistematização é necessário realizar uma busca mais ampla. Quero ressaltar que o mapeamento por buscas via web tem limitações de acesso, às vezes porque as atividades não estão cadastradas, às vezes porque os links até elas não serão feitos por mim, dentre mais problemas que fazem a pesquisa ser bem restrita já que para ter acesso a eventos realizados em ambiente acadêmico preciso me centrar nos sites específicos dos próprios eventos. O site do CNPq está com a proposta de disponibilizar um calendário de atividades, acredito de será uma fonte para futuras pesquisas, pois disponibilizará atividades de todas as áreas, mas até o momento as atividades disponíveis são só as de 2013. A partir desse mapeamento a relação entre gênero, mulheres e feminismo precisa ser colocada de pontos de vista distintos, mas relacionados, pois o mapeamento aponta tanto para o processo de construção do feminismo no Brasil, quanto para processos de invisibilização do feminismo no Brasil e nas universidades Brasileiras. Ana Alcântara e Cecília Sardenberg (1994) em uma produção sobre gênero e mulheres trazem apontamentos sobre o insurgir do feminismo nas universidades, por volta de 1970 e 1980 pelo nome mulher, logo depois, gênero passa a ser usado com mais frenquência, porque é um conceito mais amplo, que acabaria com o problema das guetizações, de pesquisas de mulheres feitas por mulheres e para mulheres. Em uma análise localizada em sua experiência com o feminismo, Mariza Corrêa (2001) fala de jornais feministas e depois da criação de Grupos de Pesquisa que trazem a autodeclaração de feministas nas práticas e no desenvolver de projetos e não na nomeação em si. Os usos de nomeação também vão de mulheres para gênero. Digamos que Ana Alcântara e Cecília Sardenberg (1994) trazem boa parte das problematizações atuais sobre a relação mulher, gênero, e feminismo e esses problemas apontam para posicionamentos políticos, pois segundo Sardenger 2 (2012), existe uma correlação de 2 4

representação entre gênero e feminismo que nas universidades deixa o feminismo de lado, e tira do conceito gênero as relações de poder que feministas consideram. Me interesso por essa relação entre feminismo, gênero e mulheres porque a relação entre os usos do termos é uma relação política em que o ponto central não é tirar a importância de gênero enquanto categoria analítica e nem somente evidenciar que sobre o conceito/categoria gênero recaem leituras de uma neutralidade de objetividade que minam as desconstruções de hierarquia que considerações sobre gênero poderiam trazer para quem pesquisa e para quem recebe as pesquisas. A relação entre gênero, mulher e feminismo me interessa pela construção de que existe uma quebra entre movimento social e instituição. O feminismo não é bem visto em universidades nem pelo movimento feminista nem pelas pesquisadoras feministas que estão nas universidades. Sobre a relação dual ou complementar entre feminismo e academia existem várias produções pautadas na proposta de diferença de atuação entre movimento feminista e institucionalização do feminismo, essa discussão está presente nas obras das autoras Virgínia Vargas (2002), Sardenberg (2002; 2012), Mariza Corrêa (2001), Evelyn Fox (2006), e mais autoras que problematizaram o tema vinculado a movimento feminista, ONGs e feministas em órgãos do estado. Ressalto que a relação de oposição entre movimento e academia pode estar relacionada a considerações sobre o lugar da produção de conhecimento no mundo, em um sentido em que a produção de conhecimento em universidades não é considerada como algo palpável para todas as pessoas, ou mesmo como algo que esteja relacionado a contextos históricos e interessados de produção, é como se a produção de conhecimento a partir de universidades não dissessem nada sobre a vida de ninguém. Ao partir dessa consideração para realizar a análise é possível perceber que os usos de feminismo, gênero e mulher tem haver com contexto e percepções de conhecimento, de forma que feminismo/feministas também ficam de fora da produção de conhecimento porque são mal vistos, e assim o são por evocarem o que não deveriam para a produção de conhecimento. Por vezes a questão parece voltar para as relações de ciência neutra e objetiva, feminismo político e ideológico. Por outro lado, as várias atividades feministas como produção de fanzines, blogs, oficinas, intervenções nas ruas e mais atividades fazem referencia a uma maneira de produzir conhecimento SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. Palestra na Mesa Redonda: Questões de Gênero Revisitadas. IV Seminário Trabalho e Gênero: protagonismos, ativismos, questões de gênero revisitadas /Faculdade de Ciências Sociais, Campus Samambaia, UFG, 2012. 5

que de alguma forma não cabe na produção de conhecimento em universidades, e essas formas questionam esse posicionamento de pensar conhecimento e instituição no Brasil. A Universidade Livre Feminista representa essa prática feminista de questionar conhecimento e instituição de forma a dar mais elementos para entendermos porque atividades e grupos feministas não são comuns em grupos de pesquisa, embora feminismo e gênero sejam temas amplamente pesquisados. 3. As feministas e a produção de conhecimento A oposição entre movimento feminista e feminismo na academia diz sobre como consideramos conhecimento separado da vida das pessoas e diz também sobre como as universidades são construídas por discursos que as fazem instituições para corpos específicos. Numa concepção de produção de conhecimento legitimada a partir da relação de grupos em conflito, ressaltamos que as universidades são espaços de representação. Nesse sentido, não é por acaso que o acesso de mulheres as universidades foi restrito, as universidades estão inseridas nas várias esferas de hierarquia e exclusão social que as mulheres enfrentam diariamente. Por muitos séculos de existência das universidades, a produção de conhecimento institucional nas faculdades não era feita por mulheres, não representava as suas experiências, não eram sequer espaços que pudessem ser frequentados por mulheres (MAFFIA, 2002; SCHIEBINGER, 2001), e como aponta Maffia (2002) e Tabak (2002), a relação das mulheres com a ciência ainda não é equitativa, sobretudo no Brasil. As universidades são espaços de um tipo de letramento que não se faz acessível para boa parte da população porque no Brasil uma construção sobre letrados e iletrados julga quem pode ou não se representar. Os apontamentos de Beatriz Sthefan (1996) sobre a construção da cidadania a partir da oposição entre letrados e iletrados, é uma reflexão que pode ser pensada para o Brasil para entendermos que a representação social se faz por mecanismos corporificados de forma que algumas pessoas sejam mais representadas. A produção de conhecimento tem tipos de escrita e critérios que atendem a populações específicas, e a prática feminista de desconstruir hierarquias passa pela produção de conhecimento de uma forma ampla, feita em vários espaços e com vários corpos/públicos. Existem ações dos movimentos feministas vinculadas ao universo acadêmico que constroem conhecimento de outras formas, um exemplo e a criação recente da Universidade Livre Feminista pelo CFEMEA. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) é uma ONG fundada em 1989, sediada em Brasília, 6

e criadora da Universidade Livre Feminista em 2009, a proposta de fundar uma Universidade Livre Feminista é apostar em um ambiente de formação presencial e a distância para formar e empoderar mulheres sem que elas tenham requisitos como formação acadêmica anterior (FEMINISTA, 2012). A Universidade Livre Feminista é ampla em atividades e disponibilização de material, e engloba a relação movimento feminista / universidade em outro contexto, o contexto de formação feminista de mulheres. Até hoje os cursos disponibilizados foram oferecidos completamente a distância com o tema mulheres na política. Participei de uma formação recente intitulada Reflexões Feministas Sobre o Sistema Político, um curso a distância que durou seis meses e foi dividido em três módulos. Fora os cursos a Universidade Livre Feminista disponibiliza documentários, debates, filmes, curtas, e textos de autoria feminista. A Universidade Livre Feminista é uma universidade recente, que não está fundamentada nos moldes coloniais que as universidades surgiram, mas vem atender demandas de formação feminista de pessoas que não precisam ter uma formação anterior exigida, mais ao mesmo tempo, o uso de recursos em computadores é um delimitador de acessos. Mesmo com um sistema de cursos e recursos online, em princípio a Universidade Livre Feminista tem uma proposta totalmente diferente da proposta de universidades federais e públicas no Brasil, a intenção de compará-las se faz a partir do recorte da produção de conhecimento feminista. Nesse recorte é possível evidenciar que a produção de conhecimento feminista é ampla em projetos, ações e instituições, interessa agora saber como as práticas feministas têm adentrado em universidades e que conhecimentos são construídos e desconstruídos, como se aproximam em temas, ou se por estarem pulverizados por estados, e contextos distintos, apresentam produções de temas diferentes. Referências ANZALDÚA. Glória. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo. Trad.: Édna de Marco. Revista Estudos Feministas, v. 8, n. 1, p. 229-236, 2000. CORREA, Mariza. Do feminismo aos estudos de gênero no Brasil: um exemplo pessoal. Cadernos Pagu, Campinas, n. 16, p.13-30, 2001. COSTA, Ana Alice Alcântara; SARDENBERG, Cecília. M. (1994). Teorias e práxis feministas na academia: os núcleos de estudos sobre a mulher nas universidades brasileiras. Estudos feministas, 1994, p. 386-400. 7

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