A INTERCULTURALIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA EM ESCOLAS FRONTEIRIÇAS

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Transcrição:

A INTERCULTURALIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA EM ESCOLAS FRONTEIRIÇAS Euriscelia de Almeida Rabelo UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro FFP Faculdade de Formação de Professores Euris_rabelo@hotmail.com GT 11 RESUMO Esta pesquisa teve como campo, a tríplice fronteira amazônica, que contempla três cidades de diferentes nacionalidades: Letícia Colômbia, Santa Rosa Peru e Tabatinga Brasil. Entendemos que as escolas desta região são escolas fronteiriças por estarem localizadas em região de fronteira. É fato que se trata de uma região fortemente marcada pela diversidade cultural. Pelo fácil acesso entre as cidades, há presença das três nacionalidades nas escolas da região, o que nos motiva a pensar em como os currículos dessas escolas expressam as diferentes culturas. A escolha deste tema surgiu de um pensamento e olhar focalizado no interesse em entender como os currículos das escolas da Tríplice Fronteira Amazônica (Brasil/Colômbia/Peru) expressam a cultura, identidade e diferença dos seus praticantes. Com a diversidade cultural fortemente marcada neste espaço fronteiriço, nota-se o quanto é significativo buscar entender como o aluno estrangeiro está inserido no contexto dessas escolas. A pesquisa se desenvolveu com estudo de campo em uma escola de cada município, (totalizando três escolas). A seleção das escolas levou em conta a quantidade e/ou histórico de alunos estrangeiros pertencentes a essas instituições. Foi realizado um mergulho no cotidiano dessas escolas (segundo os estudos nos/dos/com os cotidianos) que aconteceu inicialmente três vezes por semana em torno de dois meses em cada escola, a pesquisa foi concretizada em todo ambiente da escola, porém mais precisamente em sala de aula, onde os alunos passam a maior parte do tempo. Estive como praticante do currículo dessas escolas em todos os espaços: salas de aula, sala da direção, refeitório, pátio, banheiros, quadra, etc. Buscando oportunidades para diálogos com funcionários da escola em geral. Este estudo permitiu a compreensão da dinâmica da tríplice fronteira amazônica, constatou-se a presença de alunos estrangeiros nas escolas da região, percebeu-se diferentes identidades dos sujeitos praticantes do espaço escolar, porém, identidades invisibilizadas pela desvalorização da diferença e a negação do outro. Acredita-se que falar de escolas fronteiriças e considerar as diferentes culturas em favor de um contexto democrático, requer pensar no ato de não apenas reconhecer a existência de outras culturas, considerando-as sujeitas a uma cultura dominante, mas de partir do princípio da interculturalidade, que além de reconhecer a diversidade cultural, celebra a diferença e não apenas tolera, mas, também permite o enriquecimento recíproco, mútuo entre culturas. Por isso, acredita-se na interculturalidade como um fundamento para a educação democrática em escolas fronteiriças. Palavras-Chave: fronteira, cultura, democracia, interculturalidade.

INTRODUÇÃO Esta pesquisa teve como campo, a tríplice fronteira amazônica, que contempla três cidades de diferentes países: Letícia (Colômbia), Santa Rosa (Peru) e Tabatinga (Brasil). Entendemos que as escolas desta região são escolas fronteiriças por estarem localizadas em região de fronteira. É fato que se trata de uma região fortemente marcada pela diversidade cultural. Pelo fácil acesso entre as cidades, há presença das três nacionalidades nas escolas da região, o que nos motiva a pensar em como os currículos dessas escolas expressam as diferentes culturas dos alunos estrangeiros em que nelas estão inseridos, de maneira que lhes seja permitido vivenciar ou não suas identidades (suas diferenças). As escolas fronteiriças, contam com a multiplicidade de identidades que nelas transitam, logo, surgem as questões: há valorização das diferentes identidades, ou há uma identidade com poder hegemônico? Que tipo de olhar é lançado para a diferença? Ou é preciso, antes mesmo de questionar o olhar, saber se há um olhar para a diferença? Pois, é possível que em meio ao direito de igualdade, o direito a diferença seja inexistente. Falamos de democracia partindo da igualdade como princípio, mas, é preciso falar da diferença também como princípio para a democracia, deste modo igualdade e diferença seriam direitos sempre vinculados. O direito a igualdade tem sido legítimo em nossos discursos, mas a inexistência da diferença, pode ocasionar em exclusão e intimidação social e política, que nada tem a ver com democracia e são sempre produto de relações de poder desiguais. Se em nossos discursos atribuímos à escola um lugar democrático, precisamos refletir sobre os processos sociais que contribuem para a exclusão, e negligenciar a diferença pode ser parte deste processo. É preciso pensar sobre a democracia e partir de uma nova perspectiva de compreensão do que ela é de fato e também aceitar a pluralidade do mundo como característica e não como problema, reconhecendo a legitimidade de diferentes sujeitos, modos de ser e de compreender o mundo. Neste sentido este trabalho tem como objetivo entender, como estas escolas lidam com a diferença expressa por seus alunos estrangeiros no cotidiano escolar, diferença esta que se manifesta por diferentes identidades oriundas de suas culturas num mesmo espaço de convivência (neste caso, a escola). Existe um fluxo transitório muito intenso entre essas cidades por diversos motivos: territorial, econômico, político, social, cultural, entre outros. As escolas desta região fronteiriça recebem alunos estrangeiros que trazem consigo

identidades características da sua nacionalidade, portanto, é extremamente relevante um olhar de valorização para as diferenças manifestas por quem é estrangeiro. Sabe-se que em cada nacionalidade existem características próprias onde também se inclui: idioma, vestimenta, culinária, religião, danças, entre outros. Segundo, Silva (2011, p.10) Existe uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa. Não havendo a valorização por parte da comunidade escolar que recebe o estrangeiro, existe a grande possibilidade desse sujeito omitir sua identidade em busca de ser incluso. Com a presença de alunos estrangeiros, que por consequentemente fazem dessas escolas um lugar em que a diferença esteja presente, ainda assim, existe a possibilidade de que os alunos das escolas fronteiriças sejam tratados iguais. Essa questão remete a uma reflexão seguida pela necessidade de entender se de fato isto ocorre, e se ocorre o porquê de alunos com diferentes identidades serem tidos como iguais, uma vez que tornar igual o diferente é expressamente tentar descaracterizar uma identidade e impor uma cultura. Temos por referência, Boaventura (1999, p. 62), quando diz que Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza. Pressupõe-se que olhar para alunos com identidades diferentes como iguais seja uma forma de unificar a diversidade cultural e negligenciar a necessidade de lidar com a diferença. Uma cultura é imposta à outra ou uma assume o lugar da outra sem considerar que relações entre sujeitos com diferentes culturas são capazes de criar uma educação verdadeiramente democrática e que institui conhecimentos. Segundo Montenegro (2006, p. 13), A pluralidade cultural, portanto, se coloca como um problema, quando as sociedades não se representam enquanto plurais, mas como monoculturais a partir de um referencial etnocêntrico. De acordo com os estudos de Rocha (2012, p.15), o campo do currículo sempre foi e ainda é acompanhado de discussões a começar pela sua definição, ao conceber o currículo de forma superficial, o mesmo é entendido apenas como o conjunto de disciplinas ministradas em sistemas de ensino, mas, isto é, reduzir o seu verdadeiro significado que o caracteriza como práticas que incluem a diversidade humana. Currículos são práticas sociais que se estabelecem na complexidade das diversas e plurais redes educativas. Sendo assim, não se limitam às prescrições estabelecidas pelos programas e pelas políticas, mas estes dialogam, criam tensões entre os processos instituídos e instituintes.

Compreendemos que os currículos são produzidos nas/das/com as experiências dos praticantes nos cotidianos escolares. Não é somente a organização do conhecimento escolar, mas vai além das matrizes curriculares dos conteúdos oferecidos pelas disciplinas, são todas as experiências que o espaço escolar oferece a todos os que nela convivem. Rocha (2012, p. 7) diz que autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo historicamente construído, em que se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões. Há, portanto, uma especificidade histórica que caracteriza o campo curricular. METODOLOGIA A pesquisa se desenvolveu com estudo de campo em uma escola de cada município, (totalizando três escolas) foi realizado um mergulho no cotidiano dessas escolas, segundo os estudos de Nilda Alves nos/dos/com os cotidianos. Fazer um mergulho no cotidiano quer dizer estar nele, com todos os sentidos bem aguçados, o ouvir, ver, sentir, falar, cheirar, para então tornar-se também um praticante escolar. A seleção das escolas levou em conta a quantidade de estrangeiros e/ou o histórico de alunos estrangeiros pertencentes a essas instituições. Tivemos também como um dos principais objetivos desta pesquisa, identificar os estrangeiros praticantes dos cotidianos escolares e suas possíveis estratégias de subversão dessas identidades, já que as mesmas, possivelmente, não são valorizadas. Estive em algumas escolas da região apresentando a pesquisa e fazendo diálogos das temáticas que a envolvem, a partir de então optamos por aplicar a pesquisa nas escolas que apresentaram mais interesse pela mesma. As escolas em que o estudo de campo se desenvolveu foram: Escola Estadual Pedro Teixeira (Tabatinga-Brasil), INEM (Letícia- Colômbia) e República do Peru (Santa Rosa- Peru). A pesquisa foi bem recebida pelos gestores e professores dessas escolas, os mesmos demonstraram interesse em acessar os resultados da pesquisa e em conversa com eles obteve-se informações sobre presença de alunos estrangeiros em salas dessas escolas. O mergulho no cotidiano aconteceu inicialmente três vezes por semana em torno de dois meses em cada escola, a pesquisa foi concretizada em todo ambiente da escola, porém mais precisamente em sala de aula, onde os alunos passam a maior parte do tempo. O mergulho aconteceu na vivência de cada espaço escolar, estivemos como praticante do currículo dessas escolas em todos os espaços: salas de aula, sala da direção, refeitório, pátio,

banheiros, quadra, etc. Buscando oportunidades para diálogos com funcionários da escola em geral. Foi possível viver durante o período de quase dois meses a realidade, o cotidiano, a vivência de cada escola. Estar em sala de aula como pesquisador, mas ao mesmo tempo como um sujeito praticante do currículo escolar permite a aquisição de conhecimentos respectivos ao campo educacional por meio de vários pontos de vista. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em meio as conversas realizadas no decorrer deste estudo, percebemos que há políticas nas três escolas inclusas no Projeto Político Pedagógico e que direcionam as escolas em geral a permitir a expressão das diferentes culturas, ou seja, essas escolas devem trabalhar de forma intercultural, trazendo para a escola a realidade de todos os alunos. A proteção e promoção da Diversidade das expressões culturais estão amparadas pela lei, logo cabe a cada escola assumir o seu papel de promover que as diferentes culturas existentes na identidade de seus estudantes se manifestem. No Brasil os PCN s indicam como objetivos da Educação Básica que os alunos sejam capazes de respeitar e valorizar a cultura de seu grupo de origem e de outros grupos, do mesmo modo o diseño Curricular Nacional do Peru. Na escola colombiana INEM obteve-se a informação pela secretaria da escola que existem políticas na educação colombiana, porém, ainda não legalizadas, mas há intenção de que as escolas trabalhem de modo intercultural. Buscou-se perceber quais eram as práticas de valorização das diferentes culturas e de que forma apresentavam-se na escola. Nos discursos produzidos por gestores e professores, percebeu-se que por parte da direção das escolas existia a intenção de um trabalho voltado para a diversidade cultural presente, mas as práticas acabam por ocorrer em momentos pontuais, em atividades como: feira de ciências e semana cultural. Nesse tipo de atividade acontecem apresentações de dança, música oriundas de cada país, os alunos participam vivenciando a cultura do outro pela arte, assistem e prestigiam as apresentações. No entanto, não foram identificadas práticas estáveis e continuadas de valorização, somente pontuais e os discursos denunciam a invisibilização da diferença. Percebemos que a maioria dos alunos estrangeiros não assumem um envolvimento com os demais colegas das escolas, quando não dominam o idioma, há exceções, mas na maioria das situações é o que ocorre.

Buscamos saber com os professores como os mesmos tratavam os alunos estrangeiros, o objetivo da pergunta consistia em saber como era o olhar do professor para esses alunos, se os viam como diferentes ou iguais e a resposta obtida foi inúmeras vezes a mesma: tratamos todos iguais, na escola peruana República do Peru foi acrescentado: tratamos todos iguais; todos como peruanos. Acreditamos que com objetivo de assegurar os mesmos direitos e deveres aos alunos, quer sejam, brasileiros, colombianos ou peruanos as escolas os igualam tornando invisível a diferença; esta afirmação demonstra o oferecimento do direito a igualdade, porém fica evidente a centralização de uma cultura maiúscula, neste caso, a cultura da escola em questão, e mais ainda, tal comportamento significa negar a cultura do outro. Durante a pesquisa buscou-se identificar se nessa região há hierarquias de nacionalidades, pois, sempre existiram hipóteses de que o peruano seria uma nacionalidade subjugada, como se ter uma identidade peruana não fosse sinônimo de algo bom. Os peruanos muitas vezes são vistos como pobres, sujos e marginais. Por quê? Para responder essa questão precisa-se levar em conta a subjetividade composta por sentimentos, pensamentos mais pessoais. Foi uma questão investigada para encontrar as causas que criam supostos préconceitos direcionados a esta nacionalidade. Pensa-se que essas escolas devem estar preparadas para receber alunos estrangeiros devido à constante mobilidade entre os municípios, e no cotidiano dessas escolas fronteiriças deveriam ser incluídas práticas permanentes que valorizem tanto o aluno do próprio país quanto o estrangeiro, para que todos se sintam parte integrante da realidade em que estão inseridos. Caso contrário, imaginamos que esses sujeitos subvertam suas identidades nacionais por não serem valorizadas dentro desse espaço. De acordo com Montenegro (2006, p. 12), mudar a forma de olhar exige a quebra de paradigmas, a ressignificação dos valores, a criação de currículos que rompam com a transmissão de uma cultura pronta e acabada, a formação do professor intercultural, que considera a diversidade cultural como fonte de riqueza para o processo ensino aprendizagem. É necessário, uma forma de olhar que ultrapasse as fronteiras identitárias, que perceba as diferenças, as representações culturais e as considere tão significativas quanto qualquer outra. Sabe-se o quanto nas escolas da fronteira amazônica são manifestas a diversidade cultural, mas toda essa diversidade fica diminuída se não houver rompimentos com a elevação de uma cultura única e maiúscula. Precisamos avaliar o significado da cultura contemporânea, como poderoso agente de exclusão e de intimidação social e política.

Falar de escolas fronteiriças e considerar as diferentes culturas em favor de um contexto democrático, requer pensar no ato de não apenas reconhecer a existência de outras culturas, considerando-as sujeitas a uma cultura dominante, mas de partir do princípio da interculturalidade, que além de reconhecer a diversidade cultural, celebra a diferença e não apenas tolera, mas, também permite o enriquecimento recíproco, mútuo entre culturas. Por isso, acredita-se na interculturalidade como um fundamento para a educação democrática em escolas fronteiriças. Boaventura, (2010 pág. 51) fala da importância de pensar além do abissal, o pensamento pós-abissal parte da ideia de que a diversidade do mundo é inesgotável e que esta diversidade continua desprovida de uma epistemologia adequada. Em outras palavras, a diversidade epistemológica do mundo continua por construir. Ele nos faz entender que esse pensamento significa perceber a presença de ambos os lados da linha, pois, a existência de um lado não anula a existência do outro, essa invisibilidade forja uma falsa ausência em um dos lados. Em um lado; existência, visibilidade, conhecimentos mensuráveis e compreensíveis por obedecerem a critérios científicos de verdade, do outro, inexistência, invisibilidade, conhecimentos incompreendidos e ignorados. Vivemos ainda hoje algo que muito se assemelha ao período colonial, falamos aqui com referência especificamente a culturas, pois, em meio a suas multiplicidades, é possível que uma cultura se sobreponha a outras, e um poder hegemônico cultural se estabeleça, pois, a negação do outro lado da linha caracteriza práticas hegemônicas. O colonialismo representa exatamente o pensamento abissal, pelo modelo de exclusão radical que permanece atualmente em pensamentos e práticas. Boaventura, nesse texto, vem questionando o sentido de epistemologias dominantes e propõe o reconhecimento de experiências de conhecimento de mundo, buscando valorizar a diversidade de saberes de forma que a intencionalidade e a inteligibilidade das práticas sociais tornem-se mais amplas e mais democráticas.

CONCLUSÃO Com este estudo foi possível vivenciar de forma mais aprofundada o cotidiano deste espaço fronteiriço e adquirir experiências quanto as escolas e também ao modo de vida desta população, foi possível entender que ser um habitante desta região ou um estudante de uma escola fronteiriça não é suficiente para entender a dinâmica de como tudo acontece, mas sim, a pesquisa estruturada com subsídios que permitem adquirir resultados esperados e até inimagináveis. Estivemos como praticante do cotidiano escolar em algumas classes, fazendo um mergulho com a intenção de compreender como os currículos expressam as questões referentes aos estrangeiros nas três escolas já que as mesmas possuem em seu quadro de discentes alunos brasileiros, colombianos e peruanos dando atenção a possíveis práticas subversivas e atitudes de valorização ou desvalorização dessas identidades. Antes da pesquisa não havíamos pensado que em algum momento na docência iriamos nos deparar com um aluno peruano e/ou colombiano, que todas as escolas desta região são fronteiriças e que o professor que atua ou futuramente irá atuar nesta região precisa ter um novo olhar que rompa com limites que a diferença impõe e que pode ser um empecilho no desenvolvimento das escolas. Realizar uma pesquisa científica na área da educação onde o objeto de estudo são escolas da tríplice fronteira amazônica permite descobrir novos significados, novos valores, nova visão de relações entre indivíduos de mesma e diferente comunidade e nova visão de mundo. Com isto as possibilidades inicialmente mencionadas onde considerava-se que possivelmente os sujeitos omitiam suas identidades nacionais por não serem valorizadas, ao longo do mergulho nas escolas foram confirmadas, trazendo assim, a conclusão de que os alunos estrangeiros estão inseridos nas escolas fronteiriças de forma invisibilizada, onde eles mesmos ocultam suas identidades, mas porquê primeiramente concebem que as mesmas não são valorizadas no cotidiano escolar. Pensa-se que essas escolas devam estar preparadas para receber alunos estrangeiros devido à constante mobilidade entre os municípios, e no cotidiano dessas escolas fronteiriças deveriam ser incluídas práticas que valorizem tanto o aluno do próprio país quanto o estrangeiro, para que todos se sintam parte integrante da realidade em que estão inseridos. Caso contrário, imaginamos que esses sujeitos subvertam suas identidades nacionais por não serem valorizadas dentro desse espaço.

REFERÊNCIAS ALVES, Nilda. Formação de professores: pensar e fazer. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 1995. p. 16 MONTENEGRO, Márcia Maria Nunes. Professor Caboclo: educando na diversidade para a diversidade. Manaus: BK, 2006. ROCHA, Aline Andrade Weber Nunes [et al.] Currículos Teorias e práticas. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 15 SANTOS, Boaventura de Souza; MENEZES, Maria Paula Epistemologia do Sul. São Paulo: Cortez. 2010 SILVA, T. T; HALL, S; WOORDWARD, Kathryn. Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Oficina do CES n. 135, Centro de Estudos Sociais: Coimbra, janeiro 1999.